CAPÍTULO II
1
OUTROS EDIFÍCIOS
A
Paços do Concelho
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Muito pouco se tem escrito sobre o
edifício dos Paços do Concelho, que forma a ala poente da Praça.
Penso que posso oferecer informações
ainda não divulgadas sobre a sua origem. O edifício, embora muito
remodelado posteriormente, deve ter sido construído nos meados do
século XVI e já com o fim de prover, pelo menos, aos serviços
administrativos e da cadeia. Penso que não é ousadia a minha tese,
mas fica aberta à apreciação daqueles que se venham a interessar
pela história deste edifício, que deve ser um dos mais antigos da
Vila.
No precioso livro manuscrito de
Huette Bacelar, já tão falado, diz-se a pág. 79:
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Pedra com armas do Rei D. Miguel: na
entrada nascente da ponte de Fijó. |
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Pedra com armas do Rei D. Miguel: na
entrada poente da ponte de Fijó.
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«Achase mais nesta certidão,
(1)
a cópia da escritura de venda das cozas da Cadeya velha, feita em 7
de Janeiro de 1556 pelo T.am Ayres Ferr.ª da d.ª Villa, a
qual venda fizerão Francisco João = Francisco Miguel – e Gonsalo
Alves, Pedreyros, e suas mulheres, da cid.e do Porto, as
quais fizerão Procurasões aos maridos, p.ª esta venda: E o comprador
foi, João Alves, vendeiro, e sua m.er, da m.ma
Villa; e os vendedores as ouverão por contrato que fizerão com os
vereadores daquela vila em q.e se obrigarão os ditos
Mestres a fazer a Casa do Conselho, cadeya da Villa, Paso dos
Vereadores e Almotaseis, o que tudo fizerão, e por iso tiverão as
ditas casas em pagamento: forão pelo preso de 13$250 = tem auto
d'posse». |
A antiga cadeia estava situada na
face poente da actual praça do Dr. Oliveira Salazar, junto ao Rio Caster que lhe corria
pelo poente, por onde hoje ainda corre, separando-a do chão que
trazia Lopo Afonso – como se verifica do já citado foral dado por D.
Manuel I à Feira e Terra de Santa Maria, em 10 de Fevereiro de 1514
(Arquivo do Distrito de Aveiro – Vol. 5, pág. 17 e 18).
Nele se diz – na parte respeitante
aos «direitos particulares da Feira por ser cabeça da terra de Santo
Maria» – «Mandamos fazer particular inquiriçam das ditas terras
foreiras declarando as pessoas que os trazem e os foros que de cada
humas se paga na maneira segujte. Primeiramente... Os chaãos da
feira aa ponte detras as casas da cadeia traz Lopo affonso e outros
/ 55 /
herdeiros. E de todallas sobreditas causas pagam de quatro huu de
todallas novidades que nellas colhem sem pagarem outro foro».
No local assinalado existe, ainda, a
aludida ponte sobre o Rio Caster, que foi alargada quando, em meados
deste século, se procedeu a grandes obras de urbanização do local:
esta ponte tem nas suas entradas, nascente e poente, pedras de armas
do rei D. Miguel; a quando do referido alargamento uma terceira
pedra de armas, também do mesmo rei, foi retirada da ponte e
depositada, onde hoje está, na praça de armas do Castelo da Feira.
Aqueles chãos de Lopo Afonso
correspondem, hoje, às terras lavradias pertencentes aos Condes de
Fijô, marginando o dito rio para sul da mesma ponte e ainda nos
títulos de reconhecimento de emprazamento à Casa do Infantado são
designados por «Chãos da Feira à ponte» (reconhecimento de
aforamento feito em 14 de Maio de 1755 por José Ribeiro e sua mulher
Rosa da Trindade referente à Ribeira da Ponte fls. 166 a 169 do
Tombo). Parece que as terras de Lopo Afonso incluíam, também, as
Ribeiras para norte da ponte abrangendo as já referidas, que
pertenceram à casa da Praça de Huette Bacelar.
O edifício construído por aqueles
três pedreiros deve ter sido de vulto, não só pelas utilidades que
lhes atribuíram, em qualidade e quantidade, mas ainda porque sendo
evidente que outros operários dos mesmo mister devia haver, nesta
vila, foi necessário ir buscá-los ao Porto e para esse fim porque,
pelo que se infere do que diz Huette Bacelar, uma vez concluída a
obra, venderam a casa da antiga cadeia que lhes fora cedida (por
certo, por conta do preço) por não lhes interessar mais tal
património nesta vila, em razão, de quererem regressar ao Porto.
Em abono desta tese informamos
ainda:
a) – Como já dissemos, António
Moreira de Vasconcelos e mulher Maria do Couto de Vasconcelos (5.os
avós de D. Vitória de Lacerda) foram proprietários da correnteza de
casas que faceava a Praça pelo lado norte (casa hoje de Francisco
Plácido de Resende) na qual se incluía no seu topo poente (esquina
da Praça com a antiga rua Direita – a Casa chamada da «Almotaçaria»
«já devidamente estudada no Capítulo 1-2): a sua qualidade de
proprietário permitiu-lhe dá-las de aforamento, o que denota estar
então devoluta; como também já dissemos, ele viveu na segunda metade
do século XVI, tendo-se procedido a inventário para partilha dos
seus bens em 1609.
Pode-se por isso concluir que, em
vida de António Moreira de Vasconcelos, a Casa da Almotaçaria já não
se destinava ao serviço de Almotacés, embora através dos tempos
mantivesse essa designação tradicional, o que, quanto a mim,
confirma a tese apresentada de os respectivos serviços terem sido
transferidos para o novo edifício construído pelos pedreiros –
irmãos Gonçalves – isto é, pelos meados do século XVI.
Também demos conhecimento da
transferência daquele domínio directo para os sucessores do António
de Vasconcelos – até que em 1656 estes o venderam a Domingos Homem
Soares: deste modo, até então, a casa foi destinada a habitação, e
não a qualquer função administrativa. Para não nos repetirmos,
chamamos a atenção ao que, a propósito, dissemos no Capítulo I (Casa
do Norte) onde foi desenvolvida a evolução do senhorio desta casa.
Para isso mesmo é que, transferidos os serviços para o novo
edifício, se procedeu à sua alienação, por desnecessária,
possibilitando, assim, a aquisição feita pelo Vasconcelos pois,
enquanto lá estivessem os serviços de Almotaçaria, tal alienação não
era praticável.
E bem se compreende a necessidade de
transferência dos serviços da Almotaçaria, pois a casa onde ela
estava instalada era de diminutas proporções: sala sobradada com
duas janelas tendo da parte do sul, de nascente a poente, cinco
varas e um quarto e pela parte do poente – do norte a sul – seis
varas.
A partir de então sempre encontramos
o edifício da actual Câmara designado como o da «Cadeia» denominação
que ao tempo se atribuía aos edifícios
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prisionais, mesmo que se destinassem a outros fins. Dantes
designava-se só pelo nome de Cadeia, ou Cadeias, e já então se
aplicava a várias funções da vida social e colectiva» como diz o
Padre Rodrigues Vieira no seu trabalho «Farrapos de Memória e de
História lI» (Arquivo do Distrito de Aveiro, Vol. 4.º, pág. 301)
referindo-se a edifícios de Paços de Concelho;
Paços do Concelho: antiga fachada
b) – Em 1613, de certeza, a cadeia
já estava instalada no actual edifício da Câmara porque, como
dissemos no Capítulo I (Casa do Poente – A). aquando da compra da
casa que lhe ficava imediatamente para norte (que foi de D. Vitória
de Lacerda) pelo filho daquele António Moreira de Vasconcelos de
nome Diogo Moreira de Vasconcelos, foi dito, na respectiva
escritura, de 27 de Janeiro desse ano, que elas «partem com a Cadeya»)
– o que foi repetido nas escrituras de 20 de Junho de 1615 – «Casas
pegadas á Cadeya», outro tanto sucedendo com a casa que se lhe
sucedia imediatamente para o Sul, pois da compra dessas casas,
feitas por Manuel Lobato Pinto a Branca de Miranda, por escritura de
12 de Agosto de 1647, consta que eram «pegadas à cadeya da Feira».
Do confronto destas escrituras, uma
vez sabida a exacta localização das referidas casas – que se
sucediam imediata e respectivamente, para norte e sul dos Paços do
Concelho pode-se concluir, sem dúvida, que naquelas datas este
edifício ocupava já toda a frente que hoje o forma.
E, assim, encontramos uma sequência
desde o meado do século XVI ao meado do século XVII.
A partir de então continuamos a ver
continuada referência à Cadeia, como instalada nesse edifício até
que de lá foi transferida para o edifício do extinto Convento dos
Loios em 1 de Janeiro de 1908 e, associada à designação de Cadeia,
vamos encontrando referências à instalação, no mesmo edifício, dos
serviços da Câmara Municipal e Tribunal – até que este também foi
transferido, para o edifício do mesmo Convento, em Janeiro de 1878.
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Paços do Concelho: brasão com as
armas do Rei D. José I, que encimava o portal da entrada do
curral do concelho. |
O actual edifício dos Paços do
Concelho, como ficou referido, destinou-se, desde o meado do século
XVI, à cadeia e aos serviços da administração municipal e, não sei
desde quando, ao dos judiciais.
É difícil acompanhar a evolução da
estrutura do edifício dos Paços do Concelho e de todas as suas
utilidades desde a sua primitiva construção no meado do século XVI –
tendo que se admitir que tivesse sofrido grande remodelação no
século XVIII porque assim o indica a sua arquitectura – que perdurou
até hoje – bem característica daquele século.
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Quanto ao sucedido desde o século
passado até o presente, podemos dar informações concretas.
A Câmara Municipal, em sua sessão de
8 de Outubro de 1834, deliberou oficiar à Prefeitura solicitando
«autorização para ser transferido a administração municipal e
judiciária para o edifício da Colegiada do Espírito Santo dos
extintos Padres de S. Evangelista desta Villa e aplicar o Castelo e
casas delle para cadeia segundo as disposições do § 2.º do artigo
145 da Carta Constitucional pois que nesta Villa não há edifícios
com a capacidade e circunstâncias necessárias para aqueles dois
estabelecimentos».
Nessa sessão descreveram-se «as
casas do concelho» como sendo «metade prisões apertadíssimas donde
tem fugido os presos imensas vezes fazendo arrombamento até nas
paredes e metade mista com a outra, uma sala que é da Câmara e uma
loja que serve de Casa de Audiência, de sorte que todo este edifício
apenas servirá para a cadeia de mulheres segundo o novo sistema».
Em sessão de 8 de Novembro do mesmo
ano, a Câmara tomou conhecimento, por intermédio da sub-perfeitura
da comarca, que o governo, pelo Tribunal do Tesouro Público, lhe
concedera o extinto Convento dos Padres Loios, desta vila, para nele
se estabelecerem as Repartições Judiciais e Administrativas conforme
por ela foi solicitado, o que teve lugar por portaria de 13 de
Setembro do mesmo ano.
Em sessão de 29 de Abril de 1835, e
em resposta a um questionário feito pela Prefeitura do Douro de 21
desse mês e dirigida ao Provedor do concelho sobre a existência de
Conventos neste concelho, a Câmara deliberou informar que nele
apenas existia o que fora dos Padres Loios, na Vila e que este
apenas possuía de bens rústicos a cerca em ponto pequeno e a quinta
de mato no lugar de Arrifaninha assaz extensa e que destes bens e
edifícios não constava que houvesse pretensão e que só a Câmara
passada tinha pedido ao governo a Casa do Convento para ali se
estabelecerem as Repartições Judiciais e Administrativas, o que lhe
tinha sido concedido, mas como o edifício demandava grandes despesas
para o seu arranjo e conservação e a Câmara não tinha meios alguns
para as poder sustentar, desde logo cedia desse benefício para
evitar a ruína daquele edifício, que mais prontamente podia ser
reparado dando o Governo providências a esse respeito.
Paços do Concelho: antiga fachada. Em
dia da festa da Fogaceiras.
Em sessão de 29 de Outubro do mesmo
ano, a Câmara tomou conhecimento da requisição feita pelo Juiz de
Direito e do Delegado do Procurador Régio da sala de sessões da
Câmara para as audiências gerais e do pedido das seguintes obras
necessárias para esse fim: «uma grade que separe a parte da salla
que há-de ficar para os espectadores d'aquela onde se hão-de
arranjar os empregados, com uma porta de comunicação entre esta
salla e o actual atrelino da Câmara, para onde se deverão situar os
jurados para as suas deliberações: em dois bancos, que possam ser
/ 57 /
vir para assentos de 12 jurados colocados ao lado esquerdo do Juiz
de Direito; mais d'esse mesmo lado um pequeno banco para assento de
dois oficiais de diligências, mais à direita do mesmo Juiz dois
bancos para assento das partes e testemunhas e d'esse mesmo lado uma
cadeira e uma pequena mesa para o Delegado, fazendo-se no meio do
tôpo da salla um taburno (‘degrau’) algum tanto elevado de sete
palmos quadrados, onde se deve colocar uma cadeira e uma pequena
mesa para o Juiz, e igualmente se devia pôr imediatamente ao taburno,
onde ficava o mesmo Juiz, uma mesa com amplitude suficiente para os
três escrivães e contador e além d'isso mais um banco que deveria
ser colocado ao correr da grade pela parte de dentro para assento
dos advogados e mesa respectiva».
A Câmara deliberou que se fizesse,
de novo, «tão somente os arranjos absolutamente indispensáveis,
aproveitando quanto fosse possível os trastes que haviam nesta casa
e aposentadoria (2) ainda que não fossem os mais bem
proporcionados para o objecto, visto a escassez dos meios e ser isto
uma medida provisória e sem que por esta permissão se entenda
privar-se esta Câmara do uso da mesma sala para as suas sessões nos
dias em que não houvessem audiências».
A análise de todo este descritivo,
que se reproduziu em todo o pormenor constante dos seus respectivos
textos, leva-nos a algumas reflexões, sendo oportuno apreciar o que
o já referido Alberto Pimentel nos diz a fls. 199 do seu livro «A
guerrilha de Frei Simão», escrito em 1895 e em que é focada a figura
/ 58 /
daquele frade da ordem de S. Bernardo, de nome Simão de Vasconcelos
(o frade da casa do Outeiro, da freguesia de Cesar, concelho de
Oliveira de Azeméis) que em 1829 foi preso e recolhido à cadeia da
Vila da Feira – «A cadeia da Vila da Feira subsiste ainda hoje tal
como era no tempo em que aí esteve o preso frei Simão de
Vasconcelos.
Fica na Praça a meio da qual se
levantava então o pelourinho, agora substituído pelo chafariz, que
pertencera ao Convento dos Loios. A cadeia, certamente construída no
século passado, é um casarão de dois andares, não contando as
janelas laterais à dupla escada de pedra, que dá acesso ao edifício.
Em cada andar, quatro janelas por banda, gradeadas de ferro. O
último tem a meio o sino, e nivela-se com o prédio contíguo, de que
era então proprietário o irmão do Conde das Antas (anota Pimentel =
Este prédio pertence hoje ao Sr. Conselheiro Francisco de Castro
Matoso Pereira Corte Real). A célula que frei Simão ocupou era a do
último andar, encostado ao prédio vizinho. Tinha, como as outras, um
forte tecto de castanho e sólidas paredes».
Se em verdade o edifício, em 1829,
tinha a estrutura que mantinha em 1895, tinha na sua frente uma
dupla escada lateral que dava acesso ao primeiro andar – a meio do
seu comprimento – nascente-poente como ainda era na segunda década
deste século quando, infelizmente, a Administração municipal mandou
demolir aquela dupla escadaria. A meio da frente do edifício, e por
baixo do patamar que reunia os dois lanços das escadas, havia uma
porta que dava acesso aos baixos do rés-do-chão do edifício, que
servia de curral do Concelho, o que deixou marca indelével no
edifício com a perniciosa acção do salitre: estava encimada por um
brasão com as armas de D. José, que hoje se encontra recolhido na
Praça de armas do Castelo.
No primeiro andar, de um lado
estavam os serviços municipais e de outro os judiciais; no segundo
estava a cadeia das mulheres e dos homens.
O sino referido por Alberto
Pimentel, mencionado nas actas da sessão da Câmara de 22 de Maio de
1848 e de 19 de Dezembro de 1849, para efeitos da sua reparação,
manteve-se no lugar assinalado por aquele escritor até que a Câmara
Municipal mandou fazer, nos Paços do Concelho, as aludidas obras o
que mais adiante será referido. Antes destas obras ele destinava-se
a chamar a vereação da Câmara para as suas reuniões. Este sino está
colocado, hoje, na parte cimeira da Casa-Escola Quartel dos
Bombeiros Voluntários desta Vila, sita na Rua do Dr. Eduardo Vaz e
nele estão gravados os seguintes dizeres: xxx 1830 xxx IHS
/ 59 /
xxx Maria xxx IOZE xxx. Tem a altura de 0.49 e de diâmetro, na sua
boca, 0.495.
Como dissemos, os serviços
municipais deviam estar instalados no edifício desde o meado do
século XVI. Os judiciais foram instalados em período que ainda se
não pode determinar: como dissemos, consta da referida acta da
sessão de 8 de Outubro de 1834 que, nesta época, eles estavam
instalados no mesmo edifício, numa sala que serviu de loja
possivelmente onde se faziam, entre outras arrecadações, a dos
cereais provenientes dos foros do concelho.
No descritivo de Alberto Pimentel há
equívocos, porque a Câmara, em 1895, tinha na sua fachada e em cada
andar apenas 7 varandas, e não 8, sendo três para o lado sul e
quatro para o lado norte, como ainda hoje se mantém. Penso que já
assim seria em 1829, pois não encontrei nas actas da Câmara
Municipal, referência a obras que tivessem ocasionado a alteração.
Verifiquei através de fotografias
que, além daquelas sacadas do 1.º e 2.º andar existiam, ainda, na
fachada principal: nos baixos duas janelas e uma porta que deitavam
para o lanço sul das escadas; e uma janela e outra porta no topo
norte que já abria para a Praça, onde começava o lanço norte da
escadaria de acesso ao primeiro andar, que dava entrada para o
compartimento onde estava instalada a Conservatória do Registo
Predial, conforme é referido no ofício da Câmara de 28 de Janeiro de
1876 que adiante merecerá referência. Como aí se diz que esta
Repartição estava nos baixos do Tribunal, podemos concluir que este
estava instalado na ala norte do primeiro andar do edifício, aquele
que comportava as quatro janelas.
Pinho Leal o confirma no seu livro
«Portugal Antigo e Moderno», Vol 3.º, pág. 157, dizendo que o
chafariz se situava em frente do tribunal e, em verdade, ele estava
e está fronteiro à parte norte da fachada do edifício. No primeiro
andar tinha, ao centro, três portais, um dos quais, o do sul, em
carta época, estava em plano superior às escadas e, por isso, sem
acesso para o exterior, o que em fotografias posteriores já se não
verifica, convencendo que o patamar cimeiro das escadas foi alargado
para dar acesso a todas aquelas portas centrais.
No segundo andar havia, como se
disse, ao centro, um sino ladeado de duas varandas e a parte
reservada ao tribunal tinha uma clarabóia para o iluminar.
Em 7 e 22 de Agosto de 1861, 5 de
Março de 1864 e 26 de Julho de 1873, a Câmara pagou consertos e
envidraçamentos desta clarabóia.
Alberto Pimentel, não dá a certeza
de o edifício ter sido construído no século XVIII: presume-o apenas.
Pinho Leal, no seu citado trabalho,
afirma que a «casa do tribunal das audiências» «foi paço dos Condes
da Feira».
Não compreendo que o prédio tivesse
tido este destino, pois é bem sabido que os Condes viveram no
Castelo, primeiro na sua Torre de Menagem e depois no edifício que
existiu dentro das suas muralhas e junto aquela torre. Nem é de crer
que eles vivessem fora dos muros do Castelo. Acresce que uma vez que
tivessem sido proprietários do edifício da Cadeia, não é natural que
o tivessem alienado, não constando, em qualquer tombo da Casa da
Feira, que eu conheça, a inclusão do mesmo edifício nos bens daquela
casa.
Não é provável que os Condes
tivessem vivido num simples andar de limitadas proporções a que se
sobrepunha outro destinado à cadeia que, como já dissemos, já lá
estava instalada, de certeza, em 1613.
Por portaria de 22 de Setembro de
1836, com referência aquela de 13 de Setembro, «Mandou Sua Majestade
a Rainha pela Secretaria do Estado dos Negócios da Fazenda, que o
Administrador do Distrito do Porto faça entrega à disposição da
Câmara Municipal e do Provedor do Concelho da Villa da Feira o
Convento extinto dos Padres Loios sito na dita Villa, para alli se
estabelecerem as Repartições Judiciais e administrativas do mesmo
concelho», do que a Câmara tomou conhecimento em sessão de 5 de
Outubro seguinte.
Em sessão de 15 de Fevereiro de 1837
a Câmara deliberou que se representasse a Sua Majestade, pelos
Ministérios da Guerra e Fazenda, a confirmação da concessão que lhe
fora feita do referido Convento dos Loios e, em sessão de 10 de Maio
de 1837, deliberou que se fizesse, no Convento, a «Casa do Jury
deste Julgado».
A situação, porém, não ficou assim
suficientemente esclarecida, porque por portaria do Ministério da
Fazenda de 19 de Junho do mesmo ano, de que a Câmara tomou
conhecimento em sessão de 28 do mesmo mês, foi participado que a
representação da Câmara sobre a sua confirmação na posse do extinto
Convento dos Loios desta Vila e para que lhe fosse concedida a cerca
do mesmo Convento, seria levado ao conhecimento das Cortes, com a
relação dos bens, exceptuados de venda, das quais devia a Câmara
esperar a decisão.
Em sessão de 17 de Março de 1841, a
Câmara tomou conhecimento dum ofício da Administração Geral de
Aveiro, determinando que ela declarasse, no mais breve termo, se
assim ou não tornava efectiva a concessão do Convento e fazendo
nela, de pronto, os consertos de que precisasse para evitar os
prejuízos, que podiam seguir-se: a Câmara deliberou aceitar a
concessão, para os fins anunciados, naquele ofício e, para o efeito,
mandou que fosse incluída no orçamento a competente verba.
/ 60 /
Paços do Concelho: a sua fachada até à
alteração feita em 1938-39.
Foi esta a decisão definitiva que
proporcionou a posse da Câmara quanto ao edifício do antigo Convento
dos Loios, tanto que, em sessão de 8 de Maio de 1843, a Câmara pôs
em arrematação os consertos de que o Convento carecia, obras que
estavam concluídas em Agosto seguinte como se vê da acta da sua
sessão de 9 deste mês. Parece que em 1842 os serviços de
administração municipal, instalados no edifício dos Paços do
Concelho, não abrangiam os da secretaria, não só porque, em sessão
de 12 de Dezembro de 1841, a Câmara ordenou o pagamento das obras na
«casa da Secretaria desta Câmara», mas ainda porque, em sessão de 9
de Março daquele ano de 1842, a Câmara deliberou que se fizessem, na
Casa da Câmara, «os reparos de que carecia, tanto pela ruína em que
se achavão os pavimentos da salla das sessões e ante Câmara, janelas
e grades da mesma, como pela indecencia das suas paredes, forros e
mesa das mesmas sessões e tudo mais que se fazia indispensável para
a dignidade da mesma Casa, desta Câmara», não se referindo a
qualquer sala reservada à secretaria.
As obras deviam ter sido grandes não
só pelo vulto da despesa feita, mas pelo tempo que levaram a
fazer-se, pois só em 17 de Agosto do ano seguinte – 1845 – se
completou o seu pagamento.
Em sessão de 4 de Outubro de 1843, a
Câmara ordenou o pagamento de obras na enxovia e na Cadeia de Cima e
«dobradiças para o curral do Concelho» primeira referência que
encontrei ao referido curral que, como dissemos, ocupava o rés do
chão do edifício da Câmara: voltei a encontrar outra referência a
este curral em sessões de 20 de Dezembro de 1848, 9 de Janeiro de
1850, 28 de Dezembro de 1852 e de 16 de Agosto de 1855.
Naquela sessão de 20 de Dezembro de
1848, a Câmara autorizou o pagamento da despesa feita com «grades da
Cadeia, varandas de ferro para as sacadas dos Paços do Concelho e
portão de ferro para o curral do concelho»: estas varandas devem ser
as que hoje ainda aí se conservam.
Em sessão de 17 de Agosto de 1842, a
Câmara autorizou o pagamento de seis pirâmides «para as grades das
sacadas da salla das sessões», e em 30 de Maio de 1852, o de seis
lanternas para as janelas das «Casas desta Câmara» o que confirma
que os serviços desta estavam instalados na parte sul – onde
existiam apenas três janelas, em contraste com as quatro que ficavam
para a parte norte, reservada aos serviços judiciais.
A confirmar esta localização
atribuída aos serviços da Câmara e aos judiciais, ainda encontrei
elementos em diversos pagamentos feitos pela Câmara, que constam do
caderno B da sua escrituração diária e despesa.
Assim:
a) – Em 16 de Maio de 1863 pagou-se
o custo da telha e cimento para cobrir «da parte do sul a casa dos
Paços do Concelho».
b) – Em 30 de Abril de 1864,
pagou-se o custo da obra «da Comunicação da Casa da Secretaria (que
como se vê na alínea B que se segue, ficava imediatamente para sul
do edifício dos Paços do Concelho) com os Paços do Concelho, e
segurança da salla das sessões».
Quando for possível encontrar uma
fotografia dos Paços do Concelho em que esteja nítida a situação da
clarabóia que estava praticada na parte reservada ao tribunal,
ficará inteiramente esclarecida qual a parte do edifício dos Paços
do Concelho, reservada ao Tribunal –, mas desde já se esclarece que
tendo este edifício janelas na face sul não parece que fosse
necessário uma clarabóia para iluminar esta parte do mesmo edifício,
ao contrário do que acontecia na sua parte norte que estava barrada
pela casa que pertenceu ao Marechal Silva Pereira.
Em sessão de 20 de Maio de 1859,
compareceu o Agente do Ministério Público dizendo que sendo muito
necessário a feitura do novo tribunal em local mais apropriado «qual
o do Convento» vinha, como já o fizeram em sessão anterior, pedir
que a Câmara coadjuvasse nessa obra fornecendo o dinheiro preciso
para ela ou tomando sobre si e mandá-la fazer hipotecando ele,
Agente do Ministério Público, para o que pedira a competente
autorização, o rendimento do Cofre das multas do Juízo da Comarca
até ser completamente satisfeita a despesa que a Câmara fizesse com
a obra do dito Tribunal. A Câmara aceitou a fazer a obra, «sem
designação do seu princípio e fim» conforme os meios que com o andar
do tempo fosse colhendo «uma vez que se hipotecasse com as
formalidades legais os rendimentos do Cofre das multas do Juízo
desta com arca até completa satisfação do dinheiro que abonar para a
referida obra».
Em sessão de 10 de Junho de 1859,
voltou a comparecer o Agente do Ministério Público e informou ter
obtido autorização superior para a mudança da sala do Tribunal das
Audiências – para o edifício do Convento aplicando a essa obra a
quantia de 221 200 reis pelo Cofre das multas do Juízo, mas como a
obra importava em muito mais, não podendo o Juízo suportar o seu
custo, pediu à Câmara para coadjuvar na obra ou a tomasse por sua
conta concorrendo aquele Cofre com tudo que lhe fosse possível uma
vez conseguida a devida autorização. A Câmara aceitou essa última
solução, mas, também, sem compromisso de tempo, pois carecia de
meios para a realizar. O Agente do Ministério Público em face disto
deliberou, porque
/ 61 / lhe constava que a Câmara
pensava instalar, no Convento, um Hospital e porque não era possível
continuar por mais tempo a fazer-se o serviço no Tribunal, no estado
em que se encontrava «sem grave prejuízo e risco dos que frequentão
aquela casa» dar começo a alguns melhoramentos «na actual casa em
que se acha o Tribunal» ficando para ocasião mais oportuna obras de
maior vulto ficando assim sem efeito a proposta que fizera.
Em sessão de 31 de Agosto de 1860,
compareceu o Delegado do Procurador Régio nesta comarca, o Dr.
Francisco de Castro Matoso e Silva Corte Real (já falado como
proprietário que foi de uma das casas da Praça – a do poente) para
reduzir a escrito, como se reduziu, um contrato pelo qual a Câmara,
uma vez que o Tribunal não se podia instalar no Convento se
comprometia a «reparar e preparar no que respeita a paredes, soalhos
e tectos e portas e pinturas o Tribunal Judicial d'esta Villa, que
já está nos mesmos Paços do Concelho com todas as comodidades
necessárias para a boa administração de justiça» obrigando-se, ele
Delegado, por sua vez, a entregar à Câmara, pelo cofre das multas do
Juízo, a quantia de duzentos e vinte e um mil e duzentos reis e
satisfeita que seja esta quantia hipoteca, na forma de autorização,
que recebeo para esse fim, as sobras das multas do Juízo que ficarem
depois de deduzidas as despesas ordinárias do mesmo Juízo».
Deste modo pôde o Tribunal manter-se
em funcionamento, ainda durante muitos anos, no edifício dos Paços
do Concelho.
Mais tarde, em sessão de 3 de
Novembro de 1864, a Câmara aprovou uma solicitação feita pelo Juiz
para que ela pagasse a quantia de 150$000 reis de despesa com o
decoramento e mobílias do Tribunal Judicial, abono de que seria
reembolsada pelo imposto de multas do Juízo.
Para melhor esclarecimento se
transcreve, e na parte que interessa directamente a este trabalho, o
ofício que a Câmara, em 28 de Janeiro de 1876, enviou ao Governador
Civil:
«Ficaram as cousas n'estes termos,
até que um dos Vereadores da Câmara a que tenho a honra de presidir,
propoz na Sessão de 6 do corrente mez, que se estudassem e se
fizessem os melhoramentos necessários no Tribunal Judicial, que se
achava em pessimas circunstancias, sem ter salla decente para
deliberação de jurados, casa para recolher testemunhas, e sallão
conveniente para audiências; e a Câmara deliberando nomeou uma
Comissão d'entre si para dar o seu parecer. Em sessão de 15 do
corrente, a Comissão foi de parecer que não podendo fazer-se
melhoramento util na casa actual do Tribunal, havendo falta de
acomodações para as Repartições da Conservatória, Administração do
Concelho, e Repartição da Fazenda, visto que a casa destinada a esta
se inutilizou com o aparecimento d'uns insectos, que tem destruído
os papéis, e attendendo a que o edifício do Convento está concedido
à Câmara para este fim, era de parecer, que se encarregasse já o Sr.
João José Godinho Júnior de levantar uma planta d'este edifício, com
os melhoramentos necessários para a acomodação de todas as
Repartições, fiscal, administrativa e da Comarca, e aposentos
comodos, sem grandeza, mas os bastantes para a habitação do Parocho,
encarregando o Presidente para providenciar, que o Parocho, que por
licença e favor da Câmara ali reside, franqueasse a parte que habita
ao competente estudo, como tudo se vê da copia das actas, que vão
sob o n.º 4. Há muito, que era geralmente reclamada a deliberação
que a Camara agora tomou; todos os Juizes e Delegados, incluindo os
actuaes, teem feito sentir as más condições do Tribunal e a
necessidade ou de o transferir para o Convento, ou de fazer um novo
edifício, porque o actual não se presta a melhoramentos. Todos os
que como jurados ou testemunhas teem de comparecer no Tribunal,
mal-dizem a sorte que os levou a estarem fechados horas e dias
inteiros em uma casa sem luz nem ar, e infecta pelas exhalações das
latrinas da cadeia, que lhe ficam inferiores. Além disto a casa,
onde esteve a Conservatória, nos baixos do Tribunal é de tão más
condições que o Conservador teve de a abandonar, e por não ter a
Câmara casa para lhe dar para esse fim, aquele Funcionário via-se
obrigado a transferir a repartição para sua casa. Das duas casas que
no pavimento inferior do Convento eram ocupadas uma pela Repartição
da Fazenda, e a outra pela Administração do Concelho, inutilizou-se
a primeira, como V. Ex.ª ha muito sabe, e eu há pouco também disse,
de forma que foi preciso para não tolher o serviço público, o passar
a Repartição da Fazenda para Administração e mudar esta para o
escritório da casa, onde o Administrador habita, tendo a Camara de
pagar o aluguer d'este escriptorio, pois que nem na terra há
escriptorio conveniente para tal fim. De tudo isto Ex.mo
Sr. conclui-se que é urgente o aproveitar já, visto que as Câmaras
transactas o não poderam fazer com o desenvolvimento preciso, a
concessão feita pelo Governo à Câmara da Feira».
Durante o ano sucederam-se
incidentes desagradáveis como o Pároco, Padre Manuel Gonçalves de
Oliveira Aroso, que, como se disse, ocupava parte dos compartimentos
do Convento – o que levou à intervenção do Governo e do Prelado da
Diocese, Cardeal D. América até que a Câmara, no dia 18 de Dezembro
desse ano, fez despejar o Pároco e ocupou os aposentos por ele
utilizados, o que motivou uma crise grave que a Câmara conseguiu
debelar mantendo-se, definitiva
/ 62 /
e completamente, na posse de todo o edifício do Convento. Depois de
realizadas as obras necessárias para a instalação do Tribunal e
outras repartições públicas no edifício do Convento, a Câmara
deliberou, em sessão de 31 de Dezembro de 1817, comunicar ao Juiz da
Comarca que, findas as férias, ficariam à sua disposição naquele
edifício, a sala do Tribunal, gabinete contíguo dos advogados, e os
cómodos interiores com os seus compartimentos destinados a Gabinete
do Juiz, Agente do Ministério Público, sala dos jurados e das
testemunhas, bem como o gabinete dos empregados do Juiz, o que tudo
se efectuou pelo que a Câmara pôde, a partir daí, utilizar as
antigas instalações do Tribunal, para alargamento dos seus serviços
administrativos e para a instalação de uma biblioteca popular
municipal, conforme deliberação tomada em sessão de 31 de Dezembro
de 1879, biblioteca que já estava a funcionar em 23 de Dezembro de
1880, como se verifica da acta da Câmara desse dia, em referência a
uma visita à vila, do Governador Civil do Distrito e do respectivo
Secretário Geral.
Entretanto, os altos do edifício
continuavam a ser ocupados pelas cadeias. Muitos anos durou esta
situação, com várias alternativas de orientação.
Em sessão de 12 de Agosto de 1876, a
Câmara deliberou mandar construir uma cadeia e solicitou o envio do
plano tipo que já comportava o sistema de prisão individual, mas o
certo é que tal desejo não se efectuou, tendo a Câmara mandado
proceder a grandes obras, na cadeia, em 1880.
Finalmente, e por força de
deliberação tomada pela Câmara em 1907, a Cadeia foi transferida
para o edifício do Convento, tendo-se procedido à mudança dos presos
no dia 1 de Janeiro de 1908.
Quando se fez esta transferência a
cadeia ocupava, ainda, os altos ou segundo andar do edifício, sendo
para sul a dos homens e para norte a das mulheres.
Entre elas, ou seja na parte central
do edifício correspondente ao local onde estava o sino, situava-se a
casa do carcereiro. Em baixo, no início da mencionada escada dupla e
para o lado norte, estavam implantadas as enxovias de mulheres e
homens; nas fotografias da época vêem-se claramente as grades dessas
enxovias. Tudo isto me foi referido pelo filho do carcereiro, de
então, que vivia com seu pai e que, por sua vez, veio a ser e
durante muitos anos, carcereiro da cadeia comarcã, de nome Aníbal
Valente da Rocha, hoje aposentado. É conveniente lembrar que na acta
da já mencionada sessão da Câmara Municipal de 4 de Outubro de 1843
se fala em obras na enxovia da cadeia.
No final da segunda década deste
século a Câmara Municipal iniciou grandes reformas no edifício.
Mandou demolir a escadaria exterior, substituindo-a por outra
/ 63 /
que dava acesso às novas portadas que mandou fazer no rés do chão e
mandou construir, no cimo do edifício – e na sua parte central um
torreão de cimento armado encimado pelo aludido sino – obra esta que
hoje se lamenta profundamente pelo que representou de mau gosto e de
atentatório da estrutura do edifício que devia ter sido respeitada,
sobretudo no tocante à interessante escadaria exterior.
Paços do Concelho: actual fachada.
No interior fizeram-se grandes
demolições que mantiveram o edifício, na sua maior parte, sem
condições de utilização apropriada. Quando, em Julho de 1937, fui
nomeado Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal da
Feira, o edifício dos Paços do Concelho estava, no seu interior,
quase inteiramente inadaptável a qualquer serviço e, no exterior,
apresentava-se como referimos. No edifício chamado da Secretaria
funcionavam os respectivos serviços numa sala a todos os títulos
reprovável tendo, contígua, uma sala reservada à presidência da
Câmara que em breve se tornou inútil pelo desabamento de parte do
tecto e outra destinada à tesouraria; nos baixos estavam instalados
os serviços das execuções fiscais e das aferições e conferições.
Urgia pôr cobro a esta situação.
Quando havia necessidade de fazer qualquer sessão solene, ou de
prestar qualquer homenagem, era preciso recorrer à utilização da
sala das audiências do Tribunal.
Por isso, a Câmara na
impossibilidade de construir um edifício novo para Paços do
Concelho, em sessão de 8 de Janeiro de 1937, deliberou mandar
proceder às obras necessárias no existente, para a instalação dos
serviços Administrativos e dos das Finanças, obras que se iniciaram
em 1938 e estavam concluídas em 1940, tendo-se procedido à
respectiva inauguração no dia 20 de Janeiro deste ano – consagrado
às Festas das Fogaceiras (que nesse ano se revestiram de grande
imponência por, a partir de então, terem sido reintegradas na sua
tradicional forma e estilo e a expensas da Câmara como fora até
1910) dando-se, assim, início às festas dos Centenários no concelho
da Feira. Nesse dia foi hasteada, na Câmara, pelo Governador Civil,
Dr. José de Almeida Azevedo, a bandeira antiga do Município, que foi
benzida pelo Bispo D. António de Castro Meireles.
Por força dessas obras procedeu-se,
no exterior, à construção da escadaria, em pedra, de acesso e à
construção de novos portões da entrada, à reforma da frente do
edifício cobrindo o seu corpo central com cantaria, mandando demolir
o inestético torreão que encimava o edifício e completando-se, na
sua parte cimeira, um friso de pedra em toda a extensão da
frontaria. No interior, foi lançada nova escadaria de acesso aos
andares superiores (substituindo também a que aí havia de madeira)
revestindo-se a mármore essa
/ 64 /
escadaria, pavimentos e lambris e construindo-se, no rés do chão, as
acomodações necessárias para a instalação dos serviços da repartição
de Finanças e dos da Tesouraria da Fazenda Pública; no primeiro
andar construíram-se, do lado sul, as salas para os serviços da
Câmara e da presidência e, do lado norte, uma bela sala de reuniões
que alcança a parte superior do edifício sendo, no seu cimo,
percorrida, por três lados por uma interessante galeria, tudo com
lambris e portais de castanho. No segundo andar construíram-se as
salas Policiais e Técnicos.
Todas as referidas repartições foram
inauguradas no mencionado dia 20 de Janeiro de 1940.
Em 1950 a Câmara Municipal, depois
de ter sido consumido, por um incêndio, o prédio que lhe ficava
imediatamente para sul (que fora do Marechal Silva Pereira),
adquiriu a parte desse edifício, que estava encravado no dos Paços
do Concelho, e integrou-o nele (esquina norte-poente) aumentando,
assim, as suas instalações do rés do chão, onde instalou o gabinete
do Chefe da Repartição de Finanças, e as do primeiro andar onde
ficou instalado o gabinete do Chefe da Secretaria da Câmara e as do
segundo andar, ampliando as dos serviços municipais.
Hoje, dado o desenvolvimento dos
respectivos serviços, o edifício tornou-se muito acanhado, havendo
urgente necessidade de mandar construir novo edifício que comporte
os serviços da Câmara e os das Finanças.
B
Casa da Secretaria da Câmara
Esta casa, que pelo lado norte
«confrontava com o edifício da Cadeia» (e ainda hoje confronta com
os Paços do Concelho) foi vendida, por escritura de 12 de Agosto de
1647, lavrada pelo tabelião Aires Pinto Coelho por Branca de
Miranda, viúva de Álvaro Coelho da Cunha, a Manuel Lobato Pinto
(filho de Lucas Pinto e de Catarina Gramacho), que foi casado com
Madalena Moreira, filha de António Moreira de Vasconcelos (5.º avô
de D. Vitória de Lacerda) e irmã de Diogo Moreira de Vasconcelos, o
Velho (4.º avô da mesma Vitória), como refere Huette Bacelar na cit.
ob., pág. 81-v.º.
Casa denominada da «Secretaria da
Câmara»: actual fachada.
«O q.e vendeo, foi huas
cazas e Quintal, q.e estão pegadas à cadeya da Feyra, q.e
partem do Sul, com Fernando de Andrade, do Norte com o Quintal de D.
Maria (3) filha que foi de Diogo Moreyra e de D. Filipa de
Matos, do nascente com a Rua pública, e na certidão de siza, dis qu.e
são por baixo da Cadeya. Convierão na dita venda, Ayres Ferr.ª
Coelho, e sua mulher Paula de Pinho, João Coelho de Miranda, e m.er
Violante Caldeyra, filhos e noras, dela vendedora, a asinarão
sedendo de tudo o q.e lhe tocase de legitima: foi pelo
preso de 24$ = tem certidão de siza e auto de posse».
Huette lançou à margem a seguinte
nota: «Parese as venderão depois, por q.e por baixo da
cadeya não tenho nada».
Já anteriormente, e por escritura de
8 de Fevereiro de 1641, lavrada pelo mesmo tabelião, a mesma Branca
de Miranda tinha vendido ao referido Manuel Lobato Pinto metade do «inxido»
da mesma casa – «Escritura de venda que fez Branca de Miranda, viúva
q.e ficou de Alvaro Coelho da Cunha, a Manoel Lobato
Pinto, todos da Villa de Feira; da metade do Inxido, para a parte da
nogr.ª q.e esta nas costas das cazas, em q. ela vive, e
ametade do Quintal, para a parte do poente, q. é para onde esta a
Nogueira, cuja terra ouve por erança da sua May, Antónia d'Miranda e
q.e a vendia p.ª aviar seu filho João Coelho da Cunha,
p.ª servir na Guerra de S. Mag.de e remir outras
vexações».
A venda «foi pelo preço de = 4$750
reis = tem certidão de siza. E dis q.e tumava esta venda,
sobre o seu terso, p.ª q. sempre fosse firme, e valioza». (Huette,
cit. ob., pág. 81).
Esta parte do «Inxido» deve ter sido
integrada na parte rústica da Casa da Praça que pertenceu à D.
Vitória de Lacerda.
O referido Diogo Moreira de
Vasconcelos, por sua vez, comprou a Manuel Freyre de Andrade
(naturalmente neto do aludido Fernando de Andrade por linha varonil
e filho de Manuel de Andrade) a casa que ficava imediatamente para
sul daquela que foi de Branca de Miranda (hoje de Alberto Coimbra e
sua mulher) por escritura de 29 de Maio de 1696 – lavrada pelo
tabelião José Correia, da Feira.
«O q.e comprou, forão
huas Cazas, com seu Quintal, e mais pertensas, tudo na ditta Vila da
Feyra, q.e partem, do Nascente, com a Rua publica, e do
sul com cazas e Quintal do Lecenciado José de Freitas, do norte e
poente, com o mesmo comprador; farão pelo preço de 1.10$ = tem
certidão de siza, são duas certidões, São Dizemos a D. Este dito
Manuel Freyre, e seus Irmãos erão filhos q.e tinhão
ficado, menores de 25 anos, de Manoel de Andrade Freire Pinto, e de
sua m.er D. Antónia de Viveyros, moradores q.e
forão em Alvarenga, e por lhe ficarem muitas dividas dos ditos seus
Pais, quizerão vender estas Cazas, visto estarem tão longe e lhe
fazerem despezas nos concertos, p.ª o q.e o Juiz dos
orfãos, mandou ouvir o Tutor, e Curador, e tirou testemunhas, e
posou depois sua Setença, ou carta de licença em 27 de Maio de 1696,
de q. foi Escrivão Jacinto da Fonseca Pinto e assinada pelo Juiz dos
Orfãos de Alvarenga, João Soares Mendes. E para se venderem, foram
avaluadas por louvados,
/ 65 / como mandava a dita sentença,
tem cuzida a Sen.ça ás próprias Procurações, do vendedor,
em q.e esta dada autoridade do Tutor de menores.» (Huette
Bacelar, cit. ob., pág. 82 e 82-v.).
Pela confrontação dada a este
prédio, pelo lado norte, verifica-se que, em Maio de 1696, a casa
que foi de Branca de Miranda pertencia ao referido Diogo Moreira de
Vasconcelos, o Velho.
Não consegui identificar esta casa,
que foi de Branca de Miranda, no Tombo da Casa da Feira, onde deve
estar inscrita, como obrigada ao pagamento do imposto de portado,
visto ter porta para a rua. Tendo em atenção que, o Tombo deste
imposto, se reporta a 1754-1756 e a anotação feita por Huette
Bacelar, atrás mencionada, é de crer que a mesma casa fosse vendida
pelo Diogo Moreira de Vasconcelos, ou seus sucessores, entre 1696 e
aquelas datas de 1754-1756, figurando no Tombo em nome do
proprietário, cujo nome desconheço. Também não figura no Tombo dos
aforamentos feito em 1707 por o prédio em causa não ser foreiro à
Casa da Feira.
Na matriz provisória de 1854 está
inscrito, sob o n.º 13, em nome de D. Ana Rita d'Assunpção e Sá como
«morada de «Cazas com lojas e 1.º andar com quintal, sitas na Rua».
Por escritura de 8 de Novembro de
1861, perante o escrivão da Câmara Municipal, celebrou-se o contrato
de troca entre a mesma Câmara e José Maria de Campos e mulher Inês
Augusta da Fonseca, moradores no lugar do Rocio, da Vila da Feira,
pelo qual aquela recebeu destes a referida casa e quintal
«propriedade de casa e quintal de que os segundos outorgantes, José
Maria de Campos e mulher, são senhores junto aos Paços do Concelho,
que confrontam do nascente com a Rua publica, do poente com José
Joaquim da Silva Pereira, do Norte com os Paços do Concelho e do sul
com Francisco José de Oliveira, de natureza enfitêutica, foreiras ao
segundo outorgante Domingos José Godinho com o foro anual de
dezanove mil e duzentos reis, domínio de vinte e um, lutuosa quatro
centos e oitenta reis, como consta da escritura de prazo de
dezassete de Agosto de mil setencentos e setenta e quatro, nas notas
de José Pinto Pereira da Silva, tabelião que foi nesta Villa da
Feira» e deu em troca o seu prédio, sito na Rua da Villa junto à
ponte, conhecido pelo da Aposentadoria, que confrontava do nascente
com o Dr. Vicente de Paula Correia de Sá e Moura, do norte com
António da Silva Couto, do sul com o rio e do poente com a rua
pública» o que tudo foi feito dando àqueles Francisco José de
Oliveira e mulher, à Câmara Municipal, 150000$000 reis de maior
valor, entregando o seu prédio livre do foro que passou a ser
encargo da casa da Aposentadoria, como concordou o senhorio directo
dito Domingos José Godinho.
/ 66 /
Houve prévia oposição por parte de
António da Silva Couto com o fundamento de aquele contrato ser
lesivo para a Câmara, visto ele oferecer, à Câmara, 1 000$000 pela
casa da Aposentadoria.
Esta oposição foi indeferida pelo
Conselho do Distrito por acórdão de 1 de Outubro de 1861 com
diversos fundamentos já aduzidos pela Câmara Municipal quando
desatendeu a reclamação, entre os quais avultava a necessidade que
tinha do prédio que adquiria não só para instalação da Secretaria da
Câmara Municipal, que estava instalada em salas da Casa de
Aposentadoria, mas ainda para alargamento da rua e ainda para
regularizar a situação criada pela abertura de janelas no prédio da
Câmara Municipal sobre o quintal da dita casa que pretendia adquirir
ao José Maria de Campos evitando, assim, o pagamento do preço da
expropriação da servidão daí resultante.
No mencionado contrato de troca,
ficou expresso que este José Maria respeitaria os arrendamentos dos
baixos da Casa da Aposentadoria até ao S. Miguel seguinte e que
consentiria na manutenção, aí, da Secretaria da Câmara, para lá se
conservarem os livros e papéis da mesma Secretaria até ao dia 1 de
Fevereiro de 1862.
Em sessão de 17 de Outubro de 1862,
a Câmara deliberou que a Secretaria da Câmara ficasse interinamente,
na casa do escrivão, até que a «nova casa em construção esteja
concluída» isto em virtude de uma petição feita pelo mesmo escrivão
com fundamento de, na casa de Aposentadoria, não haver comodidade
precisa poro continuar aí a Secretario, pois «apenas ahi há uma
pequena salla para guardar os papeis».
Em Maio de 1863 já a casa devia
estar construída, pois, em sessão da Câmara de 11 desse mês, esta
previa, para o orçamento de 1863-64, a compra de alguma mobília para
a casa da Secretaria que «para esse fim se construiu». A referida
casa destinou-se à Secretaria e Arquivo da Câmara.
Mais tarde, e em sessão de 6 de
Julho de 1864, a Câmara, atendendo à conveniência de alinhar a rua
Direita da Vila «alargando-a junto à nova casa da Secretaria da
Câmara, aonde é muito estreita e mesmo para desembaraçar a mesma
casa da Secretaria», deliberou expropriar a frontaria da casa de
Francisco José de Oliveira, isto é, a que sucedia imediatamente para
sul da Casa da Secretaria: esta expropriação tornou-se, por certo,
necessária, atendendo ao referido recuo desta casa, quando foi
reconstruída, para alargamento da rua. Esta expropriação foi
autorizada pelo Conselho do Distrito, em sessão de 8 do mês, ficando
o presidente autorizado a fazê-la, amigavelmente, pela quantia de
500 000 reis.
Este prédio de Francisco José de
Oliveira devia ter pertencido a Manuel Alves Correia Pais e, depois,
à sua viúva de nome Maria Francisco e isto porque na matriz
provisória de 1854 é-lhes atribuído, com o n.º 12, a propriedade de
uma casa com lojas e 1.º andar e quintal, na Rua, antecedendo, a
inscrição desse prédio, à da referida D. Ana Rita de Assunção e
sucedendo, por sua vez, à que pertenceu a Bernardo José Antunes
Vieira (depois de António Luís Dias Gomes) n.º 11 que se seguia à da
D. Eufrásia Pedrosa (viúva) – casa brasonada que ainda aí se
encontra e, assim, e tendo em atenção a actual situação – pode-se
encontrar a seguinte sucessão de casas, do sul para norte: casa de
D. Eufrásia Pedrosa (a brasonada) n.º 10; Bernardo José Antunes
Vieira (que hoje está incorporado na de Alberto Coimbra e pertenceu
a Abel da Moto Gomes) n.º 11; Manuel Alves Correia Pais e depois de
sua viúva (casa hoje de Alberto Coimbra) n.º 12 e D. Ana Rita da
Assunção e Sá (casa chamada da Secretaria da Câmara), n.º 13.
Acresce que o Francisco José de
Oliveira arrematou, em 1858, a casa que o Manuel Alves Correia Pais,
ou sua viúva, tinha em Rolaens e, por certo, veio também a comprar
mais tarde, e antes de 1861, a referido casa hoje de Alberto Coimbra
que confinava, imediatamente para sul, com a casa da Secretaria do
Câmara Municipal. Esta casa, que ainda hoje existe, fronteira em
parte, para a Praça Velha e, em parte, para a rua Direita (hoje do
Dr. Roberto Alves), foi destinada, através dos anos, a receber
diversos serviços da Câmara Municipal e durante o longo período em
que o edifício da Câmara esteve em obras, destinou-se, no seu
acanhado espaço, a todos os serviços do Câmara; nela estava também
instalada a presidência da Câmara e nela se faziam as suas sessões,
tendo, nos baixos, os serviços de aferição e conferição.
Em 1939 sofreu grandes reparações de
modo a, em 21 de Janeiro de 1940, ser possível inaugurar-se lá o
museu e biblioteca municipais que foram criados em sessão de 5 de
Fevereiro de 1938, sendo encarregado da sua organização o Dr.
Henrique Vaz Ferreira que, depois dela instalado, passou a ser o seu
Director, instalando-se, nos seus baixos, os serviços de aferição e
conferição e os das execuções camarárias; posteriormente, no
primeiro andar e contíguo àquele museu, instalaram-se os de saúde e
técnicos.
O edifício que ainda confina, pelo
lado norte, com o dos Paços do Concelho, ao qual tem acesso pelo
pátio, situado na sua parte poente, é pequeno e modesto tendo, na
parede do frontaria e acima do porta da entrada, as armas nacionais
do tempo do Monarquia. Após a queda deste regime a coroa que a
encimava foi destacada do seu escudo e retirada, tendo sido reposta
no seu lugar por deliberação da Câmara Municipal de 22 de Julho de
1939. /
67 /
Pelo exposto, temos que corrigir a
afirmação feita por Pinho Leal (Portugal Antigo e Moderno, Vol. 3.º,
pág. 157) de que esta parte da Câmara foi feita em 1860, porquanto a
Câmara adquiriu o prédio por escritura de 8 de Novembro de 1861:
demolida a casa, completou-se a sua reconstrução entre Novembro de
1862 e Maio de 1863.
Pinho Leal, na citada obra (1874)
diz, que nos baixos daquela «bonita casa» estava montada uma pequena
tipografia, para impressão dos papéis da Câmara e das outras
repartições do Concelho. Há equívoco, porque a tipografia funcionava
nos baixos do edifício dos Paços do Concelho.
Em sessão de 8 de Janeiro de 1876, a
Câmara tomou conhecimento das notáveis propostas apresentadas pelo
Dr. Joaquim Vaz de Oliveira, que havia tomado posse em 2 desse mês e
ano de Vice-Presidente «no interesse da educação literária e moral,
de saude publica, de moralidade, de civilização em geral do
progresso d'este Concelho» que visaram pôr termo à desmoralização
dos serviços e dar início a novos recursos da administração
municipal, o que tudo mereceu a aprovação da Câmara.
Entre elas (XIII) figurava a da
venda imediata, da tipografia e seus aprestes, porque era «uma
sinecura sem razão de ser depois da demissão do respectivo
empregado» e a de, para futuro, se comprarem, pela verba do
expediente da Secretaria, os impressos necessários.
C
Capela de Santo António
Na Praça Velha existiu uma Capela,
ou Oratório, da invocação de Santo António, que se destinava a nela
se rezar missa para os presos da cadeia instalada no edifício dos
Paços do Concelho.
A referência mais remota que dela
encontrei foi em «Villa da Feyra em 1758 – Respostas dadas a um
questionário pelo Padre José de São Pedro Quintella – Conego Secular
de S. João Evangelista da mesma Villa» – segundo um «Extracto do
Grande Dicionário Geographico de Portugal» manuscrito (Vol. XV, fls.
195 e seguintes) que se guarda, em Lisboa, na Torre do Tombo.
Dois aspectos da pedra que serve de
ombreira num portal interior da casa de Francisco Plácido de
Resende.
Aí se diz, depois de enumerar as
Capelas então existentes na Vila: «Há mais na praça d'esta Villa,
defronte da Cadeia e Casa da Comarca della um oratório da invocação
de Santo António para se dizer Missa aos presos. Todas as sobreditas
Capellas e Oratório estão subordinadas à jurisdição parochial do
Vigário desta freguesia».
Segue-se a já mencionada referência
feita por Huette Bacelar, no seu aludido trabalho a fls. 187-v.º
datado de 1774, quando alude à casa, hoje de Francisco Plácido de
Resende: «é aquela corrente de casas, qu.e fica entre a
Rua Direita, da dita Villa e travessa q.e vay p.ª
Lavandeira e estão pegadas à Capei Ia de St.º António».
Compulsando um livro existente na
Biblioteca Municipal da Feira intitulado «Livro que ha de servir p.ª
registos da Camara desta Villa e n'elle se lançarem os autos de
posse de Ministros dele» referente aos anos decorridos em 1794-1805
encontrei, transcrito a fls. 60-v.º e 61, o registo da Provisão por
onde o Rev. p.e Bernardo José Ferr.ª Silva Brandão
«alcançou de acrescento ao ordenado de Capelão dos Presos cinquenta
mil reis».
Dele consta que, em 22 de Fevereiro
de 1797, a Rainha D. Maria I tomou em consideração um pedido feito
por aquele padre que então era «CapelIão da Capella de Santo António
da mesma Villa provisão minha», aumentando para cem mil reis o
ordenado que, então, era de cinquenta mil reis, nos seguintes
termos:
«Tendo a tudo consideração: Hey por
bem faser ao suplicante Mercê de lhe acrescentar mais cincoenta mil
reis a outra tanta quantia que já tem ficando percebendo anualmente
de seu ordenado Cem mil reis pagos pelos sobejos ao Cabeção da dita
villa, havendo-os com a obrigação mais alem que tem de fazer huma
festa annual a Santo António Padroeiro da dita Capella».
Fundamenta-se nesta Provisão, «que
percebendo de ordenado a quantia de quinze mil reis fora Eu servida
acrescentarlho com mais trinta e sinco em rasão de ser o Suplicante
obrigado a celebrar o Santo Sacrifício da Missa aos Domingos e Dias
Santos impreterivelmente per si proprio aos prezos dos Carceres da
dita Villa comprando sera, vinho, hostia e fazendo lavar e engomar a
roupa da Referida Capella, tudo a sua custa, havendo-se lhe imposto
de novo na Provisão do mesmo acrescento a obrigação de faser
concertar os telhados, forro e solho da sobredita Capela, de alvalla
barrela,
/ 68 / e de comprar a sua custa
paramentos de vestir o Altar, e sacerdote, a cujos encargos se
obriga, prestando fiança nos livros da Respectiva Camara como
constava da dita provisão que juntava; cujas obrigações estava
cumprindo exactissimamente, conservando a Capella com a decencia
devida, paramentando-a com paramentos de Damasco de ceda de todas as
cores, na forma das Pastorais e Capitulos de visita dos Prelados
tudo com o tenue ordenado de cincoenta mil reis; porem como todas as
couzas, que se fazião necessárias para satisfazer os ditos encargos
subião cada vez mais a preço extraordinário; recebia o suplicante
gravissimo prejuizo nesta consideração, e de todo o exposto se
considerava merecedor de mayor ordenado. Pedindo-me fosse servida
acrescentar-lho ao que já tinha, mais setenta mil reis para perceber
a quantia de cento e vinte reis annuos pagos pelos sobejos dos bens
de Raiz do mesmo Concelho, havendoos, visto que sempre havia
acrescimos como mostrava pela certidão que offerecia» .
Foi concedido o aumento de cinquenta
mil reis com a informação do Corregedor desta Vila, depois de
ouvidos os «officiais da Camara e Nobreza e Povo delle» que
reconheceram «ser o suplicante merecedor do acrescento no dito
ordenado com o que se conformou o Procurador da Minha Coroa na sua
Resposta». Assim, vê-se que o Capelão teve, em princípio, o ordenado
de quinze mil reis anuais e que por provisão de data que ignoro foi
aumentado para cinquenta mil reis, com acréscimo de obrigações sendo
elevado para cem mil reis por força daquela provisão da Rainha de
1797, também com o aumento de encargos, o de fazer a festa anual ao
Santo António, padroeiro da Capela. De todo o exposto nota-se,
claramente, que a Capela já existia em 1758 não se sabendo, ao
certo, quando foi fundada. É provável que o tenha sido em 1720
porque, na casa hoje pertença de Francisco Plácido de Resende e no
local onde esteve a casa de Manuel José da Silva Ribeiro, que era
amanuense da Câmara Municipal em Janeiro de 1876 (onde existiu a
dita Capela ou Oratório), encontra-se a fazer de padieira de um
portal que deita para um pátio, uma pedra (que se reproduz em
fotografia) que penso ter sido a da porta da entrada da Capela de
Santo António que deitava para a Praça, pela gravação que nela está
feita de uma cruz. Está ladeada por duas datas sobrepostas que,
creio, referem-se à data da sua construção (ou de reconstrução) e à
da sua inutilização (como parece que esta precedeu ou coincidiu com
a reconstrução da casa do Ribeiro, é provável que fosse esta
circunstância que motivasse a inscrição), datas que interpreto como
sendo de 1720 (data da construção) e 1876 (data da reconstrução da
casa do Ribeiro) convencimento que também formei pelo que passo a
expor.
Um meu velho parente José Adriano
Meneses da Silva Canedo, que nasceu em 14 de Janeiro de 1853 e que,
por isso, ainda conheceu a Capela disse-me (e até ficou escrito numa
fotografia que possuo no meu arquivo) que, quando o aludido Manuel
Ribeiro fez a sua casa (ou a reconstruiu), se deitou abaixo a
Capela, o que a ser verdadeiro, sucedeu antes de 8 de Setembro de
1877, data em que faleceu este Ribeiro.
A Câmara Municipal da Feira, em sua
sessão de 21 de Abril de 1880, deliberou mandar proceder à
«arrematação dos paramentos e mais objectos da extinta Capela de
Santo António» constando do respectivo livro dos autos de
arrematação (com início em 10 de Setembro de 1879 e seu termo a 25
de Janeiro de 1888), a fls. 28, que nesse mesmo dia teve lugar a
arrematação daqueles «paramentos e mais objectos pertencentes à
extinta Capella de Santo António da Praça, que foi propriedade da
Câmara e constantes do respectivo inventário com data de onze de
Julho de 1876», constando do caderno B da escrituração diária da
receita e despesa da Câmara que, em 21 de Abril daquele ano de 1880,
recebeu do Reverendo Padre José Henriques da Silva, de Paços de
Brandão, 24$200 reis produto dos «trastes que arrematou na Capela de
Santo António inutilizada» e de António Vicente da Costa Neves,
desta vila, 60$000 reis – produto dos «trastes que arrematou na
Capela de Santo António inutilizada». Por sua vez, do livro da conta
corrente da Câmara, com o Tesoureiro, com início em 15 de Outubro de
1878, encontra-se um lançamento datado de 21 de Abril de 1880, e em
referência àquelas vendas, diz: «Por importância d'uma nota de
cobrança do produto da venda dos trastes da Capella de Santo António
inutilizada e profanada».
Aquela data, em que se fez o
arrolamento dos bens móveis da Capela, deve corresponder à da sua
/ 69 /
extinção e à da devida arrecadação, até que foram vendidos em
Abril de 1880.
Finalmente, da acta da sessão da
Câmara Municipal de 8 de Fevereiro de 1876, consta que foi recebido
um ofício do Governo Civil, com data de 5 desse mês, remetendo a
cópia do alvará de 15 de Setembro do ano anterior, autorizando a
abertura e construção do lanço da estrada Municipal de 1.ª classe da
Feira a Arouca, compreendido entre a Praça e Lavandeira, tendo a
Câmara deliberado requerer ao Governo um subsídio para a construção
desse lanço.
E da acta da sessão da mesma Câmara
de 18 de Março do mesmo ano consta, ainda, que foi considerado um
ofício daquele Governo Civil, de 15 desse mês, dizendo que, para se
completar o processo do subsídio requerido pela Câmara para a
construção daquele lanço da estrada foi exigido, pelo Ministério das
Obras Públicas, um documento, pelo qual se provasse que a Câmara
tinha os fundos necessários para ocorrer ao pagamento integral dos
terrenos e de dois terços do custo da construção daquele lanço e que
esperava que ela promovesse em bem do Município a completa
satisfação do pedido. A Câmara deliberou que se respondesse que no
orçamento daquele ano económico, já estava lançada «uma verba com
aplicação à referida estrada, e com a qual se satisfizeram algumas
expropriações e se deu princípio aos trabalhos de abertura da mesma
estrada e que no próximo orçamento tencionava lançar no mesmo a
quantia precisa para completar o pagamento dos terrenos e dois
terços da construção e que em atenção a tudo isto espera, que o
Governo de Sua Majestade deferirá ao pedido de concessão de
subsídio.
|
Imagem de madeira do Santo António
da Praça. |
Ora, a abertura desta estrada,
alargando a congosta da Lavandeira é que deve ter ocasionado a
inutilização da Capela, naquele ano de 1876, que estava à entrada da
rua da Lavandeira, alargamento que deve ter levado ao desvio da casa
do Silva Ribeiro para o plano recuado em relação ao das demais casas
até à Rua Direita, confirmando-se, assim, a informação dada pelo
José Meneses da Silva Canedo, situação que se manteve até que
Francisco Plácido de Resende reconstruiu o prédio em 1952; o recuo
da casa do Silva Ribeiro permitia a existência de uma janela para
nascente, na esquina da casa do Plácido, correspondente ao prédio
que foi emprazado, em Maio de 1745, por José de Sá Pereira Brandão e
mulher a Bernarda Caetano de Almeida «a casa do meio chamada grande
casa do Estrado». |
E a essa época deve também remontar
a obra da reconstrução da casa hoje do Dr. Belchior Cardoso. Assim,
se pode explicar não se encontrar em qualquer acta da Câmara ou em
outro qualquer título, referência à venda do terreno onde estava
implantada a Capelão que, a ter sido feita, só o podia ser ao Silva
Ribeiro, bem como a razão que levou à demolição da Capela; o local
onde ela estava construída passou a ser via pública, depois de ter
estado integrado na casa do Silva Ribeiro. Pode até suceder que a
Capela estivesse construída em plano saliente para a praça
impondo-se, assim, a sua demolição para se poder alargar a entrada
da rua da Lavandeira na sua confluência com a mesma Praça.
A expropriação da parte da casa do
Silva Ribeiro, que confrontava com a Praça deve ter sido por ajuste
muito particular recebendo como compensação a parte correspondente à
Capela ou Oratório porque nada consta da expropriação desta, nem no
livro das actas da Câmara, nem no livro das arrematações, nem no da
escrituração diária da receita e despesa da mesma Câmara; apenas
encontrei, neste último livro, uma referência ao pagamento feito
àquele Ribeiro, em 30 de Dezembro de 1875, de 26$575 «valor do
terreno do seu quintal e respectivo muro de vedação que
amigàvelmente se expropriou para a passagem do lanço da estrada da
Praça à Lavandeira na estrada da Feira a Cabeçais», o que
evidentemente diz respeito à parte rústica do prédio do Silva
Ribeiro que corria para nascente da sua casa faceando a rua da
Lavandeira. Posteriormente encontrei, na acta da sessão da Câmara de
9 de Junho de 1876, a deliberação para a expropriação, a Duarte
Huette Bacelar, do terreno de «sua propriedade da Lavandeira desta
Villa para a passagem da Estrada Feira-Arouca no seu lanço da Praça
à Lavandeira» correspondente ao terreno que, faceando a rua deste
nome pelo norte, estava imediatamente contíguo àquela parte rústica
do prédio do Silva Pereira e, assim, se pode localizar, no tempo, o
alargamento por meio de expropriação da rua da Lavandeira – desde a
sua embocadura na Praça – para nascente.
Capela da Piedade.
Nos mesmos livros de actas, e ainda
nos das contas do Tesoureiro da mesma Câmara, encontram-se muitas
referências à Capela desde 1839 apurando-se que era ela quem nomeava
e pagava aos seus capelães.
Na de 30 de Janeiro de 1839 consta
que, nessa sessão, foi nomeado Capelão, com posse nesse dia, o Padre
José Máximo Correia de Sá com o ordenado de 60000 reis anuais e a
obrigação de aí rezar missa para os presos, todos os domingos e dias
santos, lugar vago pelo falecimento do Padre Bernardo José Ferreira
da Silva Brandão (que havia sido nomeado, para o mesmo fim e com o
ordenado de 50000 reis anuais, em sessão de 16 de Dezembro de 1835),
e na sessão de 12 de Novembro de 1857, que, por falecimento daquele
Padre José Máximo, foi nomeado capelão da mesma Capelão, o Padre Dom
António do Patrocínio Peixoto, mas logo, em sessão de 16 de Outubro
de 1858, era nomeado capelão. por falecimento deste,
/ 70 /
o Padre José Caetano Correia de Sá, da freguesia de Sanfins.
Já em 1849, como se vê da sessão de
28 de Março, o nome deste Padre se encontra ligado à Capela, pois
dela consta a autorização de pagamento, a ele feito, de 8705 reis,
importe da despesa feita com o «concerto da Capella de Santo António
e compra de alguns paramentos para a mesma Capella segundo conta
apresentada pelo mesmo Padre». Então era dado como sendo «da villa».
Nos livros de registo dos
nascimentos, da paróquia da Feira, entre 5 e 12 de Dezembro de 1852,
o dito Padre José Caetano assina, nos respectivos actos de registo,
por comissão do Rev. Reitor Podre Thomaz Máximo de Aquino Correia de
Sá, e em 8 de Setembro de 1856, volta a assinar tais actos, então
como Vigário encomendado da freguesia de Sanfins, por comissão do
Padre Joaquim Celestino Albano Pereira, então pároco da Vila.
Na referida acta da sessão do Câmara
de 12 de Novembro de 1857 foram, mais uma vez, definidos as
obrigações do capelão «dizer missa todos os Domingos e dias Santos
aos presos dos Cadeas desta vila, dor cera, vinho e hosteas para a
missa, de abrir a Capela e tratar da lavagem dos roupas e fazer
todos os annos uma festa a Santo António no seu dia, vencendo o
ordenado annual de cincoenta mil reis pagos pelo cofre desta Câmara
e sendo-lhe entregue os paramentos e mais utensílios da dita Capella
obrigando-se por termo a sua boa guarda e conservação».
Em sua sessão de 24 de Julho de
1858, e reagindo contra o parecer do Conselho do Distrito sobre o
orçamento para 1858-1859, a Câmara respondeu «que a supressão da
verba de cincoenta mil reis de ordenado para um Capelão dos presos
se torna inadmissível, porquanto, desde que existe a Villa da Feira,
sempre houve um CapelIão paro dizer Missa aos presos do Cadeia em
uma Capela para esse fim edificada na praça publica d'esta villa de
cuja missa se utilisão também centenas de pessoas das freguezias
deste município que concorrem ao Mercado que se costuma celebrar
todos os Domingos nesta mesma Villa, tendo o respectivo Capellão
antigamente o ordenado de cento e vinte mil reis, que hoje se acha
reduzido a cincoenta mil reis, cativo a decimas e as despesas
inerentes à mesma Capella não aparecendo Eclesiastico algum que por
menor quantia se encarregue da administração da Capella, attenta a
falta de eclesiasticos que ha neste Concelho».
Afora o exagero, que parece
verificar-se, quanto à antiguidade atribuída à Capela, este trecho é
bem elucidativo sobre a veneração que era dedicada à Capela de Santo
António do Praça.
Pelo livro de escrituração diária do
Tesoureiro da Câmara, que teve o seu início em Julho de 1853 e seu
termo em 1859, consegui apurar que, em 11 de Março deste ano, foi
feito o pagamento de 11$919 reis ao Rev. Padre Manuel Carlos
Peixoto, de Fornos – como herdeiro de seu irmão, o aludido Dom
António Patrocínio Peixoto, «imposto de ordenado que se ficou
devendo ao fellecido como Capelão dos presos desde 1 de Julho até 9
de Outubro de 1858».
Do mesmo livro consta que, em 5 de
Fevereiro de 1859, a Câmara pagou ao capelão dos presos, Padre José
Caetano Correia de Sá, do seu ordenado de 17 de Outubro de 1858 até
31 de Janeiro de 1859, a quantia de 12$650 reis.
No livro de contos do Tesoureiro da
Câmara (de 31 de Agosto de 1860 a 30 de Junho de 1862) ainda
encontrei uns registos de pagamentos, especificadamente referidos ao
capelão dos presos, José Caetano Correia de Sá, com a data de 19 de
Fevereiro e de 3 de Abril de 1861, este último de importe dos seus
ordenados dos meses de Setembro a Fevereiro deste ano, 30$010 reis.
Assim, desde 1835 a 1859
sucederam-se como capelães os Padres Bernardo José Ferreira da Silva
Brandão, José Máximo de Sá, Dom António do Patrocínio Peixoto e José
Caetano Correia de Sá; não sei se este se manteve até à extinção da
Capela ou se algum padre ainda lhe sucedeu, mas é certo que ele
ainda era Capelão da referida Capela em 1869 porque do livro do
registo de mandados de pagamento da Câmara Municipal, consta que em
18-6-1869 foi pago a este «Capelão do Capela da Praça» a quantia de
1 400 reis «importância da despesa com paramentos da mesma Capela».
Em 1797 era Capelão o Padre Bernardo José Ferreira da Silva Brandão,
como se verifica da citada provisão de 22 de Fevereiro do mesmo ano,
com o ordenado de cem mil reis anuais. Parece tratar-se do mesmo que
foi nomeado em 1835 com o ordenado de 50000 reis anuais e, assim, é
de crer que aquele Padre ou esteve Capelão da Capela de Santo
António pelo menos desde 1797, motivando a sua nomeação em 1835 a
diferença de ordenado para 50000 reis anuais, ou ocupou o cargo por
mais de uma vez, interpolando-se um ou outros cujos nomes
desconheço.
O Padre Bernardo José Ferreira
Brandão era filho de José Ferreira Brandão, que foi senhor, como
enfiteuta, do Mato da Bica, hoje incorporado na Quinta do Castelo,
pertencente à Federação das Caixas de Previdência e era cunhado do
advogado, que foi desta vila, Dr. Apolinário José da Costa.
Parece que a Capela esteve
localizada na parte nascente da casa que pertenceu ao referido
Manuel da Silva Ribeiro, hoje incorporada no prédio de Francisco
Plácido de Resende, com porta que deitava para a praça.
/ 71 /
Se admitirmos que ela foi instituída
em 1720, não pode causar estranheza que nos contratos de data
anterior ela não fosse referida nas confrontações dadas ao prédio
que formava o topo nascente da ala norte da Praça, como de facto
sucede e já foi referido no Capítulo 1-2 designadamente quanto ao de
13 de Fevereiro de 1656.
Quanto ao de 29 de Maio de 1745,
também referido no mesmo Capítulo – contrato de emprazamento feito
por José de Sá Pereira Brandão e mulher a Joana Rosa de Almeida,
casada com Custódio Coelho – a casa chamada da Lavandeira (a do topo
nascente) é dada como confrontando, pelo nascente, com terra e
quintal do senhorio, não se fazendo qualquer referência à Capela.
No citado trabalho do Padre de São
Pedro Quintela, de 1758, a Capela não é referida entre as existentes
na paróquia de S. Nicolau sendo designada apenas como «Oratório da
invocação de Santo António para se dizer missa aos presos».
Posteriormente, encontramos a já
mencionada referência feita por Huette Bacelar no seu citado livro a
fls. 187-v.º.
Na referida provisão da Rainha D.
Maria I, de 22 de Fevereiro de 1797, alude-se entre as obrigações do
Capelão, a de fazer consertar «os telhados, forro e soalho da
sobredita Capella».
De época posterior encontrei o
contrato de 11 de Janeiro de 1850 (também referido no Capítulo 1-2)
de empréstimo feito pelo Padre António Joaquim Ferreira ao Manuel da
Silva Ribeiro, em que este, em garantia do pagamento, deu de
hipoteca o seu prédio da Praça a confrontar do poente (deve ler-se
sul) com a Praça e Capela de Santo António e aludida referência
feita pela Câmara na sua sessão de 24 de Julho de 1858 «Capella para
esse fim edificada na praça publica desta Villa».
|
Imagem de barro de Santo António. |
|
Como já disse, na aludida referência
feita por José Adriano Meneses da Silva Canedo, lançada numa
fotografia que tenho em meu poder, vê-se escrito pelo seu próprio
punho «e em referência a uma casa (que assinalou por 1) que ele quis
atribuir ao Ribeiro: «Houve uma Capela de Stº António». No verso da
fotografia encontra-se escrito, também pelo seu punho «Casa do
Ribeiro da Praça, sogro do Xabregas» e por outra letra (e por
indicação daquele José Canedo) «Quando o Ribeiro fez esta casa –
deitou abaixo a Capela».
Além destes elementos únicos que
consegui alcançar, até hoje só encontrei o testemunho de uma mulher
que diz ter 92 ou 93 anos (o que foi confirmado pela família) que
vive no lugar da Piedade desta Vila, de nome Maria Rosa de Jesus
Ferreira, ou simplesmente Rosa de Jesus (como consta do registo de
nascimento de sua filha Isilda) filha de Domingos Pereira e de
Engrácia de Jesus.
Por ela me foi referido, no dia 8 de
Dezembro de 1966, que, ainda muito pequenita, assistia à missa
rezada no oratório (a que chamava nicho) e que os assistentes a
ouviam da Praça, pois as suas dimensões não permitiam a entrada de
fiéis, mas quase unicamente a do celebrante.
Verifiquei, contudo, pelo que consta
dos registos dos baptismos da paróquia desta Vila (S. Nicolau) que
ela nasceu em Setembro de 1878, tendo, assim, no ano findo de 1966,
88 anos e, deste modo, não podia ter assistido ao que me referiu.
Deve, porém, haver equívoco no registo, que talvez fosse feito
muitos anos depois do seu nascimento, como sucedia por vezes. Uma
sua irmã de leite, de nome Elvira Ferreira (residente em casa do Dr.
Horácio Alvim, na Rua Dr. Eduardo Vaz, desta Vila) que, em Novembro
de 1966, fez 94 anos, afirmou-me que aquela Maria Rosa pouco mais
nova era do que ela. Esta Elvira não se lembra da Capela de Santo
António, naturalmente, devido ao seu estado de certa confusão
mental, que se acha mais acentuado no sector do espaço.
Assim e por força de todos os
referidos elementos, únicos que consegui até hoje, há a certeza de
que / 72
/ a Capela estava no
topo nascente da ala das casas que faceavam pelo norte e perto da
entrada da rua da Lavandeira,
Conjugando e harmonizando todos
estes elementos convenço-me de que a Capela foi construída, formando
uma pequena edificação no topo nascente do correr das casas que
faceavam a Praça pelo lado norte e que, com o andar do tempo, a casa
em que ela tapava, se acrescentou pelo lado norte da Capela (de modo
a este nela ficar incrustada) com porta para a Praça e, assim, se
situava em 1876, aquando da sua extinção; deste modo é que se pode
compreender que, em 1774, Huette a localize no topo do correr das
casas e que no contrato de 11 de Janeiro de 1850 o Silva Ribeiro a
confrontasse pelo nascente (que, como dissemos, se deve entender
pelo norte), ao mesmo tempo, com a Praça e a Capela de Santo
António. Tal situação da Capela é que, talvez, motivasse ser chamada
por Oratório, de igual sorte que ainda se encontram outros similares
na Vila de Ovar. Aquela Maria Rosa de Jesus Ferreira também me
informou que a imagem de Santo António, que estava exposta na dita
Capela ou Oratório, é a que hoje se encontra na Capela da Piedade
(sita num outeiro sobranceiro à Vila e perto da Estação do Caminho
de Ferro do Vale do Vouga), no altar do lado esquerdo e que vai, em
andor, bem como as imagens de Nossa Senhora da Piedade (imagem
antiga) e a de Nossa Senhora de Lourdes, na procissão que,
anualmente, se faz no lugar do mesmo nome (da Piedade) no terceiro
domingo de Julho.
Essa imagem, que ela designou por
Santo António da Praça, foi, segundo ela me disse, levada para a
Capela da Piedade por seu pai e outros mesários da Confraria deste
nome. Isto deve ser verdade, porque do já mencionado auto de
arrematação dos paramentos e objectos da Capelão, de 21 de Abril de
1880 (autorizado em sessão do mesmo dia), consta que, nesse dia, nos
Paços do Concelho e na presença do Presidente e Vereadores da Câmara
Municipal e escrivão da Câmara «foi mandado ao official de
diligencias António José das Neves metesse a pregão os paramentos e
mais objectos pertencentes à extinta Capella de Santo António da
Praça que foi propriedade da Câmara e constantes do respectivo
inventário com data de onze de Julho de 1876, o que o oficial
cumpriu, e passando a lançar pregões por espaço de tempo, afinal deo
fé, que o maior lanço, que achava fora o que oferecera o Reverendo
Abade de Paços de Brandão João Henriques da Silva da quantia de
vinte e quatro mil e duzentos reis por duas casulas, uma vermelha e
branca, uma pedra de ara, uma alva, um cerigelo, e amito, um cálix,
patena e colher de prata e o de sessenta mil reis que ofereceu
António Vicente da Costa Neves, da Lavandeira desta Villa, por um
nincho de madeira com a imagem de Santo António e um Santo Christo e
uma cruz tudo de madeira, tres casulas com as suas pertenças, um
missal usado, tres sacras em mau estado, umas toalhas ordinárias,
uma campainha, e uma lamparina e um par de galhetas de vidro muito
usadas, e sendo afrontado o lanço e não havendo quem mais
apparecesse, por ordem da Câmara entreguei o ramo aos ditos dous
licitantes, que o receberam, e tomaram entrega cada um delles dos
objectos que licitaram, obrigando-se cada um delles por suas pessoas
e bens, a entrar no Cofre com as quantias porque licitaram. E para
constar se lavrou o presente auto a que foram testemunhas presentes,
José Alves da Fonseca, casado, do lugar do Reboleiro desta Vila e
João Coelho Brandão, casado, da freguesia de Riomeão, que vam
assignar com o Presidente, Vereadores, Arrematante, Official, depois
de lido por mim Joaquim José Teixeira Guimarães, Escrivão da Câmara
que o escrevi e assignei».
Biblioteca e Museu Municipais.
Este auto está assinado pelo
Presidente da Câmara, Manuel Pinto de Almeida, pelos Vereadores
Roberto Alves de Sousa Ferreira, António da Mota Valente e José
Correia Marques, pelos referidos arrematantes, oficial de
diligências, testemunhas e escrivão da Câmara.
É curioso notar que na Capela não
existia qualquer mobiliário e que era de muita pobreza a existência
dos seus paramentos e objectos, o que denota bem quanto ela era de
reduzidas dimensões,
Em tempo, teve uma mesa que, como se
vê da deliberação da Câmara constante da acta de sessão de 22 de
Dezembro de 1842, foi vendida para ajudar à compra de uma alva; é de
notar que, aquando daquela arrematação, não há qualquer referência à
existência dos dois lampiões que a Câmara, em sessão de 26 de Junho
de 1850, deliberou comprar para a Capela da Praça «pertencente a
esta Câmara».
/ 73 /
No arquivo da Irmandade de Nossa
Senhora da Piedade existe um caderno de 12 folhas, mas apenas com
três escritas, com o seguinte termo de abertura a fls. 1: «Serve
este caderno para se inventariar todos os móveis, objectos e mais
alfaias que actualmente tem a Irmandade de Nossa Senhora da Piedade
desta Villa, e que de futuro venhão a possuir por compra ou por
offerecimento de devotos, o qual vai por mim numerado e rubricado.
Feira 16 de Setembro de 1878. O Juiz da Irmandade – António Vicente
da Costa Neves».
No final da página 12-v.º, tem o
seguinte termo de encerramento: «Tem este caderno doze meias folhas,
que vão por mim numeradas e com a rubrica Neves de que uso, Feira 16
de Setembro de 1878 e oito – António Vicente da Costa Neves».
Contém este caderno e, com começo a
fls. 1, o «inventário de todos os móveis, e objectos e mais alfaias
pertencentes à Irmandade de Nossa Senhora da Piedade d'esta Villa e
existentes no anno de 1878 e que se acham em poder do Thesoureiro».
Deste inventário, com 43 verbas, consta, além de outros bens, a
existência de «n.º 7 um resplendor de prata de Santo António, n.º 8
um dito de prata pequeno do mesmo Santo; n.º 9, uma cruz de prata do
mesmo Santo». E quanto a imagens: «n.ç 4, uma dita de Stº António».
Está datado de 16 de Setembro de 1878 e com assinaturas do Juiz,
António Vicente da Costa Neves; Tesoureiro, José da Cunha Sampaio;
Mesários, José Ferreira Cardoso e Daniel Gomes Ribeiro; Secretário,
António José Augusto Rebelo de Lima. Segue-se um outro inventário,
com data de 11 de Janeiro de 1880, no qual se verificou a existência
dos objectos constantes do anterior «que o n/ thesoureiro José da
Cunha Sampaio fás entrega ao actual Daniel Gomes Ribeiro, bem como
demais os seguintes que foram adquiridos», seguindo-se uma relação
destes que não interessa referir para o presente estudo.
Sucedem-se, a fls. 12 e 13 os
arrolamentos feitos em 26 de Dezembro de 1957, 14 de Novembro de
1960, 1 de Fevereiro de 1966, referentes, apenas, a objectos de ouro
e prata.
Assim, verifica-se que, em 1878, era
Juiz da Confraria o António Vicente da Costa Neves, que em 1880,
arrematou a imagem de Santo António da Praça e outros objectos pela
quantia elevada, para então, de 60000 reis, sendo, assim, de
presumir que essa arrematação fosse feita para a Confraria e não
para ele, tanto mais que este António Vicente, pai de Francisco
Vicente da Costa Neves, não tinha Capela, nem era abonado.
Após aquela arrematação de 21 de
Abril de 1880, não aparece, no caderno de inventário da Confraria, o
registo da imagem adquirida do Santo António da Praça, pois apenas
houve o cuidado de fazer novo inventário, em 1957.
Mas o certo é que, na Capela da
Piedade, existem duas imagens de Santo António devendo uma delas ser
a que consta do inventário de 1878 e a outra a do Santo António da
Praça – o que vem confirmar o depoimento de Maria Rosa de Jesus
Ferreiro. A já mencionada D. Maria Júlia Rita de Araújo possui,
também, uma imagem de Santo António, de proporções mais reduzidas do
que aquela, que pertenceu a sua avó, materna D. Maria José Rodrigues
da Graça, casada com Bernardo José da Costa Rita, que foi
farmacêutico nesta Vila, que dizia ter vindo da Capela de Santo
António.
Não se pode averiguar a veracidade
desta tradição de família sendo de notar que, se por um lado, é de
estranhar que a imagem seja de barro, também é de considerar que, em
regra, nas Capelas costumava haver duas imagens do seu padroeiro;
uma a principal que, aquando das festas anuais, saía em procissão,
ficando a outra na Capela a atestar a invocação.
Neste trabalho reproduzem-se, em
fotografia, as duas imagens, a de madeira que está depositada na
Capela da Piedade e a de barro pertencente a D. Maria Júlia Rita de
Araújo.
/ 74 /
Segundo o parecer do erudito Padre
A. Nogueira Gonçalves:
«a) – A escultura de madeira de
Santo António, pertencerá aos começos do século XVIII, executada por
artista bastante corrente. Representa-o vestido de franciscano e com
a capa curta, de agasalho, que poucas vezes aparece. O hábito está
levantado, isto é, apanhado sobre o braço esquerdo, deixando ver a
sub-veste, fórmula que vem do século anterior, para se obterem
efeitos de pregueado, isto é de mero fim artístico. O Menino,
voltado para a frente e com pequeno globo na mão esquerda, senta-se
no livro que o Santo sustenta horizontalmente.
b) – A escultura de barro será já do
meado ou segunda metade do século XVIII, tendo saído da mão de
artista de maior categoria que o da madeira; o movimento da figura,
bem como o do Menino, bastante graciosa, manifesta essa categoria
superior. A escultura de madeira é naturalmente de altar. A pequena,
de barro, é mais propriamente de oratório doméstico, podendo ser
usada nas procissões breves, em volta da Igreja ou da Capela, levada
nas mãos do Sacerdote, que pequeno véu protege e que dava distinção
ao acto; procissões habituais outrora, aos domingos, no fim da
Missa».
Este douto parecer vem confirmar a
tese defendida da construção da Capela em 1720 – o que está em
correspondência com a época atribuída à escultura de madeira de
Santo António.
Como em 1857, como dissemos, foi
confirmada a obrigação do Capelão – fazer a festa anual ao Santo
António, no seu dia (obrigação que já consta do título de 1797) – é
possível que esta imagem de barro se destinasse a ser conduzida na
procissão que, porventura, se fizesse naquele dia de festa.
A Câmara arrogava-se a propriedade
da Capela ou oratório de Santo António; assim o afirmou, como
dissemos, em sessão de 26 de Junho de 1850, e consta do citado livro
de registo de mandados de pagamentos da Câmara Municipal com o
lançamento em 10-8-1868 da despesa com a compra de um paramento
vermelho para uso «na Capella dos presos propriedade da Câmara».
Paços do Concelho: salão nobre.
Nela praticou os inerentes actos de
administração, quer fazendo obras de reparação (sessão de 17 de
Agosto de 1842), quer comprando, para ela, paramentos e outros
objectos (sessões de 17 de Agosto e 22 de Dezembro de 1842, de 28 de
Março de 1849 e de 26 de Junho de 1850, citados pagamentos de 10 de
Agosto de 1868 e de 18 de Junho de 1869), quer dispondo dos seus
bens aquando da sua extinção, vendendo-os em hasta pública, como
consta do referido auto de arrematação de 21 de Abril de 1880.
Também sempre pagou ao Capelão, obrigação que já constava da aludida
provisão de D. Maria I, de 22 de Fevereiro de 1797 e se manteve até
à extinção da Capela; o último pagamento que verifiquei foi em 3 de
Abril de 1861 (30$010) «pelo que se mandou pagar ao Capelão dos
presos José Caetano Correia de Sá importe de seus ordenados
/ 75 /
dos meses de Setembro a Fevereiro do corrente ano, que se
acham suas pensões e como pagou os direitos de mercê, se mandou
pagar».
Se outros pagamentos foram feitos
posteriormente, como é natural, devem ter sido incluídos na folha do
pagamento dos empregados da Câmara que, no livro da receita e
despesa do município, tem esta designação, sem descriminação (como
sucedeu na folha de 19 de Fevereiro de 1861); por isso, só vendo
tais folhas, que ainda não consegui encontrar, se pode, com certeza,
fixar a data do último pagamento feito ao capelão da Capela de Santo
António.
Visita de El-Rei D. Manuel II à Feira,
em 23 de Novembro de 1903. Chegada à Praça Velha.
Em frente: a casa de Francisco Plácido de Resende com os dois planos
que que a formavam e a pequena janela que deitava para nascente.
A págs. 218 a 220 das «Memorias e
datas para a História da Vila de Ovar» de João Frederico Teixeira de
Pinho, com prefácio, revisão e notas feitas por Mons. Miguel de
Oliveira, está transcrita a Provisão da Rainha D. Maria I, de 20 de
Julho de 1794, designando o Capelão a quem era atribuída a obrigação
de dizer «Missa nos Domingos e Dias Santos aos presos da Cadeia da
dita Vila, na Capela do Senhor dos Passos, que se acha fronteira à
mesma Cadeia, e a consertar os telhados da dita Capela, solhos e
forro e a comprar à sua custa os paramentos de vestir... depois que
o uso os fizer indecentes, e o mais com que foi estabelecido e
ordenado do Capelão actual dos presos da Cadeia da Vila da Feira».
Nesta provisão também se ordenava
que o pagamento ao Capelão seria feito «pelo acréscimo do Cabeção
das Sisas dos bens de rais, da mesma forma que se praticou na Cabeça
da Comarca», (a da Feira), nomeando para aquela Capelania o Padre
António Veríssimo de Sousa Azevedo.
Comentando esta provisão diz o autor
do livro: «A condição de consertar os soalhos e forros da Capela é
irrisória para os que sabem que os Passos são de abóbada, e o
pavimento de cantaria lavrada», o que convence que as referidas
provisões obedeciam a modelos tipos. Por isso não obstante, na
provisão referente à Capela de Santo António da Praça, se fazer
referência ao telhado pode muito bem ter sucedido que ela não o
tivesse por ser encimado por compartimento da casa onde essa capela
ou oratório estava, porventura, incrustada.
Outras notas curiosas se vêem neste
trabalho: são a referência a uma outra provisão da Rainha, de 8 de
Junho de 1821, que aumentou a remuneração anual do Capelão, em mais
50000 reis e a referência de que a Câmara Municipal em suas sessões
de 12 e 13 de Março de 1839 nomeou novo Capelão e fixou-lhe o
ordenado, o que convence que até ao tempo do regime liberal estas
capelanias estavam sob autoridade régia e, posteriormente, sob a
autoridade camarária.
/ 76 /
Confrontando os dois alvarás, o de
1797 e o de 1794, referentes, respectivamente, às Capelanias da
Feira e de Ovar, e tendo em atenção o que neste se diz quanto à da
Feira, constata-se que o alvará a que naquele de 1797 se faz
referência, tem data anterior a 1794.
2
Motivos
A
CHAFARIZ
Está situado em plena Praça,
abandado à parte norte, por certo para alcançar a sua maior largura
quando aí foi colocado.
É muito elegante e de feitura muito
primoroso, o que ainda bem revela, apesar das mutilações que tem
recebido.
Foi construído para o centro do
claustro do já referido Convento dos Lóios, muito provavelmente
durante a vida de D. Diogo Forjaz Pereira, 4.º Conde da Feira.
Em 1697 o Reverendo Padre Reitor do
Convento do Espírito Santo da Vila da Feira fez citar os 8.os
Condes da Feira, D. Fernando Forjaz Pereira Pimentel de Menezes e
Silva e sua mulher D. Vicência Luísa Henriques para contestarem um
Libelo, por ele deduzido em nome do seu Convento, contra aqueles
condes a fim de serem condenados a reconhecer o direito que o mesmo
Convento tinha a um anel de água de uma fonte existente na horta e
cerca do Castelo, pertencente aos ditos Condes, seu aproveitamento e
modo de o utilizar e, nomeadamente, para obrigar os Condes a repor
as fechaduras, que haviam mudado, de uma porta que da cerca do
Convento dava acesso àquela dos Condes. Nesse processo foi
proferida, em 7 de Novembro de 1702, (já depois de extinto o Condado
por morte daquele Conde D. Fernando, em 1700) a seguinte sentença
que abre muita luz sobre a época em que o Convento entrou na posse
dessa água que, como se diz naquele Libelo, para «com o
continuamento» passar à cerca e claustro do dito Convento».
«Sentença – E nos ditos Autos
pronuciey a minha sentença seguinte: – § – Acordey & vistos estes
Auttos Libello do Reverendo Autor contrariedade dos Reos, prova dada
per huma e outra parte: Mostrace pello do Reverendo Autor que
estando ha muitos annos per sy e seus antecessores em posse
passifica de hir ou mandar quando lhe hera necessário a limpar o
cano da agoa que vem para o seu Convento de huma fonte que nasce
dentro da orta e cerca dos Reos, indo por huma porta que esta na
parede que devide a cerca dos Reos da do seu Convento, na qual porta
ouvera /
77 / sempre huma so fechadura com duas chaves do mesmo
feitio, das quais tivera sempre o Reverendo Autor, e seus
antecessores huma para a dita Serventia e os Reos, e seus
antecessores outra para irem para a Igreja do dito Convento, e que
estando nesta antiga posse com ciencia e paciencia dos Reos, elles
innovadamente lha empediram pondo na dita porta duas fechaduras de
diversas chaves por cujo causa não pode abrir a porta e usar da sua
serventia. Pellos Reos se mostra não negarem a servidão que se deve
ao Mosteiro do Reverendo Autor sendo-lhe necessário em caminhar o
anel de água que seu Pay lhe deu da fonte que tem na sua cerca e
dando lhe parte ou a seus criados e feitores de que querem hir
encaminhar a dita agoa e que por se lhe não devassar a sua Cerca que
puzera na dita porta duas fechaduras. O que tudo visto e o mais dos
Autos, e como se prova que o Reverendo Autor, e seu Mosteiro estava
em posse pacifica com ciencia e paciencia dos Reos de se servir por
huma porta que esta na parede que devide a sua cerca da dos Reos sem
lhe pedir licença nem dar parte a seus criados tendo para isso uma
chave com que se abria a dita porta e que de presente o não pode
fazer pellos Reos mandarem por na dita porta duas fechaduras de
diversas chaves sem lhes darem para usarem da sua serventia e posse
em que estavão pelo que julgo terem os Reos feito força ao Reverendo
Autor, e seu Mosteiro em o privar da posse em que estava, o qual
mando que a ella seja restituído, e que os Reos ponham na dita porta
huma só fechadura com duas chaves do mesmo feitio, huma das quais
será do Reverendo Autor o seu Mosteiro para se irem caminhar a dita
agoa quando for necessário e a outra terem os Reos para com ella se
servirem pella dita porta a Igreja do dito Convento, e paguem os
Reos as custas dos Autos em que os condemno. Porto sete de Novembro
de mil setecentos e dous». – (Tombo do Convento de S. João
Evangelista, Vol. 1.º, pág. 390). Deste modo se conclui que aquele
anel de água, que se destinava ao claustro do Convento, fora
concedido a este pelo «Pay» do Réu, parecendo, à primeira vista, que
foi dado pelo pai daquele D. Fernando, de nome D. Manuel Pimentel
marido da condessa D. Joana Forjaz Pereira de Menezes e Silva – 6.ª
condessa da Feira. Já na contestação àquele Libelo, os Condes D.
Fernando e mulher confessavam que da dita fonte da cerca «concederam
os Pays do Reo ao Convento dos Reverendos Autores um anel de ágoa»
(cit. Tombo, Vol. 1.º, fls. 384).
Mas o certo é que aquela designação
de «Pay» e «Pays» do Réu Conde D. Fernando se deve entender no
sentido de antecessores e não restritamente de Pai.
Por escritura de 8 de Setembro de
1678, o Convento fez um contrato de transacção, com aqueles Condes
D. Fernando e sua mulher, para porem termo a uma contenda, entre
eles existente, sobre o mesmo objecto, direito ao anel de água e
meios necessários para o exercer e designadamente sobre o acesso à
cerca dos Condes, onde existia a fonte de onde derivava aquele anel
de água, nesse contrato, expressa e textualmente, se fala como
pertença do Convento «hu anel de Agoa de que lhe fez graça o Conde
Dom Diogo Forjaz Pereira com obrigação de lhe dizerem huma comoração
todos os dias pella sua alma como de feito elles o fazem» (cf.
Tombo. Vol. 8.º pág. 75-v.º e 76).
O chafariz da Praça e a antiga fachada
dos Paços do Concelho.
Na verdade aquele anel de água foi
doado em 1575, ao Convento pelo referido Conde D. Diogo e sua
mulher, como se vê do livro memorial da fazenda deste Convento para
se dar princípio ao tombo tão necessário para sua administração,
fls. 18, pelo Padre Jorge de São Paulo (Arquivo do Distrito de
Aveiro, Vol. XVI, págs. 257).
«§ 1.º – Como no capitulo se
resolveu a duvida do sitio, em que se havia de fundar este novo
mosteiro, e estava principiado com aplauso do Conde D. Diogo e da
condessa D. Ana de Meneses que tinham já lançado a primeira pedra
(como temos dito às fls. 16 § 3.º) logo trataram os Condes de nos
dar parte da cerca do Castelo, e agua bastante para o serviço do
convento: e assim no ano de 1575............ o Conde e a condessa
acima nomeados fizeram uma irrevogável doação a este mosteiro de
toda a terra que vem da porta da cerca que esta junto à fonte até ao
nogal pela parte do caminho de Arrifana......... na qual demarcação
esta a horta que é agora o pomar novo, e o pomar velho, e o bacelo e
terra onde estavam certos pinheiros, o que tudo era livre sem
pertencer á corôa e toda esta propriedade tomavam nas terças de suas
almas. Consta da doação que esta no 1....... foI. (emendado para:)
«477» v.º (por outra letra) «Lº 4.º, fls. 177-v.º».
§ 2.º – Na mesma doação nos deram
para o serviço do convento um anel de água tomada no olho da fonte
do castelo, que é a mesma que hoje corre no claustro da claustra que
se fez no ano de 1628 sendo reitor o padre Miguel do Espírito Santo
(1621-29)............».
Aquele D. Diogo, que foi o 4.º Conde
da Feira por carta de mercê do seu título em 17 de Outubro de 1556,
e sua mulher, D. Ana de Menezes, foram os que, em 1560, lançaram a
primeira pedra do referido convento do Espírito Santo dos Frades
Loios da Vila da Feira, convento que já estava em condições de ser
habitado em 1556. É evidente que aquela dádiva do anel de água para
o convento e seu claustro se tornou necessário para nele poderem
habitar os frades. É de supor que o chafariz fosse feito na época
daquela
/ 78 / doação (1575)
ou quando foi construído o claustro (1628).
Naquele libelo, o convento dizia que
«Provaria que sendo Condessa da dita Villa e vivendo nas cazas do
Castelo della a May do Reo e vivendo este em sua companhia e hão
despos este vivendo só
(4) nas ditas Casas nestes anos
proximos passados via muito que bem os Reytores e Religiosos do dito
Convento do Autor por si e seus familiares entravão pela dita porta
desfechando-a com a sua chave e chegando athé a dita fonte a faziam
limpar e por corrente a agoa della, e depois que estava corrente e
limpa se tornava a recolher pella mesma porta fechando-a com a mesma
chave com que asim hão desfechada. Provaria que na Vde o dito Reo e a
dita sua May viam muito bem o dito uso e posse da chave dos Reytores
e Rellegiosos do dito Convento, mas também seus familiares e
feitores, e por elles sabião e foram sempre certificados da dita
posse e uso da chave que os Reytores e Religiosos tinham em seu
poder e sendo á sua vista, a tãm pacifica a não empedião nem a
encontravão (cit. Tombo, Vol. 1.º, pág. 381 v.º).
No «auto de forma e feitio do
Convento e Ig. do Espirito Santo de São João Evangelista de V.ª da
Feira» de 15 de Julho de 1705, (fls. 5 v.º da cópia autenticada do
Tombo do convento feito pelo Dr. António da Rocha Manrique em 1705 –
n.º 1) o chafariz é descrito nos seguintes termos: «No meio do dito
claustro esta um chafariz de duas taças lavrado que deita ágoa por
quatro bicas com seu tanque que asenta sobre tres degraos de pedra,
em quadra», o que corresponde exactamente ao que está implantado na
Praça, com a correcção nos degraus, resultante da sua colocação,
agora, em plano inclinado.
O Padre José de São Pedro Quintela,
no seu mencionado trabalho de 1758, referindo-se ao claustro do
Convento diz «no meio tem um formoso chafariz» e, na verdade, ele é
muito formoso.
O chafariz manteve-se no claustro do
convento até ao ano de 1848, data em que foi transferido para a
Praça Velha – expressamente se diz no ofício n.º 149 que a Câmara
Municipal dirigiu ao Governador Civil do Distrito em 28 de Janeiro
de 1876, quando alude aos actos de posse que praticara no dito
convento, «mudou o chafariz do Claustro para a Praça d'esta Villa».
Durante os anos que precederam
aquele de 1848 encontram-se, nas actas das sessões da Câmara
Municipal, referências a reparos do chafariz e do aqueduto «que
conduz agoa para o mesmo cujo chafariz se acha construido desde
antigos tempos dentro dos claustros do mesmo Convento» (sessão de 2
de Agosto de 1843), referências que se sucedem nas actas de 1844 e
1845: nas das sessões de 1843 a 1845 encontra-se a notícia do
litígio que a Câmara Municipal manteve com Bernardo José Correia de
Só, arrematante da cerca
/ 79 /
do convento, de que resultou ele apossar-se da água do chafariz.
O chafariz localiza-se defronte das
casas que formam a ala nascente da Praça.
Em sessão de 22 de Março de 1848
«Foi presente um officio do Governo Civil d'Aveiro -1.ª Repartição
n.º 16 de 7 do corrente enviando a cópia do Acórdão do Conselho do
Distrito n.º 179, proferido em sessão de 4 de Março, no qual aprovou
a deliberação da Câmara para poder construir, na Praça Pública desta
Vila, um chafariz e concedeu autorização para se poder gastar na
referida obra do chafariz e nas calçadas desta Vila a quantia de
600000 reis que sobejou do respectivo orçamento deste anno, tudo na
conformidade da representação feita por esta Camara». Deliberando,
mandaram que se cumprisse. Apesar de um cuidadoso estudo, não
encontrei a referida deliberação da Câmara que foi objecto da
aprovação do Conselho do Distrito: não foi inserta na acta.
Pinho Leal na sua citada obra, Vol.
3.º fls. 157 (que tem a data de 1874) diz, referindo-se à Vila da
Feira «Tem um bonito chafariz na praça em frente do Tribunal, feito
em 1845, devido à iniciativa do Sr. José Correia Leite Barbosa,
então e actual administrador do concelho. Tem outro, feito pelos
frades, no século passado ao fundo das escadas do Convento».
Na verdade aquele José Correia Leite
Barbosa foi nomeado administrador do concelho por decreto de 4 de
Março de 1842 (cargo que já exercia interinamente desde 18 de
Janeiro desse ano) seguindo-se-lhe, no cargo, António de Castro
Corveira Corte Real, nomeado em ofício de 18 de Maio de 1846, por
Dr. Luís Cipriano Coelho de Magalhães (pai de José Estêvão Coelho de
Magalhães que, por sua vez, era filho de Manuel Coelho de Magalhães,
natural da Feira) encarregado pela força armada, que fez o
pronunciamento de Aveiro, de providenciar sobre a organização das
autoridades do distrito. Leite Barbosa voltou a ser nomeado
administrador do concelho por decreto de 29 de Janeiro de 1874,
sucedendo-lhe Manuel Pinto de Almeida que foi nomeado por decreto de
10 de Outubro de 1877.
O chafariz da Praça e a actual fachada
dos Paços do Concelho.
Mas em face de todo o exposto, é
certo que o chafariz não foi feito em 1845, mas transferido do
convento para a Praça por força da deliberação da Câmara, confirmada
pelo Conselho do Distrito, em 1849, quando o Leite Barbosa já tinha
abandonado a administração do concelho, dois anos antes. Não
encontrei, como disse, aquela deliberação da Câmara mas não é
natural que o referido Conselho tivesse demorado, anos, a aprovação
de uma deliberação da Câmara, quando se verifica, através das suas
actas que aquele Conselho não demorava as suas decisões.
O Dr. Vaz Ferreira, no seu «Ferro
Velho» (Correio da Feira, n.º 2349, de 28 de Agosto de 1943),
comentando aquela afirmação de Pinho Leal, quando quer convencer,
erradamente, que o chafariz foi construído,
/ 80 /
de novo, para a Praça Velha, censura-o, filiando o seu erro em má fé
e em defesa de um amigo político.
Fundamenta o seu parecer no facto de
a Câmara ter transferido o chafariz do Convento para a Praça Velha
para, assim, evitar que se renovasse o falado pleito que aquele
Bernardo José Correia de Sá, como proprietário da cerca do extinto
Convento (de onde provinha a água que alimentava o chafariz do
claustro do convento) mantivera com a Câmara. A demanda teve origem
nos embargos que este Correia de Sá deduziu à obra que a Câmara
pretendia fazer para restabelecer o abastecimento do chafariz com a
água daquela cerca, por meio de reparação do respectivo aqueduto,
demanda que se prolongou judicialmente até que a Câmara desistiu da
vistoria que havia requerido, desistência que teve lugar, pouco
antes daquela transferência do chafariz, por meio de artifício
político, o que tudo teve lugar não obstante o decreto de 7 de Junho
de 1845 ter mandado restituir a posse dessa água aos habitantes da
Vila.
O Dr. Vaz Ferreira conclui:
«A colocação do chafariz e o
encanamento das águas duraram desde Junho de 1848 até 30 de Junho de
1849; portanto o chafariz em frente do Tribunal foi feito mais de
três anos depois da data apontada pelo Pinho Leal e em vez de ser da
iniciativa do seu antigo
/ 81 /
correlegionário miguelista José Correia, foi, pelo contrário, o modo
hábil do Bernardo de Sá se ver livre de futuras iniciativas da mesma
procedência.
Assim é que o chafariz passou da
pertença dum edifício nacional a logradouro público de propriedade
camarária. São desta falta de veracidade as informações de Pinho
Leal sobre factos de que tinha conhecimento directo e presenciaram
pessoas do seu convívio».
Em sessão da Câmara de 17 de Julho
de 1850 foram presentes as escrituras que titularam os contratos por
ela feitos com a Santa Casa da Misericórdia e José Joaquim da Silva
Pereira, respectivamente, em 28 de Junho de 1849 e 1 de Julho de
1850, sobre a água deste chafariz da Praça, sua condução e saída,
escrituras que a Câmara aprovou.
O chafariz ainda se conserva na
Praça, tendo, porém, recebido mutilações, sobretudo no seu topo
superior, mais devidas aos homens do que ao tempo.
Quando ele foi transferido para a
Praça, havia, na Vila, mais dois: o que está ao fundo das escadas da
igreja, mandado fazer pelos frades Lóios, e o da Misericórdia e que
ainda hoje existem.
B
PELOURINHO
A Vila da Feira teve, como é
natural, o seu pelourinho. Terra antiquíssima, sede das de Santa
Maria, distinguida por muitas famílias nobres que aqui viveram e
dela foram oriundas, entre as quais se distinguiu a dos Condes da
Feira, senhores do Castelo e de extensos territórios e alargados
bens, titular do Foral concedido pelo Rei D. Manuel I, não podia
deixar de ter o seu pelourinho, símbolo de jurisdição, «padrão ou
símbolo de liberdade municipal», como o define Alexandre Herculano
na sua «História de Portugal», Vol. IV., pág. 239 e que «balisa no
território português o caminho da história dos concelhos», como diz
Luís Chaves no seu trabalho «Os Pelourinhos Portugueses» – pág. 9.
Armas reais da frente, ladeadas pelas
esferas armilares.
São muito diversas as suas formas e
a arte que neles se encarna, e se muitos não traduzem, no seu
alçamento e motivos, traço específico do concelho a que pertencem ou
do privilégio da jurisdição que representam, outros são, por si só,
a página dominante e definidora dessa jurisdição. Assim, acontece
com o que julgo ser o capitel, encontrado, do pelourinho da Vila da
Feira.
Existia na parte poente da Praça,
hoje denominada do Dr. Oliveira Salazar e faceando com o rio, um
edifício térreo, em ruínas, designado, nos tempos modernos – pelo
matadouro velho – património camarário que nos orçamentos da Câmara
Municipal da Feira – sob a rubrica de «edifícios e estabelecimentos
que a Câmara tem a seu cargo», dos anos 1852 a 1853 era designado
por «casa do talho e açougue», no de 1853-1854 por «casa do açougue»
e nos seguintes, até o de 1869-70,
/ 82 /
por «casa do talho» (com excepção do de 1861-1862 em que é
chamado «casa do açougue»).
A partir do orçamento daquele ano de
1869-70 já não aparece qualquer referência aquela casa, como já
sucedeu no de 1866-1867.
Neste edifício, na fachada principal
que dava para a dita Praça, existia, e era bem conhecida desde
tempos antigos, uma pedra de armas que nela estava incrustada e que,
em si, tinha lavradas as cinco quinas.
Aquela pedra sempre me mereceu
curiosidade até que, em 1943 e quando ainda era Presidente da Câmara
Municipal, estudando-a com mais cuidado, notei que nas suas faces
laterais, quase completamente cobertos, afloravam uns motivos que me
pareciam segmentos de corda. Mandei-a desentranhar da parede e, com
grande surpresa, surgiu-me a pedra reproduzida, neste trabalho, em
fotografia, que tudo indica ser o capitel do antigo pelourinho da
Vila.
Levado este achado ao conhecimento
da Câmara, em acta da reunião de 19 de Maio desse ano, ficou
consignada a seguinte comunicação que fiz como seu Presidente:
«Há muito que era conhecida uma
pedra de armas que estava cravada na parede frontal do velho
edifício do matadouro, sito na ala poente da Praça do Doutor
Oliveira Salazar: exteriorizava-se, apenas, por um escudo com quatro
quinas (aliás cinco) com bordadura lisa e sem castelos. Quando a
analisava, com natural espírito de curiosidade, apercebi-me de que
essa pedra tinha indícios de feitios arredondados nas suas
saliências laterais, meio embutidas na parede o que denunciava ser
lavrada lateralmente. Mandei-a fotografar para perpetuar o
conhecimento do seu estado e posição e no dia oito do corrente mês
de Maio mandei-a destacar da parede verificando-se, então, que a
realidade ultrapassava, em muito, a expectativa. Verificou-se,
então, que formava como que um capitel com base de forma circular
debruado por um rebordo redondo muito partido. Na face oposta ao
mencionado escudo de quinas, está praticado outro escudo maior, onde
avulta, em bem trabalhado relevo, a cruz floreada e aberta no campo
dos Pereiras: o alto deste escudo excede em dois centímetros o topo
liso da pedra e tem dois chanfros oblíquos e rectos, como se tivesse
sido cortado para assentar outra peça superior. Entre os escudos
salienta-se, de cada lado do redondo do fuste, uma esfera armilar
com seu pé em meio relevo perfeito. Sobre cada esfera há um começo
de cavado circular que mostra ter tido seguimento em outra pedra
sobreposta. Mede trinta e seis centímetros de altura por vinte e
oito de largura entre os escudos elevando-se a trinta e quatro na
saliência máxima das esferas e tem vinte e um de diâmetro na base e
vinte e três no topo. O fundo do escudo dos Pereiras está pintado de
vermelho e a parte da frente, que esteve embutida na parede, de azul
acinzentado claro. Nas esferas, em parte delas, e na cruz floreada,
há vestígios de douradura. Como esta pedra mostra os símbolos
heráldicos de senhorio, dos Condes da Feira,
/ 83 /
como donatários régios e emblemas usados pelo rei D. Manuel I e pode
supor-se que tivesse pertencido ao pelourinho, tão procurado até
hoje, ou outro marco de domínio, mandei-o recolher à Biblioteca e
Museu Municipais para aí ser guardada e sujeita a estudo».
O Dr. Vaz Ferreira, director desta
Biblioteca e Museu, fez, então, uma consulta ao referido e erudito
Luís Chaves, formulando um questionário – a que ele gentilmente
respondeu e que, com a devida vénia, passamos a transcrever do seu
«Ferro Velho» – (Correio da Feira de 21 de Julho de 1943):
«A pedra é sem dúvida o topo de um
padrão cilíndrico: A forma e disposição das peças heráldicas, postas
em remate a que só falta a extremidade ou acabamento, assim no-lo
faz concluir.
Padrão de senhorio, Senhorio
simples, isto é, sem compromisso oficial ou fidelidade funcional ao
Rei, não teria a subordinação ou homenagem ao soberano, como é o uso
das armas reais. Não deve ser portanto prova de senhorio pessoal.
Essa estaria no padrão com as armas senhoriais. E esta apresenta as
da família e as reais. Ora os pelourinhos são padrões com duplo
manifesto de posse de direitos atribuídos pelo Rei em nome da Nação,
e de uso de jurisdição local, baseado nesses mesmos direitos. Em
toda a parte os pelourinhos brasonados têm as armas senhoriais e as
armas reais, cumulativamente com outras signas heráldicas, entre
elas a esfera armilar, para as manuelinas ou de alusão manuelina, e
as armas de domínio do concelho.
A pedra da Feira, entra, ao que
parece, no número destes últimos padrões. Armas reais à frente:
brasão dos Pereiras, por trás: as esferas armilares, pediculadas nas
faces laterais da pedra prismática. Em cima teria qualquer outra
pedra terminal, com decoração a que poderia pertencer, na ligação
com os escudos, a coroa manuelina sobre as quinas. Não conheço
brasão em pelourinho que tivesse o elmo sobre o escudo senhorial.
Que remate lhe dava a pedra que
falta?
Como se há-de sabê-lo?
Quanto à época parece-me que a pedra
pode ser do século XVI, e assim o primitivo pelourinho manuelino.
Muitos pelourinhos, embora reformados ou reconstituídos mais tarde,
repetem a heráldica manuelina, com esfera armilar patente, aludindo
desta maneira, na continuidade do tempo, à origem ou à reforma do
foral. A simplicidade completa que esta pedra manifesta, visto que
só tem o que não podia deixar de ter, parece-me indicar que a ser na
verdade o que resta do pelourinho, ele era manuelino. Onde estaria o
estilo contemporâneo? Na base e no topo, talvez em forma de florão
cónico.
De ter a pedra vestígios de pintura
não é de estranhar. Houve pelourinhos coloridos. De um de Chaves, no
bairro da Madalena, além do Tâmega, lembra-se o Dr. João Barreira de
o ver dourado. Há notícia de outros não sei se fidedignos. Não
aparecem agora assim: tem de se atribuir aos mesmos elementos
climáticos, que destruíram a pintura na face exterior da Pedra da
Feira e só a respeitaram, porque a não atingiram, na face ou faces
cravadas na parede.
É pouco para o que V. queria saber.
E menos para o que queria interpretar. E pouco também para
reconstituição do pelourinho, todavia alguma luz nos dá ou parece
dar. Nos tipos vulgares de pelourinhos, seria talvez como o da
Ericeira, cilíndrico, liso, nó simples a meio, pirâmide cogulhada de
folhagens no topo; a mais que ele – estaria a heráldica.
Cruz floreada dos Pereiras vendo-se,
lateralmente, as esferas armilares.
Desculpe-me V. de mais não lhe poder
dizer. Mas que é pedra de interesse local e própria de museu não há
duas opiniões – Lisboa, 15 de Julho de 1943».
A partir de 1943 nenhum outro
elemento podemos colher que possa interessar à interpretação desta
pedra, que ainda está depositada no Museu e Biblioteca Municipais da
Feira. E, por isso, nada mais tenho a acrescentar sobre a sua
interpretação ao que doutamente foi referido, e fica transcrito, por
Luís Chaves.
Estou convencido, em razão do
exposto, e ainda porque o Foral foi dado à Feira pelo rei D. Manuel
I, que o pelourinho da Vila da Feira data dos princípios ou meados
do século XVI; e que foi colocado, primeiramente, defronte da casa
da Cadeia junto do rio, sendo depois transplantado para a Praça
Velha quando aí foi construída, nos meados daquele século, a «Casa
do Concelho, cadeya da Vila, Paso dos Vereadores e Almotaseis». Que
foi implantado defronte dos Paços do Concelho, não resta qualquer
dúvida, o que está conforme a tradição desses monumentos e se ajusta
ao fim para que foram instituídos, quando concelhios. Conforme diz
Luís Chaves, na citada obra, pág. 15, como «distintivo da jurisdição
de um concelho e da sua autonomia municipal» (Pinho Leal, Portugal
Antigo e Moderno S. V. «Pelourinho»), o pelourinho erguia-se diante
do edifício da Câmara ou paços senado, – o fórum da vida comunal dos
vizinhos, desde que aos concelhos foi permitido nos fins do século
XII erigirem por seus tais monumentos».
Alberto Pimentel (cit. ob., pág.
199) como já se referiu, também diz que a meio da Praça se levantava
o pelourinho «agora substituido pelo chafariz, que pertencera ao
Convento dos Loios»: está certo, com a diferença de este chafariz
ter sido construido, por certo, mais acima do local onde estava
implantado o pelourinho.
A primeira notícia que tenho de
pelourinho data de 1703, porquanto do tombo da Casa da Feira
(Infantado), fls. 15, consta que a afixação dos alvarás de éditos
para chamamento dos obrigados aquela casa
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foi feito no pelourinho existente na «Praça Pública da Villa».
Como já referimos, do citado Tombo
do Convento de S. João Evangelista, consta o teor da escritura de 1
de Maio de 1708, pela qual os Padres do «Mosteiro do Espírito Santo
que he também de Sam João Evangelista» emprazarão a José Soares de
Melo as casas denominadas «do escritório e alqueve de Sizas»
(extrema poente da casa hoje pertencente a Francisco Plácido de
Resende), dizendo-se, nessa escritura, que ela confinava «do sul com
a praça publica para onde tinha a porta e asi hera fronteira com o
pelourinho delIa».
Mais tarde, no seu citado trabalho
de 1874 – Huette Bacelar – refere, a fls, 187, como também já
dissemos, que a casa emprazada a Pantaleão Pereira do Lago (a
primeira, a contar do norte, das que hoje estão incorporadas no
prédio dos herdeiros de José Soares de Sá) estava «bem defronte do
Pelourinho, e Cadeya, da dita Villa». Ainda hoje se pode verificar
que aquela parte desta casa, está bem defronte da porta dos Paços do
Concelho e, assim, podemos concluir que o pelourinho devia estar
implantado defronte da porta central do edifício da Cadeia.
Relacionando estas duas informações,
podemos hoje localizar, com certa precisão, o sítio onde ele estava
praticado na Praça, ou seja na intercessão de duas linhas: uma
perpendicular à entrada dos Paços do Concelho em direcção à casa que
o dito Pantaleão possuiu de emprazamento e outra perpendicular
àquela casa «do escritório e alqueive de Sizas», pelo seu meio,
tendo em consideração que esta casa tinha – no seu comprimento de
nascente-poente, defronte da Praça, cinco varas, ou seja 5,50
metros.
Assim, o pelourinho devia estar
implantado defronte da porta do actual edifício dos Paços do
Concelho e a cerca de sete metros, para nascente, e uns seis metros,
para sul, do actual chafariz.
E nada mais sei sobre o pelourinho
nem mesmo a data em que ele caiu ou foi demolido.
Como diz Luís Chaves, no seu já
citado trabalho, a fls. 48 e 49, «Foram demolidos numerosos
pelourinhos pelas próprias Câmaras Municipais, o que é absurdo,
mesmo considerando que os concelhos do Constitucionalismo não
correspondem nem na realidade administrativa nem no espírito
localista, não tendo assim a sua continuidade moral, aos concelhos
de Portugal Antigo. Mas é facto que muitas Câmaras mandaram demolir
os símbolos das regalias municipais. Os motivos alegados foram
vários, todos porém tendentes ao mesmo objectivo.
A saber:
1.º – Por facciosismo político
(entre outros Aveiro 1834 e 1835)...
2.º – Por necessidade de alargamento
e melhoria de trânsito...
3.º – Por negligência, deixando que
a ignorância de uns, a maldade de outros, e a erosão do tempo os
danificassem, sem o menor cuidado de os salvar...».
É possível que a causa de destruição
do pelourinho da Vila da Feira se enquadre na hipótese do n.º 3 não
obstante o concelho da Feira ter sido teatro de lutas muito acesas e
odiosas entre liberais e miguelistas.
Também se pode admitir a 2.ª
hipótese, para dar maior largueza para o trânsito. Aguardemos, que,
do pó de documentos e livros antigos, surjam melhores conhecimentos
sobre a construção, manutenção e destruição daquele padrão que hoje
está reduzido ao mencionado capitel guardado no Museu e Biblioteca
Municipal, da nossa Vila.
______________________
NOTAS:
(1)
– Certidão de uma causa que correu em 1578 sobre os chãos de Lobo
Afonso, junto à Ponte conhecida como de Fiió.
(2)
– A Casa da Aposentadoria era o antigo edifício que pertenceu à
Câmara Municipal sita na Rua Direita – hoje Dr. Roberto Alves – na
fachada esquerda, direcção norte sul, onde esteve instalado o
Batalhão de Caçadores n.º 11, edifício que adiante será referido.
(3)
– Deve ser Maria de Vasconcelos que foi casada com Jerónimo Diniz
Pinto.
(4)
– D. Fernando viveu separado de sua mulher «Porém, quando morreu em
15 de Janeiro de 1700, estava ella em boas relações com elle e
moravam em Lisboa, na mesma casa (D. Fernando Tavares e Távora – "O
Castelo da Feira» – pág. 102). |