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As do Nascente
A
Casa que foi de Duarte Pinto e
hoje pertence ao Dr. Belchior Cardoso da Costa (a do norte).
Por escritura de 17 de Dezembro de
1543, lavrada por Vicente de Pinho «escudeiro da Casa d'EI-Rey Nosso
Senhor, e Tabelião Publico Judicial» na Vila da Feira, e seus
termos», «nas cazas de morada de Guiomar Mendes Dona viuva hi
morador», «na Villa da Feira, Terra de Santa Maria, Villa, e Terra e
Jurisdição do Senhor Conde Dom Manoel Pereira, Conde da dita Villa»,
este e sua mulher Dona Francisca Anriques, emprazarão «por título de
prazo fateusim d'hoje para todo sempre» a Duarte Pinto «Escudeiro
morador na dita Villa» «huas suas cazas delles ditos Senhores
d'herdade Dizimo a Deos», onde morava o dito Duarte Pinto, «que
estão acima das casas de Braz d'Oliveira...» «com sua sahida de
Terra athe o Rrio, que vai pela dita Villa: a qual sahida partia com
o Pomar do dito Braz d'Oliveira, com Terra o vendaval, e com Terra o
Norte, parte com hum cham da Capella de Nossa Senhora do Castelo,
que elles ditos emprazantes trazem, e com outras confrontações, com
que de Direito devem departir, e de Marcar, e com todallas couzas,
que as ditas cazas, e sehida delas pertencem».
Esta casa, juntamente com outra que
ia topar com a rua da Lavandeira, como adiante se explicará, forma
hoje a casa que pertence ao Dr. Belchior Cardoso da Costa, situada
no topo norte, do lado nascente, da chamada Praça Velha, para onde
tem sua frente e entrada, fazendo esquina para a dita rua da
Lavandeira.
Naquele emprazamento, de natureza
perpétua, feito ao dito Duarte Pinto «para elle para sua Mulher
Antónia de Pinho não presente, e para todos seus filhos, e filhas, e
herdeiros e descendentes e pessoas que depoz elles vierem e para
quem quizerem e por bem tiverem», foi contratado que «pagarão de
renda e penção elles emprazantes, e as pessoas. que depôz elles
vierem a elles ditos Senhores, e a seus herdeiros cada hum anno hum
Capão, e hua Galinha, e mais não, e farão a primeira paga da dita
renda por São Miguel de Setembro primeiro que vier e dy em diante em
cada hum anno pelo dito tempo posta no Castelo delles ditos
Senhores».
Já em 1541 o Duarte Pinto e sua
mulher demandavam Pedro de Aguiar e sua mulher para serem
restituídos à sua antiga posse de regar um campo contíguo àquelas
casas, denominado Barreiro, com água dos moinhos da Lavandeira
pertencente aos réus.
Por este processo, e fazendo o seu
confronto com o aludido contrato de emprazamento de 1543, vê-se que
este apenas respeitou às casas «com saida de Terra athe o Rio, que
vai pela dita Vila» que eram propriedade da Casa dos Condes da
Feira, pois não abrangia o Campo do Barreiro, que lhe ficava para
nascente e que então (pelo menos desde 1541) era pertença do Duarte
Pinto, «antre os demais Bens de Rais que a elles pertenciam jure
dominii» por dele já então estar «em posse pacifica, por si e seus
antecessores, por dez, vinte, trinta, quarenta, sessenta, cento,
dozentos e mais annos, por tanto tempo que a memoria dos homens não
era em contrário», como se alega, no Libelo de autores, na mesma
acção.
Do mesmo Libelo consta que o Campo
do Barreiro «partia universalmente, com chão dos Reos, e com a
Estrada, que hia para a Lavandeira e com o Rio, e com outras
confrontaçoens, com que de Direito devia de partir». O litígio teve
por motivo os réus embaraçarem a passagem da água «de Rega que vinha
do Rio e os moinhos da Lavandeira dos Réus ao chão do Barreiro dos
Autores» «a tomar à boca das calles» dos ditos moinhos, seguindo
depois em rego aberto», de modo
/ 43 / a não regar o
dito campo do Barreiro, tornando-o de sequeiro, prejudicando, assim,
a sua economia e produção.
Para tanto, alegaram para sentença,
«estarem em posse por si e seus antecessores da dita agoa da
contenda hir ao dito seu Chão do Barreiro e com ella regarem quando
lhe cumpria e era necessário assy aos Domingos como aos dias de
Semanas e a tomarem á bica das Calles dos moinhos, que ora erão dos
Reos e dahi hir, e a levarem para o Rego, que sempre estivera aberto
de redor do seu Chão da Feira e passar o comoro d'antre ambos por
onde saya de hir, e hir ao Chão do Barreiro dos Autores e regarem
com ella quando bem lhe vinha, como dito he, e assy depois dos Reos
viverem na dita Quintam da Lavandeira, como d'antes em tempo de seus
antecessores».
Os réus alegavam não terem obrigação
de dar tal água visto ela pertencer aos seus moinhos e «dita Quintam»
(onde eles viviam) e «Chão da Feira» deles réus, de que eram
proprietários, pois faziam parte «antre os mais Bens de Raiz que a
elles Reos pertenciam».
Assim se averigua que o Chão dos
réus confinava com o dito Campo do Barreiro do qual estava separado
por um comoro, desenvolvendo-se tudo para nascente da «estrada que
hia para a Lavandeira», que ainda hoje existe bem como os aludidos
moinhos.
O pleito foi decidido a favor dos
autores sendo os réus condenados a não embaraçarem a passagem da
água para o aludido efeito, sendo curioso notar que, quando em
execução da sentença foi concedida aos autores a respectiva posse, e
o Tabelião vinha para a Vila com o Ouvidor, o referido Pedro
d'Aguiar requereu a este «que mandasse ao dito Duarte Pinto que
quando elle regasse o seu Milho que lhe não fosse tomar a dita água
senão acabado elle de regar e indo-lhas tomar quando elle regasse se
mataria com elle no Rego, e o dito Duarte Pinto requereu a mim
Tabelião que escrevesse assy, o que dito Pedro d'Aguiar dizia».
Assim, é de presumir que o Duarte
Pinto, que já vivia nas casas em 1543, o fizesse por força, de
emprazamento, por vidas, de que fosse titular, ou tivessem sido seus
ascendentes, prazo que desejou se convertesse em perpétuo, para
formar, com o seu campo do Barreiro, um prédio misto todo unido, com
garantia de continuidade, como de facto ficou até hoje.
Daí ter interesse apurar-se de quem
descendia Duarte Pinto.
No parecer de alguns, era filho de
Gonçalo Vaz Pinto e de sua mulher D. Mécia Lobato e, no de outros,
era filho de Diogo Pinto Sr. de Villar Mayor e de D. Maria Pereira.
Parece-nos ser mais verosímil a
primeira hipótese.
Felgueiras Gayo (cit. ob. T. XXIII,
pág. 161, § 245 sob o título «Da Terra da Feira»), dá-o como filho
daquele Gonçalo Vaz Pinto e de D. Maria Lobato que «segundo as
memorias do Nobiliário da Caza de Sinde, dizem ser dos Pintos de
Ferreiros de Tendaes» e «viveo na Villa da Feira onde cazou com D.
M.ª Lobato m.er Fidalga f.ª de ............................ a qual
D. M.ª Lobato estava recolhida no Convento de Sendim» dando-lhe como
filho Duarte Pinto (único que refere), mas comenta «outros fazem
este Duarte Pinto f.º de Diogo Pinto Sr. de Villar Mayor neste tt.º
§ 30 n.º 9 e D. Maria Per.ª».
E por sua vez, naquele § 30
intitulado «Srs. de Travanca e Villar Mayor» dá-o como filho de –
n.º 9 Diogo Pinto com a seguinte referência – 10 – «Duarte Pinto lhe
dão outros no § 245 N 2».
E, assim, não se pronuncia
definitivamente sobre a ascendência do Duarte Pinto.
No referido volume, que designei por
Genealogia de Soares Barbosa –, afirma-se que Duarte Pinto, que foi
«Cavaleiro Fidalgo e era Juiz na Villa da Feira em 1578 a quando fez
a inquirição o Dr. Diogo de Mello», era filho de Gonçalo Vaz Pinto e
de sua mulher – a referida D. Maria Lobato, que estava recolhida no
Mosteiro de Landim (e não Sendim como diz Gayo) «Snr.ª de
qualidade».
Parece-nos mais verosímil a primeira
hipótese por o Gonçalo Vaz Pinto, casado com Maria Lobato, ser da
«Terra da Feira» e ter vivido na «Villa da Feira» como diz Gayo, e o
Duarte também ter vivido nesta Vila merecendo, contudo, reparo o
facto de o Diogo Pinto também ser da Terra da Feira, embora senhor
em duas freguesias do concelho – Travanca (perto da vila) e Villar
Mayor (hoje Vila Maior) bastante distante da Vila – senhorio que lhe
adveio por força do seu casamento com D. Mécia Pereira, em
consequência do dote que lhe fizeram seus pais Vasco Pereira e
mulher D. Isabel de Mirâcide.
Se admitirmos que o Duarte Pinto era
filho do Diogo Pinto, outra dúvida se levanta.
Uns entendem que este Diogo era
filho de Gonçalo Vaz Pinto, filho de Ayres Pinto (a que alguns
também chamavam Ruy Vaz Pinto) e de sua mulher D. Meliza ou Catarina
de Mello e outros que era filho de um filho daquele Gonçalo, também
chamado Gonçalo Vaz Pinto – questão que tem menor importância, visto
ambos pertencerem ao mesmo tronco – descendentes de Ayres Pinto e de
sua mulher D. Guiomar de Castro, que eram os pais daquele Gonçalo a
que também chamavam Ruy (Felgueiras Gayo – cit. ob. T. XXIII, pág.
42 e 161 § 245 Pintos da Terra da Feira – afirma que é erro
chamar-se ao dito Gonçalo Vaz Pinto – Ruy Vaz Pinto). O mesmo autor
(cit. ob. e T. – fls. 64 § 30) perante estas duas hipóteses
inclina-se
/ 44 / para a de Diogo
Pinto ser filho de Gonçalo Vaz Pinto (a quem chamavam Ruy) e não do
outro Gonçalo Vaz Pinto, filho deste.
Nisto é apoiado pelo Ab.e
de Prozelho.
E na verdade se o Duarte Pinto (que
contratava em 1543) era filho de Diogo, não é natural que este fosse
filho deste último Gonçalo que, em 1505, recebia uma doação do duque
de Bragança D. Jaime e que, em 1513, se achava na tomada de Asamor
com seus filhos Ruy Vaz e Fernão Pinto de Mello, pois, neste caso, o
dito Gonçalo seria avô do Duarte, não sendo, assim, plausível que um
neto do mesmo Gonçalo, já em 1543, fosse maior (idade superior a 25
anos) para poder contratar, sem necessidade de tutor, intervindo
como outorgante no aludido emprazamento.
Não podemos, deste modo, afirmar,
com segurança, quem eram os pais do Duarte Pinto: parece, porém, que
era filho de Gonçalo Vaz Pinto e de sua mulher Maria Lobato.
Mas de quem descendia, por sua vez,
este Gonçalo?
Parece que era filho de Ayres Pinto
descendente de Ruy Viegas Pinto que «Pessuio varios cazaes na terra
da Feira no tempo do Rey D. Aff.º H.es e D. Sancho pr.º» e de D.
Egas Mendes de Gundar que «se achou na batalha do Campo de Ourique»
(como fala o Conde D. P.º no tt. 6.º Plana 341), genro de Payo
Soares Pinto «morador na terra da Feira» «Felgueiras Gayo cit. ob. e
T. pág. 41).
Na citada genealogia, a que chamamos
dos Soares Barbosa, é dado como filho de Ruy Vaz Pinto, isto é, o
que Gayo chama Gonçalo Vaz Pinto, filho do aludido Ayres Pinto e de
sua mulher Constancia Rz Pereira, filha de Payo Gomes Pereira do
Lago (pág. 35-v.º).
Aquele Ruy (ou Gonçalo – como lhe
chama Gayo) foi alcaide-mor de Chaves e depois senhor de Ferreiros
de Tendais, tendo sido sepultado no mosteiro da Piedade «da mesma
villa»: foi casado com D. Catarina de Mello, filha de Martim Afonso
de Mello, Snr. de Mello.
De tudo isto resulta uma certeza: o
Duarte Pinto era descendente do Ayres Pinto, seja qual for a
hipótese que se encare, conforme o exposto – neto segundo uns,
bisneto segundo outros e trineto segundo os demais.
Não sei de que fontes se socorreu o
autor do mencionado manuscrito para ordenar a Genealogia apontada,
de modo a dar Duarte Pinto como filho de Ruy Vaz Pinto – a quem
podemos também chamar Gonçalo – filho de Ayres Pinto.
Contudo, posso informar que a pág.
35-v.º, ao apontar a descendência do Ayres Pinto, abona-se no «Dr.
Serra» e nomeia como um dos filhos Álvaro Pinto, com o seguinte
comentário «Vejace Nobiliário 8.º P.ª 2.ª fls. 625 § 1 N. 4» – o que
convence fundar a sua genealogia no Nobiliário de D. Pedro.
Aquele Duarte Pinto, (que como
dissemos, ainda vivia em 1578), foi casado com Antónia de Pinho.
Teve deste seu casamento, além de outros filhos – Vicente de Pinho
que casou com Antónia Moreira [filha do já muito falado Marcos
Moreira, Fidalgo da Casa Real e de sua mulher D. Leonor Caldeira,
moradores em Rolaens (da terra da Feira)]. Tiveram uma filha de nome
Leonor Pinto, que também é nomeada por Leonor Pinho, que casou com
Diogo de Moura Coutinho (filho de Rodrigo de Moura Coutinho, dos
Mouras de Lamego) que viveram na «Terra da Feira» (Felg. Gayo cit.
ob. T-XXIlI-fls. 161). Tiveram uma filha de nome Maria Pinto de
Moura que casou, na quinta do Paço de Cidadelhe, concelho de Mesão
Frio, com António de Magalhães Coutinho (filho de Diogo Pinto
Ribeiro e de sua mulher D. Maria de Carvalho, que era filha de João
do Prado de Mesquita e sua mulher Guiomar de Carvalho. Por sua vez,
aquela Maria Pinto de Moura e António de Magalhães Coutinho tiveram
uma filha, D. Joana Mafalda de Magalhães Coutinho, que casou com seu
parente Diogo de Moura Coutinho, filho de H. Vicente de Moura
Coutinho e de sua mulher Ângela Camello, senhores da quinta de
Cazal-Dufe, na freguesia de Frende, concelho de Baião.
Em 20 de Outubro de 1707 a Casa da
Feira procedeu ao reconhecimento do foro por título em que outorgou,
por parte daquela casa, António da Rocha Manrique, do Desembargo de
Sua Majestade, Juiz da Fazenda e Tombo Real e do Estado e da Casa da
Feira e, por outro lado, a mesma D. Joana e seu marido Diogo Moura
Coutinho. Deste documento, que se encontra num volume do Tombo da
Casa da Feira (onde se reúnem os reconhecimentos dos enfiteutas
daquela Casa depois da extinção da Casa dos Condes, a fls. 130,
consta que o foro, do referido prazo fateusim perpétuo, mantinha-se
em 1 galinha e 1 capão e recaía sobre «Primeiramente huma morada de
cazas que consta de seis cazas e huma varanda entre salas e cazas
com suas lojas citas na Prassa desta vila e medidas todas pella
parte da rua tem de comprido de norte a sul catorze varas e quarta e
de largo pello meyo doze varas e duas tersas parte do nascente com o
enxido das mesmas cazas e do poente com a prassa publica e do norte
com cazas do mesmo caseiro e do sul com cazas da Dona Joanna. – Hum
quintal das mesmas cazas que tem de comprido de nascente a poente
pella parte do norte setenta e oito varas e pello sul cincoenta
varas e pella cabeça do sul tem cincoenta varas e meya-parte do
nascente com o campo dos Barreiros delle mesmo possuidor e do poente
com as ditas cazas assima e do norte com caminho público que vai
para a Lavandeira e do sul com quintal de D. Joana Lacerda. Levara
de semeadura dois alqueires de centeio tem agoa de rega do Rio e
Arvores de Fruto». Neste trecho bem se
/ 45 / evidencia que o
campo do Barreiro era livre e aludial.
Aquela D. Joana Magalhães
aparece-nos, em 1729, a requerer ao Juiz do Tombo de então, Doutor
João Teixeira de Mendonça, o Tombo sobre a antiguidade e nobreza das
ditas Casas da Praça, como consta de um precioso documento também
pertencente ao arquivo do Dr. Belchior Cardoso da Costa.
Dada a sua ascendência, visto ser
terceira neta do falado Duarte Pinto e uma vez averiguado, como se
disse, que seus avós Leonor Pinho e Diogo de Moura Coutinho viveram
na «Terra da Feira» e ainda pelo que se apura nesse tombo de
antiguidade da casa, na posse da mesma D. Joana, podemos fazer
coincidir com os diversos graus daquela ascendência, o senhorio das
ditas casas e campo do Barreiro e, assim, obter uma sequência, sem
interrupção, desde 1543 a 1729.
Por sua vez, conseguimos apurar que,
em 1657, Diogo de Moura Coutinho, casado com a já falada Leonor
Pinto, ou Leonor de Pinho, avós da D. Joana Magalhães Coutinho,
mantinha demanda judicial com seu primo o Dr. Roque Pinto Lobato (o
Letrado como lhe chamava Felgueiras Gayo no cit. Trabalho Tomo XVI,
pág. 96), ainda por causa das águas dos moinhos da Lavandeira, em
defesa da cultura do referido campo dos Barreiros, pertencente
àquele Diogo Moura Coutinho.
Naquele Tombo, no auto sobre a
antiguidade das casas da Praça, a requerimento do procurador daquela
D. Joana, aos 11 de Agosto de 1729, na «Villa da Feira que he Terra
de Santa Maria e de sua Alteza que Deos goarde», consta que «nas
cazas da Praça assim chamadas citas na praça desta Villa que são de
Dona Joana de Magalhães requerente deste Tombo», e na presença do
referido Doutor João Teixeira de Mendonça, Juiz do Tombo, do
escrivão, procurador da dita Joana de nome Manuel da Costa por este
foi dito e requerido ao referido Juiz «que sua constituinte era
senhora e pessuidora das ditas cazas com suas pertenças e por que e
por serem muito antigas se perdera a memoria dellas e decumentos, e
juntamente alguma degnidade que por muito nobres tinhão de que não
havia clareza, requeria se fizece por testemunhas fidedignas por que
constace sua nobreza e as confrontaçois dellas, e o que a Respeito
de tudo sabião».
Em face do requerido, o Juiz ouviu
duas testemunhas, de nomes Manuel Ferreira, caseiro da requerente, e
assistente nas ditas casas, de 60 anos e Inácio Cardoso da Cruz – de
50 anos.
Dos seus depoimentos resultou que as
mesmas casas e o campo a elas anexo, que lhe ficava para nascente,
denominado Barreiro, foram, segundo afirma o Manuel Ferreira, «pesuidas
por Diogo de Moura Coutinho e seus passados o que sabia por haver e
ouvir dizer a seus Passados e agora os pesue e admenistra com suas
rendas a ella anexas a dita Donna Joana de Magalhães veuva do dito
Diogo de Moura Coutinho», o que foi corroborado pelo Inácio Cardoso
da Cruz por ouvir dizer a seu pai e pessoas velhas e antigas «que as
ditas cazas eram m.to nobres e antiguas e tinhão suas regalias e por
tais as conhecia e serem pesuidas pelo ditto Diogo de Moura Coutinho
e seus passados».
Mais disseram as mesmas testemunhas,
«ambos juntos e cada hum de per si in solidum que as ditas cazas
como disso tinhão erão nobres e antiguas e tinhão pera a parte da
rua duas janelas rasgadas com suas sacadas e per goarda hua grade de
Ferro que são as duas que ficão pera a parte do sul e no mesmo
correr pera a parte do norte outras duas janelas de peitoril cada
hua com sua salla. E outra caza logo seguinte pegada nas mesmas e de
sobrado que tem hua janella pera a rua de Alvenaria e entrada de
escoadria para a parte do caminho da Lavandeira e tem um portal de
escoadria na entrada da sala principal e hua logea com portal de
escoadria e hum celeyro onde se colhem os foros pençoes e Rendas da
mesma caza tambem com portal de escoadria e outra logea de janela de
Alvenaria a que antiguamente chamavão a casa da Reguileira também de
escoadria os portais com portas pera a Rua. E tres logeas pera a
parte detraz e pera a mesma parte hua Baranda e tem seu patio com
sua entrada que pega no outão da caza da Reguileira e tem toda a
hora de dia e de noite continuamente havendo ágoa, no verão que vem
da Fonte chamada a Fonte do Cano cita na Ribeira dos erdeiros e
sucessores que ficarão de José Soares desta vila já defunto cita
nesta Villa e faltando ella por vezes de alguma apessoa atomar ou de
vender se vai buscar com a qual se meruja no inverno sendo nesesário,
o Campo e com ella de Rega em todo o tempo que se nesessária, as
ortas e o mais nesesario a qual agoa vem direita pelo pattio abaixo
entrando pelo boeiro do caminho da Lavandeyra .................. ».
Segue-se um auto de citação das
partes «confrontantes das ditas cazas quintal e campo» – D. Joana
Maria «veuva que ficou de Pantaleão Pereira do Lago» – «desta rua da
praça» e em seguida procedeu-se ao auto de medição das ditas casas e
quintal e campo a ellas pegado, que deu o seguinte resultado:
«E Logo elle Doutor Juiz do Tombo
mandou ao dito Louvado que medisse as cazas e quintal. E pegando
elle em hua corda medida e determinada pera a medição deste Tombo
medio as cazas patio e quintal que constão de cazas de sobrado com
sua Baranda tudo Telhado de telha com seu quintal e suas Arvores de
frutto Larangeiras, Limoeiros, macieiras, carvalhos com vidr.ªs
e Ramadas que chamam a este quintal o campo do Loureido que tem de
comprido cazas e quintal Por nascente a poente cinquenta e trez
varas e coarta e de
/ 46 / largo pello
Nascente entre o campo e quintal tem trinta a hua varas e meia e
pelo poente na fronteira das cozas pela Rua tem de largo vinte
varas. Levara de semeadura trez alqueires de senteio, parte do
nascente com o campo, do poente com a Rua e do norte com o caminho
que vai para a Lavandeira e do sul com cazas e quintal de Dona Joana
Maria veuva que ficou de Pantalião Pereira do Lago».
Por sua vez foi medido o dito campo
do Barreiro e daí resultou:
«O Campo chamado o Barreiro pegado
ao mesmo quintal que tem de comprido do nascente ao poente noventa e
duas varas, e de largo pelo nascente pegado no caminho que vai pera
a Lavandeira e acabando no canto abaixo. E indo em Redondo tem de
largo cento e catorze varas e pello poente ao Redor do quintal tem
de largo trinta e hua varas e meia – Levara de Semeadura sete
alqueires de senteio parte do nascente com o Rio e do poente com o
dito quintal asima já medido e do norte com o caminho que vai pera a
Lavandeira, e do sul com o quintal de D. Joana bem pelo norte tem
pelo norte seu muro e pellas mais partes combros em Redondo tem sua
arvore de vinho e tem o campo sua água de Rega».
E 9 de Agosto de 1729 foram os autos
conclusos ao Juiz para «se deferir».
Feito o confronto deste título sobre
nobreza e antiguidade desta casa com o já falado de reconhecimento
de prazo de 20 de Outubro de 1707, verifica-se que o prédio da D.
Joana era formado por duas casas: uma foreira ao Castelo – a que
consta do aludido reconhecimento de 1707, confinante pelo sul com a
casa que imediatamente a seguir se estudará, que pertenceu a
Pantaleão Pereira do Lago – e outra, para norte, até encontrar a rua
da Lavandeira, o que podemos dizer de certeza dado o que consta dos
referidos documentos e a proximidade das mencionadas datas – 1707 e
1729. Isto se evidencia bem tomando em consideração que a casa
foreira era formada apenas por seis compartimentos (a que chamam
casas) entre salas e casas com suas lojas e tinha, para a praça, uma
varanda, medindo, pelo seu meio, apenas 12 varas sendo confrontada
pelo norte «com cazas do mesmo cazeiro» e do sul «com cazas de D.
Joana» (que sem dúvida era a viúva do Pantaleão Pereira do Lago) ao
passo que, da descrição feita e confrontações dadas no título de
antiguidade e nobreza de 1729, se faz referência à existência de
duas casas que formavam o todo descrito e confrontado: uma, a do
norte (a que não era foreira) com 4 janelas, sendo as duas do sul
com sacadas, com grade de ferro e, as duas do norte, de peitoril,
cada uma com uma sala, e outra (que era a foreira), «logo seguinte
pegada nas mesmas e de sobrado», tinha uma janela para a rua, de
alvenaria e entrada de esquadria para o caminho da Lavandeira com um
portal de esquadria na entrada da sala principal, um celeiro e uma
loja, com portais de esquadria que davam para a Praça e ainda uma
loja com janela a que chamavam «a casa da Reguileira», notando-se
que toda esta frente devia ter apenas 12 varas de largura, que foram
medidas a meio do prédio. Há, ainda, referência a três lojas para
trás que se não pode apurar ao certo a qual das casas pertenciam
mas, pelo confronto dos dois aludidos documentos, parece que
pertenciam à casa foreira.
Aquela D. Joana Mafalda de Magalhães
Coutinho teve dois filhos com geração, António Magalhães Coutinho,
casado com D. Antónia Jacinto Camelo e Diogo de Moura Coutinho,
Capitão-Mor da Bahia.
As ditas casas e campo devem ter
ficado para aquele António de Magalhães Coutinho pois informa
Felgueiras Gayo (cit. Ob. T. XXIII. pág. 162) que ele sucedeu na
casa de seu pai. Teve este António, de sua dita mulher D. Antónia,
um filho de nome Luís de Magalhães Coutinho que, no dizer do mesmo
Felgueiras Gayo, sucedeu na casa de seu pai e foi casado com D.
Eufrósia de Sousa que também se chamava Maria Eufrásia de Sousa ou
Madalena Maria Eufrásia de Magalhães – filha perfilhada de D. Diogo
de Sousa, nascido em 1690, em Viana do Castelo, e «foi coronel do
Regimento do Porto e governou as Armas na mesma cidade e na
Província do Minho, Com.or de V.ª Fria e V.ª do
Prado – na Ordem de Xpt.º. (Felgueiras Gayo – Título Sousas § 147,
n.º 27, pág. 119).
Deixaram quatro filhos: a) – Diogo
de Sousa Magalhães a que chamavam D. Diogo; b) – D. Maria Cândida,
mulher de José Magalhães que aparece também com o nome de João de
Magalhães Neves (cit. ob. T. XIX, pág. 192), senhor da Casa da
Tardinhada; c) – D. António; d) – António. De todos estes apenas
averiguei a sucessão de D. Maria Cândida: a) – Francisco de
Magalhães; b) – Luís de Magalhães; c) – João.
Em 26 de Maio de 1755 aquela D.
Madalena Maria Eufrósia de Magalhães, referida como de Fresse, do
concelho de Baião, por intermédio do seu procurador Reverendo Padre
Manuel Soares da Costa de Arizoanes, do mesmo concelho de Baião,
reconheceu a obrigação de pagamento à Casa da Feira (lnfantado) de 2
galinhas sem ovos «pelos portados de casas que a mesma sua
constituinte pessue na Praça desta Villa» (Tombo fls. 94-v.º)
declarando que «fazia este reconhecimento porque andavam com dois
alugadores mas caso que algum tempo estejam por conta de sua
constituinte ou por hum do alugador em tal caso sera tão somente
huma galinha».
Conclui-se do exposto que, depois do
falecimento da D. Joana, a casa veio a pertencer por sucessão, nos
termos referidos, à D. Madalena Maria Eufrósia que, vivendo em
Baião, as trazia de aluguer. Num trabalho
/ 47 / manuscrito de
Francisco de Moura Coutinho de Almeida d'Eça intitulado «Um dos meus
costados – D. Antónia Albina de Paiva e Lima», que gentilmente me
foi confiado por seu filho Filipe de Almeida d'Eça, consta, a fls.
55 e em referência ao Dr. João da Costa Lima: «Foi este o primeiro
desta linguagem que foi para a Vila da Feira onde adquiriu bens,
entre os quais a casa da Praça que havia sido dos Moura Coutinhos,
ramo dos d'esta família de Entre Águas».
Este Dr. João da Costa Lima, como se
diz no mesmo trabalho, nasceu na Foz do Douro em 1707, era formado
em Cânones pela Universidade de Coimbra e foi Juiz de Fora na Vila
de Ponte de Lima por carta de 1737 e Ouvidor na Vila da Feira em
1746.
Casou, em 1728 (aproximadamente),
com D. Francisca Teresa Clara de Lima, também conhecida por D.
Francisca Teresa Clara Barbosa dos Santos.
Assim, temos que concluir que esta
Casa da Praça, após 1755 (data do aludido reconhecimento de
pagamento do portado), foi vendida pela D. Madalena Maria Eufrásia,
ou seus filhos, ao mencionado Dr. João da Costa Lima, o que é bem
verosímil, porque mais tarde aparece a referida casa na posse de um
seu filho de nome José Eleutério Barbosa de Lima «cavaleiro professo
da Ordem de Cristo, proprietário quartado no ofício de escrivão dos
Orfãos de Vila da Feira, Ovar e coutos anexos e negociante
matriculado pela Real Junta do Comercio» e «hu dos principais da
praça do Porto», como diz uma provisão de D. Maria I passada em 25
de Agosto de 1807 (cit. ob. de Francisco de Moura Coutinho de
Almeida d'Eça, pág. 23).
Casa do Dr. Belchior Cardoso da Costa e
Rua da Lavandeira
Segundo afirma o Dr. Vaz Ferreiro
(Ferro Velho – José Eleutério – Correio da Feira n.º 2751 de 22 de
Setembro de 1951) este José Eleutério nasceu por 1770.
Desconheço em que se fundamenta para
tal afirmar: Francisco de Moura Coutinho diz desconhecer a data do
seu nascimento. Casou em 11 de Abril de 1796, na Igreja da Vitória
no Porto, com D. Ana Norberto de Paiva e Sousa, nascida nesta cidade
em 6 de Junho de 1774, filha de José de Paiva Ribeiro e de Maria
Joaquina de Paiva e Sousa. Logo em 1797 nasceu um filho de igual
nome e apelidos – José Eleutério Barbosa de Lima.
Francisco de Moura Coutinho salienta
a admiração que lhe causa este neto (primogénito de José Eleutério
Pai) do Dr. João da Costa Lima ter nascido 90 anos depois do
nascimento do avô e maior confusão nos causa a afirmação do Dr. Vaz
Ferreira dizendo que o José Eleutério pai nasceu por 1770, quando
parece que também era primogénito, sabendo-se que seu pai nasceu em
1707 e casou por 1728.
Deve haver equívoco nesta data de
casamento e é possível que o Dr. João tivesse casado em data muito
posterior.
Do casamento de José Eleutério com
D. Ana Norberto nasceram os seguintes filhos: a) – o referido José
Eleutério Barbosa de Lima (n. 1797), Joaquim Eleutério Barbosa de
Lima (n. 1801), João Eleutério Barbosa de Lima, Dr. António
Eleutério Barbosa de Lima (n. 1803), Ana Norberta de Paiva e Lima
(n. 1804), D. Maria Máxima de Paiva e Lima e D. Antónia Angelina,
depois D. Antónia Albina de Paiva e Sousa (n. em 1807).
SALA DO TRONO
Em 23 de
Novembro de 1908, foi recebido EI-Rei D. Manuel II durante a sua
visita à Vila da Feira, na viagem que fez ao norte do país, a quando
da inauguração do caminho de Ferro do Vale do Vouga – troço Espinho
a Oliveira de Azeméis. Sobre a mesa: o Foral concedido à Feira e Terra de
Santa Maria pelo Rei D. Manuel I
em 10 de Fevereiro de 1514. (Vd. parágrafo
respectivo.)
Aquele Dr. António Eleutério Barbosa
de Lima (Frei António de S. Bernardo da Ordem de Cister). Doutorado
na Faculdade de Teologia, da Universidade de Coimbra, professor em
1819, no Real Mosteiro de S. João de Tarouca e, no ano anterior
(quando tinha 15 anos), representado por seu tutor e avô José de
Paiva Ribeiro, renunciou a favor das irmãs (sendo na mão de sua irmã
mais velha D. Ana e por falecimento dela em benefício das outras
duas irmãs (D. Maria Máxima e D. Antónia) à herança de seus pais, o
que fez por escritura de 28 de Dezembro e com as condições expressas
na mesma escritura e em 1838, em Londres (para onde emigrou em
1834), fez uma declaração em instrumento público em que esclareceu
que, por falecimento de sua última irmã, o direito cedido passaria
para os filhos da irmã D. Ana Norberta.
Tendo falecido a D. Ana Norberta,
abriu-se inventário e tendo falecido, depois, seu marido,
acumularam-se os dois inventários, que ainda estavam pendentes em
1818 como se vê do referido contrato de renúncia de herança por
parte de Frei António nesse inventário, que correu seus termos no
Juízo dos Órfãos da cidade do Porto – cartório do escrivão José
Pereira Batista. Foi o prédio aí descrito como: «moradas de casas
sobradadas com seu pateo, quintal e mais pertenças, sitas na rua da
Praça, da mesma Vila da Feira, de natureza de praso fateusim de que
é senhorio directo o Castelo da mesma Villa» e adjudicado, em comum
e em partes iguais, aquelas suas filhas D. Maria Máxima de Paiva e
Lima de Moura Coutinho, que veio a casar-se com o Dr. José de Moura
Coutinho d'Almeida d'Eça (como é chamado no inventário por seu
óbito) advogado na Vila da Feira e D. Ana Norberta Paiva e Lima
Botelho de Lacerda que veio a casar-se com o Dr. Basílio Botelho de
Lacerda Lobo.
Por instrumento público de 13 de
Janeiro de 1841 e porque «não podia à face da lei à vista da
natureza do sobredita propriedade subsistir aquela adjudicação nas
duas mencionadas herdeiras» a D. Ana e marido venderam, a sua
metade, à D. Maria e Dr. José, pela quantia de um conto de reis,
metade do valor do prédio, ficando, assim, o prédio encabeçado
nestes.
Ambas as partes foram representadas
por seus procuradores, tendo a procuração passada pela D. Ana
Norberto e Dr. Basílio, na Vacariça, a data de 11 de Dezembro de
1840.
/ 48 /
Em 17-7-1842 ainda o Dr. José de
Moura Coutinho e mulher viviam na sua Quinta da Praça, como está
referido na escritura de venda que fizeram a José Joaquim da Silva
Pereira de uma água a favor de um campo chamado do Ferrador,
pertencente ao comprador e situado a sul daquela Quinta murada.
Em 2 de Janeiro de 1850 ainda era
vivo o Dr. José pois a Câmara Municipal, em sua sessão daquela data,
ainda o nomeou para as insígnias da Festa das Fogaceiras (Tochas à
Missa) não voltando mais a ser nomeado para as insígnias desta Festa
e da do Corpo de Deus, como era de costume.
No inventário por óbito deste, que
correu no Tribunal da comarca da Feira, cartório do escrivão Joaquim
Vaz de Oliveira Júnior, em que foi inventariante a sua viúva, foi o
mesmo prédio descrito sob o n.º 95 do seguinte modo:
«Duas moradas de cazas de sobrado e
terreas com seu quintal, circuitado de muro, sitas na rua da Praça,
freguesia desta Villa da Feira, com pateos, ramadas, arvores de
fruto e de vinho e água de rega do rio da Lavandeira que se toma á
boca das calles dos moinhos da Lavandeira em todos os domingos desde
o nascer do sol até ao meio dia, cujas cazas com todas as suas
pertenças, veio ao casal por via dela inventariante, ignorando a
natureza delas que os louvados avaliaram em dous contos de reis».
Nesse inventário, este prédio foi
adjudicado, em metade, à viúva e em outra metade a seus filhos José
Maria e D. Maria José.
Na aludida matriz provisória de
1854, o prédio está inscrito, sob o n.º 75, a favor de D. Maria,
viúva de José de Moura Coutinho de Almeida e Eça, localizado na
Praça, e com a seguinte descrição: 1) – uma morada de casas com 1.º
andar, lojas, e pateo sitos na Praça com o N.º .......... ; 2) – Uma
quinta lavradia com ramadas e arvores de fruto pegada á mesma caza».
Por escritura de 17 de Agosto de
1875, lavrada pelo tabelião da Feira, Bento da Luz Pereira da Silva,
aquela D. Maria Máxima de Lima Moura Coutinho e o dito José Maria –
de apelidos Moura Coutinho Almeida d'Eça, segundo sargento do
regimento de infantaria 8, e sua mulher D. Francisca Margarida
Pereira Moura Coutinho d'Eça, venderam, por intermédio do seu
procurador Dr. José Maria Cardoso de Lima – Delegado do Procurador
Régio na comarca de Anadia, as referidas casas e campo lavradio
pegado, a Francisco Pereira Pinto de Lemos, então escrivão e
tabelião do Juízo de Direito na comarca da Feira (que mais tarde foi
o primeiro Conde das Devezas), «o prédio que seus constituintes teem
e possuem na Praça, da freguesia desta Vila da Feira e que se compõe
de casas nobres e campo lavradio pegado e todo o seu giro d'água de
rega e lima da levada e rio da Lavandeira, e mais pertenças, que
confina pelo nascente com o rio da Lavandeira, do poente com a
Praça, norte com a rua da Lavandeira e pelo sul com terra lavradia
de D. Maria José Huette Bacelar e Silva Pereira e marido o Bacharel
Francisco de Castro Mathoso da Silva Corte Real» incluindo, nesta
venda e referidas confrontações, a faixa de terreno pelo sul do
prédio, por fora do muro junto às casas e lavradio das ditas D.
Maria José e marido, prédio este de natureza aludial, pelo preço de
3 contos de reis. Foi registado na Conservatório do Registo Predial
desta comarca sob n.º 6952, a fls. 46 do L B-22.
Na procuração outorgada ao referido
Dr. José Maria Cardoso de Lima, os mandantes concederam iguais
poderes para a venda, ao Dr. Joaquim d'Almeida Correia Leal, de
Paços de Brandão, que mais tarde foi Conselheiro do Supremo Tribunal
de Justiça.
Desde a aludida partilha por óbito
do Dr. José de Moura Coutinho até à referida venda, deve-se ter
transmitido, para os vendedores, por qualquer título, a quarta parte
do mesmo prédio que no inventário foi adjudicado à filha D. Maria
José, visto nem esta, nem seus herdeiros, ou representantes,
figurarem na referida escritura de venda: deve ter sido comprada
pela viúva.
Aquele título de venda é o primeiro
em que o prédio aparece de natureza aludial de certo por, então, já
estar pendente o litígio derivado do facto de os foreiros à antiga
casa dos Condes se recusarem a reconhecer a natureza do prazo, por
força de prescrição extintiva, o que foi objecto de um grande pleito
que correu na comarca da Feira, durante muitos anos, e que veio a
ser julgado a favor dos enfiteutas pelo Dr. António de Castro Corte
Real (1.º Visconde em duas vidas e 1.º Conde de Fijó) então Juiz
substituto do Tribunal da comarca da Feira. Ainda não compulsei este
processo, que deve ser muito curioso, e reporto-me a informações que
me foram dadas.
/ 49
/
A Câmara Municipal há muito que
tinha tomado posição, defendendo a tese da extinção dos foros da
Casa do Infantado, como se pode verificar através das actas das
sessões de 16 de Agosto e 4 de Outubro de 1865 e de 6 de Novembro e
11 de Dezembro de 1869.
APOSENTOS DE EL-REI D. MANUEL II
(23 de
Novembro de 1908 - ver
parágrafo respectivo.)
Por sua vez, aquele Francisco
Pereira Pinto de Lemos e sua mulher, a minha tia D. Maria da
Conceição Bandeira de Castro e Lemos, sobrinha e herdeira de António
Joaquim Borges de Castro, Visconde das Devezas, venderam a dita
propriedade, pela quantia de três contos, por escritura de 17 de
Junho de 1890, lavrada pelo Tabelião Manuel Maria Correia de Sá, a
João Alberto Nunes, viúvo, do lugar do Feirral, da Freguesia de
Souto, do concelho da Feira, prédio que na mesma escritura é
descrito como «casas nobres, jardim, eira, campo lavradio contiguo
com seu giro e água de rega e lima da levada e rio da Lavandeira e
mais pertenças, testadas e servidões, situado no logar da Praça,
freguesia desta Villa da Feira, de natureza alludial e a confinar do
nascente com o rio da Lavandeira, do poente com a praça, do norte
com a rua da Lavandeira e do sul com D. Maria José Huette Bacelar e
Silva Pereira e marido o Bacharel Francisco de Castro Mathoso da
Silva Corte Real».
Naquela escritura de venda ao João
Alberto Nunes, ficou consignado que a parte urbana do prédio estava
ocupada, por arrendamento ao Juiz da comarca e ao cartório do
escrivão do segundo ofício.
O sucessor daquela João Alberto
Nunes foi o Desembargador Dr. Inácio Alberto José Monteiro, da
freguesia de Souto, deste concelho da Feira, falecido em 1922,
sucedendo-lhe sua sobrinha Rosa Maria dos Reis, casada com Antónia
Francisco Gomes dos Reis, da Casa do Salgueiral, da freguesia de
Souto, deste concelho da Feira e por morte daquela, em 1932,
sucedeu-lhe no prédio sua filha Maria Rosa dos Reis, casada com
Manuel Gomes da Silva Gonçalves, da freguesia de Mosteiro, também
deste concelho: estes venderam-no ao Dr. Belchior Cardoso da Costa,
que nele vivia como arrendatário, por escritura de 4 de Maio de
1959, lavrada na Secretaria Notarial da Feira, pelo notário do 1.º
Cartório Dr. Domingos Simões Trincão.
Nesta escritura tem o mesmo prédio a
seguinte descrição: «prédio composto de casas de habitação, de
sobrado e águas furtadas, jardim, eira, casa da eira e terreno
lavradio junto, com água de rega e lima, da levada e do rio da
Lavandeira, conforme os antigos usos e costumes e mais pertenças,
testadas e servidões, denominada «Casa e Quinta da Praça, com
inclusão do terreno por fora do muro e junto ao rio e também de uma
faixa de terreno pelo sul, igualmente por fora do muro e da parede
da casa, terrenos estes que fazem parte deste prédio, sito na Praça
do Doutor Gaspar Moreira (nome por que hoje é designada a Praça)
desta vila e concelho da Feira, a confinar do norte com a rua da
Lavandeira e o caminho de servidão, do sul com José Soares de Sá, do
nascente com o rio e do poente com a Praça do Doutor Gaspar Moreira,
prédio este de natureza alodial, inscrito na matriz sob o artigo
1356».
Este prédio mantém-se ainda no
domínio e posse do Dr. Belchior Cardoso da Costa.
Da antiga casa existem, no seu
interior, algumas paredes. Em seu lugar existe hoje uma outra, de
construção moderna, sobradada, com portal de entrada de esquadria
que deita para a Praça, portal que é ladeado por duas janelas.
A sua frente para a Praça tem hoje
cerca de 18 metros: como antigamente a frente das duas casas somava
18 varas, ou seja, cerca de 20 metros, concluo que, a quando do
alargamento da rua da Lavandeira, recuou, na sua parte norte, em 2
metros, talvez quando reconstruíram a casa.
Esse alargamento teve início em fins
de 1875 – tendo-se procedido, então e no mês de Outubro, às
expropriações necessárias: assim, em 13 desse mês, foi pago, para a
passagem da estrada da Feira a Arouca, no lanço desta vila entre a
Praça e a Lavandeira a:
1) – António Vicente da Costa Neves,
desta vila – 190$860, valor de expropriação de um terreno edificado
e lavradio.
2) – Francisco Pereira Pinto de
Lemos, desta vila – 200$490, valor da expropriação da parte do seu
prédio.
Em 30 de Dezembro do mesmo ano foi
pago a Manuel José da Silva Ribeiro – 26$575, valor do terreno do
seu quintal e respectivo muro de vedação.
Deste modo concluo que a casa de
Francisco Pereira Pinto de Lemos (Conde das Devesas) foi demolida,
no seu topo norte, para o alargamento da estrada da Praça à
Lavandeira em fins de 1875 ou princípios de 1876 sendo, assim, de
presumir que foi então que o seu proprietário reconstruiu o prédio
dando-lhe a sua actual forma.
Esta casa da Praça, quer na sua
estrutura antiga quer na nova, tem história que a distingue na
antiguidade pelo senhorio de famílias de nomeada, como deixamos
relato, e título de antiguidade e nobreza atribuído no tempo de D.
Joana de Magalhães (1729) e, em tempos modernos, pelos que nela
nasceram, habitaram e ainda por outros factos muito relacionados com
a história da Feira.
Nela viveu, como seu proprietário –
o aludido Dr. José de Moura Coutinho – advogado que foi nesta Vila;
nela nasceu o advogado de grande nomeada do seu tempo, meu avô, Dr.
Joaquim Vaz de Oliveira; nela viveu o já referido Dr. Gaspar Alves
Moreira juntamente com o Dr. João Pereira de Magalhães, da casa de
/ 50 / S. Jorge, da
freguesia do mesmo nome, deste concelho, que foi distinto advogado
nesta Vila e deputado do círculo, durante o regime monárquico, tendo
sido secretário da Câmara dos Deputados, falecido em Macau, como
Secretário do Governo desta Província.
Hoje vive lá, como seu proprietário,
o Dr. Belchior Cardoso da Costa, distinto advogado nesta vila, que
foi deputado à Assembleia Nacional em diversas legislaturas.
Esta casa serviu de vivenda a
diversos magistrados, entre os quais se contam o Dr. José Francisco
de Macedo que deu lugar, nesta vila, a um conflito grave, de que
resultou a sua saída que foi cantada em versos publicados no Jornal
da Feira n.ºs 346 e 356, reunidos em volume
designado por «Macedoseida – História burlesca – série d'um Cadi
Massudo» – desde 5 de Maio de 1887 até 27 de Maio de 1889.
Ainda aí viveu o Dr. José Pinheiro
Mourisca, delegado do Procurador Régio e depois do Procurador da
República, nesta Comarca da Feira, que ascendeu a Conselheiro do
Supremo Tribunal de Justiça.
Foi a vivenda do escrivão e tabelião
Francisco Pereira Pinto de Lemos (Conde das Devezas) – seu
proprietário, que aí tinha o seu cartório de escrivão-notário do
segundo ofício.
Nela também tive o meu escritório de
advogado e cartório de notário, em substituição do notário, que aí
tinha o seu cartório, Dr. Américo Augusto da Conceição.
Foi nesta casa que, em 23 de
Novembro de 1908, ao tempo em que nela residia o aludido Dr. José
Pinheiro Mourisca, foi recebido EI-Rei D. Manuel II (ver fotos
um e dois) durante a sua
visita à Vila da Feira, na viagem que fez ao norte do país, a quando
da inauguração do caminho de Ferro do Vale do Vouga – troço Espinho
a Oliveira de Azeméis.
Os aposentos destinados a receber
EI-Rei estavam primorosa e ricamente ornamentados com tudo que havia
de melhor das casas da Vila – quer em móveis, quer em adornos –
estando tudo documentado em fotografias – duas das quais tenho no
meu arquivo e se reproduzem.
Fui informado que o proprietário da
casa, de então, ficou tão desvanecido com o facto de EI-Rei ter sido
recebido em casa sua que manifestou, aos seus herdeiros, o desejo de
que ela nunca saísse da posse da família.
Esclareço que a Praça Velha, antes
de chamar-se Praça da República, denominou-se Praça de D. Manuel lI,
conforme deliberação da Câmara Municipal em sessão de 9 de Dezembro
de 1908.
/ 51 /
B
Casa que hoje pertence aos
herdeiros de José Soares de Sá (a do sul)
A história desta casa é mais difícil
de se fazer porque ela engloba, hoje, na sua unidade, diversas casas
– umas três – que se foram agregando. Penso que não estou em erro
dando-lhes a sua continuidade, de norte para sul, pela seguinte
forma:
1) a)
Casa do Pantaleão Pereira do Lago
Imediatamente para sul da casa que
pertenceu ao Duarte Pinto, localizava-se a que estava «bem defronte
do Pelourinho e cadeya da ditta Villa» que pertenceu a António
Moreira de Vasconcelos, casado com D. Maria do Couto de Vasconcelos
(5.os avós da D. Vitória de Lacerda) – Huette
Bacelar, cit. ob., pág. 145. No inventário a que se procedeu por
morte dele, em 1602, parece que este prédio coube em legítima a sua
filha D. Antónia do Amaral Tavares, que foi casada com Manuel da
Mota Pereira e, assim, esteve na mão daquele António Moreira de
Vasconcelos, desde a segunda metade do século XVI.
Como não tinha filhos, esta, por
escritura de 1662, doou todos os seus bens a sua sobrinha D. Antónia
de Vasconcelos Amaral, casada com António Leite do Amaral (3.os
avós da D. Vitória de Lacerda) e ao filho destes, Diogo Leite
Moreira de Vasconcelos, que veio a casar com D. Inês de Vasconcelos
(bisavós de D. Vitória de Lacerda).
O parentesco daquela D. Antónia do
Amaral Tavares com a D. Antónia de Vasconcelos Amaral advinha do
facto desta ser filha de um irmão daquela de nome Diogo Moreira de
Vasconcelos, casado com Filipa de Matos Soares (4.os
avós de D. Vitória de Lacerda).
Aquele Diogo, ainda menor, tomou
posse desses bens em Outubro de 1669, por intermédio do seu tutor
André Homem Godinho. Depois de casar com D. Inês de Andrade de
Vasconcelos emprazou, esta casa, a Pantaleão Pereira do Lago e
mulher D. Joana Maria Pereira, por escritura de 17 de Outubro de
1683, em que estes «forão primeira e segunda vidas, terceiro filho
ou filha».
Por isso, a quando da elaboração do
processo de antiguidade e nobreza da casa que foi de Duarte Pinto,
consta do respectivo auto de medição e confrontação, lavrado em
1729, a requerimento de D. Joana de Magalhães Coutinho, que esta
casa e o Campo do Barreiro que se lhe seguia para nascente,
confrontavam, pelo sul, com aquela D. Joana Pereira «veuva que foi
de Pantaleão Pereira do Lago».
Como esta casa confrontava, a quando
do emprazamento feito pelo Duarte Pinto em 1543, pelo sul, com Brás
de Oliveira parece que o aludido António Moreira de Vasconcelos (que
viveu pelo menos entre 1596-1609)
/ 52 / a comprou a
sucessores ou representantes daquele Brás de Oliveira, que como já
se disse, foi casado com Antónia Lopes, que era viúva deste em 1586,
a não ser que aquele Brás fosse enfiteuta do prédio e, como tal, o
dessem como confrontante.
Já em 9 de Junho de 1707, aquela D.
Joana Maria Pereira assinou o título de reconhecimento de foreira da
mesma casa – à Casa da Feira, como se vê do já mencionado Tombo
(fls. 135-v.º) e pelo foro de 1 galinha e cem reis – constando, do
mesmo documento, a seguinte descrição e confrontações «Huas cazas de
sobrado com seu rocio para a parte do nascente que tem de comprido
do nascente a poente vinte e nove varas e meya e de largo pelo
nascente nove varas e terça pello poente sete varas parte do
nascente com ella possuidora e do poente com a rua publica e do
norte com as cazas de Diogo de Moura Coutinho e do sul com cazas de
D. Isabel Soares de Lacerda». Do mesmo título consta que, deste
prédio, era directo senhorio perpétuo Diogo Moreira de Vasconcelos
por declaração da própria enfiteuta.
Em 9 de Abril de 1755, o Bernardo
Cardoso de Vasconcelos «como senhorio das cazas que possue na rua
desta Villa defronte da Prassa della D. Joana Maria Pereira de
presente assistente em Arrifana de Sousa», reconheceu à Casa da
Feira, a obrigação de pagamento de uma galinha sem ovos «que he uma
franga» de portado (Tombo fls. 94-v.º).
Em 1763, a já mencionada D. Bernarda
Sofia de Leão e sua nora D. Josefa Violante de Vasconcelos, mulher
de Diogo Moreira Cardoso de Vasconcelos (pais de D. Vitória de
Lacerda), como senhorios directos desta casa, tiveram demanda com o
enfiteuta de nome Manuel Alves de Castro e Araújo, Juiz proprietário
dos Órfãos desta vila e sua mulher D. Maria Joana do Lago.
Como diz Huette Bacelar (ob. cit.
fls. 146) «Foi a cauza, q.e pesuindo este dito
Manuel Alves, estas cazas, com seu grande Quintal p.ª trás, pegadas
com as minhas, q.e forão dos Snr.s Bernardo
Moreyra, e D. Bernarda Sufia, por prazo de vidas, e querendo
renovar-lho ele dise q.e sim, com tanto q.e
se lhe inteirasem as varas do prazo velho: de sorte q.e
a medição deste prazo, tinha as varas certas, quanto ao comprimento,
porem na Largura, fazia uma grande diferensa, por q.e
do meyo para o fundo, isto é p.ª o Rio estava bem, porem p.ª sima
queria ele q.e the as cazas correse a mesma
Largura. q.do em cima estava uma caza antiquissima das ditas Autoras
e p.ª baixo se achavão vestigios da divizão; por q.e
muitos prazos antigos, se lhe fazia só a medição em Cruz, tivesem as
cabeças as larguras q.e tivesem sem declarar nada,
como era em este».
Esclarece Huette (cit. ob. fls.
146-v.º) que a D. Maria Joana Jacinta Pereira do Lago, viúva do
Sargento-Mor e Juiz dos Órfãos da Vila da Feira, referido Manuel
Alves de Castro Araújo, era segunda vida no prazo que fez a ambos em
3 de Maio de 1765. Do exposto se conclui e tendo em atenção o aludido
emprazamento de 7 de Junho de 1707, que ele dizia respeito apenas à
casa pois dele estava excluído o terreno que medeava entre ela e o
rio que lhe ficava para nascente, tanto que fez confrontar a parte
emprazada pelo nascente «com ella possuidora» (a referida D. Joana
Maria Pereira) e que das mesmas casas também era senhorio directo
Diogo Moreira de Vasconcelos.
Esta Maria Joana Jacinto Pereira do
Lago, era filha de Sebastião Pereira do Lago, que erradamente
Felgueiras Gayo (cit. ob. T. XII., pág. 48) dá como casado com D.
Ana de Sousa e irmão de Pantaleão Pereira do Lago; foi cavaleiro da
Ordem de X.º e Juiz proprietário dos Órfãos da Vila da Feira e o
Manuel Alves de Castro Araújo foi «Camtrampona Brazileiro Rico Cav.º
da Ordem de X.º e Cav.º Fid. por Alvará de 10 de Abril de 1743
(Manuel de Castro de Ar.º antes de ir p.ª o Brazil foi Carpinteiro
onde consta fora Mineiro)» cit. ob, T. XII, pág. 48.
Como dissemos, no aludido processo
de antiguidade e nobreza da casa que foi de Duarte Pinto consta, do
respectivo auto de medição e confrontação lavrado em 1729, a
requerimento de D. Joana de Magalhães Coutinho, que a casa, seu
quintal, bem como o campo do Barreiro, que se lhe seguia para
nascente, confrontavam pelo sul com D. Joana Pereira, viúva que foi
de Pantaleão Pereira do Lago.
Esta D. Joana era filha do
mencionado Francisco Botelho de Pinho que, como se disse, foi o
comprador do prédio em causa – ao André e Dr. Roque e, por isso, era
irmã do Fernando Botelho de Pinho (bisavô de D. Vitória de Lacerda),
pai da D. Bernarda de Vasconcelos.
Este facto podia fazer supor que a
casa onde viveu o Fernando Botelho e mulher era esta e não a que vai
referida na alínea b).
Esta hipótese, porém não é de
aceitar, porque a Joana deixou, pelo menos, um filho do seu
casamento com aquele Pantaleão, o já referido Sebastião Pereira do
Lago, como adiante se provará.
Felgueiras Gayo, na cit. ob. T.
XXVII, fls, 113, em referência a Lopo Soares – filho de João Soares
de Albergaria e de sua prima Brites de Almeida (casados «por
amores»), diz que ele foi casado com Joana Maria Pereira, filha de
Francisco Botelho de Pinho, mas comenta que «só forão cazados hum
dia».
Não lhe atribui descendência deste
casamento.
Aquele João Soares de Albergaria era
filho de Diogo Soares Homem e de Jerónima de Almeida Novais, senhora
da quinta de Tarei da Terra da Feira. Por sua vez, este Diogo era
filho de um outro João Soares Homem e de D. Antónia Aranha «como diz
o letreiro
/ 53 / de sua sepultura
na Igreja de Villa da Feira, filha de Diogo Vaz Pinto» (cit. ob. T.
XXVII, pág. 112).
Este João Soares Homem era filho do
Lopo Soares de Albergaria que viveu com seus parentes os Condes da
Feira, conforme referência feita neste trabalho quando se estudou a
casa do Duarte Pinto.
Felgueiras Gayo, na cit. ob. T. XII,
pág. 48, também dá o Pantaleão Pereira do Lago, filho de João
Correia Pereira, como casado na Vila da Feira com a aludida D. Joana
Maria Pereira «filha de Francisco Botelho de Pinho e de sua mulher
D. Maria Pereira» dizendo que aquele Pantaleão Pereira do Lago (como
também o foi o seu filho Sebastião Pereira do Lago – Cavaleiro da
Ordem de X.º) foi Juiz dos Órfãos e proprietário na Vila da Feira.
Para Felgueiras Gayo, (cit. ob. tomo
XII, pág. 48) o João Correia Pereira do Lago teve, o seu casamento
com D. Mariana do Amaral, além de outros filhos – Pantaleão Pereira
do Lago e Sebastião Pereira do Lago – aquele casado com a D. Joana
Maria Pereira e este com D. Ana de Sousa Leal, irmã do Reitor de
Canedo, filha de António de Sousa Pacheco (mercador, natural da
freguesia de Mouriz, morador em Penafiel) e de Ana Leal.
Diz ainda que o Pantaleão teve uma
filha D. Catarina Pereira de Lacerda, casada com António Soares da
Costa Corte Real, Sr. do Gafanhão, filho de Matias Soares Corte Real
c. g. tt.º de Gouveias § 54 n.º 11 (tomo XV – pág. 158); neste texto
consta que o Pantaleão era conhecido pelo «galego» como verifiquei
já o terem sido os seus ascendentes.
Diz mais que aquele Sebastião
Pereira do Lago teve três filhos: um clérigo formado, outro Frade
Bento e outra D. Maria Jacinta Pereira Leal, casada com o já aludido
Manuel Álvares de Castro de Araújo. Assim, esta figura como sobrinha
direita do Pantaleão.
Porém, Huette Bacelar, no seu citado
trabalho, a fls. 440, informa que a D. Joana teve também um filho de
nome Sebastião Pereira do Lago que, pelos apelidos usados, se vê ter
havido do seu casamento com o Pantaleão Pereira do Lago, pois refere
que o Reverendo Manuel Pereira de Andrade, Vigário de Rio Meam (que
Gayo chama Vigário de Rio Mão, cit. ob. T. XXVII, pág. 114) que era
irmão da Maria Pereira de Aguiar, mulher de Francisco Botelho de
Pinto e filho de Amador de Aguiar Soares e de sua mulher Leonor de
Meirelles, doou, por escritura de 16 de Setembro de 1664,
determinados bens a diversos dos seus irmãos com condições de
reversão em parte para os filhos de «sua irmã Maria Pereira, casada
com o seu cunhado Francisco Botelho» entre os quais se contava, como
se disse, o Fernando, a D. Joana e ainda uma outra filha de nome D.
Marta.
Como determinado domínio directo
ficou, em metade, para o Fernando e na outra metade à D. Marta, esta
deixou esta sua metade a «seu sobrinho Sebastião Pereira do Lago,
morador em Arrifana do Souza, filho de sua irmã D. Joana Maria
Pereira», prazo que o Bernardo Moreira de Vasconcelos – casado com a
filha daquele Fernando – D. Bernarda de Vasconcelos renovou em 1710,
por si e como procurador dos herdeiros de D. Marta.
Não resta dúvida que quem tem razão
é Huette Bacelar e não Felgueiras Gayo – porquanto: o Pantaleão
Pereira do Lago (filho do João Correia Pereira do Lago e de D.
Mariana do Amaral), teve de sua mulher D. Joana Maria Pereira, um
filho de nome Sebastião Pereira do Lago – que foi casado com D. Ana
Jacinta Leal Pacheco, irmã do Reitor da Igreja Paroquial de S. Pedro
de Canedo, deste concelho da Feira, de nome Jacinto Leal de Sousa –
e ainda uma filha, a aludida D. Catarina de Lacerda.
Deste casamento do Sebastião Pereira
do Lago é que nasceu a D. Maria Jacinta Pereira Leal, como também
concorda Felgueiras Gayo.
Deste modo, esta era filha do
Sebastião e neta, e não sobrinha, do Pantaleão Pereira do Lago.
Assim me convenci depois de ter lido
o citado trabalho de Huette Bacelar, mas obtive a certeza plena
desta sucessão através do trabalho de Jorge Hugo Pires de Lima –
primeiro conservador do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em
publicação, em sucessivos números do «Arquivo do Distrito de
Aveiro», sob o título «O distrito de Aveiro nas habilitações do
Santo Ofício».
No n.º 129 daquela Revista (Vol
XXXIII, pág. 57), consta: «2) – P.e Jacinto José Pereira Leal,
sacerdote do hábito de S. Pedro, formado pela Faculdade dos Sagrados
Cânones; natural da freguesia de S. Pedro de Canedo, Feira, morador
na vila de Arrifana do Sousa; filho de Sebastião Pereira do Lago,
cavaleiro professo da Ordem de Cristo, natural da Freguesia de S.
Nicolau da vila da Feira e de D. Ana Jacinta Leal Pacheco, natural
da freguesia de S. Martinho de Arrifana do Sousa, moradores em S.
Pedro de Canedo; neto paterno de Pantaleão Pereira do Lago,
natural de Baçar, freg. de S. Pedro de Castelões, Vale de Cambra, e
de D. Joana Maria Pereira, natural da Feira, freg. de S. Nicolau, e
materno de António de Sousa Pacheco, natural do Casal do Frade, freg.
de Mouriz, Paredes e de Ana Leal, natural da freg. de S. Martinho de
Arrifana do Sousa; irmão de D. Maria Joana Jacinta Pereira do
Lago, mulher do Sargento-Mor Manuel Alvares de Castro e Araújo,
cavaleiro professo da Ordem de Cristo e Familiar do St.º Ofício e
sobrinho materno do Lic.º Jacinto Leal de Sousa, reitor da paroquial
igreja de S. Pedro de Canedo e Comissário do St.º Ofício.
/ 54 /
Provisão do Comissário de 25 de
Janeiro de 1754 Jacinto – m. 4. n.º 57»
«3) – Jacinto Leal de Sousa –
reitor da igreja paroquial de S. Pedro de Canedo, Feira, formado
pela Faculdade dos Sagrados Cânones da Universidade de Coimbra:
natural de Arrifana do Sousa, Penafiel: filho de António de Sousa
Pacheco, natural de Casal do Frade, freg. de Mouriz, Paredes, e de
Ana Leal, natural de Arrifana, e aí moradores; neto paterno de
António Gonçalves, natural do Casal do Frade e de Maria Antónia,
natural da aldeia de S. Paio, freg. de Cristelo, Paredes, e materno
de Pantaleão Rodrigues, natural de Espessande, freg. de Cristelo, e
de Maria Leal, natural de Arrifana; primo materno de Manoel de Bessa
Leal, Comissário do St.º Ofício.
Provisão de Comissário de 3 de
Outubro de 1710 Jacinto – m. 2. n.º 30»
Este Jacinto Leal de Sousa, é sem
dúvida o «Clérigo formado», referido por Felgueiras Gayo, como filho
de Sebastião Pereira do Lago.
Pode-se, assim, dar como assente que
o Pantaleão e mulher D. Joana Maria Pereira foram os enfiteutas em
1.ª e 2.ª vidas, por força do contrato de emprazamento de 1683,
«sendo em 3.º filho ou filha», ou seja seu filho Sebastião, e que
pelo contrato de emprazamento de 1765 foram enfiteutas a filha deste
de nome D. Maria Joana Jacinta e marido Manuel Alvares de Castro de
Araújo (ela em 2.ª vida e ele em 1.ª).
Esta D. Maria Joana Jacinta e seu
marido tiveram vários filhos não sendo conhecido que, qualquer
deles, tivesse vivido nesta vila.
b)
Casa que foi de Francisco Botelho
de Pinho
Para sul daquela casa havia uma
outra que Francisco Botelho de Pinho (3.º avô de D. Vitória de
Lacerda), por escritura de 16 de Maio de 1663, lavrada pelo Tabelião
Baltazar Soares, comprou a André Omen Godinho e a seu irmão o
Licenciado Roque Pinto Lobato, «ambos solteiros, de Villa da Feira,
pelo preço de 140$00», esclarecendo Huette Bacelar, na sua cit. ob.
pág. 99-v.º que ela pertencia só ao André, mas que o «irmão asinou
p.ª mayor segurança da venda».
Descreve-as Huette Bacelar, cit. ob.
pág. 99: «Na Prasa da Villa da Feyra tenho uma morada de cazas
grandes, p.ª a parte do Nascente, e defronte das minhas pegadas á
cadêa, cujas cazas era aonde vivião os Pays da Avó de minha mulher a
Snr.ª D. Vitória de Lacerda, a Sor.ª D. Bernarda Sufia de Leão,
Dizemas a Deos, e só paga de senso serrado ao Castelo da dita Vila,
em cada um ano tres capõens, e tres frangos, comprouas Francisco
Botelho de Pinho, como logo se dira», acrescentando, a fls 99-v.º
«tem para tras seu Quintal comprido, e um campete no fim, q.e
vay ter á margem do Rio, q.e Ia corre pegado».
Os pais daquela D. Bernarda eram o
Licenciado Fernando Botelho de Pinho e Isabel Soares Pereira de
Lacerda (casados em 1683) aquele filho do aludido comprador
Francisco Botelho de Pinho e de sua mulher Maria Pereira de Aguiar,
irmã que foi do Abade de Esmoriz Padre Manuel Pereira que sucedeu
nesta paróquia a seu tio Diogo Vaz de Pinho
(1), que é o clérigo que
está enterrado na Igreja Matriz desta Vila, como foi referido no
estudo referente à Casa da Praça – junto à cadeia, que pertenceu à
D. Vitória de Lacerda e a seu marido Huette Bacelar.
Em 7 de Junho de 1707, foi lavrado o
título em que a mencionada D. Isabel Soares de Lacerda (viúva que
ficou de Fernão Botelho de Pinho Pereira) reconheceu este seu prédio
como enfiteuta à Casa da Feira, com o foro anual de 3 capões e 3
frangos e com a seguinte descrição e confrontações: «Huma morada de
cazas de hu sobrado com seu inxido para a parte de traz que tudo tem
de comprido de nascente ao poente trinta varas e mea e de largo pelo
poente desassete varas e meya e pelo nascente quatorze varas e meya
parte do nascente com terra della possuidora e do poente com a rua
publica e do norte com cazas de Dona Joana Maria Pereira e do sul
com cazas de António Gomes Leitão (cit. Tombo da Casa da Feira, fls.
125-v.º).
Assim se mostra a sucessão na
propriedade desta casa desde 1663, data em que foi comprada pelo
Francisco Botelho de Pinho, até 1774, ano em que Huette Bacelar
escreveu o seu aludido trabalho, sucessão que se operou através de
Fernando Botelho, filho de Francisco, que era o pai da D. Bernarda,
avó da D. Vitória de Lacerda.
Para melhor entendimento
esclarece-se que este Fernando Botelho faleceu antes de 1707 e que a
D. Bernarda, que foi casada com Bernardo Moreira Cardoso, ainda
vivia em 1763, no estado de viúva.
Aquela D. Bernarda teve como irmão
Fernando Correia de Lacerda que, em religião, foi conhecido por D.
Fernando de Santo Antónnio Botelho (Frade Crúzio) o qual lhe doou em
1713 a legítima herdade de seus pais, tendo-a ainda instituído sua
herdeira, por testamento de 1714.
Pelo que foi referido, a casa
pertencia a André Omen Godinho e ao Licenciado Roque Pinto Lobato
(ou de direito só àquele) que eram filhos de Manuel Godinho Omen e
de sua mulher Vitória Pinto, esta filha de Roque Pinto Lobato e de
Leonor Caldeira, ela filha do já falado Marcos Moreira e ele do
Duarte Pinto
/ 55 / (casado com
Antónia de Pinho) que foi o dono da mencionada casa da Praça hoje
pertença do Dr. Belchior Cardoso da Costa.
Isto é, o dono que conhecemos como
mais antigo, desta casa, era o bisavô dos referidos André e Roque, o
que estabelece, pela relação de parentesco, a suposição de que as
duas casas (aquela a que nos referimos e a que pertenceu ao Duarte
Pinto) terem sido possuídas, em tempos remotos, pela mesma pessoa,
mas o certo é que não consegui apurar por que ramo veio, a casa em
estudo, à posse e propriedade dos irmãos André e Roque.
Quando em 1543, o Duarte Pinto tomou
de emprazamento perpétuo, aos Condes da Feira – D. Manuel Pereira e
sua mulher D. Francisco Henrique – parte da casa da Praça que
estudamos em primeiro lugar, foi dito que elas estavam «acima das
casas de Brás de Oliveira» e que a terra daquela casa ia até ao rio
e que confinava também, pelo sul, com o pomar do dito Brás de
Oliveira. Como dissemos, esta casa do Brás de Oliveira deve ser a
que estudámos na alínea a) que pertenceu ao António Moreira de
Vasconcelos casado com Maria do Couto (5.os avós
de D. Vitória de Lacerda), que morreu e 1609.
Em 30 de Dezembro de 1754 vivia
nesta casa o Bernardo Cardoso de Vasconcelos, como consta do
reconhecimento por ele feito, nesta data, à Casa da Feira de
obrigação de pagamento de uma galinha sem ovos de portado (Tombo
fls. 82).
c)
Casa que foi da família do Padre
de Gestaçó
Abaixo das casas referidas na alínea
anterior, ainda na face nascente da Praça, havia umas outras que o
referido Fernando Botelho de Pinho Pereira (bisavô da D. Vitória de
Lacerda) arrematou por carta de 20 de Abril de 1689, que tinham sido
de Manuel Leite do Amaral, de Milheirós de Poiares.
«São as ditas cazas, na Vila da
Feyra, por baixo da sua Prasa, p.ª a parte do Nasente q.e
partem do Norte, com as cazas, e Quintal, em q.e
vivia o mesmo Rematante (q.e são as q.e
digo pesuo de fronte das minhas, onde viverão os Avós de minha
mulher), o dito Fernando Botelho de Pinho, e do sul, com as Cazas, e
Quintal. das filhas de Francisco Corrêa; do nascente com o Rio, e
levada, e do puente com a Rua publica daquela Vila», Huette Bacelar,
cit. ob., pág. 99-v.º e 100.
Esclarece o mesmo autor em seguida:
«Estas cazas vendeu outra ves o dito comprador, Fernando Botelho, a
uma gente de hum Abade, q.e foi de Gestasô, por q.e
só as comprou para lhe tirar quaze todo o Quintal, e uma Servidão de
Carro, p.ª o seu, q.e era pegado, em q.e
fes na fronteira uma porta Larga, e ficou conservando sempre uma
varanda p.ª sima do telhado destas Cazas, q.e
armava mesmo na parede das Cazas, q.e tornou
avender, e inda oje lá tem uns paus, e não podem eles levantar as
ditas Cazas, por conta disso, em q.e deve aver
cudado, e cautela, e ao mesmo em quanto se não fizer varanda, tem
sempre uns paus postos para a pose». Em anotação diz: «Estas Cazas,
também eram Dizemos a Deos».
No citado Tombo da Casa da Feira, a
fls. 139-v.º, encontra-se o título de reconhecimento do
emprazamento, feito em 18 de Agosto de 1707 e pelo foro anual de 2
galinhas por parte de Damião Rodrigues e mulher Ana Catarina, de uma
casa (que adiante era referida em particular) que confinava do
poente com a rua pública, do norte com casas de António Gomes Leitão
e do sul com casas de Veríssimo de Oliveira Magalhães. As
confrontações deste prédio, pelo norte e pelo sul e tendo em atenção
a confrontação dada ao prédio de D. Isabel Soares de Lacerda, pelo
sul, provam que o prédio do Leitão estava entre o desta Isabel e do
referido Damião Rodrigues. Este Leitão deve ser aquele a que Huette
se refere como da família do padre de Gestaçó, a quem Fernando
Botelho fez a venda atrás referida depois da arrematação que fez do
prédio que pertencia a Manuel Leite do Amaral, o que é de crer dada
a proximidade das datas: 1689 (data da arrematação feita pelo Fernão
Botelho) e 1707 (data em que o Leitão é referenciado como
confrontante, pelo sul, do prédio de D. Isabel Lacerda, viúva
daquele Fernão Botelho).
Em 30 de Dezembro de 1775 a casa
pertencia ao Reverendo Manuel Gomes Leitão, abade de Gestaçó, talvez
filho daquele António Gomes Leitão, pois nessa data reconheceu à
Casa da Feira a obrigação do pagamento do portado na «Casa da Rua
que fica abaixo da Prassa para a parte da Serra» (Tombo fls.
97-v.º): ocupava-a, então, por aluguer o procurador daquele Padre de
nome José Pinto de Andrade.
Não resta dúvida que está exacta a
ordenação das referidas casas na sua localização e orientação de
norte para sul: contudo, há que esclarecer um facto que pode induzir
em erro.
Quando Huette Bacelar, na sua citada
obra, pág. 146, se refere à aludida sentença cível de 1763, dada no
pleito que D. Bernarda Sofia Leão e sua nora D. Josefa Violante de
Vasconcelos (avó da mãe de D. Vitória de Lacerda) sustentaram com o
Manuel Alves de Castro Araújo e mulher D. Maria Joana Jacinta
Pereira do Lago por causa da renovação do prazo da casa referida na
alínea a) (que veio a efectivar-se por escritura de 1765) diz: «q.do
em sima estava uma caza antiquissima das ditas Autoras», parece, à
primeira vista, que quer dizer que a casa que foi do Duarte Pinto
àqueles pertencia, por ser esta a que ficava imediatamente
/ 56 / para norte e, na
verdade, para cima visto a praça descair de norte para sul.
Se assim fosse, encontraríamos a
grande dificuldade em saber como a tinham adquirido depois de 1729,
pois está averiguado que, nessa data, como já dissemos, pertencia à
D. Joana de Magalhães e ainda como teria passado dela, ou seus
sucessores, para o José Eleutério Barbosa de Lima.
E o mais estranho era o Huette
Bacelar, que, no seu dito trabalho arrola, com referência
pormenorizada, todos os seus bens imobiliários, não mencionar, entre
eles, a casa que foi de Duarte Pinto que era das de maior relevo da
Praça.
Penso que tudo se explica da
seguinte forma, lendo com atenção o trecho transcrito referente à
mencionada sentença.
Parte do lavradio ou quintal da casa
emprazada (referida na alínea a) devia correr por detrás da casa b)
ou seja para seu nascente e, assim, esta casa, em referência a essa
parte do terreno, estava em cima e isto por que nesse trecho se faz
distinção (quanto à certeza ou incerteza da medição) à parte do
prédio «do meyo para o fundo» até ao rio (cujo medição estava certa)
e à parte que ficava «p.ª cima» (cuja medição, na sua largura, era
objecto de litígio).
Assim, quando diz que um dos
obstáculos para se conciliarem na medição era o facto de «em cima»
estar uma casa antiquíssima «das ditas Autoras» quer afirmar que, na
parte que deitava para a praça, existia a casa b) – que de facto era
antiquíssima e pertencia, na verdade, «às autoras» como sucessoras
que foram de Fernando Botelho e mulher, que nelas viveram.
É curioso notar a distinção que
Huette faz de «em cima» e «para cima», usadas no referido texto: com
aquela expressão quis contrapor à de baixo», que era «do meyo para o
fundo» até ao rio.
2
A reunião das três casas
As casas a), b) e c) que formam hoje
um só prédio, abrangendo toda a fachada da Praça – para sul da casa
hoje do Dr. Belchior Cardoso da Costa – pertenceu ao Marechal
graduado José Joaquim da Silva Pereira, que dela era proprietário em
1837, pelo menos: – sabido que as casas a) e b) pertenceram, por
tudo quanto foi exposto, à família de D. Vitória e seu marido e que
estes, em 1774, eram seus proprietários, da primeira como Senhores
do domínio directo e da segunda em plena propriedade, explicada está
a sucessão até aquele José Joaquim da Silva Pereira pelo que já
ficou relatado quanto à casa referida em primeiro lugar deste
trabalho – a que estava junto à cadeia.
Quanto à casa c), parece que foi
comprada pelo mesmo Silva Pereira antes daquele ano de 1837 pelo que
informa J. P. Virtumil (José Pinto da Mota) num opúsculo na posse de
Francisco Vicente da Costa Neves, intitulado «Brados ao Ceo contra a
sacrilega e prejura alienaçam do mais antigo raro e sublime
monumento de Glória Nacional o Castelo da Feira» publicado em 1841 e
impresso na Tipografia de António Sebastião Coelho da Rua do
Outeiro, ao Souto, n.º 4 – Lisboa.
Neste opúsculo se refere, no n.º 6
da carta dirigido àquele José Pinto da Mota – por Henrique Vicente
da Costa Neves (avô do referido Francisco Vicente da Costa Neves) em
19 de Maio de 1840, com referência ao aludido José Joaquim da Silva
Pereira:
«O mesmo tendo comprado as cazas
arruinadas que havião na Praça desta Villa tentou fazer ahí uma
casa; e como lhe ficasse melhor alinhar a mesma (pelas de mais ahi)
e como este alinhamento recuava uma mui pequena porção de terreno
s'introduzio com a Camara Municipal, e conseguio, que esta do Cofre
do Municipio lhe pagasse por um terreno, que em outra qualquer villa
ou cidade ficava livre e gratuito ao Publico (como sucedeo com as
que antes alinharão ao lado) a quantia de 300$000 rs; e com condição
de lhe demolirem ainda a casa velha &c. &c. Oh! scandalo e oh Feira
de quantos factos têm sido testemunha: e tudo seus habitantes tem
presenciado como muitos spectadores. Com effeito a casa foi demolida
ainda à custa do Conc.º com que se fez de despesa mais 50000 rs. É
pera a nova casa tem vindo alguma pedra (mas esta pouca) das
arruinadas muralhas do Edifício do Castello; cujo edificio em pouco
tempo talvez ficara arruinado de todo mesmo por insimacoens».
E na verdade, compulsando as actas
das sessões da Câmara Municipal da época, verifiquei que na de 4 de
Novembro de 1837 o presidente disse «que na Praça da vila se achavam
umas paredes velhas de uma casa que ameaçavam ruína – pertencentes
ao Major José Joaquim da Silva Pereira, havendo conveniência que se
demolissem e que o terreno onde se achavam edificadas, ou parte dele
até fazer face com as casas dos herdeiros de José Eleutério ficasse
livre para aumentar o espaço da Praça, sendo avaliado o terreno por
peritos pagando-se o seu valor – deliberando a Câmara proceder à
vistoria e que, avaliando-se o terreno, se pagasse o seu valor,
demolindo-se as paredes que ameaçavam ruína, ficando o mesmo terreno
a pertencer ao concelho para «aumentar e aformosear a Praça desta
vila, visto ser de reconhecida utilidade publica».
Assim se fez e, em sessão de 3 de
Outubro de 1838, foi deliberado passar-se o mandado de levantamento
de 300.000 reis a favor do referido Major José Joaquim da Silva
Pereira.
/ 57 /
Na aludida matriz provisória de
1854, o prédio está inscrita sob o n.º 14-6) a favor de José Joaquim
da Silva Pereira com a seguinte descrição: «Uma morada de casas com
lojas e 1.º andar sitas na Praça com o n.º ........».
Este José Joaquim da Silva Pereira,
que veio a ser Marechal, é o mesmo a que se fez referência no estudo
da casa de Huette Bacelar, que estava junto à cadeia (Capítulo 1 A)
e, da mesma forma aí referida, operou-se a transmissão para o
Conselheiro Dr. Francisco de Castro Matoso da Silva Corte Real que,
em 1869, a fez descrever, em seu nome, na Conservatória do Registo
Predial desta comarca sob n.º 1 793 a fls. 27-v.º do L B-9, como
prédio urbano e rústico de casas sobradadas e campo lavradio pegado,
situado na Praça Velha, da freguesia da Vila da Feira, com água de
rega do Rio da Lavandeira, a confrontar do nascente com o dito rio,
poente com a Praça Velha, do sul com a viúva de Domingos da Silva
Canedo e ainda com Luís da Silva Canedo e do norte com herdeiros do
Doutor José de Moura Coutinho d'Eça, da cidade de Coimbra, registo
que foi feito com base nas escrituras de esponsais de 28 de Dezembro
de 1854, de partilha amigável de 11 de Novembro de 1865 e dos autos
de posse certificados em 1 de Março de 1866, documentos estes já
referidos na parte referente à casa de D. Vitória de Lacerda.
Mais tarde, a esta descrição foi
feito averbamento dando-o a confinar do norte com o Dr. Inácio
Alberto Monteiro e do sul com José Soares de Sá e Dr. Roberto Alves
de Sousa Ferreira.
Por escritura de 20 de Maio de 1908
foi o referido prédio vendido por aquele Conselheiro Castro Matoso e
mulher D. Alice Martins e Sousa de Castro Matoso a José Soares de
Sá, director do semanário local «Correio da Feira», casado com D.
Clotilde Ferreira Monte Santos, ambos já falecidos, e inscrito na
mesma Conservatória, a favor do comprador, em 30 de Maio do mesmo
ano, formando um prédio e uma casa com primeiro andar, quintal e
terra de semeadura, a confinar do nascente com o Rio Caster, do
poente com a Praça, Dr. Inácio Alberto José Monteiro, do sul com ele
proprietário e com o Dr. Roberto Alves de Sousa Ferreira. Como
consta da mesma Conservatória, mais tarde, em Abril de 1915, recebeu
os números de polícia 86, 88, 90, 92, 94, 96 e 98 formando «um
prédio de casas sobradadas, dividido em vários compartimentos ou
aposentos, com celeiro, terreno de horta, árvores de fruto e vinho,
ramadas de ferro, tanque e contíguo, um grande terreno de semeadura
com água de rega do rio Caster e merugem do regato nascido na
Chamuscada, sendo ao fundo atravessado por uma levada de água que
vai para um moinho dele proprietário, sito na Praça Velha ou Praça
da República, desta vila, a confrontar do nascente com o Rio Caster,
do poente com a dita Praça, do norte com o Dr. Inácio Alberto José
Monteiro e do sul com o Dr. Roberto Alves de Sousa Ferreira e prédio
do proprietário». Este prédio, na matriz anterior à actual, teve os
n.os 389 da urbana (com os de polícia 86 a 100) e
1354 da rústica passando, depois o da urbana para 316 com a seguinte
descrição: «Casa de um andar, de construção antiga e casa d'eira,
com a area coberta de 325 m2, a confinar do norte com António Gomes
dos Reis, sul com Branca de Castro Calisto, nascente proprietário e
poente Praça de República, com o rendimento colectável de 12.555$000
e recebeu, na mesma Conservatória, as seguintes confrontações, que
são as actuais: norte com herdeiros de António Gomes dos Reis (hoje
do Dr. Belchior Cardoso da Costa) sul com D. Branca Mendes Calisto e
D. Brízida dos Santos Soares de Sá e irmãos e do poente com a Praça
(Dr. Gaspar Moreira).
Neste edifício esteve instalado,
durante muitos anos, o Clube Feirense de largas tradições nesta vila
e hoje serve de residência a alguns dos seus proprietários e nele
está instalada a redacção, administração e tipografia do referido
jornal «Correio da Feira» pertença dos mesmos e dirigido por aquela
D. Brízida Monte Santos Soares Alvão, único jornal que,
presentemente, se publica neste concelho da Feira e já entrou no
71.º ano da sua existência.
Esta casa pertence, hoje, em com
propriedade, aos filhos de José Soares de Sá: D. Brízida Monte
Santos Alvão, viúva de Albino Monteiro Alvão; D. Maria Luísa Soares
de Sá Braga casada com Ernâni Neves Braga; José Manuel dos Santos
Soares de Sá casado com D. Odete Guerra Maio e ainda aos filhos de
uma outra filha D. Ercília Soares de Sá que foi casada com Armando
Lopes, estes já falecidos.
Como já foi referido, foi alinhada,
pelo menos em parte, pela que hoje é do Dr. Belchior Cardoso da
Costa, no tempo do Marechal Silva Pereira e ainda hoje está em plano
superior à da Praça com a qual confina por
/ 58 / um passeio em
declive para esta, desnível que ainda conheci mais pronunciado.
Uma nonagenária, ainda viva (Elvira
Ferreira, moradora na rua do Dr. Eduardo Vaz), informa que, defronte
desta casa, existiu, em tempos, um vimeiro.
Nesta casa esteve instalado o
quartel-general do Tenente-Coronel Corte Real que comandou a coluna
das tropas monárquicas que do Porto se dirigia para Sul, a quando da
revolta de Janeiro de 1919.
4
A do Sul
Casa que hoje pertence a D.
Branca Alves de Castro Mendes dos Santos
Esta casa é a única que está situada
no lado sul do Praça, faceando esta e a rua que lhe dó acesso para
sul, denominada «Dr. Roberto Alves» por onde tem a entrada. É
formada, hoje, por rés-do-chão e três andares, com sacadas e tem um
quintal que, correndo para nascente, vai até junto do Rio, ao qual
tem acesso por direito de servidão sobre o prédio que o margina.
Em 1689, esta casa e seu quintal
pertenciam às filhas de Francisco Correia porquanto, como já
dissemos a quando do estudo das casos que hoje pertencem aos
herdeiros de José Soares de Sá (3 B 1 c), quando o Fernando Botelho
de Pinto Pereira comprou, em 20 de Abril desse ano, a casa que
estava situado no topo sul do ala nascente da Praça, ela confrontava
pelo sul com a casa e quintal das ditas filhas do Francisco Correia.
Como já dissemos, em 18 de Agosto de
1707, Damião Rodrigues e sua mulher Ana Coelho «moradores na dita
Rua da Feira» reconheceram à Casa do Feira (infantado), a obrigação
de pagamento do foro anual de 2 galinhas do prédio em que habitavam
formado por «humas sobradadas em que vive elle caseiro que tem tres
casas com suas logeas e som de parede e tem de comprido do nascente
ao poente quinze varas e de largo pelo nascente seis e pela parte da
rua cinco varas (o que corresponde hoje, respectivamente. a 16,5,
6.6 e 5.5 metros), parte do nascente com quintal delle caseiro e do
poente com a rua pública e do norte com casas de António Gomes
Leitão e do sul com casas do Licenciado Veríssimo de Oliveira
Magalhães» (cit. Tombo da Casa da Feira, VoI. 1.º, fls. 138 a 141).
As confrontações atribuídas (e
designadamente a do norte) e o mais que a seguir se dirá, dão-nos a
certeza de este reconhecimento dizer respeito às casas que ora
estudamos.
Não consegui apurar que relações de
parentesco, porventura, havia entre aquelas filhas do Francisco
Correia e o Damião Rodrigues ou sua mulher, para se determinar se
estes houveram a casa e quintal por sucessão ou compra. O apelido de
Correia, usado pelo filho daquele Damião, talvez fosse o da mãe que
devia estar ligada por parentesco ao Francisco Correia.
Em 6 de Fevereiro de 1765 já elas
pertenciam a um filho daquele Damião Rodrigues, Padre Bernardino (ou
Bernardo) Correio, e nelas vivia um irmão deste nome Alexandre de
Oliveira, como se vê de uma sentença proferida naquela data, para
reconhecimento do pagamento do portado (Tombo fls. 99 a 103): nesta
sentença é designado o portado por «foro geral».
Assim consta do referido tombo, voI.
1.º, pág. 99:
«Sentença a requerimento do
Licenciado Procurador do Tombo para titulo de huma galinha sem ovos
pelas casas do Padre Bernardino Correa» e nela se diz: «visto como
sendo citado por editos o Padre Bernardino Correa por se achar
ausente nas partes da América como consta de fls ..... retro para
reconhecer no presente tombo com uma galinha sem ovos pelo portado
de cazas em que vive seu irmão Alexandre de Oliveira desta Villa que
foram de seu pay Damião Rodrigues cujas casas se prova legalmente
pellas testemunhas deste processo estarem na rua desta dita vila com
porta para ella fazendo-se nas mesmas fogo e da certidão do foral
retro consta que todas as cazas da rua desta vila que tem porta para
a mesma são obrigadas pelo portado a pagar huma galinha sem ovos e
assim tem reconhecido os moradores das mais cazas visinhas das do
dito Padre obrigação que também tem as deste na forma do foral.
Portanto julgo serem as ditas cazas foreiras deste Condado com foro
geral da dita galinha sem ovos alem das duas galinhas que de foro
pagam as mesmas casas por praso fateusim e com que reconheceu o dito
Damião Rodrigues pay do supplicante ey as ditas casas e foro por
reconhecido a recebia deste e mando que se declare em Tombo
.......».
Neste documento esclarece-se que as
casas estavam na rua para baixo da Praça da parte do nascente em que
assiste o dito Alexandre de Oliveira.
Do título de reconhecimento de
emprazamento feito pelo Damião Rodrigues vê-se que o seu prédio
confrontava pelo sul com Veríssimo de Oliveira Guimarães e, assim,
era o prédio deste que se lhe seguia imediatamente, para este lado,
mas, no citado tombo, não se encontra título de reconhecimento de
emprazamento deste prédio do Veríssimo de Oliveira Guimarães.
Sabemos, porém, que imediatamente para sul deste situava-se o prédio
de casas do Licenciado José de Freitas de Aguiar e de sua mulher
Maria Ferreira. O título foi lavrado em 16 de Junho de 1707 e por
ele o licenciado José de Freitas de Aguiar reconheceu que o seu
aludido prédio era enfiteuta à Casa da Feira com o foro anual de 2
galinhas imposto no seguinte prédio:
/ 59 / «Humas
cazas de sobrado que tem de comprido de nascente a poente vinte e
seis varas e de largo pelo nascente seis varas e pelo poente nove
varas e meia em que entra um bocado de quintal e huma laranjeira
parte do nascente e norte com quintal do Licenciado Veríssimo de
Oliveira e do poente com a rua publica e do sul com casas e terra de
António Simões (cit. Tombo, pág. 144-v.º).
Desta descrição verifica-se que este
prédio do Licenciado José de Freitas se situava imediatamente para
sul do de Veríssimo de Oliveira Guimarães e que era seguido
imediatamente para sul por prédio de António Simões e ainda que o
terreno da casa daquele Veríssimo circundava o prédio do Licenciado
José de Freitas de Aguilar, pelo nascente. No citado Tombo não
aparece qualquer título de aforamento da casa de António Simões.
Casa de D. Branca Alves de Castro Mendes
dos Santos e Rua do Dr. Roberto Alves.
Numa fotografia sua, o Comendador
Luís Augusto da Silva Canedo, em oferta a meu pai – o Dr. Eduardo
Vaz de Oliveira, diz que o pai de José da Silva Canedo (de nome
Domingos da Mota) – (seu bisavô) foi o primeiro desta família que se
estabeleceu na Vila da Feira tendo herdado a casa das Regadas, na
freguesia de Sanfins, deste concelho e a Casa da Praça que
reedificou, esclarecendo que aquela Casa das Regadas pertencia à
família desde mil setecentos e tal, sem precisar o ano, nem mesmo
aproximadamente, mas nada informa sobre a data em que herdou a
referida Casa da Praça e de quem a herdou.
Aquele José da Silva Canedo era
filho de Domingos da Mota e de sua mulher Custódia Maria: nasceu na
freguesia de Canedo, do concelho da Feira, em 22 de Dezembro de 1772
onde residiu depois de ter estado em Minas Gerais, no Brasil.
O Tenente-Coronel Fernando de Castro
da Silva Canedo, bisneto daquele José da Silva Canedo, no seu
trabalho «Famílias Canedo e Teixeira Guimarães, da Vila da Feira»,
(Arquivo do Distrito de Aveiro, Vol. XVI, pág. 127), confirma que
esta Casa da Praça foi adquirida pelo referido José da Silva Canedo,
sem especificar o modo de aquisição, mas pelo seu dizer parece
entender-se que foi por compra o que entra em contradição com a
referência feita pelo seu tio – o dito Comendador Luís Canedo.
Esta deve ser a versão verdadeira,
pois o José da Silva Canedo era pobre quando começou a vida, tendo
depois adquirido bens pelo seu trabalho e economia, não constando
que tivesse recebido quaisquer outros por herança de seu pai, tanto
mais que este faleceu em 1783, quando ele tinha apenas 11 anos.
A confirmar esta versão, posso
esclarecer que D. Fernando Tavares e Távora, em anotações escritas
por seu próprio punho (que tenho no meu arquivo) a um folheto de
autoria de José Menezes da Silva Canedo «Alguns dados genealógicos
da Família Canedo da Vila da Feira no Distrito d'Aveiro», em que
desmente fundamentadamente muitas das afirmações feitas neste
folheto, diz que o José da Silva Canedo, que exercera a sua
indústria nessa casa, afirmava que nada herdara.
Não se sabe, por isso, a quem
pertenceu a dita casa desde 1756 (data em que era do Padre
Bernardino Correia) até que delas ficou proprietário o dito José da
Silva Canedo – que faleceu em 1844 – quando já exercia o cargo de
Tesoureiro da Câmara Municipal, depois de ter sido, em 1834,
procurador fiscal da mesma Câmara, lugar em que veio a ser
substituído pelo vereador substituto Bernardo José Correia de Sá, em
virtude do efectivo Dr. Pedro José Correia Ribeiro ter pedido escusa
por ser o único médico da Vila.
Teve aquele José da Silva Canedo, do
seu casamento em 1803, com D. Joana Emília Rosa Teixeira, um filho
de nome Domingos da Silva Canedo, nascido na Vila da Feira em 1817,
casado em 1841 com D. Maria Emília de Sá Cardoso – falecido em 1861.
Era irmão de minha bisavó D. Luísa Adelaide Teixeira da Silva Canedo,
casada com meu bisavô paterno Joaquim Vaz de Oliveira Júnior, que
foi escrivão notário nesta vila.
Na mencionada matriz provisória de
1854, este prédio está inscrito sob o n.º 76, a favor daquele
Domingos da Silva Canedo, com a seguinte descrição: «1 – Uma morada
de casas com tres andares, loja e quintal sitas na Rua com os n.os
242 a 244».
No inventário a que se procedeu por
óbito do referido Domingos, a casa ficou para a sua viúva que a
registou na Conservatória do Registo Predial desta comarca, em 1869,
com a seguinte descrição, em conformidade com o que constava do
aludido inventário:
«Prédio urbano que se compõe de
casas de sobrado com seu quintal e servidão situado na Rua desta
Vila e freguesia da Feira que confronta do norte com a Praça e
Doutor Francisco de Castro Mattoso da Silva Corte-Real, do sul com
Luiz da Silva Canedo, do nascente com o dito Doutor Francisco de
Castro Mattoso da Silva Corte-Real e do poente com a Rua».
Em 1871 já confrontava pelo sul com
Francisco de Oliveira Ramos e estava inscrito na matriz predial
urbana no artigo 390 e na rústica no artigo 1 358.
Mais tarde, em 1877, por força de
execução contra aquela D. Maria Emília, foi o prédio arrematado em
hasta pública por Joaquim Eduardo de Almeida Teixeira, casado com
uma filha daquele Domingos da Silva e da dita D. Maria Emília, de
nome D. Maria Luísa Teixeira da Silva Canedo, ela nascida na Vila da
Feira, em 1843.
Nesta data de 1877 foi feito um
averbamento ao mesmo registo de onde consta que as «casas teem tres
andares, suas lojas, servidão de fontenário pelo quintal de
Francisco Oliveira Ramos».
Deste averbamento, e do exposto,
parece que a casa antiga foi reedificada por José da Silva Canedo,
/ 60 / sendo certo que
já no tempo do Domingos da Silva Canedo, em 1854, tinha três
andares, como ainda hoje tem.
Por óbito daquele Joaquim Eduardo, a
casa ficou para a sua viúva que, por escritura de 14 de Abril de
1884, a vendeu a meu avô Dr. Roberto Alves de Sousa Ferreira, casado
com D. Emília Henriqueta Bandeira de Castro e Sousa Ferreira que
nela viveram continuadamente até que, em 1898, foram para o Porto
por ele ter sido nomeado, precedendo concurso de provas públicas,
Professor de Economia Política e de Legislação Industrial para a
Academia Politécnica do Porto; quando foi criada a Universidade
desta cidade, transitou para Professor Catedrático da Faculdade
Técnica.
Nesta casa morreu minha avó, em
1919, e meu avô em 1920. Por falecimento daquela, em partilhas que
se fizeram, por escritura de 16 de Janeiro de 1920, ficou esta casa
adjudicada a minha tia D. Branca Alves de Castro e Sousa Ferreira,
que hoje, no estado de viúva do Inspector de Finanças Calisto Mendes
dos Santos, usa o nome e apelidos de Branca Alves de Castro Mendes
dos Santos, actual proprietária da mesma casa – onde está instalada,
presentemente, a Academia de Música de Santa Maria, que data de
1955; está inscrita na matriz urbana no artigo 687.
Nesta casa nasceu esta minha tia e
viveu sua irmã, minha mãe, que usou, no estado de casada, o nome e
apelidos de D. Madalena de Sousa Vaz Borges de Castro.
Tive escritório de advogado no
rés-do-chão – onde também o teve o advogado, que foi desta comarca,
Dr. Eugénio Machado Cadillon.
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NOTAS
(1) – Felg. Gayo – cit. ob. T. XXVII,
fls. 114, dá-o como «Vig.º de Rio Mao» (deve ser Rio Meão). |