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N.º 6

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1968 

 

Jornais e Jornalistas Aveirenses

 

Por Eduardo Cerqueira

Jornalista e Publicista

 

II

Embora, na verdade, não esteja no nosso propósito uma ordenação cronológica, mencionaremos, no ano imediato ao da saída de «O Povo de Aveiro», a publicação do Jornal Académico, (1) o primeiro jornal de estudantes de que topamos rasto, e de A Locomotiva. Este, como o título sugere, e, como em números subsequentes, veio, em certa medida a evidenciar, dizia-se «Periódico dos Caminhos de Ferro». Era dirigido por Carlos Faria, distinta figura de homem do grande mundo, com gostos cosmopolitas, frequentador de Paris e de outras prestigiosas cidades europeias – que só raros, ao tempo, visitavam –, dissipador de fortunas dado a certas extravagâncias, que fazia morder de emulação o provinciano patrício de comedidos hábitos burgueses. Por diletantismo, e porque lhe não escasseasse a veia, entregava-se, desde os tempos de estudante universitário, ao jornalismo, mais literário que político, se bem que neste domínio metesse por vezes oportuna colherada, com certo vigor e alguma graça.

Carlos Faria, de seu nome completo Carlos de Faria e Melo (1849-1917), que, em 1893, seria agraciado com o título de Barão de Cadoro, fora, como dissemos, redactor efectivo de O Povo de Aveiro, fundara, com Gervásio Lobato, o periódico «Comédia Portuguesa» e pertenceu à redacção do «Jornal do Norte», de António Augusto Teixeira de Vasconcelos.

No seu novo jornal escreveu sobre diversos temas, ora afirmando os artigos com o seu próprio nome, ora subscrevendo-os com o pseudónimo «Carvão», inspirado no título do trissemanário.

Deixou alguns volumes de ficção – «Um conto de Reis», «O Piano», «Portugueses Cosmopolitas», e «Diniz» – um opúsculo, de colaboração com Joaquim de Melo Freitas, prestando «Homenagem ao distinto explorador de África Serpa Pinto», e cooperou em diversas iniciativas de relevo na vida social e cultural aveirense.

 

 

A Locomotiva apresentou-se com aparentes ambições. Na extensa lista de colaboradores que logo no primeiro número, saído em 15 de Maio de 1883, anuncia em grandes caracteres, inclui nomes dos mais ilustres das letras nacionais, com alguns dos quais privou o director. Além de correspondentes em Lisboa, Porto e Coimbra – que seriam, respectivamente, Gervásio Lobato, Luís de Magalhães e Alexandre da Conceição – promete colaboração de escritores e intelectuais da estirpe e nomeada de António Cândido, António Feijó, Camilo, Conde de Samodães, Fernando Caldeira, Joaquim de Vasconcelos, Oliveira Martins, Teixeira de Queirós e Visconde de Benalcanfor. Acrescentar-lhes-ia, em números posteriores, Guilherme de Azevedo – aliás já falecido, mas de que publica algumas produções, não sabemos se inéditas –, Eça de Queirós, Ramalho, o botânico Júlio Henriques – ligado a Aveiro pelo casamento e pela jazida que escolheu –, Teófilo Braga e outros.

Entre os cultores locais das boas letras não comprometidos e absorvidos noutras colaborações regulares, mencionava Sebastião e Jaime de Magalhães Lima, Melo Freitas, Marques Gomes e Agostinho Pinheiro.

Uma grande parte desses vultos não chegou a contribuir com a mais pequena chama do seu talento para a marcha desta Locomotiva. Não foi além de cinquenta e nove números, o último dos quais datado de 27 de Setembro do mesmo ano da saída, este jornal que teve tão prometedores princípios.

A título de curiosidade anotaremos que no número inicial inseria, a par de produções de António Feijó, Alexandre da Conceição e Fernando Caldeira, de um trecho do «Salústio Nogueira» de Teixeira de Queirós – que só seria posto à venda no dia imediato –, de uma crónica do Visconde de Benalcanfor e de alguns / 87 / artigos de colaboradores aveirenses, um poema de Camilo, que transcrevemos, por ignorarmos se algures se encontra recolhida. Porventura, o grande escritor terá exumado de algum escaninho, para anuir à solicitação do admirador aveirense, as seguintes velhas e quase esquecidas cinco quadras: 

                  NERVOS

(Poesia ante-diluviana, inédita)

 

Raquel! Ó flor inestimável preço!

Eu, quando sismo no cetim macio,

e nos arminhos do teu flanco, frio,

Como as neves dos Alpes, estremeço.

 

De fogo juvenil ardo em desejos,

E o apagado vulcão referve e estala;

Cinjo-me todo a ti, mordo-te em beijos

Mais expressivos que o tremor da fala.

 

Na curva da cintura enrosco o braço,

Inclino-te ao meu peito; e tu esvaída,

Embalas-te risonha em meu regaço,

Tão doida, tão gozada e estremecida!

 

E então... que linda estás! Se então te viras,

Quiseras estar sempre, ó louca, assim!

Fremem-te os cílios, lívida suspiras,

E eu convulso te digo: «amas-me, sim?».

 

E eu, balbuciando-me em voz quebrada,

Enlanguecida em delirado arquejo,

Impendes ao meu ombro a face amada,

E, pálida, respondes-me num beijo.


1858

               Camilo Castelo Branco

Seria incomportável num relance desta natureza, forçosamente superficial e lacunar, como de início acentuámos, a menção, mais ou menos detida mesmo de muitas publicações periódicas saídas de prelos aveirenses e com redacção na cidade e no concelho. Até 1943, e sem dúvida com diversas omissões, António Zagalo dos Santos enumerava, com sucintas anotações esclarecedoras, nada menos de cento e três. (2) E A. Carneiro da Silva acrescenta a esse extenso rol, nesse mesmo ano, oito novos títulos, alguns deles de números únicos comemorativos de qualquer efeméride ou acontecimento de ocasião.

De então para cá várias outras, efémeras ou perduráveis, apareceram, embora a época fosse pouco propícia para que novas folhas surgissem e subsistissem.

Não devemos deixar de referir, no entanto, logo no ano de 1884, meses depois da extinção de A Locomotiva, não já os insignificativos O Alcaide (27-4) e A Lira (11-5), mas o Arquivo Fotográfico, que foi dirigido por dois aveirenses de relevantes méritos e que, cada um de acordo com as suas propensões, prestaram a Aveiro assinalados serviços: Marques Gomes e Joaquim de Melo Freitas.

De publicação bimensal, esta revista ilustrada não conseguiu sobreviver para além do oitavo número – a primeira meia dúzia, apenas, impressa em tipografia local. Apresentava em fototipia, monumentos paisagens, obras de arte e tipos populares de diversas localidades, acompanhadas de descrições e apreciações do punho dos directores. Foi a primeira publicação aveirense com estas características e, na sua breve existência, não proporcionou ensejo aos seus redactores de consagrarem à sua pátria pequena, a que eram tão devotados, a atenção que, tão solícita e desvelada, por ela ininterruptamente evidenciaram.

O primeiro, João Augusto Marques Gomes (1853-1931) iniciou a sua actividade literária, bastante jovem, no «Distrito de Aveiro», abordando desde logo temas históricos, predominantemente sobre o passado aveirense. Era predilecção, servida, aliás por uma erudição invulgar e um infatigável trabalho de pesquisa e consulta, o tornaria o mais fecundo e prestimoso de todos os aveirógrafos.

Apenas esporadicamente versaria, no «Campeão das Províncias», de que foi redactor largo tempo, e onde deixou inúmeros trabalhos sobre a história local e as mais proeminentes personalidades suas conterrâneas, assuntos de outra feição.

Mais historiador, pois, do que caracterizadamente jornalista, foi apreciado colaborador de numerosas outras publicações, de Aveiro e outras localidades como «O Concelho de Gaia», «O Tirocínio», «O Arquivo Popular», «Actualidade», «Jornal do Comércio», «Correio do Norte», «O Conimbricense», «O Globo», «Correio da Tarde», «Comércio do Porto», «Diário de Notícias», «Ilustração Portuguesa», «Ilustração Moderna», e muitos outros.

A sua ficha bibliográfica, encetada aos vinte e dois anos com «Memórias de Aveiro», conta dezenas de espécies de maior ou menor tomo. Na grande maioria consagrou-os à sua terra natal, e desactualizadas embora em alguns aspectos e pormenores, constituem ainda hoje elementos imprescindíveis para o conhecimento da evolução da urbe milenária e dos seus marcos históricos capitais.

Ficaram-se-lhe devendo, entre os beneméritos serviços prestados a Aveiro, a máxima parcela da realização / 88 / das famosas exposições distritais de 1822 e 1895 e, acima de tudo o demais, a criação e organização do Museu Regional de que foi, com excepcional competência, o primeiro director.

 


Joaquim de Melo Freitas

De entre as cerca de quarenta obras que deixou impressas citaremos: «O Distrito de Aveiro», «Lutas Caseiras – História dos acontecimentos políticos de Portugal, de 1834 a 1835», «José Estêvão – Apontamentos para a sua biografia», «Cinquenta Anos de Vida Pública – Manuel Firmino de Almeida Maia», «Subsídios para a História de Aveiro», «Aveiro, berço da liberdade», «Aveirenses que sofreram e morreram pela liberdade», «Centenário da Revolução de 1820 – Integração de Aveiro nesse glorioso centenário» e o volume complementar da «História de Portugal» de Pinheiro Chagas.

Este completo enunciado bastará, certamente, para aferir o que fixou da terra que fervorosa e fecundamente amou e serviu e para assinalar, numa passageira anotação, o nome de um homem que, pertinazmente, em mais de meio século, se empenhou em recordar e exaltar os conterrâneos com algum título de evidência, e entre os mais ilustres e prestimosos, sem ingratidão e injustiça, poderá ser olvidado.

A personalidade do Dr. Joaquim de Melo Freitas (1852-1923), conquanto ligada a esta publicação ilustrada e nela com inegáveis provas dos seus méritos, mais se evidenciaria na colaboração esparsa pela maioria dos jornais aveirenses subsequentes, e muito particularmente em A Época, que fundou e dirigiu, e cujo primeiro número sairia no ano imediato, precisamente a 5 de Fevereiro de 1885. O último seria datado de exactos dois anos depois.

Topamos-lhe o nome como redactor de O Povo de Aveiro e da Locomotiva. Colaborou ainda, com assiduidade, no Campeão das Províncias, no Distrito de Aveiro, no Tribuno Popular, na Revista Ilustrada, no Democrata e vários outros periódicos, durante mais de meia centúria de anos.

Deixou publicadas várias obras, além da já citada «Homenagem a Serpa Pinto», de parceria com o Barão de Cadoro. Apontaremos «A Granel – Diabruras, bagatelas, provincianismos e chinesices»; «Garatujas», «Ironias transparentes» e «Violetas» e duas conferências sobre José Estêvão, pronunciadas quando do centenário do nascimento do seu egrégio patrício.

Era membro de uma família em que se contaram vários dos liberais aveirenses que mais esforçadamente serviram a sua causa, alguns, como o próprio pai, sofrendo perseguições e as agruras do exílio, e um tio, Clemente da Silva Melo Soares de Freitas, pagando na forca levantada na Praça Nova, do Porto, com outros conhecidos conterrâneos também implicados na revolução de 16 de Maio de 1828, a sua fidelidade aos generosos ideais que abraçara.

Joaquim de Melo Freitas, que perfilhava os princípios dos seus familiares e primava por um largo espírito de convivente tolerância, foi uma figura singularmente simpática e aliciante, um escritor e orador de faculdades invulgares e um cintilante conversador, pontífice de tertúlia, cultivado, espirituoso, com o dom de amenizar pela anedota propositada, ou a fina ironia da réplica imediata e desconcertante, os temas mais austeros. Marques Gomes, que com ele privou longo tempo, numa sucinta apreciação dos seus predicados, salientou «a forma nova e leve com que reveste os seus escritos, a sua graça espontânea, franca, portuguesa, que em todos eles esfuzia hilariante, a sua muita correcção de linguagem, tão opulenta e ao mesmo tempo tão castigada e esbelta, as suas qualidades de observador, de artista e narrador» e acrescenta que «falava com a mesma suprema elegância com que escrevia».

Profundamente arreigado à sua terra, coube-lhe por dilatado tempo, a função, que por tácito sufrágio lhe confiavam os seus concidadãos, de intérprete dos mais estrénuos sentimentos de aveirismo, intra-muros da cidade ou fora dela, cantando-lhe as belezas, advogando-lhe as reivindicações; acolhendo os visitantes, singulares ou colectivos, com fidalga e cordealíssima lhaneza; realçando a história, as figuras insignes e demais valores, e as tradições da sua terra.

A Época espelhava os seus predicados e predilecções e marcou, assim, na Imprensa local um lugar / 89 / de evidência já do ponto de visto literário, já na defesa dos interesses regionais.

No mesmo ano foi editado o semanário O Parlamento, de transparente, embora não declarado parcialidade progressista, que mais ou menos penosamente alcançou o terceiro ano de duração; e, em 1886, engrossado já o corrente republicano, nasce e cremos que logo morre – com um propósito de combate contumaz às instituições, O Chicote.

Um hebdomadário adopta pela primeira vez a denominação de Correio de Aveiro, que ressurgiria cerca de dois decénios mais tarde – a 10 de Dezembro de 1909 – e, apesar de ter sede em Aveiro, seria mais do que um órgão da capital do distrito, um paladino dos interesses da Murtosa, de onde o director, José Maria Barbosa, era natural.

Sucessivamente, de reduzidíssima projecção, às vezes lançados pelo mero anseio irreprimível de algum escriba com ilusórias ambições, outras com o propósito ocasional de derrubar algum prócere do momento, ou guindar aos postos do pública administração como então se dizia – algum esquecido ou esperançoso líder para quem ainda não chegara o momento decisivo, com saída semanal ou quinzenários, foram sendo publicados e desaparecendo, na decúria começada em 1888, umas averiguadas doze gazetas e revistas. Enumeraremos, entre elas, com crismas que de algum modo sugerem as suas características O Boémio, O Artista, O Trinta, A Carga, que ao segundo número amenizou o nome em O Torneio, O Oportunista e O Papagaio, a Revista Florestal e A Correspondência – redigido por funcionários telégrafo-postais –, A Mocidade e O Neófito – ambos de moços estudantes – e o já inventariado Le Portugal Philatélique, dirigido por Mário Duarte, o desportista que foi considerado o mais completo do país no seu tempo, que, como tivemos oportunidade de anotar, se dedicou, em alguns períodos, ao jornalismo e, pouco antes, editara Ovos Moles e Mexilhões, de curtíssima existência, como a nova publicação, e já também atrás mencionado.

De entre os periódicos então fundados apenas dois desempenharam papel influente na opinião aveirense: A Beira Mar, iniciada em 3 de Julho de 1890, quase exclusivamente redigida pelo seu proprietário e director, Fernando de Vilhena (1858-1891) até à sua morte. Aliás já o mesmo sucedera com O Parlamento, no qual, embora não declarado, o vivo moço que se desdobrara em todos os trabalhos da factura do jornal, deixava transparecer tendências progressistas, como dissemos.

Filho de jornalista político – o conselheiro Manuel Firmino de Almeida Maia – e de mãe poetisa, D. Maria de Arrábida Vilhena de Almeida, muito cedo, no jornal de seu pai, começou a manifestar a sua propensão para as letras.


D. Maria de Arrábida Vilhena de Almeida

 

Doze anos após o seu falecimento, um antigo condiscípulo, que foi o mais operoso dos aveirógrafos e de que já para estes apontamentos nos socorremos, recordava-o como distinto escritor, poeta e dramaturgo, mas sobretudo como jornalista: «No jornal, onde melhor se expandiam as fulgurações do seu talento, é que ele mostrou quanto valia». Colaborou ainda em «O Primeiro de Janeiro», no «Correio da Noite» e no «Globo» e publicou, entre outras produções em prosa ou em verso, «Murmúrios de Alma», «O Anjo da Caridade», «John Bull», «O Homem-mulher» ou a «Mulher-homem», um «Curso de Piscicultura Prática», na época o único do género publicado no país e, que, apesar de não concluído, lhe abriu as portas de muitas sociedades literárias e científicas, tanto no país como estrangeiro. Deixou várias peças inéditas, algumas delas levadas à cena por amadores aveirenses.

Beira Mar chamar-se-ia, mais tarde, um semanário dirigido pelo Dr. Jaime Duarte Silva, causídico de excepcionais recursos, com a invencível atracção e o vício da politica, que teve até à terceira década deste século grande influência na vida local e exerceu diversas funções de destaque. O jornal, político e noticioso, viveu de 21 de Dezembro de 1908 até 7 de Setembro de 1910. / 90 /

A Vitalidade, não só porque teve mais larga duração do que o semanário de Fernando de Vilhena, mas por haver reunido um grupo de redactores que poderemos considerar de escol para o nosso meio, alcançou uma penetração muito mais funda na opinião pública de Aveiro.

Foi seu principal propulsionador Acácio João Rosa (1872-1955), a quem foi confiada a direcção nos primeiros tempos, e sempre seria o seu orientador e animador. No necrológico que lhe consagrou, o Padre Manuel Caetano Fidalgo dedicou-lhe merecidos elogios, de que destacamos o seguinte passo: (3) «Foi um pensador arguto e um escritor de estilo terso e vivíssimo, deixando-nos, além do pequeno e curioso opúsculo «Impressões à vuela pluma», o livro «A nossa Independência e o Iberismo». Esta obra, escrita entre os 22 e os 28 anos, é prefaciada por António de Serpa Pimentel e precedida de cartas inéditas, expressamente dirigidas ao autor pelos reconhecidos pensadores Conde de Casal Ribeiro, G. Azcarate, Oliveira Martins, Rafael M. Labra, Alves Mendes, Fernando Anton e Tomás Ribeiro.

«Com essas figuras e muitas outras do seu tempo, tanto nacionais como estrangeiras, sobretudo espanholas, mantinha Acácio Rosa, que era, de profissão, simples amanuense do Governo Civil de Aveiro, as mais íntimas relações de amizade e a mais alta correspondência literária e artística».

Poderia citar além dos mais elevados valores intelectuais aveirenses, entre os espanhóis, com quem manteve contactos epistolográficos, ainda o poeta Campoamor e os membros da Real Academia Espanhola Luís Vidart e Manuel del Palácio, e incluir no número dos escritores portugueses com que manteve relações literárias, directas ou por correspondência, João de Deus, Teófilo Braga, Trindade Coelho, para não alongar as citações.

Neste interessante período foi redactor efectivo Jaime de Magalhães Lima (1859-1936), que entre os aveirenses de todos os tempos avulta como pensador, escritor de diversos géneros, foi uma grande figura moral, e, no período em que se deixou tentar pela política, assumiu a sua direcção efectiva. Este insigne aveirense de quem estão publicadas mais de três dezenas de livros e opúsculos, do romance ao ensaio, do poema ao trabalho de propaganda vegetarista, colaborou nos jornais «A Província», «Novidades». «Repórter», «Nacional», «Diário Ilustrado», «O Primeiro de Janeiro», «Diário de Notícias» e vários outros e nas revistas «Lusitânia», «Revista de Portugal» «de Eça de Queirós», «Ilustração Moderna», Seara Nova» e «Portucale».

Outros redactores foram o Padre Manuel Rodrigues Vieira, articulista de pessoalíssimo estilo gracioso, irónico, polvilhando o vernáculo de propositadas citações latinas, tentando por vezes, com felicidade a poesia, que deu colaboração assídua especialmente ao «Comércio do Porto» e à «Palavra» e, professor liceal durante dezenas de anos na sua cidade, deixou impressos alguns livros didácticos e o elogio fúnebre ao seu antigo professor e poeta aveirense Bernardo Xavier de Magalhães; e o Dr. Marques Mano, que em Aveiro residiu e exerceu funções profissionais.

Na Vitalidade, foram insertas as encantadoras crónicas que D. João Evangelista de Lima Vidai, no tempo bispo de Angola e Congo, enviava de Luanda, e depois reuniu no volume «Lições da Natureza e dos Homens» – um escrínio de jóias literárias com algumas primorosas evocações de Aveiro.

Embora se imponha que omitamos muitos títulos, registaremos, com a primeira tiragem em 7 de Março de 1897, que Renato Franco – filho de Joaquim Simões Franco, o primeiro compilador dos discursos de José Estêvão –, já experimentada a pena noutras gazetas, lançou O Varino, que a curto trecho findaria.

Renato Franco, nado em Aveiro e, já em idade madura, com residência em Lisboa, onde exerceu funções burocráticas, foi autor de algumas obras literárias, das quais mencionaremos a novela «Cavando a Ruína» e o livro de contos «Beira-Mar», que em grande parte se desenrolam em cenários aveirenses. Como Ingres, tinha o seu violino, e, embora, praticamente amador, enfileirou com os mais categorizados profissionais em várias orquestras.

No termo do século XIX, mais exactamente a 24 de Outubro de 1900, saiu o Progresso de Aveiro, órgão do partido progressista no distrito, que teve acção preponderante de apoio a Gustavo Ferreira Pinto Basto, quando este ocupou a presidência do município, e sobreviveu cerca de uma dezena de anos.

Arnaldo Ribeiro, em 1904, publica a Folha Nova, semanário de feição republicana. Mais tarde assumiria a direcção de O Democrata, que desempenhou cerca de quatro décadas. No primeiro período de publicação, este semanário teve como director o Dr. André dos Reis, de quem aparecem escritos, em prosa e verso, em numerosos jornais, e como redactores Albano Coutinho, Dr. Fernandes Costa e Samuel Maia. Nem sempre com nível notável, foi durante alguns anos a única folha local noticiosa e, assim, um apreciado mensageiro para os aveirenses ausentes da sua terra.

Fundou-se com o capital de cinquenta mil réis, para o qual concorreram, em dez quotas iguais, não só André dos Reis, mas Bernardo de Sousa Torres, Alfredo de Lima e Castro, José da Fonseca Prat, Manuel Marques da Cunha, António Maria Ferreira, Francisco António / 91 / de Moura, Manuel Barreiros de Macedo, Manes Nogueira e Manuel Lopes da Silva Guimarães.

Existiam então na cidade, com uns escassos dez mil habitantes, além de O Democrata, mais sete semanários, quase todos já apontados nesta notícia: O Campeão das Províncias, Distrito de Aveiro, O Povo de Aveiro, A Vitalidade, Progresso de Aveiro (director e administrador, Ernesto de Freitas; redactor e proprietário, António Simões Cruz), e Os Sucessos (de António Maria Marques Vilar).

Data de 1905 a primeira gazeta com características clubistas, O Galito, sob a direcção de Francisco Ferreira da Encarnação e tendo como redactor literário Alberto Souto, que começa a afirmar o seu talento e o seu exemplar aveirismo.

Três anos depois, os estudantes do liceu, em quem fervilha o ímpeto de escrever e o desejo de ver as produções em letra de forma, editam A Batina. Desde o Jornal Académico, um quarto de século anterior, passando pelos já apontados A Mocidade e O Neófito, por A Brisa (1911), O Académico (1916), Os Simples (1920), Alma Académica (1923) – a primeira gazeta que nos albergou algumas linhas –, Alvorada (1923) – que Aires Martins, hoje conceituado oficial superior do Exército e durante largo período de tempo cronista de assuntos militares do «Comércio do Porto» dirigiu – até a O Garoto (1933). A Voz Académica (1935) – em que Mário Sacramento deu os passos promissores de uma carreira excepcional de ensaísta, crítico e jornalista –, a Alma Jovem (1951) e ao actual Farol, poderia alongar-se uma estirada lista de mais ou menos fugazes jornais da mocidade estudantil – os antigos mais espontâneos, os últimos mais sujeitos a vigilância ou orientação dos agentes da docência.

Saltitando nas datas, assim como dos de estudantes, poderíamos prosseguir por períodos de classe. Em 1 de Setembro de 1913, orientado e redigido principalmente por Generoso Rocha, distribuiu-se o «quinzenário da corporação telégrafo-postal», reivindicativo dos interesses profissionais. O Clamor, que, conforme referimos, tem um antecessor com características idênticas, A Correspondência.

O professorado primário tem o seu órgão, no Arauto Escolar, no mesmo ano, e o operariado, que já em 1899, comemorara o primeiro de Maio com um número único intitulado Associação editado pela Associação dos Operários da Construção Civil e Artes Correlativas, pela persistente vontade de Firmino Cadete, tipógrafo para quem o jornal constituiu sempre uma aliciante aventura, disporá, em 1912, de um semanário, modesto mas combativo, «defensor dos interesses do trabalho», A Voz do Povo, que passaria a quinzenário em 1917, e, por um período curto, veio a chamar-se A Voz do Povo de Aveiro. Outro membro da mesma família, Augusto Cadete, figuraria, no ano de 1919, como redactor principal de A Terra, propriedade dos Sindicatos Operários de Aveiro, como já seis anos antes, Manuel Soares de Almeida Cadete, dirigira O Proletário.

Poderiam acrescentar-se transitórias gazetas humorísticas ou charadísticas, as de carácter desportivo, como o Aveiro Sportivo (1923) que teve como principal animador José Vinício Caracol Meireles, e, além do apontado, duas novas publicações dedicadas à filatelia: O Filatélico Aveirense (1910), orientado pelo Dr. António Gomes da Rocha Madail, mensal, como a revista congénere que lhe sucedeu, Portugal Filatélico (1911), cujo director foi Baptista Moreira. Contam-se, assim, três antecessores da revista trimestral «Selo & Moedas», órgão da Secção Filatélica e Numismática do Clube dos Galitos, que, ao findar deste ano de 1968, comemorou o sexto aniversário.

O ano de 1896 foi particularmente prolífico em gazetas, de existência muito transitória. Estão registadas nada menos de sete. Uma delas, A Carga, finou-se ainda nasciturna e deu um sucessor, O Torneio («Ex-Carga») que também não conseguiu subsistir, como já observámos.


Dr. Alberto Souto

 

Facto idêntico viria a verificar-se após a implantação da República, com o aparecimento, no decorrer de 1911, de oito novos títulos. Também, na maioria, não vingaram esses jornais. O Cinco de Outubro não se propunha senão comemorar o primeiro aniversário de revolução que derrubara o regime monárquico, mas já, por exemplo, Justiça, do Dr. António Fernandes Duarte Silva, segundo cremos, não foi além de duas semanas (de 15 a 22 de Fevereiro).

Apenas um se manteve – A Liberdade. Dirigia-o o Dr. Alberto Souto, que não concluíra ainda o curso de Direito, e cujos dotes literários e de orador de invulgar elegância e fluência lhe haviam granjeado grande prestígio, especialmente nos meios republicanos, onde se destacara nos comícios de propaganda e noutros serviços aos seus ideais. Este periódico de homens moços, rasgados e entusiastas, tinha como secretário da redacção o Dr. Rui da Cunha e Costa e António Henriques Máximo Júnior como editor e administrador. Vivo, mas timbrando na correcção, do mesmo passo tratava os problemas doutrinários e pugnava pelos interesses regionais, dedicando-lhes cuidadoso estudo. Trouxe duas inovações: uma assídua e pronta informação do estrangeiro, para o qual efectuara um contrato com uma agência noticiosa e a afixação de «placards» com as novidades mais frescas e palpitantes – facto que só voltaria a registar-se, já adiantado o decénio dos vinte, por iniciativa, mantida até depois de 1940, do «Diário de Notícias». Simultaneamente nas colunas do seu jornal e na tribuna parlamentar, pois, com / 92 / vinte e três anos, foi um dos mais novos deputados eleitos às Constituintes, Alberto Souto (1888-1961) salientou-se como uma das mais interessantes e insignes individualidades aveirenses deste século e, seguramente, como a que mais funda e irradiantemente se identificou ao longo da meia dúzia de lustres com o que poderíamos chamar a alma colectiva desta terra, em muitos aspectos singular.

Tão cintilante na oratória como nas produções escritas, com o dom de tornar atraentes mesmo os assuntos mais áridos, desdobrando-se na curiosidade de múltiplos temas, publicou mais de uma vintena de volumes e opúsculos – trabalhos puramente literários, estudos geológicos, arqueológicos e etnográficos, de história local e geral, sobre questões de arte e da economia regional, em todos demonstrando as suas faculdades de estudioso e de artista da palavra.

A sua terra e os problemas que ela propunha aos seus filhos mais esclarecidos e devotados apaixonavam-no. Resistiu, assim, a todas as solicitações para dela se afastar. Serviu-a, aliás, não só pela atenção que lhe consagrou com firme e profícua constância, mas como qualificado embaixador e paladino, em numerosíssimas circunstâncias.

Foi presidente do Senado Municipal e, nos últimos anos da sua vida, desejoso de ver realizado o que idealizara para o desenvolvimento e embelezamento da sua cidade, presidente da Câmara. Dirigiu, quase um quarto de século, o Museu Regional, e a Biblioteca Municipal, presidiu à Associação Comercial e Industrial e, logo após a sua criação (para a qual com o Comandante Silvério Ribeiro da Rocha e Cunha, teve primordial contribuição), também da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro.

Nesse período precursor do ressurgimento portuário, e no propósito de promover mais propícias condições para estímulo da economia local, com o seu colaborador de A Liberdade, o empreendedor António Máximo, criou o Banco Regional, há pouco incorporado num estabelecimento congénere lisbonense.

Já encontrámos o seu nome como redactor do fugaz Galito. Assinou centenas de artigos na generalidade dos periódicos da sua terra e deu colaboração, ocasionalmente, a «O Primeiro de Janeiro», «Diário de Notícias» e outros diários de Lisboa e Porto. Figurou ainda como director, ao lado de António de Cértima, da revista ilustrada Talábriga, de que apenas saiu um número, referido a Fevereiro de 1921.

Passando em silêncio o aparecimento de passageiras folhas sem projecção assinalável, cremos dever arrolar, na segunda década do nosso século, A Razão (1916), que durante um breve período foi órgão do Partido Republicano Português e foi dirigido pelo Dr. Alberto Ruela, e, no ano anterior, a revista política bi-semanal A Ideia Nacional, de Homem Cristo Filho – jornalista e escritor de raro talento, desde muito moço revelado no jornal de seu pai, e que fundou dois dos mais modernos e vivos jornais lisboetas «A Restauração» e «Informação», foi redactor conceituado de jornais parisienses e deixou várias obras, escritas em francês. Espírito irrequieto e fulgurante, mercê apenas das suas faculdades excepcionais, como diria Reinaldo Ferreira, que o qualifica como «um torpedo humano» pela sua irrequieta vivacidade, «venceu Paris».

Nessa revista que se extinguiu ao cabo de apenas dezoito números e tinha feição monárquica, reuniu, entre outros nomes destacados, Luís de Magalhães, Aires de Ornelas, Homem Cristo, Pai – que aí iniciou a publicação das «Cartas de Longe», continuadas no «Povo de Aveiro» quando, regressado do exílio, este jornal reapareceu, e depois recolhidos em volume –, António Emílio de Almeida Azevedo –, cujo monarquismo se imbuíra, no decurso do homísio em Londres, do espírito da democracia britânica –; Alfredo Pimenta – que seguira uma trajectória política idêntica à de Homem Cristo, Filho, e se oculta sob o pseudónimo de um misterioso e enigmático Lord Henry até ao décimo quinto número –; João do Amaral; Vítor Falcão; e o Dr. Querubim Guimarães, uma pena de excepcional fecundidade que só muito recentemente, há muito ultrapassados os oitenta anos, deixou de colaborar simultaneamente em vários semanários e diários. / 93 /

Como porta-voz partidário da mesma parcialidade política republicana, sucedeu, em 1922, ao semanário A Razão, por iniciativa dos Dr. José Barata e Manuel das Neves, pouco antes nomeados professores do liceu de Aveiro, e o segundo dos quais veio a manter banca de advogado até ao seu falecimento e foi uma das mais representativas figuras dos seus ideais no meio aveirense.

O Debate, o periódico que persistiu por mais de um decénio, teve depois, como directores, o segundo Barão do Cadoro, por breve lapso de tempo, Castro Maia, Domingos João dos Reis Júnior e António Maria Duarte.


Dr. Barbosa de Magalhães.

 

Mais recentes, com fundação, respectivamente, em 1926 e 1930, cremos não dever omitir neste resumo apressado, duas publicações que ainda sobrevivem: a revista Labor, dedicada aos problemas do professorado liceal e que se iniciou sob a direcção dos Srs. Drs. José Pereira Tavares e Álvaro Sampaio, e que, numa segunda fase, mantém o primeiro, naquele posto, e Correio do Vouga. Os iniciais directores deste semanário católico, que mais tarde, após o restabelecimento da mitra aveirense, se tornaria órgão oficial da diocese, foram o Dr. António Cristo (1904-1963) e o Sr. Padre Alírio Gomes de Melo, um insaciável estudioso que, dobrada já a casa dos setenta anos, prossegue a sua acção de esmerilhador minucioso e de assíduo colaborador de jornais.

António Cristo, que na imprensa periódica, desde os tempos de estudante, deixou provas numerosas do seu talento e das suas faculdades literárias, afirmou-se igualmente como causídico de invulgares recursos e como orador de notável brilho e poder de aliciação. Foi um dos mais meticulosos e fecundos aveirógrafos, dedicando às figuras da sua terra e à sua história trabalhos de grande interesse e merecimento, algumas das quais se encontram inéditas. Profundamente afeiçoado a Aveiro, versou, ao mesmo tempo, temas sobre o passado e os problemas da mais actual acuidade, não apenas naquele periódico, mas no semanário Litoral, que seu irmão, o Dr. David Cristo – jornalista, orador e artista multifacetado – dirige desde Outubro de 1955 e ao qual imprimiu uma feição que o torna um dos mais interessantes semanários do país.

Ocupou depois a direcção do Correio do Vouga o Sr. Dr. Querubim Guimarães, hoje uma veneranda personalidade de Aveiro, que representou não só como orador e deputado, mas em diversos congressos e cerimónias e, como já referimos, proporcionou abundantíssima colaboração à Imprensa não só aveirense, mas de diversos pontos do país. Presentemente o Correio do Vouga é dirigido pelo Sr. Padre Manuel Caetano Fidalgo, que, patenteando relevantes predicados jornalísticos, lhe imprimiu características modernas e o fez ombrear com os mais conceituados órgãos congéneres.

Entre as actuais publicações aveirenses, com sede na própria cidade – e sem deixar de mencionar o Lutador, os boletins da Empresa de Pesca de Aveiro, da Acção Cultural das Fábricas Aleluia, das paróquias citadinas, do órgão do Sport Clube Beira Mar, estes com incerta periodicidade, além de outros já citados nesta resenha pressurosa – merece especial registo o Arquivo do Distrito de Aveiro, prestes a entrar no trigésimo quinto ano de benemérita existência, e que, cumprindo fiel e proficientemente, a missão a que se consagrou da «publicação de documentos e estudos relativos ao distrito», tem prestado valiosíssimos serviços à cultura desta região administrativa. Num devotadíssimo esforço, numa prestantíssima demonstração de operoso zelo pelos valores regionais, com a sua erudição e capacidade de estudiosos e historiógrafos, e uma rara tenacidade, os directores desta revista – Srs. Drs. António Gomes de Rocha Madail, Francisco Ferreira Neves e José Pereira Tavares – tornaram-na um repositório e uma fonte imprescindível para quem se debruce especialmente sobre o passado do distrito.

Com características similares, resta acrescentar a revista semestral Aveiro e o seu Distrito, editada pela Junta Distrital e que agora completa o seu terceiro ano e exerce uma louvável função complementar do Arquivo e, simultaneamente, regista os factos capitais da actividade daquele corpo administrativo.

Além dos da cidade havia que registar alguns jornais publicados em diversas localidades do concelho. Entre esses temos conhecimento de: O Correio do Vouga, «quinzenário independente, órgão dos interesses de Eixo», que durou de 1 de Dezembro de 1903 a 15 de Dezembro de 1904 e tinha como editor Eliseu da Silva, e a partir do décimo quarto número, e até ao vigésimo, com que finda, é dirigido pelo Dr. Alfredo Coelho de Magalhães; O Aldeão, dirigido por José de Almeida Costa, com sede na Costa do Valado, também quinzenário, e que apenas teve as tiragens de 1 a 15 de Março de 1914; Ecos de Cacia, fundado por F. Nunes da Silva, e que tendo criado fundas raízes, especialmente entre a colónia caciense de Lisboa, sob a direcção de José Marques Damião, conta cerca de quarenta anos, tendo actualmente como director o filho deste; A Flor da Ria (1923), de S. Jacinto; e a Voz do Povo, de Oliveirinha, orientado por Manuel Figueira Maio. Tendo como director Manuel Oliveira Santos, que mais tarde (1-5-1935 a 5-11-1936) editaria na sede do concelho O Vigilante, «semanário republicano regionalista», e hoje dirige, em Lisboa, a revista de transportes e turismo «Rodoviária», existiu ainda o Jornal de Cacia.

Excederia de longe os limites que de início nos propusemos uma maior pormenorização e aprofundamento. Neste ritmo, apesar da demasia extremamente fugaz, não devemos deixar de aludir, como remate, a algumas figuras de Aveiro com evidência jornalística, ainda não mencionadas. / 94 /

Apontaremos, assim, José Maria Barbosa de Magalhães (1855-1910) que se distinguiu mais salientemente como advogado, dos mais conceituados, e jurisconsulto, dos mais penetrantes e doutos, mas, desde os doze anos e quase até ao termo de uma árdua vida de lutador sem tréguas, escreveu incansavelmente para variadíssimas folhos periódicas. Era menino e já no Distrito de Aveiro se liam, amiudadas vezes, produções suas, em prosa e em verso. As dificuldades paternas obrigam-no a deslocar-se para Viseu, para casa de um tio, e a fim de prosseguir os estudos liceais. Rapazinho de compleição débil, mas dotado de uma tenacíssima força de vontade, consegue cumprir com brilho as suas obrigações escolares, e, simultaneamente, desempenhar funções de escrevente na secretaria do liceu, leccionar algumas disciplinas a vários colegas, mais cábulas ou menos dotados intelectualmente, dos anos atrasados, e ocupar-se da redacção política do «Viriato» – em luta acesa com um antagonista de créditos firmados na polémica, a que ri posta vigorosamente, a um nível correspondente.

Chega a Coimbra para cursar Direito, mas tem de ganhar esforçadamente a subsistência, para poder dispensar um subsídio que lhe oferecem. Redige as sebentas, tenta a inovação de as imprimir, que o Conselho da Faculdade não autoriza, e, conhecidos os seus precoces méritos, confiam-lhe a secção política de «O Progressista», onde consolida os seus dotes de prosador incisivo e argumentador penetrante, senhor dos segredos da controvérsia jornalística.

De uma excepcional fecundidade, desdobrando-se toda a vida por várias actividades, alimentou com a sua prosa apreciada diversos jornais e revistas, particularmente o Campeão das Províncias – fundado e dirigido por seu sogro, o atrás citado conselheiro Manuel Firmino de Almeida Maia – e veio a ser redactor efectivo do «Globo» e director do diário «Correio da Tarde», durante os três anos em que este se publicou. Publicou diversos trabalhos jurídicos, antes e depois de exercer as funções de Director-Geral dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, e dirigiu ainda a «Gazeta da Relação de Lisboa», função em que lhe sucedeu seu filho, Dr. José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, aveirense dos mais notáveis deste século, também eminente jurisconsulto e advogado, que foi professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa e ministro da Justiça, dos Negócios Estrangeiros e da Instrução Pública e, também, por vezes firmou artigos de natureza política e doutrinária em periódicos da sua terra ou da capital.

Outro aveirense com longa e larguíssima colaboração nos periódicos, mormente dos da sua terra, a cujo passado consagrou o mais paciente labor de estudioso, foi José Reinaldo Rangel de Quadros Oudinot, nascido em 19 de Março de 1842. Com Marques Gomes, foi, no último terço de oitocentos e até ao decorrer do segundo decénio do século actual, um dos dois mais bem documentados e prolíficos historiógrafos locais. Obtiveram extenso eco os artigos que publicou, quando, em 1867, chegou a estar decretada a extinção do distrito de Aveiro, no jornal com este mesmo nome, e em que deixou, ao longo de mais de quarenta anos, numerosas poesias e, especialmente, estudos sobre vários aspectos da história local. Ali defenderia, calorosamente, em 1881, a conservação da diocese aveirense, a propósito da qual publicou «O Episcopado e o Governo de Portugal – Considerações acerca da nova circunscrição diocesana e da supressão do Bispado de Aveiro...» (1883). Escreveu os dramas históricos «A Princesa Santa Joana» e «Luís de Camões», desenvolvendo relevante acção no centenário do épico nacional.

Em folhetins do «Jornal de Estarreja», de que foi redactor principal, inseriu dois romances – «Firme até morrer» e «Um Bilhete de Lotaria» e uma monografia intitulada ««Estarreja e o seu Concelho. A série de artigos que publicou primeiro, no Distrito de Aveiro e depois no Campeão das Províncias, sob a designação genérica de «Apontamentos históricos» («Igrejas Paroquiais», «O Senhorio e Ducado de Aveiro», «Muralhas», «Mosteiros e Conventos». etc.), «Aveirenses Notáveis», «Fontes de Aveiro» e «Apontamentos Avulsos», e com cujos recortes constituiu uma dúzia de volumes, reúnem um enorme e utilíssimo acervo de informações sobre o passado da cidade, para as quais pode consultar documentos oficiais e particulares e examinar atentamente monumentos, templos, inscrições lapidares, hoje / 95 / desaparecidas. Infelizmente, não dizemos já como preito ao autor, injustamente esquecido, mas por serem de prestantíssima utilidade para o conhecimento de toda a sorte de velharias aveirenses significativas, nunca, como se impunha, foram recolhidos em volume e estão, assim, desaproveitados.

Poderão encontrar-se artigos subscritos com o seu nome, não apenas nos jornais apontados, mas ainda em «A Liberdade», «Jornal do Povo», «Noticioso», «Aurora do Vouga», «Diário de Notícias», «Vitalidade», «Progresso Católico» e diversos outros.

Para não alongar mais estirada e fastidiosamente este amontoado de apontamentos, remataremos com uma breve referência a Anselmo de Morais – de seu nome exacto Anselmo Evaristo de Morais Sarmento – nascido em Aveiro, a 5 de Julho de 1847, e que tendo embora vivido desde muito novo no Porto, como testemunhou Marques Gomes, tudo o que era da sua terra para ele constituía motivo de prazer e veneração. Pertencente à família de Clemente de Morais, um dos condenados à forca pela alçada miguelista, em 1829, cujos quatro irmãos sofreram também os efeitos da sanha dos inclementes adversários políticos, Anselmo de Morais, espírito recto, esclarecido e empreendedor, de trato cativante e de uma generosidade que ia muitas vezes até ao sacrifício do que lhe fazia falta, foi uma prestigiosa figura do meio portuense. Não só cultivou as letras com brilho e exerceu com competência a crítica de arte, mas, como proprietário da Imprensa Portuguesa, promoveu a edição de algumas obras literárias de merecimento. Manteve convivência com alguns dos maiores escritores do seu tempo, entre eles Camilo, com quem veio a inimizar-se. A discórdia que entre ambos se desencadeou deu causa à publicação da «Questão de propriedade literária suscitada com a publicação de um livro de Camilo Castelo Branco intitulado Mosaico».

À sua iniciativa se ficou a dever a fundação da «Gazeta Literária do Porto», da «Actualidade» e da «Ideia Nova» que dirigiu e onde, mais efectivamente, se qualificou na vida jornalística. Falecido no Buçaco – e, assim, no distrito de Aveiro – em 8 de Junho de 1900, de uma notícia necrológica nessa ocasião publicada transcrevemos os seguintes períodos que de algum modo definem a sua personalidade e justificam as reservas ao modo como orientou a questão com Camilo: «Sempre rapaz até aos últimos anos, tinha por isso os desabafos e ao mesmo tempo os rasgos de rapaz. Esclarecido e prático, podia ter pontos de vista que levantassem desacordos, mas nobilitava-se por muitas lágrimas enxugadas, por muita fome satisfeita, por muita miséria remediada». 

* * *

Uma notícia que mal excede a seca inventariação, como necessariamente será um trabalho dos restritos objectivos que a este traçamos, logo na intenção pressupõe falhas, saltos e, porventura, ocasionais desproporções nas referências e omissões indevidas. As disponibilidades de tempo, e as limitações de espaço, não nos permitiram o estudo que, mesmo superficialmente, desejaríamos ver feito sobre a Imprensa aveirense, o que ela efectivamente representou na formação e orientação da consciência cívica da gente de Aveiro – cujos pendores psicológicos e sentido de dignidade, na política ou em qualquer aspecto das relações humanas, o acentuado caldeamento com os que dia a dia afluem, não se degradaram –, quanto influiu na prosperidade local e na conquista de melhoramentos, que reflexo atingiu na vida nacional – e bem se sabe que o teve, em especial com o Campeão do Vouga e o seu sucessor, frequentemente transcrito pelos diários de então; com o Distrito de Aveiro, que era o porta-voz regional da voz mais eloquente, mais pura de timbre e valor intrínseco, e mais intensa, a do seu fundador e inspirador, o grande tribuno José Estêvão; e, mais modernamente, com o Povo de Aveiro, que chegava às aldeias mais recônditas e exigia para expedição, nos correios, pessoal certo, como que especializado na corografia postal, era avidamente lido nos meios das maiores exigências culturais.

O propósito que nos moveu de dar um fugaz conspecto, um cosmorâmico esboço geral de um século e um quartel da actividade jornalística da cidade, e, vá lá, do concelho de Aveiro, dentro das modestas limitações pessoais e ocasionais em que pudemos efectuá-lo, cremos tê-lo cumprido. Servirá, quando não mais, para recordar alguns vultos meus conterrâneos que merecem admiração e gratidão, ilustraram e serviram, e assim lhe enriqueceram o património espiritual e material, a sua terra, que é também a do autor destas linhas desvaliosas.


Rangel de Quadros.

 

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NOTAS:

(1) – Vd. «Imprensa Periódica na Distrito de Aveiro», por António Zagalo dos Santos, in Arquivo do Distrito de Aveiro, VoI. IX, pág. 128.

(2) – Arquivo do Distrito de Aveiro, art.º cit.º, voI. IX. págs. 122 a 135.

(3) – Correio do Vouga, n.º 1 234, de 26-2-1955.

 

páginas 85 a 95

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