I – CONSIDERAÇÕES GERAIS
O muito que se tem escrito e
discutido acerca da regionalização e descentralização é uma prova de
que todos, governantes e governados, sentem que as estruturas
antiquadas que regem a vida do país já não correspondem às
necessidades e formas de vida da nossa época.
Há, no entanto, que distinguir dois
aspectos que se nos afiguram fundamentais e que, na óptica pessoal
de encarar o problema, informam toda a nossa concepção acerca da
problemática em causa e suas possíveis soluções.
Assim, de imediato nos referiremos a
esses aspectos que condicionarão todo o trabalho que se apresenta.
No nosso modo de ver, teremos de
considerar uma problemática de planeamento e uma problemática de
gestão administrativa; salvo melhor opinião, são coisas distintas
que conduzirão a formas e limites de regionalização não
coincidentes, embora complementando-se mutuamente.
O planeamento regional deverá
abarcar áreas, por vezes difíceis de definir, mas onde certamente
será possível encontrar certas afinidades e uma certa homogeneidade,
que darão ao conjunto desse território uma evidente unidade.
Factores geológicos, climáticos, geográficos, de cultura das
populações, agrológicos e outros, que seria fastidioso citar,
correndo-se sempre o risco de não os mencionar todos, são factores,
dizíamos, que moldam a unidade duma região, sobre a qual incide o
chamado «planeamento regional».
O planeamento nacional será um tipo
de planeamento em escala mais elevada que influenciará o planeamento
regional, mas que também por ele será influenciado.
Julga-se que do planeamento nestes
dois escalões, nacional e regional, se poderá dizer que constituem
um estudo em que se utiliza um método semelhante ao de «aproximações
sucessivas». Com efeito, um planeamento nacional, embora em linhas
muito gerais, vai condicionar o planeamento regional, mas os
desenvolvimentos deste vão certamente reflectir-se, por sua vez, no
planeamento nacional, introduzindo nele correcções ou mesmo
alterações.
Por outro lado, na nossa maneira de
ver, o planeamento quer nacional, quer regional, não poderá ser
estático; terá de ser suficientemente elástico para poder fazer face
à permanente evolução das condições da vida humana sejam elas quais
forem.
Como corolário desta concepção,
resulta a necessidade de órgãos de estudo ou planeamento, quer em
escalão nacional, quer em escalão regional.
É natural perguntar-se se existem já
tais órgãos, capazes de planear.
Com designações em que entra a
palavra «planeamento», julgamos haver muitos órgãos a nível
nacional, e até, possivelmente, a nível regional.
Serão eles capazes de realizar
planeamento, no verdadeiro sentido? Cremos bem que não, até porque
muitos deles, embora com designações em que figura, como dissemos, a
palavra «planeamento», foram concebidos para acções que nada têm que
ver com o tipo de planeamento que temos em vista.
Tem-se utilizado tanto a palavra
«planeamento» – talvez por não ocorrer outra mais apropriada – em
sentidos tão diferentes, que de forma alguma coincidem com o sentido
global em que aqui a empregamos.
O planeamento que temos em vista é
um planeamento global do território que tenha em conta não só a
ocupação e utilização física do solo, mas também os aspectos
económicos e ambientais a ele ligados.
É evidente que os gabinetes de
Planeamento dos Ministérios e Direcções-Gerais, não correspondem de
forma alguma a esta concepção global de planeamento.
/ 59 /
Poderá parecer que desta concepção
de planeamento global resultariam órgãos de dimensões exageradas,
onde praticamente se concentrariam todas as técnicas dispersas pelos
actuais gabinetes.
Sem excluir a possibilidade e até a
conveniência de muitos desses técnicos serem deslocados para os
órgãos de planeamento que antevemos, será de pôr de parte a ideia da
concentração acima referida.
Os órgãos de planeamento que
concebemos são órgãos que, embora realizem estudos de planeamento
propriamente dito, desempenham outra missão não menos importante;
serão também órgãos coordenadores de estudos e actividades doutros
departamentos.
Alguns exemplos vão ajudar a
esclarecer em que consiste esta coordenação que tão necessária se
nos afigura.
Sucede em geral que os departamentos
que especificamente têm a seu cargo sectores de actividade, vias de
comunicação, hidráulica, agricultura, pecuária, urbanização,
hospitais, escolas, etc., estudam os problemas somente nos aspectos
específicos que lhes competem, esquecendo ou ignorando muitas vezes
as consequências que, para outros sectores possam resultar das
opções que tomem.
O aproveitamento do solo para fins
de desenvolvimento urbano não deverá fazer-se sem se ter em conta a
capacidade desses solos para outros fins, entre estes a agricultura.
Uma estrada, por exemplo, não
deveria ser considerada somente sob os aspectos de tráfego entre os
dois pontos a ligar. Uma obra de arte, como a nova ponte da barra e
seus acessos, não é apenas uma obra de transposição da Ria. Uma obra
como esta vai causar um forte impacto em toda a região influenciada,
tanto podendo ser benéficas como maléficas as consequências deste
impacto. Tudo dependerá das medidas preventivas que se tomem como
resultado duma correcta coordenação, ou se não tomem, deixando para
mais tarde a improvisação de soluções, para problemas que já não
podendo solucionar-se correctamente, terão de ser solucionados
sofrivelmente, se as más soluções ainda forem evitáveis.
Diremos que o planeamento global
será a arte de encontrar as melhores soluções para a problemática em
causa, sacrificando-se harmoniosamente alguma coisa na solução dos
problemas específicos que constituem a problemática geral.
Quer isto dizer que o planeamento
não poderá realizar-se como um puzle, em que se ajustam as soluções
óptimas dos problemas específicos a cargo de cada departamento.
Um planeamento global correcto
afigura-se-nos ser, portanto, aquele que, tendo em conta as soluções
dos problemas específicos, por vezes em franca oposição entre si,
permite obter o maior benefício geral para a região a que se
destina. É um problema que se nos afigura ser perfeitamente
quantificável, desde que o modelo que o represente seja elaborado
correctamente e com bom senso, considerando que, aqui, a análise
matemática do problema será um guia e não uma receita infalível.
Os órgãos de planeamento regional,
que poderíamos designar por «Gabinetes de Planeamento Global e
Coordenação», exigirão equipas numerosas de técnicos especializados
nos vários ramos de actividades.
Estes técnicos são necessários, não
só para preparação dos estudos gerais que constituirão o
planeamento, mas também para o diálogo com os departamentos aos
quais caiba a missão de desenvolver os estudos específicos
transformando-os em projectos de realização.
Seria através destes contactos
Gabinetes-Departamentos, que se estabeleceria a coordenação
indispensável.
Como deverão as populações
participar no planeamento, por muito geral que seja, já que ele, o
planeamento, se destina à melhoria da forma de vida dessas
populações?
Afigura-se-nos que num primeiro
contacto com as populações interessadas, se deverá levá-las a tomar
consciência da sua situação presente, procurando-se que elas
próprias sintam a necessidade de, através dum planeamento, modificar
o estado de coisas em que se encontram. Na nossa opinião, este acto
de esclarecer, para que seja útil, deverá atingir o maior número
possível de pessoas. Através de publicações em jornais, da rádio e
da T. V. será possível atingir as massas, esclarecendo-as de forma a
adquirirem uma correcta consciência da situação em que se encontram.
Cremos que esta acção de esclarecimento bem conduzida será como que
uma óptima preparação da terra para que a sementeira que se seguirá
possa produzir frutos. Dentre os vários meios de actuação, cremos
que a T. V. será, por excelência, o que permitirá atingir o maior
número de pessoas.
Julgamos que esta fase de
esclarecimento prévio é indispensável para que as populações possam
participar conscientemente na preparação do seu futuro.
Note-se bem que nesta fase não estão
em causa orientações futuras ou possíveis opções.
Desenvolvendo-se o planeamento
através de acções de esclarecimento e consulta, diremos que esta
primeira fase é uma acção de esclarecimento preparatória para as
acções seguintes.
Estas acções preparatórias de
esclarecimento, sendo indispensáveis quanto às populações, também
serão certamente de grande utilidade para os seus representantes
que, muitas vezes acerca da situação têm ideias
/ 60 / erradas, ou, pelo
menos, vistas através duma óptica muito pessoal.
Parece-nos haver interesse em que
esta acção de esclarecimento, uma acção pedagógica, seja permanente,
já que os factores que condicionam a situação poderão variar e assim
novos motivos de esclarecimento surgirem no decorrer do processo.
Mas à medida que os estudos forem
progredindo, até à fase das opções que ditarão o futuro da região, o
diálogo e as consultas deveriam prosseguir com os representantes
eleitos pelas populações para os diferentes níveis administrativos,
representantes estes que, deste modo, ficarão ligados às decisões
finais que venham a tomar-se no mais alto escalão administrativo.
II – REGIÕES DE PLANEAMENTO
A REGIÃO DO VOUGA «REGIÃO DE PLANEAMENTO»?
Cremos haver quem seja de opinião de
que as regiões de planeamento deveriam coincidir com as bacias
hidrográficas e com as próprias regiões administrativas.
Que uma região de planeamento possa
coincidir com a bacia hidrográfica dum rio, achamos perfeitamente
natural. Já discordamos, e atrás o dissemos, que os limites duma
região administrativa coincidam forçadamente com os limites duma
região de planeamento. Diga-se, desde já, que se nos afigura
perfeitamente aceitável, que os limites da região de planeamento,
ultrapassem ou não os limites duma bacia hidrográfica. É evidente
que, em muitos casos, a unidade duma região de planeamento não se
caracterizará somente pelo facto de constituir uma bacia
hidrográfica. A região banhada por um curso de água que pertenceu a
uma certa bacia hidrográfica e foi capturada para outra bacia, pode
manter características da bacia a que pertenceu, devendo assim fazer
parte como elemento integrante duma região de planeamento
constituída por esta bacia hidrográfica.
Julga-se que, dum modo geral, as
bacias hidrográficas contêm em si muitos dos factores que formam as
regiões homogéneas de planeamento a que atrás nos referimos.
É pelos vales dos rios que mais
facilmente se lançam as vias de comunicação e é, nas suas
proximidades, que os aglomerados se fixam e desenvolvem.
Geologicamente também nas bacias
hidrográficas se encontra uma certa unidade, embora o trabalho
erosivo e de sedimentação tenha diversificado as características dos
solos; mas esta diversificação talvez até contribua para cimentar
uma certa unidade, através da complementaridade de utilizações que
ela possibilita.
Julga-se assim que as bacias
hidrográficas contêm, se não tudo o que deva caracterizar as regiões
de planeamento, pelo menos muitos dos elementos indispensáveis a
esta caracterização.
Julgamos possível que na prática não
haja bacias hidrográficas contendo em si todos os elementos que
teoricamente caracterizem uma região homogénea de planeamento.
Afigura-se-nos também que as regiões
de planeamento poderão ultrapassar os limites das bacias
hidrográficas. Parece-nos constituir um exemplo característico, o
facto das terras de Mira que, não pertencendo à bacia do Vouga, são,
sem dúvida, parte integrante duma região de planeamento que, além da
bacia hidrográfica do Vouga, abrange também a região da Ria de
Aveiro.
O mesmo poderíamos dizer da região
de Estarreja e Ovar, que se integra na área envolvente da Ria de
Aveiro.
Mas outros factores poderão
certamente conduzir a que uma determinada região, que não pertence à
bacia hidrográfica dum rio, seja incluída numa região de planeamento
formada por uma certa bacia hidrográfica.
Estamos perante um problema de
fronteiras que não pode ser solucionado rigidamente. Ao fim e ao
cabo, trata-se dum problema fortemente condicionado por interesses
humanos e, assim, a inclusão ou não deste território, numa região de
planeamento, parece-nos dever ser ditada pelo bom senso capaz de
encontrar a solução de equilíbrio entre possíveis elementos
antagónicos.
Vamos procurar se, na região do
Vouga, ou seja, na sua bacia hidrográfica, e no território para além
dela, existem elementos que possam caracterizar esta região como
região de planeamento, mais ou menos homogénea.
É inegável que o porto de Aveiro é o
porto de natural saída para o mar, duma vasta região de que
poderemos considerar, como eixo nascente-poente, a Estrada
Viseu-Aveiro.
Seja qual for o traçado da futura
rodovia Aveiro-Viseu, ela andará certamente mais ou menos encaixada
no Vale do Vouga, ou se quisermos, dentro da sua bacia hidrográfica.
Mas a influência deste porto não vai
somente até Viseu; parece-nos não ser exagero se dissermos que ela
se estenderá mesmo para além da fronteira.
Temos assim um grande eixo
rodoviário ligando a zona fronteiriça à auto-estrada do norte e ao
porto de Aveiro.
Não sou especialista em matéria
portuária, mas afigura-se-me não exagerar dizendo ser este porto um
/ 61 / elemento de grande
peso na economia duma região e, consequentemente, na economia do
país.
Com efeito, o papel do porto de
Aveiro ultrapassará uma função meramente regional, para, num futuro
próximo, vir a desempenhar um papel em escala nacional.
A saturação do porto de Leixões
levará, mais tarde ou mais cedo, a ver-se no porto de Aveiro a
melhor alternativa para lhe suceder, absorvendo assim uma parte do
tráfego de mercadorias destinadas a Leixões, mas que então terão de
se repartir pelos portos situados a norte e a sul daquele.
Outro elemento a considerar e que se nos afigura ser fundamental na
definição desta região de
planeamento é a Ria de Aveiro.
A Ria de Aveiro é, na verdade, um
acidente geográfico e geológico ímpar na costa portuguesa. Nela
desaguam vários pequenos rios, além do Rio Vouga que é o mais
extenso e com maior bacia hidrográfica. A lagoa de Mira e alguns
pequenos tributários também lançam as suas águas na Ria de Aveiro.
Parece-nos que a região envolvente
da Ria de Aveiro, com as bacias hidrográficas que dela são
tributárias, poderão integrar-se nesta região de planeamento. Assim,
esta seria definida, no litoral, por uma larga frente que englobaria
a Ria de Aveiro, estendendo-se para sul até às terras de Mira.
Até onde esta área de planeamento
poderia estender-se para nascente, não estamos em condições de o
dizer seguramente.
Afigura-se-nos, no entanto, que há
duas infra-estruturas fundamentais que poderão ditar até onde esta
região de planeamento poderá realmente estender-se. Temos em mente o
porto de Aveiro e a entrada Aveiro – Auto-Estrada do Norte – Viseu –
Vilar Formoso.
III – DESCENTRALlZAÇÃO ADMINISTRATIVA
Antes de apresentarmos as nossas
próprias ideias, vamos tentar, embora resumidamente, fazer uma
análise crítica do projecto de «ADMINISTRAÇÃO REGIONAL», apresentado
ao país pelo M.A.I., para estudo e discussão.
Poderemos sintetizar em três grandes
linhas ou princípios o conteúdo deste projecto:
a) Descentralização de competências,
com definição de três níveis de intervenção: nacional, regional e
local;
b) Criação de órgãos de
administração local e regional com capacidade de acção nos campos
político, técnico e financeiro;
c) Unidades geográficas com
dimensionamento espacial adequado para os seus níveis de
responsabilidade.
Na página VII da Nota de
Apresentação pode ler-se que «A delimitação proposta mantém os
actuais concelhos e abandona os limites dos distritos por se
considerarem claramente ultrapassados pelas realidades económicas e
sociais, além de nunca terem tido outra realidade que a de
circunscrições eleitorais e de área de actuação dum comissário
político do Governo».
Discordamos francamente desta
opinião acerca dos distritos, no que somos acompanhados por
numerosas pessoas.
Destrói-se assim, numa penada, uma
realidade administrativa que, embora necessitando certamente de
correcções, vem revelando uma certa unidade desde há longos anos. A
esta realidade está ligada a existência de cidades que são as
capitais de distrito.
Se muitas destas capitais de
distrito não se desenvolveram nem atingiram um nível desejável, isso
se deve, não à divisão administrativa nem aos seus possíveis
defeitos, mas antes à ausência dum correcto planeamento integral que
conduziu às conhecidas assimetrias de desenvolvimento e à excessiva
centralização administrativa, na capital do país.
Por outro lado, que será de esperar
da divisão provincial proposta? Que critérios presidiram à sua
constituição?
Quando vemos o concelho de Ovar,
que, sem dúvida, faz parte duma unidade que é a região do Vouga e
Ria de Aveiro, ser integrada na província do Minho, Douro e
Trás-os-Montes, são legítimas as dúvidas acerca do valor dos
critérios que presidiram à elaboração do projecto da nova divisão
administrativa.
Se, por um lado, o projecto não
prevê a eliminação ou criação de novos concelhos, por o julgar
desaconselhável numa primeira fase, por outro lado, encara a
extinção do distrito como unidade administrativa.
Da leitura do projecto parece-nos
poder inferir-se a preocupação de se fazer coincidir as regiões de
planeamento, com as regiões administrativas.
Salvo melhor opinião, parece-nos não
haver qualquer vantagem nesta coincidência, que não é necessária.
Afigura-se-nos que as dimensões do
distrito como região administrativa, em que se centraliza o poder
regional, apresenta dimensões convenientes, nem pequenas, nem
grandes.
Criar grandes regiões
administrativas, como, por exemplo, a província da Beira com a
capital em Coimbra, não nos parece que traga quaisquer vantagens
para as populações.
/ 62 /
Será até de temer que as actuais
capitais distritais, em lugar de progredirem, retrogradem para
níveis de desenvolvidamente mais baixos do que os já atingidos.
Por outro Iado, pode perguntar-se
que papel caberá às Direcções-Gerais através das quais hoje se
exerce, em grande parte, o poder central.
Neste aspecto, parece-nos ser o
projecto omisso, pois que definindo os órgãos de administração
regional, nada diz acerca do destino ou papel daqueles clássicos
órgãos – as Direcções-Gerais – por meio dos quais o poder central
exerce a sua acção.
São dois os órgãos de administração
provincial que o projecto prevê:
a) Conselho Provincial;
b) Comissão Executiva.
Passaremos em claro o primeiro, para
fazer incidir um pouco a nossa atenção no 2.º.
Do artigo 5.º ao 10.º,
especificam-se as amplas atribuições dos órgãos administrativos,
mormente da Comissão Executiva.
Como vai compatibilizar-se esta gama
de atribuições executivas e de planeamento com as possibilidades
práticas de actuação da Comissão Executiva?
Como vai ela coordenar os diversos
Serviços Públicos, se eles se mantiverem nas capitais de Distrito?
Reduz-se, ou minimiza-se a actividade daqueles, empolando-se o campo
de acção e competência dos Serviços Públicos Regionais, naturalmente
com sede na capital regional?
Que papel, que funções terão neste
modelo as Direcções-Gerais? Como será possível uma coordenação a
nível regional, se as Direcções-Gerais se mantiverem tal qual são
hoje? Mas se as Direcções-Gerais tiverem de sofrer profundas
alterações, como se explica que estejamos a assistir a profundas
reestruturações das existentes e à criação de novas
Direcções-Gerais, sem sabermos qual será o modelo definitivo de
regionalização?
Mas se se mantiverem os Serviços
Distritais, como vai ser feita a coordenação? Pela Administração
Regional? Pelas Direcções-Gerais melhor ou pior reestruturadas?
Como será assim possível uma
coordenação, dispersando-se os serviços por numerosas zonas de
competência (Direcções-Gerais)? Que descentralização real e
eficiente será assim possível?
Note-se que, sendo a nossa crítica
quase exclusivamente técnica, e não de ordem política, abstemo-nos
de fazer qualquer referência ao facto dos presidentes,
vice-presidentes e vogais da Comissão Executiva serem nomeados e não
eleitos.
Porque não pretendemos fazer uma
crítica exaustiva, limitamo-nos ao que se disse.
Cabe, no entanto, fazer ainda uma
referência ao projectado, e julgo desejável, agrupamento de
concelhos.
É uma tarefa difícil, mas que, com
tempo e paciência, poderá até conduzir, em alguns casos, à extinção
de concelhos que, por si só, não justificam a manutenção dum serviço
administrativo independente.
A experiência dos G. A. T., embora
realizada num campo onde o agrupamento se afigura mais fácil é, na
realidade, um começo de que poderão resultar consequências
positivas; tudo dependerá do modo como estes G. A. T. funcionarem e
forem orientados.
Concluindo, afigura-se-nos que o
projecto de regionalização administrativa é incompleto e omisso em
vários aspectos, e, o que é mais importante, embora descentralizando
o poder de decisão que em grande parte passa da capital do país para
a capital regional, não atingirá os seus objectivos de fomentar o
desenvolvimento das regiões mais atrasadas, não se conseguindo,
assim, eliminar as assimetrias de desenvolvimento que poderão,
possivelmente, até agravar-se.
REGIONALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA SEGUNDO OS PONTOS DE VISTA DO AUTOR
Já antes do 25 de Abril que o
signatário destas linhas se debruçou na análise desta problemática
e, diga-se desde já, que as alterações que, inevitavelmente, o 25 de
Abril veio introduzir no modo como a encara, não são de grande
monta, pois as linhas fundamentais mantêm-se.
Nesse estudo inicial entendíamos que
as estruturas administrativas que fundamentalmente necessitavam de
alterações eram as estruturas Administrativas do Estado. Mas não
deixámos de procurar meio de articular a Administração Estatal com a
Administração Autárquica.
Fundamentalmente orientou-nos a
busca de novas formas que representassem uma real descentralização
do poder central, transferindo-o para a região.
Tivemos em vista que a acção do
poder central se exerce sempre através das chamadas
Direcções-Gerais. Nesta estrutura administrativa, a liberdade de
acção das Direcções Regionais (Distritais) embora diferindo entre
si, é diminuta, não tendo assim a capacidade de resposta necessária
ao dinamismo da nossa época. Através desse estudo, procuramos
demonstrar que a falta de operacionalidade dos Serviços Estatais
resultou fundamentalmente da centralização crescente, a partir do
advento do Salazarismo
Essa centralização conduziu a um
empolamento dos Serviços Centrais que, à medida que o rendimento
/ 63 / diminuía, melhor
dizendo, à medida que diminuía a eficiência dos Serviços, recorriam
ao expediente de compensar a falta de eficiência. Este crescimento
numérico dos trabalhadores da função pública conduziu a um
progressivo desnivelamento de salários em relação às actividades
privadas, empresas, bancos, etc. Este desnivelamento salarial
contribuiu por sua vez para baixar a eficiência dos Serviços, já que
os trabalhadores da função pública, para sobreviverem, se viam na
necessidade de procurar, fora do serviço do Estado, o suplemento
necessário à sua sobrevivência.
A agravar tudo isto, uma máquina
administrativa defeituosamente centralizada, com gestores muitas
vezes escolhidos, não pela sua capacidade de trabalho e competência,
mas por outros motivos, às vezes por ser o único à mão para o cargo.
É inevitável que uma máquina
administrativa deste género não é operacional, traduzindo-se a sua
acção por uma baixa rentabilidade.
Daqui parece poder inferir-se que a
situação só poderá melhorar através duma reestruturação de toda a
Administração Pública, e não através da criação de Direcções-Gerais,
ou da reestruturação das existentes.
Salvo melhor opinião, este
empolamento do número de Direcções-Gerais conduzirá até ao
agravamento da situação.
A reestruturação que preconizamos
deveria fundamentar-se em quatro grandes linhas de actuação.
a) Descentralização em relação ao
poder central, personificado nas várias Direcções-Gerais;
b) Integração ou fusão, dentro da
região (o Distrito) dos diversos Serviços dum mesmo Ministério, de
forma a obter-se uma autêntica coordenação e melhor aproveitamento
dos elementos que imaginei;
Presentemente, há serviços que,
embora pertencentes a diferentes Ministérios – O. P. e M. H. U. C. –
poderiam fundir-se no organismo – Direcção de Obras Públicas do
Distrito.
c) Melhor pagamento aos
trabalhadores da função pública, equiparando-os neste aspecto aos
das actividades privadas, muitas das quais hoje, ou são empresas
públicas ou empresas nacionalizadas;
d) Redução numérica dos
trabalhadores da função pública, que se nos afigura existirem em
número elevado no momento que passa.
Afigura-se-nos perfeitamente
possível uma integração análoga à referida em b) nos organismos
doutros Ministérios.
De acordo com este modo de encarar o
problema, isto implica uma forte descentralização do poder de
decisão que é transferido para a região; conduzirá assim a uma tal
redução do papel das Direcções-Gerais na Administração Pública, que
bem poderíamos dizer, equivale ao seu desaparecimento.
A ligação ou articulação com os
respectivos Ministérios far-se-ia através das Secretarias-Gerais
para isso devidamente reestruturadas.
No que diga respeito à Administração
Autárquica, afigura-se-nos que, uma vez assegurada a sua real
autonomia em relação às Direcções-Gerais de que hoje dependam,
ficariam ligadas à Administração Regional (distrital) através dum
Conselho Distrital, constituído à semelhança do projecto do M. A. I.
por representantes dos municípios, pelos diversos Serviços
Distritais e pelo Governador Civil que presidiria.
Além deste Conselho, julgo que
deveria haver um outro equivalente à Comissão Executiva do projecto
do M. A. I.
A base regional desta estrutura
deverá ser, na nossa opinião, o Distrito, que se nos afigura ser já
uma forte realidade socio-económica e cultural que não pode ser
ignorada, mas antes devendo ser reforçada.
Afigura-se-nos que um projecto como
este contém em si possibilidades que julgamos de indiscutível
interesse.
Vai dinamizar e incrementar o
desenvolvimento das cidades portuguesas que, dum modo geral, são as
capitais dos distritos.
Tememos que o projecto do M. A. I.
com uma só capital regional conduza, não ao progressivo
desenvolvimento daquelas cidades, mas antes ao seu progressivo
definhamento.
CONCLUSÕES
Concluindo, poderíamos sintetizar o
nosso pensamento como segue:
1) Urge proceder-se a uma
descentralização administrativa Estatal, criando órgãos regionais de
administração e decisão que perfeitamente dispensem as
Direcções-Gerais. Os contactos com os Ministérios seriam
estabelecidos, não através das Direcções-Gerais, mas sim através das
Secretarias-Gerais e Gabinetes de controlo, devidamente
estruturados. A existência das Direcções-Gerais, na sua forma
actual, é absolutamente incompatível com uma real descentralização;
/ 64 /
2) Considera-se que, como Região
Administrativa, se deveria manter o distrito, salvo alguns
ajustamentos, pois só assim se nos afigura possível dinamizar e
desenvolver as cidades portuguesas, que, na sua esmagadora maioria,
são as capitais de Distrito;
3) Julga-se indispensável que,
dentro da Região Administrativa, se proceda a uma fusão ou
integração de Serviços, do mesmo Ministério, ou mesmo de Ministérios
diferentes;
4) Deverá procurar-se pelos meios
sugeridos, ou outros, uma íntima articulação entre a Administração
Regional Estatal e as Administrações Autárquicas existentes no
Distrito;
5) Esta articulação poderia
realizar-se através duma Assembleia Distrital em que estivessem
representados todos os Serviços do Estado existentes no Distrito e a
Administração Autárquica por Intermédio dos representantes de todos
os municípios. Esta Assembleia, antevêmo-Ia como um plenário dos
actuais G. C. O. M. em que também teria assento o Governador Civil e
em que o âmbito da competência seria alargado.
Além desta Assembleia Distrital,
julga-se necessária a existência duma Comissão Executiva, que
poderia ser presidida pelo Governador Civil, como representante do
Governo Central. A esta Comissão executiva, à semelhança do projecto
do M. A. I., caberia a missão de coordenar e orientar a acção dos
diferentes organismos Distritais;
6) Julga-se necessário e urgente
criar Regiões de Planeamento baseadas em critérios sólidos que
permitam, tanto quanto possível, que essas regiões sejam homogéneas.
Cremos que o critério que desenvolvemos merece, pelo menos, que se
atente nele. De forma alguma os limites da Região de Planeamento
deverão coincidir forçadamente com os limites da Região
Administrativa, no caso proposto, o distrito. |