II
Embora, na verdade, não esteja no
nosso propósito uma ordenação cronológica, mencionaremos, no ano
imediato ao da saída de «O Povo de Aveiro», a publicação do
Jornal Académico,
(1) o primeiro jornal de estudantes de
que topamos rasto, e de A Locomotiva. Este, como o título
sugere, e, como em números subsequentes, veio, em certa medida a
evidenciar, dizia-se «Periódico dos Caminhos de Ferro». Era dirigido
por Carlos Faria, distinta figura de homem do grande mundo, com
gostos cosmopolitas, frequentador de Paris e de outras prestigiosas
cidades europeias – que só raros, ao tempo, visitavam –, dissipador
de fortunas dado a certas extravagâncias, que fazia morder de
emulação o provinciano patrício de comedidos hábitos burgueses. Por
diletantismo, e porque lhe não escasseasse a veia, entregava-se,
desde os tempos de estudante universitário, ao jornalismo, mais
literário que político, se bem que neste domínio metesse por vezes
oportuna colherada, com certo vigor e alguma graça.
Carlos Faria, de seu nome completo
Carlos de Faria e Melo (1849-1917), que, em 1893, seria agraciado
com o título de Barão de Cadoro, fora, como dissemos, redactor
efectivo de O Povo de Aveiro, fundara, com Gervásio Lobato, o
periódico «Comédia Portuguesa» e pertenceu à redacção do «Jornal do
Norte», de António Augusto Teixeira de Vasconcelos.
No seu novo jornal escreveu sobre
diversos temas, ora afirmando os artigos com o seu próprio nome, ora
subscrevendo-os com o pseudónimo «Carvão», inspirado no título do
trissemanário.
Deixou alguns volumes de ficção –
«Um conto de Reis», «O Piano», «Portugueses Cosmopolitas», e «Diniz»
– um opúsculo, de colaboração com Joaquim de Melo Freitas, prestando
«Homenagem ao distinto explorador de África Serpa Pinto», e cooperou
em diversas iniciativas de relevo na vida social e cultural
aveirense.
A Locomotiva
apresentou-se com aparentes ambições. Na extensa lista de
colaboradores que logo no primeiro número, saído em 15 de Maio de
1883, anuncia em grandes caracteres, inclui nomes dos mais ilustres
das letras nacionais, com alguns dos quais privou o director. Além
de correspondentes em Lisboa, Porto e Coimbra – que seriam,
respectivamente, Gervásio Lobato, Luís de Magalhães e Alexandre da
Conceição – promete colaboração de escritores e intelectuais da
estirpe e nomeada de António Cândido, António Feijó, Camilo, Conde
de Samodães, Fernando Caldeira, Joaquim de Vasconcelos, Oliveira
Martins, Teixeira de Queirós e Visconde de Benalcanfor.
Acrescentar-lhes-ia, em números posteriores, Guilherme de Azevedo –
aliás já falecido, mas de que publica algumas produções, não sabemos
se inéditas –, Eça de Queirós, Ramalho, o botânico Júlio Henriques –
ligado a Aveiro pelo casamento e pela jazida que escolheu –, Teófilo
Braga e outros.
Entre os cultores locais das boas
letras não comprometidos e absorvidos noutras colaborações
regulares, mencionava Sebastião e Jaime de Magalhães Lima, Melo
Freitas, Marques Gomes e Agostinho Pinheiro.
Uma grande parte desses vultos não
chegou a contribuir com a mais pequena chama do seu talento para a
marcha desta Locomotiva. Não foi além de cinquenta e nove números, o
último dos quais datado de 27 de Setembro do mesmo ano da saída,
este jornal que teve tão prometedores princípios.
A título de curiosidade anotaremos
que no número inicial inseria, a par de produções de António Feijó,
Alexandre da Conceição e Fernando Caldeira, de um trecho do
«Salústio Nogueira» de Teixeira de Queirós – que só seria posto à
venda no dia imediato –, de uma crónica do Visconde de Benalcanfor e
de alguns
/ 87 / artigos de
colaboradores aveirenses, um poema de Camilo, que transcrevemos, por
ignorarmos se algures se encontra recolhida. Porventura, o grande
escritor terá exumado de algum escaninho, para anuir à solicitação
do admirador aveirense, as seguintes velhas e quase esquecidas cinco
quadras:
NERVOS
(Poesia ante-diluviana, inédita)
Raquel! Ó flor inestimável preço!
Eu, quando sismo no cetim macio,
e nos arminhos do teu flanco, frio,
Como as neves dos Alpes, estremeço.
De fogo juvenil ardo em desejos,
E o apagado vulcão referve e estala;
Cinjo-me todo a ti, mordo-te em
beijos
Mais expressivos que o tremor da
fala.
Na curva da cintura enrosco o braço,
Inclino-te ao meu peito; e tu
esvaída,
Embalas-te risonha em meu regaço,
Tão doida, tão gozada e estremecida!
E então... que linda estás! Se então
te viras,
Quiseras estar sempre, ó louca,
assim!
Fremem-te os cílios, lívida
suspiras,
E eu convulso te digo: «amas-me,
sim?».
E eu, balbuciando-me em voz
quebrada,
Enlanguecida em delirado arquejo,
Impendes ao meu ombro a face amada,
E, pálida, respondes-me num beijo.
1858
Camilo Castelo Branco
Seria incomportável num relance
desta natureza, forçosamente superficial e lacunar, como de início
acentuámos, a menção, mais ou menos detida mesmo de muitas
publicações periódicas saídas de prelos aveirenses e com redacção na
cidade e no concelho. Até 1943, e sem dúvida com diversas omissões,
António Zagalo dos Santos enumerava, com sucintas anotações
esclarecedoras, nada menos de cento e três.
(2) E A. Carneiro
da Silva acrescenta a esse extenso rol, nesse mesmo ano, oito novos
títulos, alguns deles de números únicos comemorativos de qualquer
efeméride ou acontecimento de ocasião.
De então para cá várias outras,
efémeras ou perduráveis, apareceram, embora a época fosse pouco
propícia para que novas folhas surgissem e subsistissem.
Não devemos deixar de referir, no
entanto, logo no ano de 1884, meses depois da extinção de A
Locomotiva, não já os insignificativos O Alcaide (27-4) e
A Lira (11-5), mas o Arquivo Fotográfico, que foi
dirigido por dois aveirenses de relevantes méritos e que, cada um de
acordo com as suas propensões, prestaram a Aveiro assinalados
serviços: Marques Gomes e Joaquim de Melo Freitas.
De publicação bimensal, esta revista
ilustrada não conseguiu sobreviver para além do oitavo número – a
primeira meia dúzia, apenas, impressa em tipografia local.
Apresentava em fototipia, monumentos paisagens, obras de arte e
tipos populares de diversas localidades, acompanhadas de descrições
e apreciações do punho dos directores. Foi a primeira publicação
aveirense com estas características e, na sua breve existência, não
proporcionou ensejo aos seus redactores de consagrarem à sua pátria
pequena, a que eram tão devotados, a atenção que, tão solícita e
desvelada, por ela ininterruptamente evidenciaram.
O primeiro, João Augusto Marques
Gomes (1853-1931) iniciou a sua actividade literária, bastante
jovem, no «Distrito de Aveiro», abordando desde logo temas
históricos, predominantemente sobre o passado aveirense. Era
predilecção, servida, aliás por uma erudição invulgar e um
infatigável trabalho de pesquisa e consulta, o tornaria o mais
fecundo e prestimoso de todos os aveirógrafos.
Apenas esporadicamente versaria, no
«Campeão das Províncias», de que foi redactor largo tempo, e
onde deixou inúmeros trabalhos sobre a história local e as mais
proeminentes personalidades suas conterrâneas, assuntos de outra
feição.
Mais historiador, pois, do que
caracterizadamente jornalista, foi apreciado colaborador de
numerosas outras publicações, de Aveiro e outras localidades como «O
Concelho de Gaia», «O Tirocínio», «O Arquivo Popular»,
«Actualidade», «Jornal do Comércio», «Correio do Norte», «O
Conimbricense», «O Globo», «Correio da Tarde», «Comércio do Porto»,
«Diário de Notícias», «Ilustração Portuguesa», «Ilustração Moderna»,
e muitos outros.
A sua ficha bibliográfica, encetada
aos vinte e dois anos com «Memórias de Aveiro», conta dezenas de
espécies de maior ou menor tomo. Na grande maioria consagrou-os à
sua terra natal, e desactualizadas embora em alguns aspectos e
pormenores, constituem ainda hoje elementos imprescindíveis para o
conhecimento da evolução da urbe milenária e dos seus marcos
históricos capitais.
Ficaram-se-lhe devendo, entre os
beneméritos serviços prestados a Aveiro, a máxima parcela da
realização
/ 88 / das famosas exposições
distritais de 1822 e 1895 e, acima de tudo o demais, a criação e
organização do Museu Regional de que foi, com excepcional
competência, o primeiro director.
|
Joaquim de Melo Freitas |
De entre as cerca de quarenta obras
que deixou impressas citaremos: «O Distrito de Aveiro», «Lutas
Caseiras – História dos acontecimentos políticos de Portugal, de
1834 a 1835», «José Estêvão – Apontamentos para a sua biografia»,
«Cinquenta Anos de Vida Pública – Manuel Firmino de Almeida Maia»,
«Subsídios para a História de Aveiro», «Aveiro, berço da liberdade»,
«Aveirenses que sofreram e morreram pela liberdade», «Centenário da
Revolução de 1820 – Integração de Aveiro nesse glorioso centenário»
e o volume complementar da «História de Portugal» de Pinheiro
Chagas. |
Este completo enunciado bastará,
certamente, para aferir o que fixou da terra que fervorosa e
fecundamente amou e serviu e para assinalar, numa passageira
anotação, o nome de um homem que, pertinazmente, em mais de meio
século, se empenhou em recordar e exaltar os conterrâneos com algum
título de evidência, e entre os mais ilustres e prestimosos, sem
ingratidão e injustiça, poderá ser olvidado.
A personalidade do Dr. Joaquim de
Melo Freitas (1852-1923), conquanto ligada a esta publicação
ilustrada e nela com inegáveis provas dos seus méritos, mais se
evidenciaria na colaboração esparsa pela maioria dos jornais
aveirenses subsequentes, e muito particularmente em A Época,
que fundou e dirigiu, e cujo primeiro número sairia no ano imediato,
precisamente a 5 de Fevereiro de 1885. O último seria datado de
exactos dois anos depois.
Topamos-lhe o nome como redactor de
O Povo de Aveiro e da Locomotiva. Colaborou ainda, com
assiduidade, no Campeão das Províncias, no Distrito de
Aveiro, no Tribuno Popular, na Revista Ilustrada,
no Democrata e vários outros periódicos, durante mais de meia
centúria de anos.
Deixou publicadas várias obras, além
da já citada «Homenagem a Serpa Pinto», de parceria com o Barão de
Cadoro. Apontaremos «A Granel – Diabruras, bagatelas,
provincianismos e chinesices»; «Garatujas», «Ironias transparentes»
e «Violetas» e duas conferências sobre José Estêvão, pronunciadas
quando do centenário do nascimento do seu egrégio patrício.
Era membro de uma família em que se
contaram vários dos liberais aveirenses que mais esforçadamente
serviram a sua causa, alguns, como o próprio pai, sofrendo
perseguições e as agruras do exílio, e um tio, Clemente da Silva
Melo Soares de Freitas, pagando na forca levantada na Praça Nova, do
Porto, com outros conhecidos conterrâneos também implicados na
revolução de 16 de Maio de 1828, a sua fidelidade aos generosos
ideais que abraçara.
Joaquim de Melo Freitas, que
perfilhava os princípios dos seus familiares e primava por um largo
espírito de convivente tolerância, foi uma figura singularmente
simpática e aliciante, um escritor e orador de faculdades invulgares
e um cintilante conversador, pontífice de tertúlia, cultivado,
espirituoso, com o dom de amenizar pela anedota propositada, ou a
fina ironia da réplica imediata e desconcertante, os temas mais
austeros. Marques Gomes, que com ele privou longo tempo, numa
sucinta apreciação dos seus predicados, salientou «a forma nova e
leve com que reveste os seus escritos, a sua graça espontânea,
franca, portuguesa, que em todos eles esfuzia hilariante, a sua
muita correcção de linguagem, tão opulenta e ao mesmo tempo tão
castigada e esbelta, as suas qualidades de observador, de artista e
narrador» e acrescenta que «falava com a mesma suprema elegância com
que escrevia».
Profundamente arreigado à sua terra,
coube-lhe por dilatado tempo, a função, que por tácito sufrágio lhe
confiavam os seus concidadãos, de intérprete dos mais estrénuos
sentimentos de aveirismo, intra-muros da cidade ou fora dela,
cantando-lhe as belezas, advogando-lhe as reivindicações; acolhendo
os visitantes, singulares ou colectivos, com fidalga e cordealíssima
lhaneza; realçando a história, as figuras insignes e demais valores,
e as tradições da sua terra.
A Época espelhava os seus
predicados e predilecções e marcou, assim, na Imprensa local um
lugar
/ 89 / de evidência já do
ponto de visto literário, já na defesa dos interesses regionais.
No mesmo ano foi editado o semanário
O Parlamento, de transparente, embora não declarado
parcialidade progressista, que mais ou menos penosamente alcançou o
terceiro ano de duração; e, em 1886, engrossado já o corrente
republicano, nasce e cremos que logo morre – com um propósito de
combate contumaz às instituições, O Chicote.
Um hebdomadário adopta pela primeira
vez a denominação de Correio de Aveiro, que ressurgiria cerca
de dois decénios mais tarde – a 10 de Dezembro de 1909 – e, apesar
de ter sede em Aveiro, seria mais do que um órgão da capital do
distrito, um paladino dos interesses da Murtosa, de onde o director,
José Maria Barbosa, era natural.
Sucessivamente, de reduzidíssima
projecção, às vezes lançados pelo mero anseio irreprimível de algum
escriba com ilusórias ambições, outras com o propósito ocasional de
derrubar algum prócere do momento, ou guindar aos postos do pública
administração como então se dizia – algum esquecido ou esperançoso
líder para quem ainda não chegara o momento decisivo, com saída
semanal ou quinzenários, foram sendo publicados e desaparecendo, na
decúria começada em 1888, umas averiguadas doze gazetas e revistas.
Enumeraremos, entre elas, com crismas que de algum modo sugerem as
suas características O Boémio, O Artista, O Trinta,
A Carga, que ao segundo número amenizou o nome em O
Torneio, O Oportunista e O Papagaio, a Revista
Florestal e A Correspondência – redigido por funcionários
telégrafo-postais –, A Mocidade e O Neófito – ambos de
moços estudantes – e o já inventariado Le Portugal Philatélique,
dirigido por Mário Duarte, o desportista que foi considerado o mais
completo do país no seu tempo, que, como tivemos oportunidade de
anotar, se dedicou, em alguns períodos, ao jornalismo e, pouco
antes, editara Ovos Moles e Mexilhões, de curtíssima
existência, como a nova publicação, e já também atrás mencionado.
De entre os periódicos então
fundados apenas dois desempenharam papel influente na opinião
aveirense: A Beira Mar, iniciada em 3 de Julho de 1890, quase
exclusivamente redigida pelo seu proprietário e director, Fernando
de Vilhena (1858-1891) até à sua morte. Aliás já o mesmo sucedera
com O Parlamento, no qual, embora não declarado, o vivo moço
que se desdobrara em todos os trabalhos da factura do jornal,
deixava transparecer tendências progressistas, como dissemos.
Filho de jornalista político – o
conselheiro Manuel Firmino de Almeida Maia – e de mãe poetisa, D.
Maria de Arrábida Vilhena de Almeida, muito cedo, no jornal de seu
pai, começou a manifestar a sua propensão para as letras.
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D. Maria de Arrábida Vilhena de
Almeida |
|
Doze anos após o seu falecimento, um
antigo condiscípulo, que foi o mais operoso dos aveirógrafos e de
que já para estes apontamentos nos socorremos, recordava-o como
distinto escritor, poeta e dramaturgo, mas sobretudo como
jornalista: «No jornal, onde melhor se expandiam as fulgurações do
seu talento, é que ele mostrou quanto valia». Colaborou ainda em «O
Primeiro de Janeiro», no «Correio da Noite» e no «Globo» e publicou,
entre outras produções em prosa ou em verso, «Murmúrios de Alma», «O
Anjo da Caridade», «John Bull», «O Homem-mulher» ou a «Mulher-homem»,
um «Curso de Piscicultura Prática», na época o único do género
publicado no país e, que, apesar de não concluído, lhe abriu as
portas de muitas sociedades literárias e científicas, tanto no país
como estrangeiro. Deixou várias peças inéditas, algumas delas
levadas à cena por amadores aveirenses.
Beira Mar
chamar-se-ia, mais tarde, um semanário dirigido pelo Dr. Jaime
Duarte Silva, causídico de excepcionais recursos, com a invencível
atracção e o vício da politica, que teve até à terceira década deste
século grande influência na vida local e exerceu diversas funções de
destaque. O jornal, político e noticioso, viveu de 21 de Dezembro de
1908 até 7 de Setembro de 1910.
/ 90 /
A Vitalidade,
não só porque teve mais larga duração do que o semanário de Fernando
de Vilhena, mas por haver reunido um grupo de redactores que
poderemos considerar de escol para o nosso meio, alcançou uma
penetração muito mais funda na opinião pública de Aveiro.
Foi seu principal propulsionador
Acácio João Rosa (1872-1955), a quem foi confiada a direcção nos
primeiros tempos, e sempre seria o seu orientador e animador. No
necrológico que lhe consagrou, o Padre Manuel Caetano Fidalgo
dedicou-lhe merecidos elogios, de que destacamos o seguinte passo:
(3) «Foi um pensador arguto e um escritor de estilo terso e
vivíssimo, deixando-nos, além do pequeno e curioso opúsculo
«Impressões à vuela pluma», o livro «A nossa Independência e o
Iberismo». Esta obra, escrita entre os 22 e os 28 anos, é prefaciada
por António de Serpa Pimentel e precedida de cartas inéditas,
expressamente dirigidas ao autor pelos reconhecidos pensadores Conde
de Casal Ribeiro, G. Azcarate, Oliveira Martins, Rafael M. Labra,
Alves Mendes, Fernando Anton e Tomás Ribeiro.
«Com essas figuras e muitas outras
do seu tempo, tanto nacionais como estrangeiras, sobretudo
espanholas, mantinha Acácio Rosa, que era, de profissão, simples
amanuense do Governo Civil de Aveiro, as mais íntimas relações de
amizade e a mais alta correspondência literária e artística».
Poderia citar além dos mais elevados
valores intelectuais aveirenses, entre os espanhóis, com quem
manteve contactos epistolográficos, ainda o poeta Campoamor e os
membros da Real Academia Espanhola Luís Vidart e Manuel del Palácio,
e incluir no número dos escritores portugueses com que manteve
relações literárias, directas ou por correspondência, João de Deus,
Teófilo Braga, Trindade Coelho, para não alongar as citações.
Neste interessante período foi
redactor efectivo Jaime de Magalhães Lima (1859-1936), que entre os
aveirenses de todos os tempos avulta como pensador, escritor de
diversos géneros, foi uma grande figura moral, e, no período em que
se deixou tentar pela política, assumiu a sua direcção efectiva.
Este insigne aveirense de quem estão publicadas mais de três dezenas
de livros e opúsculos, do romance ao ensaio, do poema ao trabalho de
propaganda vegetarista, colaborou nos jornais «A Província»,
«Novidades». «Repórter», «Nacional», «Diário Ilustrado», «O Primeiro
de Janeiro», «Diário de Notícias» e vários outros e nas revistas
«Lusitânia», «Revista de Portugal» «de Eça de Queirós», «Ilustração
Moderna», Seara Nova» e «Portucale».
Outros redactores foram o Padre
Manuel Rodrigues Vieira, articulista de pessoalíssimo estilo
gracioso, irónico, polvilhando o vernáculo de propositadas citações
latinas, tentando por vezes, com felicidade a poesia, que deu
colaboração assídua especialmente ao «Comércio do Porto» e à
«Palavra» e, professor liceal durante dezenas de anos na sua cidade,
deixou impressos alguns livros didácticos e o elogio fúnebre ao seu
antigo professor e poeta aveirense Bernardo Xavier de Magalhães; e o
Dr. Marques Mano, que em Aveiro residiu e exerceu funções
profissionais.
Na Vitalidade, foram insertas
as encantadoras crónicas que D. João Evangelista de Lima Vidai, no
tempo bispo de Angola e Congo, enviava de Luanda, e depois reuniu no
volume «Lições da Natureza e dos Homens» – um escrínio de jóias
literárias com algumas primorosas evocações de Aveiro.
Embora se imponha que omitamos
muitos títulos, registaremos, com a primeira tiragem em 7 de Março
de 1897, que Renato Franco – filho de Joaquim Simões Franco, o
primeiro compilador dos discursos de José Estêvão –, já
experimentada a pena noutras gazetas, lançou O Varino, que a
curto trecho findaria.
Renato Franco, nado em Aveiro e, já
em idade madura, com residência em Lisboa, onde exerceu funções
burocráticas, foi autor de algumas obras literárias, das quais
mencionaremos a novela «Cavando a Ruína» e o livro de contos
«Beira-Mar», que em grande parte se desenrolam em cenários
aveirenses. Como Ingres, tinha o seu violino, e, embora,
praticamente amador, enfileirou com os mais categorizados
profissionais em várias orquestras.
No termo do século XIX, mais
exactamente a 24 de Outubro de 1900, saiu o Progresso de Aveiro,
órgão do partido progressista no distrito, que teve acção
preponderante de apoio a Gustavo Ferreira Pinto Basto, quando este
ocupou a presidência do município, e sobreviveu cerca de uma dezena
de anos.
Arnaldo Ribeiro, em 1904, publica a
Folha Nova, semanário de feição republicana. Mais tarde
assumiria a direcção de O Democrata, que desempenhou cerca de
quatro décadas. No primeiro período de publicação, este semanário
teve como director o Dr. André dos Reis, de quem aparecem escritos,
em prosa e verso, em numerosos jornais, e como redactores Albano
Coutinho, Dr. Fernandes Costa e Samuel Maia. Nem sempre com nível
notável, foi durante alguns anos a única folha local noticiosa e,
assim, um apreciado mensageiro para os aveirenses ausentes da sua
terra.
Fundou-se com o capital de cinquenta
mil réis, para o qual concorreram, em dez quotas iguais, não só
André dos Reis, mas Bernardo de Sousa Torres, Alfredo de Lima e
Castro, José da Fonseca Prat, Manuel Marques da Cunha, António Maria
Ferreira, Francisco António
/ 91 / de Moura, Manuel
Barreiros de Macedo, Manes Nogueira e Manuel Lopes da Silva
Guimarães.
Existiam então na cidade, com uns
escassos dez mil habitantes, além de O Democrata, mais sete
semanários, quase todos já apontados nesta notícia: O Campeão das
Províncias, Distrito de Aveiro, O Povo de Aveiro,
A Vitalidade, Progresso de Aveiro (director e
administrador, Ernesto de Freitas; redactor e proprietário, António
Simões Cruz), e Os Sucessos (de António Maria Marques Vilar).
Data de 1905 a primeira gazeta com
características clubistas, O Galito, sob a direcção de
Francisco Ferreira da Encarnação e tendo como redactor literário
Alberto Souto, que começa a afirmar o seu talento e o seu exemplar
aveirismo.
Três anos depois, os estudantes do
liceu, em quem fervilha o ímpeto de escrever e o desejo de ver as
produções em letra de forma, editam A Batina. Desde o
Jornal Académico, um quarto de século anterior, passando pelos
já apontados A Mocidade e O Neófito, por A Brisa
(1911), O Académico (1916), Os Simples (1920), Alma
Académica (1923) – a primeira gazeta que nos albergou algumas
linhas –, Alvorada (1923) – que Aires Martins, hoje
conceituado oficial superior do Exército e durante largo período de
tempo cronista de assuntos militares do «Comércio do Porto» dirigiu
– até a O Garoto (1933). A Voz Académica (1935) – em
que Mário Sacramento deu os passos promissores de uma carreira
excepcional de ensaísta, crítico e jornalista –, a Alma Jovem
(1951) e ao actual Farol, poderia alongar-se uma estirada
lista de mais ou menos fugazes jornais da mocidade estudantil – os
antigos mais espontâneos, os últimos mais sujeitos a vigilância ou
orientação dos agentes da docência.
Saltitando nas datas, assim como dos
de estudantes, poderíamos prosseguir por períodos de classe. Em 1 de
Setembro de 1913, orientado e redigido principalmente por Generoso
Rocha, distribuiu-se o «quinzenário da corporação telégrafo-postal»,
reivindicativo dos interesses profissionais. O Clamor, que,
conforme referimos, tem um antecessor com características idênticas,
A Correspondência.
O professorado primário tem o seu
órgão, no Arauto Escolar, no mesmo ano, e o operariado, que
já em 1899, comemorara o primeiro de Maio com um número único
intitulado Associação editado pela Associação dos Operários
da Construção Civil e Artes Correlativas, pela persistente vontade
de Firmino Cadete, tipógrafo para quem o jornal constituiu sempre
uma aliciante aventura, disporá, em 1912, de um semanário, modesto
mas combativo, «defensor dos interesses do trabalho», A Voz do
Povo, que passaria a quinzenário em 1917, e, por um período
curto, veio a chamar-se A Voz do Povo de Aveiro. Outro membro
da mesma família, Augusto Cadete, figuraria, no ano de 1919, como
redactor principal de A Terra, propriedade dos Sindicatos
Operários de Aveiro, como já seis anos antes, Manuel Soares de
Almeida Cadete, dirigira O Proletário.
Poderiam acrescentar-se transitórias
gazetas humorísticas ou charadísticas, as de carácter desportivo,
como o Aveiro Sportivo (1923) que teve como principal
animador José Vinício Caracol Meireles, e, além do apontado, duas
novas publicações dedicadas à filatelia: O Filatélico Aveirense
(1910), orientado pelo Dr. António Gomes da Rocha Madail, mensal,
como a revista congénere que lhe sucedeu, Portugal Filatélico
(1911), cujo director foi Baptista Moreira. Contam-se, assim, três
antecessores da revista trimestral «Selo & Moedas», órgão da Secção
Filatélica e Numismática do Clube dos Galitos, que, ao findar deste
ano de 1968, comemorou o sexto aniversário.
O ano de 1896 foi particularmente
prolífico em gazetas, de existência muito transitória. Estão
registadas nada menos de sete. Uma delas, A Carga, finou-se
ainda nasciturna e deu um sucessor, O Torneio («Ex-Carga»)
que também não conseguiu subsistir, como já observámos.
|
Dr. Alberto Souto |
|
Facto idêntico viria a verificar-se
após a implantação da República, com o aparecimento, no decorrer de
1911, de oito novos títulos. Também, na maioria, não vingaram esses
jornais. O Cinco de Outubro não se propunha senão comemorar o
primeiro aniversário de revolução que derrubara o regime monárquico,
mas já, por exemplo, Justiça, do Dr. António Fernandes Duarte
Silva, segundo cremos, não foi além de duas semanas (de 15 a 22 de
Fevereiro).
Apenas um se manteve – A
Liberdade. Dirigia-o o Dr. Alberto Souto, que não concluíra
ainda o curso de Direito, e cujos dotes literários e de orador de
invulgar elegância e fluência lhe haviam granjeado grande prestígio,
especialmente nos meios republicanos, onde se destacara nos comícios
de propaganda e noutros serviços aos seus ideais. Este periódico de
homens moços, rasgados e entusiastas, tinha como secretário da
redacção o Dr. Rui da Cunha e Costa e António Henriques Máximo
Júnior como editor e administrador. Vivo, mas timbrando na
correcção, do mesmo passo tratava os problemas doutrinários e
pugnava pelos interesses regionais, dedicando-lhes cuidadoso estudo.
Trouxe duas inovações: uma assídua e pronta informação do
estrangeiro, para o qual efectuara um contrato com uma agência
noticiosa e a afixação de «placards» com as novidades mais frescas e
palpitantes – facto que só voltaria a registar-se, já adiantado o
decénio dos vinte, por iniciativa, mantida até depois de 1940, do
«Diário de Notícias». Simultaneamente nas colunas do seu jornal e na
tribuna parlamentar, pois, com
/ 92 /
vinte e três anos, foi um dos mais novos deputados eleitos às
Constituintes, Alberto Souto (1888-1961) salientou-se como uma das
mais interessantes e insignes individualidades aveirenses deste
século e, seguramente, como a que mais funda e irradiantemente se
identificou ao longo da meia dúzia de lustres com o que poderíamos
chamar a alma colectiva desta terra, em muitos aspectos singular.
Tão cintilante na oratória como nas
produções escritas, com o dom de tornar atraentes mesmo os assuntos
mais áridos, desdobrando-se na curiosidade de múltiplos temas,
publicou mais de uma vintena de volumes e opúsculos – trabalhos
puramente literários, estudos geológicos, arqueológicos e
etnográficos, de história local e geral, sobre questões de arte e da
economia regional, em todos demonstrando as suas faculdades de
estudioso e de artista da palavra.
A sua terra e os problemas que ela
propunha aos seus filhos mais esclarecidos e devotados
apaixonavam-no. Resistiu, assim, a todas as solicitações para dela
se afastar. Serviu-a, aliás, não só pela atenção que lhe consagrou
com firme e profícua constância, mas como qualificado embaixador e
paladino, em numerosíssimas circunstâncias.
Foi presidente do Senado Municipal
e, nos últimos anos da sua vida, desejoso de ver realizado o que
idealizara para o desenvolvimento e embelezamento da sua cidade,
presidente da Câmara. Dirigiu, quase um quarto de século, o Museu
Regional, e a Biblioteca Municipal, presidiu à Associação Comercial
e Industrial e, logo após a sua criação (para a qual com o
Comandante Silvério Ribeiro da Rocha e Cunha, teve primordial
contribuição), também da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro.
Nesse período precursor do
ressurgimento portuário, e no propósito de promover mais propícias
condições para estímulo da economia local, com o seu colaborador de
A Liberdade, o empreendedor António Máximo, criou o Banco
Regional, há pouco incorporado num estabelecimento congénere
lisbonense.
Já encontrámos o seu nome como
redactor do fugaz Galito. Assinou centenas de artigos na
generalidade dos periódicos da sua terra e deu colaboração,
ocasionalmente, a «O Primeiro de Janeiro», «Diário de Notícias» e
outros diários de Lisboa e Porto. Figurou ainda como director, ao
lado de António de Cértima, da revista ilustrada Talábriga,
de que apenas saiu um número, referido a Fevereiro de 1921.
Passando em silêncio o aparecimento
de passageiras folhas sem projecção assinalável, cremos dever
arrolar, na segunda década do nosso século, A Razão (1916),
que durante um breve período foi órgão do Partido Republicano
Português e foi dirigido pelo Dr. Alberto Ruela, e, no ano anterior,
a revista política bi-semanal A Ideia Nacional, de Homem
Cristo Filho – jornalista e escritor de raro talento, desde muito
moço revelado no jornal de seu pai, e que fundou dois dos mais
modernos e vivos jornais lisboetas «A Restauração» e «Informação»,
foi redactor conceituado de jornais parisienses e deixou várias
obras, escritas em francês. Espírito irrequieto e fulgurante, mercê
apenas das suas faculdades excepcionais, como diria Reinaldo
Ferreira, que o qualifica como «um torpedo humano» pela sua
irrequieta vivacidade, «venceu Paris».
Nessa revista que se extinguiu ao
cabo de apenas dezoito números e tinha feição monárquica, reuniu,
entre outros nomes destacados, Luís de Magalhães, Aires de Ornelas,
Homem Cristo, Pai – que aí iniciou a publicação das «Cartas de
Longe», continuadas no «Povo de Aveiro» quando, regressado do
exílio, este jornal reapareceu, e depois recolhidos em volume –,
António Emílio de Almeida Azevedo –, cujo monarquismo se imbuíra, no
decurso do homísio em Londres, do espírito da democracia britânica
–; Alfredo Pimenta – que seguira uma trajectória política idêntica à
de Homem Cristo, Filho, e se oculta sob o pseudónimo de um
misterioso e enigmático Lord Henry até ao décimo quinto número –;
João do Amaral; Vítor Falcão; e o Dr. Querubim Guimarães, uma pena
de excepcional fecundidade que só muito recentemente, há muito
ultrapassados os oitenta anos, deixou de colaborar simultaneamente
em vários semanários e diários.
/ 93 /
Como porta-voz partidário da mesma
parcialidade política republicana, sucedeu, em 1922, ao semanário
A Razão, por iniciativa dos Dr. José Barata e Manuel das Neves,
pouco antes nomeados professores do liceu de Aveiro, e o segundo dos
quais veio a manter banca de advogado até ao seu falecimento e foi
uma das mais representativas figuras dos seus ideais no meio
aveirense.
O Debate,
o periódico que persistiu por mais de um decénio, teve depois, como
directores, o segundo Barão do Cadoro, por breve lapso de tempo,
Castro Maia, Domingos João dos Reis Júnior e António Maria Duarte.
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Dr. Barbosa de Magalhães. |
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Mais recentes, com fundação,
respectivamente, em 1926 e 1930, cremos não dever omitir neste
resumo apressado, duas publicações que ainda sobrevivem: a revista
Labor, dedicada aos problemas do professorado liceal e que se
iniciou sob a direcção dos Srs. Drs. José Pereira Tavares e Álvaro
Sampaio, e que, numa segunda fase, mantém o primeiro, naquele posto,
e Correio do Vouga. Os iniciais directores deste semanário
católico, que mais tarde, após o restabelecimento da mitra
aveirense, se tornaria órgão oficial da diocese, foram o Dr. António
Cristo (1904-1963) e o Sr. Padre Alírio Gomes de Melo, um insaciável
estudioso que, dobrada já a casa dos setenta anos, prossegue a sua
acção de esmerilhador minucioso e de assíduo colaborador de jornais.
António Cristo, que na imprensa
periódica, desde os tempos de estudante, deixou provas numerosas do
seu talento e das suas faculdades literárias, afirmou-se igualmente
como causídico de invulgares recursos e como orador de notável
brilho e poder de aliciação. Foi um dos mais meticulosos e fecundos
aveirógrafos, dedicando às figuras da sua terra e à sua história
trabalhos de grande interesse e merecimento, algumas das quais se
encontram inéditas. Profundamente afeiçoado a Aveiro, versou, ao
mesmo tempo, temas sobre o passado e os problemas da mais actual
acuidade, não apenas naquele periódico, mas no semanário Litoral,
que seu irmão, o Dr. David Cristo – jornalista, orador e artista
multifacetado – dirige desde Outubro de 1955 e ao qual imprimiu uma
feição que o torna um dos mais interessantes semanários do país.
Ocupou depois a direcção do Correio
do Vouga o Sr. Dr. Querubim Guimarães, hoje uma veneranda
personalidade de Aveiro, que representou não só como orador e
deputado, mas em diversos congressos e cerimónias e, como já
referimos, proporcionou abundantíssima colaboração à Imprensa não só
aveirense, mas de diversos pontos do país. Presentemente o
Correio do Vouga é dirigido pelo Sr. Padre Manuel Caetano
Fidalgo, que, patenteando relevantes predicados jornalísticos, lhe
imprimiu características modernas e o fez ombrear com os mais
conceituados órgãos congéneres.
Entre as actuais publicações
aveirenses, com sede na própria cidade – e sem deixar de mencionar o
Lutador, os boletins da Empresa de Pesca de Aveiro, da Acção
Cultural das Fábricas Aleluia, das paróquias citadinas, do órgão do
Sport Clube Beira Mar, estes com incerta periodicidade, além de
outros já citados nesta resenha pressurosa – merece especial registo
o Arquivo do Distrito de Aveiro, prestes a entrar no
trigésimo quinto ano de benemérita existência, e que, cumprindo fiel
e proficientemente, a missão a que se consagrou da «publicação de
documentos e estudos relativos ao distrito», tem prestado
valiosíssimos serviços à cultura desta região administrativa. Num
devotadíssimo esforço, numa prestantíssima demonstração de operoso
zelo pelos valores regionais, com a sua erudição e capacidade de
estudiosos e historiógrafos, e uma rara tenacidade, os directores
desta revista – Srs. Drs. António Gomes de Rocha Madail, Francisco
Ferreira Neves e José Pereira Tavares – tornaram-na um repositório e
uma fonte imprescindível para quem se debruce especialmente sobre o
passado do distrito.
Com características similares, resta
acrescentar a revista semestral Aveiro e o seu Distrito,
editada pela Junta Distrital e que agora completa o seu terceiro ano
e exerce uma louvável função complementar do Arquivo e,
simultaneamente, regista os factos capitais da actividade daquele
corpo administrativo.
Além dos da cidade havia que
registar alguns jornais publicados em diversas localidades do
concelho. Entre esses temos conhecimento de: O Correio do Vouga,
«quinzenário independente, órgão dos interesses de Eixo», que durou
de 1 de Dezembro de 1903 a 15 de Dezembro de 1904 e tinha como
editor Eliseu da Silva, e a partir do décimo quarto número, e até ao
vigésimo, com que finda, é dirigido pelo Dr. Alfredo Coelho de
Magalhães; O Aldeão, dirigido por José de Almeida Costa, com
sede na Costa do Valado, também quinzenário, e que apenas teve as
tiragens de 1 a 15 de Março de 1914; Ecos de Cacia, fundado
por F. Nunes da Silva, e que tendo criado fundas raízes,
especialmente entre a colónia caciense de Lisboa, sob a direcção de
José Marques Damião, conta cerca de quarenta anos, tendo actualmente
como director o filho deste; A Flor da Ria (1923), de S.
Jacinto; e a Voz do Povo, de Oliveirinha, orientado por
Manuel Figueira Maio. Tendo como director Manuel Oliveira Santos,
que mais tarde (1-5-1935 a 5-11-1936) editaria na sede do concelho
O Vigilante, «semanário republicano regionalista», e hoje
dirige, em Lisboa, a revista de transportes e turismo «Rodoviária»,
existiu ainda o Jornal de Cacia.
Excederia de longe os limites que de
início nos propusemos uma maior pormenorização e aprofundamento.
Neste ritmo, apesar da demasia extremamente fugaz, não devemos
deixar de aludir, como remate, a algumas figuras de Aveiro com
evidência jornalística, ainda não mencionadas.
/
94 /
Apontaremos, assim, José Maria
Barbosa de Magalhães (1855-1910) que se distinguiu mais
salientemente como advogado, dos mais conceituados, e jurisconsulto,
dos mais penetrantes e doutos, mas, desde os doze anos e quase até
ao termo de uma árdua vida de lutador sem tréguas, escreveu
incansavelmente para variadíssimas folhos periódicas. Era menino e
já no Distrito de Aveiro se liam, amiudadas vezes, produções
suas, em prosa e em verso. As dificuldades paternas obrigam-no a
deslocar-se para Viseu, para casa de um tio, e a fim de prosseguir
os estudos liceais. Rapazinho de compleição débil, mas dotado de uma
tenacíssima força de vontade, consegue cumprir com brilho as suas
obrigações escolares, e, simultaneamente, desempenhar funções de
escrevente na secretaria do liceu, leccionar algumas disciplinas a
vários colegas, mais cábulas ou menos dotados intelectualmente, dos
anos atrasados, e ocupar-se da redacção política do «Viriato» – em
luta acesa com um antagonista de créditos firmados na polémica, a
que ri posta vigorosamente, a um nível correspondente.
Chega a Coimbra para cursar Direito,
mas tem de ganhar esforçadamente a subsistência, para poder
dispensar um subsídio que lhe oferecem. Redige as sebentas, tenta a
inovação de as imprimir, que o Conselho da Faculdade não autoriza,
e, conhecidos os seus precoces méritos, confiam-lhe a secção
política de «O Progressista», onde consolida os seus dotes de
prosador incisivo e argumentador penetrante, senhor dos segredos da
controvérsia jornalística.
De uma excepcional fecundidade,
desdobrando-se toda a vida por várias actividades, alimentou com a
sua prosa apreciada diversos jornais e revistas, particularmente o
Campeão das Províncias – fundado e dirigido por seu sogro, o
atrás citado conselheiro Manuel Firmino de Almeida Maia – e veio a
ser redactor efectivo do «Globo» e director do diário «Correio da
Tarde», durante os três anos em que este se publicou. Publicou
diversos trabalhos jurídicos, antes e depois de exercer as funções
de Director-Geral dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, e dirigiu
ainda a «Gazeta da Relação de Lisboa», função em que lhe sucedeu seu
filho, Dr. José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, aveirense dos
mais notáveis deste século, também eminente jurisconsulto e
advogado, que foi professor catedrático da Faculdade de Direito de
Lisboa e ministro da Justiça, dos Negócios Estrangeiros e da
Instrução Pública e, também, por vezes firmou artigos de natureza
política e doutrinária em periódicos da sua terra ou da capital.
Outro aveirense com longa e
larguíssima colaboração nos periódicos, mormente dos da sua terra, a
cujo passado consagrou o mais paciente labor de estudioso, foi José
Reinaldo Rangel de Quadros Oudinot, nascido em 19 de Março de 1842.
Com Marques Gomes, foi, no último terço de oitocentos e até ao
decorrer do segundo decénio do século actual, um dos dois mais bem
documentados e prolíficos historiógrafos locais. Obtiveram extenso
eco os artigos que publicou, quando, em 1867, chegou a estar
decretada a extinção do distrito de Aveiro, no jornal com este mesmo
nome, e em que deixou, ao longo de mais de quarenta anos, numerosas
poesias e, especialmente, estudos sobre vários aspectos da história
local. Ali defenderia, calorosamente, em 1881, a conservação da
diocese aveirense, a propósito da qual publicou «O Episcopado e o
Governo de Portugal – Considerações acerca da nova circunscrição
diocesana e da supressão do Bispado de Aveiro...» (1883). Escreveu
os dramas históricos «A Princesa Santa Joana» e «Luís de Camões»,
desenvolvendo relevante acção no centenário do épico nacional.
Em folhetins do «Jornal de
Estarreja», de que foi redactor principal, inseriu dois romances –
«Firme até morrer» e «Um Bilhete de Lotaria» e uma monografia
intitulada ««Estarreja e o seu Concelho. A série de artigos que
publicou primeiro, no Distrito de Aveiro e depois no
Campeão das Províncias, sob a designação genérica de
«Apontamentos históricos» («Igrejas Paroquiais», «O Senhorio e
Ducado de Aveiro», «Muralhas», «Mosteiros e Conventos». etc.),
«Aveirenses Notáveis», «Fontes de Aveiro» e «Apontamentos Avulsos»,
e com cujos recortes constituiu uma dúzia de volumes, reúnem um
enorme e utilíssimo acervo de informações sobre o passado da cidade,
para as quais pode consultar documentos oficiais e particulares e
examinar atentamente monumentos, templos, inscrições lapidares, hoje
/ 95 / desaparecidas.
Infelizmente, não dizemos já como preito ao autor, injustamente
esquecido, mas por serem de prestantíssima utilidade para o
conhecimento de toda a sorte de velharias aveirenses significativas,
nunca, como se impunha, foram recolhidos em volume e estão, assim,
desaproveitados.
Poderão encontrar-se artigos
subscritos com o seu nome, não apenas nos jornais apontados, mas
ainda em «A Liberdade», «Jornal do Povo», «Noticioso», «Aurora do
Vouga», «Diário de Notícias», «Vitalidade», «Progresso Católico» e
diversos outros.
Para não alongar mais estirada e
fastidiosamente este amontoado de apontamentos, remataremos com uma
breve referência a Anselmo de Morais – de seu nome exacto Anselmo
Evaristo de Morais Sarmento – nascido em Aveiro, a 5 de Julho de
1847, e que tendo embora vivido desde muito novo no Porto, como
testemunhou Marques Gomes, tudo o que era da sua terra para ele
constituía motivo de prazer e veneração. Pertencente à família de
Clemente de Morais, um dos condenados à forca pela alçada
miguelista, em 1829, cujos quatro irmãos sofreram também os efeitos
da sanha dos inclementes adversários políticos, Anselmo de Morais,
espírito recto, esclarecido e empreendedor, de trato cativante e de
uma generosidade que ia muitas vezes até ao sacrifício do que lhe
fazia falta, foi uma prestigiosa figura do meio portuense. Não só
cultivou as letras com brilho e exerceu com competência a crítica de
arte, mas, como proprietário da Imprensa Portuguesa, promoveu a
edição de algumas obras literárias de merecimento. Manteve
convivência com alguns dos maiores escritores do seu tempo, entre
eles Camilo, com quem veio a inimizar-se. A discórdia que entre
ambos se desencadeou deu causa à publicação da «Questão de
propriedade literária suscitada com a publicação de um livro de
Camilo Castelo Branco intitulado Mosaico».
À sua iniciativa se ficou a dever a
fundação da «Gazeta Literária do Porto», da «Actualidade» e da
«Ideia Nova» que dirigiu e onde, mais efectivamente, se qualificou
na vida jornalística. Falecido no Buçaco – e, assim, no distrito de
Aveiro – em 8 de Junho de 1900, de uma notícia necrológica nessa
ocasião publicada transcrevemos os seguintes períodos que de algum
modo definem a sua personalidade e justificam as reservas ao modo
como orientou a questão com Camilo: «Sempre rapaz até aos últimos
anos, tinha por isso os desabafos e ao mesmo tempo os rasgos de
rapaz. Esclarecido e prático, podia ter pontos de vista que
levantassem desacordos, mas nobilitava-se por muitas lágrimas
enxugadas, por muita fome satisfeita, por muita miséria remediada».
* * *
Uma notícia que mal excede a seca
inventariação, como necessariamente será um trabalho dos restritos
objectivos que a este traçamos, logo na intenção pressupõe falhas,
saltos e, porventura, ocasionais desproporções nas referências e
omissões indevidas. As disponibilidades de tempo, e as limitações de
espaço, não nos permitiram o estudo que, mesmo superficialmente,
desejaríamos ver feito sobre a Imprensa aveirense, o que ela
efectivamente representou na formação e orientação da consciência
cívica da gente de Aveiro – cujos pendores psicológicos e sentido de
dignidade, na política ou em qualquer aspecto das relações humanas,
o acentuado caldeamento com os que dia a dia afluem, não se
degradaram –, quanto influiu na prosperidade local e na conquista de
melhoramentos, que reflexo atingiu na vida nacional – e bem se sabe
que o teve, em especial com o Campeão do Vouga e o seu
sucessor, frequentemente transcrito pelos diários de então; com o
Distrito de Aveiro, que era o porta-voz regional da voz mais
eloquente, mais pura de timbre e valor intrínseco, e mais intensa, a
do seu fundador e inspirador, o grande tribuno José Estêvão; e, mais
modernamente, com o Povo de Aveiro, que chegava às aldeias
mais recônditas e exigia para expedição, nos correios, pessoal
certo, como que especializado na corografia postal, era avidamente
lido nos meios das maiores exigências culturais.
O propósito que nos moveu de dar um
fugaz conspecto, um cosmorâmico esboço geral de um século e um
quartel da actividade jornalística da cidade, e, vá lá, do concelho
de Aveiro, dentro das modestas limitações pessoais e ocasionais em
que pudemos efectuá-lo, cremos tê-lo cumprido. Servirá, quando não
mais, para recordar alguns vultos meus conterrâneos que merecem
admiração e gratidão, ilustraram e serviram, e assim lhe
enriqueceram o património espiritual e material, a sua terra, que é
também a do autor destas linhas desvaliosas. |
Rangel de Quadros. |
|
_________________________________
NOTAS:
(1)
– Vd. «Imprensa Periódica na Distrito de Aveiro», por António Zagalo
dos Santos, in Arquivo do Distrito de Aveiro, VoI. IX, pág. 128.
(2)
– Arquivo do Distrito de Aveiro, art.º cit.º, voI. IX. págs. 122 a
135.
(3)
– Correio do Vouga, n.º 1 234, de 26-2-1955. |