ACTO II
Corrida a cortina, segue-se um
pano com caracteres que dizem: [ Ovos Moles ]. A orquestra executa
uma rápida sinfonia com motivos do hino de José Estêvão. A seguir,
sobe o pano e aparece vista de jardim. Passados instantes, entram
por um lado aveirenses de ambos os sexos, dançando e cantando a
marcha popular da autoria de D. Gabriela Ferreira Viterbo:
Haja calor e haja alegria;
dancemos todos até estoirar,
pois que chegou
e se mostrou
o homem que nos há-de salvar.
Soltemos todos vivas em barda
a Pangloss, a nossa guarda!
Vamos lá vê-lo
todos, todos a correr,
depressa, mui açodados,
que ele aqui há-de apar’cer!
(Repete-se a estrofe
anterior)
(Saem pelo lado oposto, soltando
vivas. Entram Pangloss e Aveiro)
PANGLOSS – Esta gente continua a ser
muito alegre. Não mudou.
AVEIRO – Sim, Sr. Doutor. Eu sou, de
meu natural, muito alegre, muito expansiva. Pois esta marcha, tão
viva e saltitante, compô-la a meu pedido uma Senhora, uma aveirense.
Traduz perfeitamente a viveza deste povo, Dr. Pangloss. Para o
quadro ser completo, só faltam os foguetes do Zé Parracho.
PANGLOSS – Eu não gosto de foguetes.
(Sorrindo) Mas... Verdade seja que, se os não houvesse,
também não havia fogueteiros,
AVEIRO – Pois há-de ouvi-los. Eu
sou, em todo o país, a terra em que mais dinheiro se gasta em
artigos pirotécnicos: começa a matraqueação em Janeiro, pelo São
Gonçalinho, e pelo S. Sebastião, e só acaba em Dezembro com as
primeiras entregas de ramos.
PANGLOSS – Eu sei! Eu sei!
(Pausa) Bonito, este jardim. Como se chama? Já não me lembro.
AVEIRO – É o antigo «Jardim das
Delícias», que V. Ex.ª conheceu em 1924, quando da primeira visita
que me fez. Mudou de nome: agora chama-se «Ovos Moles».
PANGLOSS – Muito bem – Ovos moles
também são delícia. Gosto muito. (Ouve-se a marcha do começo)
Outra vez?!
AVEIRO – Andam à procura de V. Ex.ª
(Regressa o grupo, cantando e dançando)
*
PANGLOSS – (Ouvindo o seu nome)
– Ah! Ah! Eu não quero isto! Não quero.
AVEIRO (Para o grupo) – Este
Senhor não é o Dr. Pangloss. Perceberam? É que ele viaja incógnito e
não quer maçadas de recepções, discursos, jantares, entrevistas,
etc., etc. Podem aplaudi-lo agora, mas não espalhem a nova da sua
visita. (Pausa) Mas vamos a saber: quem vos deu a novidade?
UM POPULAR – Foi um pescador, que
assistiu em S. Jacinto à chegada do avião que o trouxe.
UMA TRICANA – Disse que com ele
vinham dois estudantes do Liceu, uma estudante e um velhote que
parece que há anos foi criado no Arcada e tem estado na Alemanha.
AVEIRO – Bom! Bom! Agora, é preciso
desmentir o boato. Para sossego do nosso hóspede. Não o quero
fatigar.
TODOS – Viva o Dr. Pangloss! Viva!
Viva! (Vão saindo enquanto a orquestra toca alguns compassos da
marcha)
AVEIRO – Desculpe, meu amigo. A
partir de hoje ninguém o incomodará.
PANGLOSS – Muito obrigado! Muito
obrigado! (Vendo entrar Contraditória) Quem é?
*
AVEIRO – Este tipo já V. Ex.ª
conhece, Não mudou nada durante estes vinte e tal anos. Vai ouvi-lo.
/ 72 /
CONTRADITÓRIO (Aproximando-se)
– Bons dias!
PANGLOSS – Bons dias! Guten Tag!
CONTRADITÓRIO (Para Aveiro) –
É estrangeiro?
AVEIRO – Talvez...
CONTRADITÓRIO – Pela cara, mata-se
logo. Veio ver os seus progressos, D. Aveiro? São frescos os tais
progressos! (Para Pangloss) Pois, Senhor, em meia dúzia de
palavras, vou pô-lo ao corrente do que nestes últimos tempos se tem
feito por cá. Já viu a beleza da ponte-praça? Podem limpar as mãos à
parede! Um horror!
PANGLOSS – Não acho!
CONTRADITÓRIO – Não acha?! Pois
aquele óculo, ali no meio, vale uma dinheirama – Já viu a avenida?
Um horroríssimol Aquelas árvores! Aqueles passeios e placas das
pedrinhas pretas e brancas, com desenhos futuristas e picassianos.
Pode haver maior chochice? (Pausa) Não acha de bestial
mau-gosto mostrarem-se as casas todas limpas e caiadas? É uma
monotonia confrangedora. (Para Aveiro) Não era Vossa Aveireza
muito mais linda ostentando variedade de cores nas habitações e
demais edifícios – brancas umas, negras outras, outras amarelas? Sem
dúvida!
PANGLOSS – Deixe lá! Assim sempre
está melhor.
CONTRADITÓRIO – Discordo! (Pausa)
E dizer-se que para tudo isto, e para muito mais que eu não digo
para o não maçar, foi mister ir à Torreira, como se não houvesse, cá
na terra, quem fizesse mais e melhor!
AVEIRO – À Torreira?!
CONTRADITÓRIO – Pois claro! Tudo
isto é obra do S. Paio. Ora o S. Paio é da Torreira! Ou não é?
PANGLOSS (Baixo, para Aveiro)
– Mas este cavalheiro, afinal, é o Má-língua!
CONTRADITÓRIO (Que ouviu) –
Má-Língua?! Isso... mais devagar. Eu não sou o Má-Língua. Sou mas é
o Contraditório.
PANGLOSS – Porquê?
CONTRADITÓRIO – Porquê?! Porque
estou sempre em contradição com toda a gente. Mas ao menos,
confesso-o: não sou como tantos, que são uma coisa e aparentam
outra, muito diferente. Isso, não falando na grande caterva dos que
andam sempre em contradição consigo próprios e aos quais poderei
chamar – contraditórios permanentes.
PANGLOSS – Como assim?
CONTRADITÓRIO – Sim, Senhor! Ouça.
Todos conhecem Leais de uma deslealdade a toda a prova, e muitos
Cordeiros a quem assentaria como luva o apelido de leão. Quem poderá
estar livre de se cruzar com algum Peixe que não saiba nadar, ou
tenha mesmo medo da água? – Há Silvas que não arranham; há Brutos
inteligentíssimos e Vivos que já há muito dormem na sepultura.
PANGLOSS – Está boa!
CONTRADITÓRIO – Que se dirá de um
Pato campeão de pedestrianismo? – Quantos Corteses, incapazes de uma
amabilidade! Quantos Belos e Bonitos feios como bodes, e quantos
Feios aptos a ganhar o primeiro prémio em qualquer concurso de
beleza!
AVEIRO – Ainda mais?!
CONTRADITÓRIO – Há Benvindas e
Benvindos que ninguém tolera, e Valentes sempre a darem provas da
sua incomensurável covardia. – Não são muito frequentes, mas existem
Pios e Bentos nada piedosos. Pode haver AIegres sorumbáticos,
Serenos ultra-assomadiços, Pimentas e Vinagres nada cáusticos. – Já
encontrei um Barão e um Conde, coitados, de humílima condição, a
pedir pelas portas o panem nostrum quotidianum, e um Custódio a
cujas mãos se pegavam, com incrível facilidade, os objectos e o
dinheiro do próximo. Olarilas! – Mas o cúmulo, o cumulíssimo, é
poder haver Reis republicanos e até talvez – quem sabe? – comunistas
(Pausa) Aí tem o amigo. De forma que eu sou, e com muito
gosto, o Contraditório. – E agora, adeusinho, que estou com alguma
pressa. Olhe. Aí vem outra contradição desta vida aveirense. É o...
«fado que foste fado»... (Sai. Entra uma tricana)
*
ANTlFADO – Não. «Fado que foste
fado», não. Pretendo ser... Como direi? – É tão difícil arranjar o
nome!... Pretendo ser o... o Antifado. Antifado, sim! Adoptarei
provisoriamente esta designação (Pausa) Com tendência nata
para o canto ligeiro, aspiro a tornar-me célebre, conhecida em todo
o Portugal, incluídas, é claro, suas ilhas e províncias do Ultramar,
e no Mundo, e talvez a conquistar o lindo e supremo epíteto da
divina, que dá muita fama e dá muito proveito. Ora, como eu não
tolero o fado, lanço mão do respectivo antídoto – o antifado. Querem
ouvir? Espevitem as atenções. (Toma atitude, e a Orquestra
preludia. Avança um pouco e canta)
I
Chamam ao fado canção
e dizem que é nacional;
mas em minha opinião
tudo isto está mal
O fado antigo
não ‘stá comigo
/ 73 /
II
Quem canta seu mal espanta;
por isso quero cantar;
mas a esta cançãozinha
fado não quero eu chamar.
O fado triste
já não existe.
III
Portanto, se solto as mágoas,
as sérias, as verdadeiras,
é prás lançar bem ao longe,
sem os ais das cantadeiras.
Fado castiço...
Não uso disso!
(Inclina-se para o público e sai)
PANGLOSS – Muito curiosa esta cachopa!
AVEIRO – É melhor irmos para outro
ponto do jardim. (Apaga-se a luz; e, passados momentos, mostra-se
outra vista do jardim. Num banco estão sentados um velho e uma
velha)
*
PANGLOSS – (Apontando-os) - O
passado!
AVEIRO – É verdade. Estão com
certeza, recordando coisas antigas. Ouçamos dali, para que não nos
vejam e falem à vontade. (Saem)
*
VELHO (Como que continuando uma
conversa) – Lá estás tu com as tuas teimas! Se eu te digo que
era na Praça do Pão, junto da fonte dos Arcos, que os charlatães se
instalavam, a impingir as suas especialidades!...
VELHA – Sim; mas eu ia jurar que
também os vi algumas vezes junto do mercado de Manuel Firmino.
VELHO – Aí?! Estás tola, mulher! Que
espaço teriam eles para isso? O mercado – bem engraçado que ele era!
– ficava onde agora estão os Armazéns de Aveiro e os edifícios que
se seguem até alturas do actual Café Avenida. Em frente, era aquele
terreno maninho, cheio de erva, cercado – estou a vê-lo – de vedação
de arame farpado e silvas. Passagem bastante apertada... Onde
querias tu que eles falassem? Não, mulher! Tinham ali, perto dos
Arcos, local mais apropriado. Parece que estou a ouvir um deles, a
fazer o reclame de uma pasta para dentes. Ia a passar, parei e ouvi
isto. (Continua a falar. Entra a figura evocada)
*
CHARLATÃO (Toma posição. Os
velhos continuam a falar. Dirigindo-se a um suposto público) –
Meus Senhores! (Outro tom) Quando digo – meus Senhores –, é
claro que também abranjo as Senhoras aqui presentes. A minha
consideração, como é natural, vai, até, primeiro para elas do que
para os meus colegas de sexo... (No tom inicial) Meus
Senhores! Vou-lhes agora apresentar um produto que é o supra-sumo
dos produtos, e mais científico e afamado de todos quantos merecem a
honra da minha modesta propaganda. Conhecido, meus Senhores, desde o
pólo árctico, que fica lá para as brumas do Norte, até ao pólo
antárctico, que ocupa o ponto rigorosamente seu antípoda no globo que
habitamos. Quero referir-me, meus Senhores, à pasta odentalina
italiana, premiada com trinta medalhas de oiro e quinze de prata em
várias exposições em que foi exibida. Extraída cientificamente das
lavas do Vesúvio, esse vulcão que se encontra perto de Nápoles, na
Itália, onde se forma devido à grande força eléctrica que existe no
centro de gravidade. (Dirigindo-se a um suposto espectador) O
cavalheiro ri-se?! Pode rir-se à vontadinha, porque o riso, como as
lágrimas, é livre. Pois talvez o seu riso se transformasse em choro
convulso, se atacado por uma valente dor de dentes, não tivesse à
mão, para lenitivo do seu sofrimento, um simples tubo desse
maravilhoso produto que ando vendendo ao desbarato. por conta da
casa concessionária, em tubos grandes, de três tostões cada, e em
tubos mais pequenos, de dois tostões. Posso garantir a V. Ex.as,
meus Senhores, que quem aplicar todos os dias, ao fazer a sua «toilette»
bucal, a pasta odentilina italiana, premiada com trinta medalhas de
oiro e quinze de prata em várias exposições em que foi exibida –
estará livre, perfeita e definitivamente, dessas enfadonhas dores
que eu não desejaria para ninguém, nem mesmo para a minha sogra, e
que, não matando, nem por isso deixam de molestar. (Pausa)
Uma coisa lhes posso garantir sob minha palavra de honra: os outros
dentes podem doer; mas aquele que for tratado com a minha pasta –
minha é claro, porque lhe ando a fazer a propaganda –; aquele dente,
dizia eu, que for tratado com a minha gloriosa pasta odentilina
italiana vai prá terra e nunca mais torna a doer! Não tenho a mínima
dúvida, repito, em empenhar nisto a minha palavra de honra.
(Pausa) – Queiram, pois, aproveitar, meus Senhores, porque eu já
amanhã me retiro desta encantadora terra. Três tostões o tubo
grande! Dois tostões o tubo pequeno! Dois grandes, cinco tostões!
Dois pequenos, somente três tostões! É um pau por um olho, meus
Senhores! É um pau por
/ 14 / um olho! (Tira um
lenço e limpa o suor. Passados instantes sai)
*
Ao fundo, tendo na frente árvores
frondosas, o antigo mercado Manuel Firmino. Esta e a imagem anterior
não figuram no Boletim 19.
VELHA (Continuando a conversa)
– Ai, meu homem! Com a nossa idade muito temos que contar!
VELHO – Falta ele de quê! Que de
pessoas e de coisas têm desaparecido! Quantas reviravoltas se têm
dado! Olha: onde vês tu hoje, por exemplo, um gabão? Não obstante,
era no nosso tempo agasalho vulgaríssimo dos pobres e ricos. Tão
vulgar, que os velhos da nossa mocidade ainda se lembravam de ter
visto, debaixo dos Arcos, embrulhados neles, José Estêvão, Mendes
Leite e outros grandes cá da terra. (Pausa) Recordas-te
também daqueles varredores que todos os dias vinham das aldeias, de
manhãzinha, para limpar as ruas, – antes de a Câmara ter para isso
empregados seus? Recordas-te? Tudo desaparece.
VELHA – Não me lembro eu doutra
coisa!... (Continuam a falar. Entra um sujeito, de gabão, e um
tipo de varredor, este com o respectivo cesto, pá e vassoirinha)
*
GABÃO (Cantando) –
Eu fui o gabão cá de Aveiro
que há muito larguei a palma.
Agora, já não existo:
rezem-me todos por alma.
VARREDOR –
Também já tive importância,
quando andava na limpeza;
depois das inovações,
cá pra mim veio a tristeza.
GABÃO –
Fui alguém, prestei serviços;
a todos agasalhei;
tive aqui o meu reinado,
té que em nada me tornei.
VARREDOR –
Belos tempos eram esses,
em que eu dia após dia,
limpava todas as ruas,
livrando-as da porcaria.
AMBOS –
Só estou no pensamento
dos saudosos do passado;
fui esquecido de todos:
raras vezes sou lembrado.
(Saem. Entram Pangloss e Aveiro)
*
AVEIRO (Para os Velhos) –
Bons dias!
VELHO e VELHA – Bons dias, meus
Senhores.
AVEIRO – Então? Caturrando, não é
verdade?
VELHO – Sim, e não, minha Senhora.
Estávamos a falar dos velhos tempos, daquilo que para sempre
desapareceu e só vive na nossa saudade: Mas a minha mulher por
vezes, contraria-me. (Outro tom) Coitada! Está muito velha e
esquecida. E é de uma teimosia! Coisas do caruncho...
VELHA – E tu? E tu? Ai, meu Senhor!
Aqui onde o vêem, custa-me muito aturá-lo. Perricento, teimoso...
Ele antigamente não era assim! Às vezes, não o posso aturar e
apetece-me fugir!
VELHO – Lá estás tu! Lá estás tu!
Sabes que mais? Vamos embora, que estes Senhores não têm obrigação
de se maçar com os teus disparates.
VELHA – Nem eu com os teus.
(Pausa) Desculpem, meus Senhores. Vamos; vamos lá.
VELHO – Muito bons dias.
AVEIRO – Adeus. Não se zanguem!...
PANGLOSS – Bons dias. (Saem os
velhos. Entram o Litoral e o Correio do Vouga)
*
LITORAL – Senhora minha...
CORREIO – Minha senhora...
PANGLOSS (Para Aveiro) – Quem
são?
LITORAL – Cristo dos Santos, um
criado de V. Ex.ª.
CORREIO – Fidalgo Magalhães.
PANGLOSS – Muito prazer...
(Aperta-lhes as mãos e fica a falar com Aveiro)
LITORAL e CORREIO (Cantando) –
I
Nós somos os dois pilares
– dois pilares
–
de diversa qualidade;
– qualidade
–
mas à uma batalhamos
– batalhamos
–
pelo bem desta cidade.
– da cidade.
–
/ 75 /
(Entram rapazes do 1.º e 2.º ano,
que cantam este estribilho)
I
Ao «Litoral»
mais ao «Correio»
temo-los no rol
e entre os bons amigos
do querido futebol.
II
De acordo não estaremos
– estaremos
–
em tudo quanto se faz;
– cá se faz
–
mas sempre nos esforçamos
– esforçamos
–
por que entre nós haja paz.
– haja paz
–
III
Estes dois vossos pilares
– os pilares
–
cada um tem o seu tentâmen
– seu tentâmen
–
Quando o «Litoral» afirma,
– ai afirma
–
entoa o outro o seu ámen
– o seu ámen
–
IV
Uma coisa há, em suma,
– em suma
–
que nos traz sempre a terreiro;
– a terreiro;
–
é o bem desta cidade,
– da cidade
–
da sempre risonha Aveiro.
Viva Aveiro!
PANGLOSS – Muito bem! Boa orientação
a destes esteios do progresso, D. Aveiro.
LITORAL – É que nós, bem como os
outros agentes da imprensa Iocal – os Aurélios, Cerqueiras, Amadeus,
etc., etc. – seguimos, invariavelmente, a filosofia do optimismo,
aqui implantada em Aveiro, entre 1924 e 1930, por aquele ilustre
sábio alemão. – muito mais célebre do que o famigerado Dr. Tópsius
do nosso Eça de Queirós –: o Dr. Pangloss! Graças a ele e à sua
benéfica doutrina, a cidade transformou-se completamente e é hoje a
admiração dos que nos visitam.
PANGLOSS – Não é isso o que diz o
Contraditório.
CORREIO – Vossa Excelência
conhece-o? (Gesto de desdém) Pois eu faço minhas as palavras
do Litoral. Diz muito bem!
LITORAL (Ouvindo sussurro) –
Que será isto? (Entra Ernesto com estudantes, uns de capa e
batina, outros com farda da M. P. – Pangloss puxa-lhe por um braço e
sai com ele)
ESTUDANTE – Viva, viva o Dr.
Pangloss! (Em seguida cantam, com música do hino da M. P.)
«Cá vimos, cantando e rindo»,
para o sábio saudar;
temos já bem a certeza
de que nos há-de salvar.
Viva, viva Pangloss,
que é dos sábios primor...
AVEIRO (Interrompendo) –
Atenção, amigos! Temos entre nós o famoso sábio, mas quer
conservar-se incógnito. (Para o «Litoral» e «Correio») Viram
como ele desapareceu Iogo que se começaram a ouvir aclamações?
LITORAL – O quê? Pois este velhote
que acompanhava Vossa Aveireza era Pangloss?!
AVEIRO – Em carne e osso!
LITORAL e CORREIO – Que pena!
UM ESTUDANTE – Não faz mal. Iremos
ao seu encontro, para que não deixe de estar connosco...
AVEIRO – O vosso colega Sabe-Tudo,
que o trouxe da Alemanha, tem no seu programa levá-lo ao liceu, sob
rigoroso. incógnito. Não se amofinem.
LITORAL – E nós depois nos
encarregaremos de fazer uma reportagem muito bem feita.
CORREIO – Uma reportagem com todos
os matadores.
UM ESTUDANTE – Rapazes! Viva Aveiro
e os sustentáculos e propagandistas do seu progresso! Saudemos a
bela cidade!
LITORAL e CORREIO – Viva! Viva!
ESTUDANTE – Eu sou Aveirense pelo
nascimento. Vós podeis sê-lo pelo coração. Entoai comigo três das
estrofes dum hino, embora de tom romântico, hoje completamente em
desuso, – composta por um antigo vate, meu conterrâneo.
(Coro final, com Aveiro no meio
de Litoral e Correio)
«Pátria minha idolatrada,
onde primeiro gemi;
terra minha tão querida,
/ 76 /
bela terra em que nasci,
gentil terra, onde primeiro
ao Mundo os olhos abri;
venho hoje, em pobre canto,
tua beleza exaltar;
venho ver se posso ainda
singelo canto ofertar
à terra que tanto amei,
que indo amo e hei-de amar.
Amei-te, porque, pra mim,
eras terra sem rival,
e indo hoje não conheço
no mundo beleza igual.
Hei-de ama-te porque és
a minha terra natal»
Cai o pano
Fim do 2º acto |