Na antologia sobre Aveiro que
importa organizar, ou, talvez, melhor, publicar, figurarão,
indubitavelmente, poemas de Murilo Mendes e Ribeiro Couto, nomes que
avultam, de resto, na lírica do Brasil. Que constam, inclusivamente,
das próprias antologias do país de expressão portuguesa de
Além-Atlântico.
Ribeiro Couto
(1898-1963) terá passado por Aveiro em 1944 – pelo menos é essa a
data do seu poema –, onde se deixou cativar pela graça quase alada
dos barcos moliceiros. Caso Curioso, na mesma época estabeleceria
relações de Índole literária com Mário Sacramento.
Murilo Mendes
(1901-1975) haverá escrito os seus versos, denominados «Aveiro», em
1966. Casado com Maria da Saudade Cortesão, filha de Jaime Cortesão
– outro nome a ilustrar uma antologia aveirense –, é de crer que o
Poeta visitasse a cidade das «salinas palmeiras» vindo de S. João do
Campo, nos aros de Coimbra. A reger em Roma a cadeira de estudos
brasileiros, não se torna despropositado supor que, num período de
férias em Portugal, demandasse uma urbe tão próxima do ninho
familiar.
Tudo isto não passará de
inconsistente pó levantado, de meras conjecturas. Autêntica, mas
autêntica mesmo, a beleza tersa dos dois poemas.
RIA DE AVEIRO
Na ria de Aveiro
Quero um pequenino
Barco moliceiro.
Também sou menino. |
Na ria de Aveiro
Podeis vir comigo,
Barco moliceiro
Nunca tem perigo. |
Nunca se naufraga
Na ria inocente:
Da crista da vaga
Vêm braços à gente. |
|
Pôr do sol na Ria. Barco moliceiro
na faina. |
Quer vão ao moliço,
Quer soltem as redes,
O mar é submisso
Aos barcos que vedes.
Brancas, amarelas,
Na ria de Aveiro
Se espalham as velas:
Brinquedo ligeiro.
Também sou menino,
Ó moças de Aveiro!
Dai-me um pequenino
Barco moliceiro.
RIBEIRO COUTO
1944 |
/ 46 /
AVEIRO
Eis os longos lençóis brancos das
salinas mais o inesperado jardim de palmeiras desta sem cartazes
Aveiro, exótica no contexto da geografia portuguesa. Salinas e
palmeiras! A bordo dum barco minúsculo, giramos a delícia de
descobrir, na claridade gratuita, pequena franja de Oriente inserido
num plano de paisagem da Holanda. O barqueiro seguro em camisa da
Nazaré manobra servindo-se de mínimos calculados gestos.
*
Quase salta ao nível da rua o peixe
azul ou vermelho.
As não-inquietantes aveirenses riem
recíprocas, quem sabe saberão a sal.
*
Nada electrónico, nada «arrabbiato»,
esconjurando eventualmente o mal do século nuclear, na distante
Aveiro, sem haveres, em outra dimensão política, eu viveria
saboreando ovos moles, atento aos longos e longes lençóis brancos de
sol cómodo e suas salinas.
Roma, 1966
MURILO MENDES
Barco saleiro num canal debruado de
palmeiras.
|