O prestigioso nome do discutido
historiador Pinho Leal ficará para sempre ligado a Oliveira de
Azeméis.
Para aqui veio, em momento difícil
da sua atribulada existência, e aqui viveu, durante alguns anos,
exercendo a função de administrador da Casa do Côvo.
Mas acerca da autêntica odisseia de
Pinho Leal, deixemo-nos guiar por um estudo do saudoso padre Pereira
da Costa, que foi abade de Vila Chã de S. Roque, freguesia a que
pertence o Solar do Côvo; aqui fica, também, a nossa modesta
homenagem à memória do estudioso sacerdote, cuja vida a sinistra
morte ceifou prematuramente.
Estava-se em 1860. O cargo de
administrador da Casa do Côvo – antigo, rico e nobre morgadio do
concelho de Oliveira de Azeméis – estava vago. Ali, sim, nada
faltaria; o dinheiro abundava e eram vastas as possibilidades de
percorrer grande parte do país: o conde do Côvo possuía prazos de
norte a sul e necessário se tornaria receber foros, fiscalizar
caseiros, elaborar novos contratos, sanar pleitos, etc., etc.
Cargo invejável para Augusto Soares
de Azevedo Barbosa de Pinho Leal, que não desistira da ideia
arreigada: escrever um dicionário histórico e geográfico de
Portugal.
Um seu grande amigo, que parece ter
sido José António Gomes Leite Rebelo, 1.º visconde de Santa Maria de
Arrifana, gozava da particular amizade do conde do Côvo, D.
Sebastião Maria de Castro e Lemos Magalhães e Meneses. Pinho Leal
expõe a pretensão e o visconde de Arrifana logo a apadrinha.
Contudo, era preciso descobrir um pretexto para ir ao Côvo e
apresentar o candidato a administrador.
Também aqui não houve qualquer
dificuldade. Um grande calígrafo como Pinho Leal, homem para imitar
qualquer escrita, seria bem capaz de resolver o problema, E, se bem
o pensou, melhor o fez... Com incrível perfeição redige uma carta
endereçada ao visconde de Arrifana convidando-o para assistir à
festa do aniversário natalício do conde do Côvo.
No dia aprazado chega o
«pseudo-convidado» ao Côvo e pede licença para apresentar Pinho Leal
a D. Sebastião de Castro e Lemos. Depois de trocados os cumprimentos
da praxe o visconde começa a agradecer o honroso convite e a
felicitar o aniversariante. O senhor do Côvo mostra a maior
estranheza, pois nem fazia anos nem tinha dirigido qualquer convite.
O amigo de Arrifana exibe o convite e o visitado fica boquiaberto.
Na verdade, aquela letra era a sua. Mas não fazendo anos, só num
momento de alienação mental poderia ter escrito tal carta!
No entanto, o amigo e o companheiro
não poderiam ir embora sem jantar. E foi durante o repasto que o
visconde desvendou toda aquela confusão e explicou a necessidade do
estratagema. A princípio, D. Sebastião mostrou-se deveras irritado e
recusou-se a aceitar Pinho Leal como seu administrador. Que perigoso
– argumentava, aliás com muita lógica – não seria confiar os
negócios a um homem capaz de imitar tão bem a sua caligrafia, e até
a assinatura?
O Visconde, todavia, consegue
convencer o amigo, e Pinho Leal fica desde logo administrador da
casa do Côvo, cargo que viria a ocupar durante seis anos, até 1866.
A princípio tudo corria bem, e Pinho
Leal cedo passou a merecer a confiança do seu senhor. Mas, passados
tempos, o conde do Côvo verificou que o administrador se dedicava
com bem maior entusiasmo à recolha de elementos para o seu trabalho
do que à gerência dos bens e prazos que se estendiam por dois terços
do país. E teve que o despedir.
Mas Pinho Leal levava consigo o
material que lhe permitiria dar realidade ao sonho há tanto tempo
acalentado. E quando morreu, em 1884, publicara já dez volumes do
notável trabalho a que deu o nome de «Portugal antigo e moderno».
Poucas obras haverá que tenham sido
mais violentamente criticadas do que esta de Pinho Leal. Mas se
atendermos às condições de trabalho do seu autor, às dificuldades da
época, e ao que, efectivamente, ela tem de útil, não poderemos
deixar de concordar com Marques Gomes, que a classificou como «um
valioso auxílio, guia inseparável e livro de subido valor». |