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N.º 5

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1968 

 

Jornais e Jornalistas Aveirenses

 

Por Eduardo Cerqueira

Jornalista e Publicista

 

A história da Imprensa aveirense encontra-se praticamente por tentar. Com excepção do minucioso trabalho de Marques Gomes sobre O Campeão do Vouga e o seu sucessor O Campeão das Províncias (1), nem há um estudo de conjunto, nem qualquer monografia de algum dos outros jornais, ainda que, como o Povo de Aveiro, lograssem projecção nacional.

Não é essa a pretensão das notas fugazes que aqui traçamos. Relancearemos, a traços largos, ampliando para pouco mais extensas proporções um bosquejo de há alguns anos (2) e, num reportório sem propósitos de pormenor, a longa lista de publicações periódicas que, em cerca de um século e um quartel, se fundaram nesta terra que sempre timbrou por afirmar suas ideias e predilecções. Acompanhá-la-emos, necessariamente, da referência às mais representativas figuras que inspiraram, orientaram ou dirigiram os órgãos de opinião da cidade de Aveiro.


Gravura gentilmente cedida pelo jornal "O Litoral".

  Dr. José Pereira de Carvalho e Silva
Dr. José Pereira de Carvalho e Silva

Desde a «folha de couve», enfezada e estéril, nada-morta que sucumbiu ao primeiro vagido, até ao mais famoso incisivo semanário nacional, toda a sorte de gazetas, em importância e duração, na diversidade de características e objectivos, se poderia apontar, entre cerca de uma centena que têm saído de prelos aveirenses.

Do escrevinhador incipiente e canhestro com a ambição de se narcisar, derretidamente, com a própria prosa de letra de forma, e do político desejoso de alargar a sua influência ou de alimentar o fogo da afeição dos seus parciais, até ao homem de letras com pergaminhos na cultura e na arte de escrever e ao panfletário mais contundente e intrépido, toda a gama de valores se toparia nas inumeráveis colunas dessa avultada soma de jornais.

A verrina e o ditirambo; a exegese doutrinária e o chasqueio, o másculo estilo aziumado da polémica / 62 / sem quartel nem contemplações pessoais e os poéticos arroubos; a aprofundado estudo e o passatempo ameno; a crónica mundana e o caso da rua; o Iouvor, se não a Iouvaminha, e a reclamação ou mesmo o protesto veemente; os problemas de interesse vital e as ninharias da mais discipienda frivolidade, de tudo se depararia, folheando, aqui ou além, algum amarelecido exemplar avulso. As colecções da quase totalidade dos jornais aveirenses, essas, é hoje impossível consultá-las pois, por incúria dos próprios editares ou por menosprezo daqueles que poderiam conservá-las, já de longa data não existem.

Por todas essas gazetas, partidárias ou incolores, no episódio ou no estável, no mero registo incondimentado ou no exprimir dos magnos anseios Iocais, nas afinadas Ioas ou nas dissonâncias recriminativas, perpassaria, com uma ou outra nata de mais larga âmbito, a história da cidade – ou mais ainda do que a história, a própria vida de Aveiro, nas acções e reacções, imediatas, nas iniciativas com êxito e fecundidade e nos malogros, e nos empreendimentos que elas próprias sugeriram e estimularam ou impediram.

E em cada uma, no pró ou no contra, no acomodatício e melífluo ámen ou no desacordo vigoroso e rebarbativo, acima dos dissentimentos de pessoas e critérios e das paixões que dividem e desvirtuam, se encontraria um denominador comum – o fervor bairrista, o constante propósito de exalçar belezas e glórias e de valorizar a terra e a sua gente.

Não curaremos agora, aliás, de manifestar preferências, de apontar virtudes ou defeitos, de catar a falha de mais acentuada feição doutrinal acima ou abaixo da gazeta preferentemente informativa, de propugnar por um qualquer processo de fazer jornalismo. Cada jornal desempenhou a sua função, exerceu a sua obra de aliciamento, respondeu aos gostos e necessidades de um certo número de leitores. Dependendo de factores diversíssimos, intrínsecos e externos, integrado no ambiente e na época, viveu sujeito às conjunturas do momento em que se publicou e às capacidades e temperamentos dos seus mentores e responsáveis.

Voltando-nos para o passado, principalmente, e abstraindo das próprias predilecções, mencionaremos um punhado de jornais, com diversas características e de diversas facções. E, nesse escorço sucinto e forçosamente lacunar, procuraremos que, embora sem rigores de medida, haja um relativa releva correspondente ao papel de méritos, na alusão aos nomes aqui reunidos de aveirenses – de nascimento ou de estreita ligação à cidade – que no papel impresso, onde por propensão de espírito, ou por lhe estimarem elevadamente o poder de penetração nas massas ledoras, encontraram o veículo apropriado à difusão das suas ideias e iniciativas de interesse público, à aplicação da sua actividade e dos seus talentos, e onde conquistaram projecção e notoriedade. Algumas dessas figuras lograram mais vasto renome, por vezes a maior parcela da sua aura, nas lides da imprensa, mas, com suas penas acuradas retribuindo com liberalidade, deram larga contrapartida para o prestígio e valorização de uma forma de actividade intelectual nem sempre prezada no seu justo valor.

 

Começaremos, – embora não nos importe, neste ensejo, a exacta ordenação cronológica – precisamente pelo princípio.

E por uma publicação que servirá para atestar, como as autoridades – a quem a Imprensa, em frequentes ocasiões perturba, inquieta e molesta e merece restrições e coações, quando desgarra do coro de louvores ou apenas bemoliza as hossanas – se servem do jornal como meio propagandístico das mezinhas aviventadoras da «salus publica» que preconizam e ministram segundo a dieta prescrita para o momento, com o tempero adequado, estimulador ou sedativo.

A primeira folha impressa de carácter informativo editada em Aveiro teve carácter eminentemente político. Chamou-se Boletim de Notícias e foi distribuída pela primeira vez no dia 11 de Outubro de 1846. Apresentava-se, em todo o rigor do termo, com a feição de um boletim. Uma finalidade determinada e exclusiva a originara e a ela directamente visava sem qualquer digressão.

Era composto e impresso na tipografia de que ao tempo dispunha o Governo Civil. Nesta oficina, montada por necessidade de obviar às dificuldades da época, saíam impressos usados naquele departamento distrital, relatórios e regulamentos. Ao que presumimos deve ter desaparecido com o incêndio ocorrido na madrugada de 20 de Julho de 1864, nas dependências ocupadas por aquela repartição pública no antigo Paço Episcopal.

Era seu redactor o Dr. José Pereira de Carvalho e Silva, secretário-geral nesse convulso período da política nacional.

O Dr. José Pereira – que, assim, abreviadamente era conhecido na região – viera de Eixo, onde nascera em 29 de Março de 1818, e, desde a sua formatura em Direito, em 1844, exercia as funções de juiz-ordinário do julgado da sua terra natal em Maio, quando eclodira o movimento popular contra o cabralismo. Foi então designado para fazer parte da Junta Provisória que se constituíra na capital do distrito e à qual pertenciam também José Henriques Ferreira, Alberto Ferreira Pinto Basto e Francisco Joaquim de Castro Corte-Real.

Esta Junta nomeou-o para o cargo referido, em 21 do mesmo mês de Maio. Veio a ser confirmado / 63 / no lugar em 7 de Julho seguinte pelo Governo Palmela.

No exercício dessas funções se encontrava, quando o Governador Civil de então, Custódio Rebelo de Carvalho, por iniciativa própria ou por sugestão de algum correligionário de mais férvido entusiasmo e maior apego à sua parcialidade política, decidiu publicar o boletim.

A folha – como na altura se lhe chamaria e apropriadamente hoje poderíamos denominar, já que nunca terá excedido uma espaçada página – viera para aquietar os ânimos febricitantes, para insuflar confiança nos prosélitos menos confiados e minar as esperanças dos adversários pertinazes. Dava as notícias acalentadoras e estampava as proclamações e exortações do primeiro magistrado do distrito.

Os cabralistas haviam dado um golpe de Estado e reassumido o poder. As autoridades locais não acataram o governo recém-formado e opunham-se-lhe tenazmente. Convinha manter o clima moral para uma resistência eficaz.

O Boletim de Notícias, órgão oficial, surgia como uma espécie de «placard» volante, sucinto, expedito na expressão e na divulgação das novas favoráveis. O número inicial não só traz exarada a data, mas, tão viva é a preocupação de demonstrar presteza, faz referência à hora da edição – como hoje sucede com as tiragens sucessivas das grandes rotativas em dias de acontecimento palpitante. Logo abaixo do título se lia: «Aveiro, 11 horas da manhã do dia 11 de Outubro».

E tão flagrante se revela esse propósito de celeridade informativa, que o texto se enceta por estes precisos termos: «Por notícias agora mesmo chegadas do Porto, sabe-se que tendo desembarcado nesta cidade o duque da Terceira com todo o seu estado maior, imediatamente se armou o povo, prendendo e guardando no castelo da Foz o mesmo duque, conde de Santa Maria, visconde de Campanhã e mais oficiais que o acompanhavam, sendo necessários grandes esforços da parte de alguns beneméritos cidadãos para salvar-lhes as vidas. Na mesma cidade acha-se estabelecido um governo provisório para sustentação dos direitos do povo»...

A local, depois de aludir à marcha dos acontecimentos em Coimbra, anunciava que no distrito de Aveiro os «seus habitantes iam tomar as armas» para o que considerava a «justa defensão» da causa popular.

Às novidades seguia-se a proclamação: «Habitantes do distrito de Aveiro! – O pronunciamento nacional verificado no mês de Maio último está ameaçado. Como autoridade nomeada depois desse pronunciamento, e com ele identificado, é meu dever sustentá-lo. Para o conseguir empregarei os meus esforços e conto com a cooperação das autoridades e habitantes deste distrito. A todos recomendo ordem e respeito às leis. – Aveiro, 11 de Outubro de 1846. – O Governador Civil Custódio Rebello de Carvalho».

Seriam idênticos os números subsequentes. Em 12, relatava a reacção aveirense ao golpe de estado cabralista, mencionando uma reunião de pessoas influentes da cidade que, de acordo com o chefe do distrito «decidiram sustentar a todo o custo o movimento nacional, e tomaram as medidas que as circunstâncias exigiam». Dá conta das manifestações da véspera – «a guarda nacional acompanhada de um imenso concurso de povo, dirigiu-se ao governo civil, e seguiram as diferentes ruas da cidade, repetindo os vivas que eram recebidos e respondidos com o mais decidido entusiasmo». Anuncia as demonstrações de «inteira aderência ao pronunciamento da capital do distrito», vindas de Ílhavo, Oliveira de Azeméis e Estarreja e exulta na convicta esperança de «em poucos dias estar armado todo o distrito (...) com tantas ou mais forças das que já se prontificaram para salvar o país».

As forças populares não lograriam, todavia, os seus intentos. O seu órgão aveirense, ao fim de umas breves duas semanas, extinguia-se. E o seu redactor, conjuntamente com o Governador, conhecida a notícia de que o marechal Saldanha havia entrado em Coimbra, seguiu para o Porto. / 64/

Por sugestão do ministro do Reino da Junta Governativa da capital do Norte, António Luís de Seabra – futuro Visconde de Seabra – o Dr. José Pereira de Carvalho e Silva foi convidado para delegado de uma comarca nortenha. Declinou o convite, e, após a convenção de Gramido, voltou para a sua terra natal, a exercer a advocacia.

 

Verdadeiramente, todavia, o primeiro jornal aveirense seria O Campeão do Vouga.

Um autodidacta que, degrau a degrau, ascenderia de simples regedor de freguesia de Avanca às honras do pariato, e foi um dos mais fecundos propulsores do desenvolvimento de Aveiro – sua terra natal –, um rapaz resoluto que nenhum obstáculo fazia esmorecer, cônscio dos seus recursos e com a legítima ambição de os patentear, lançou e corporizou a ideia. Chamava-se Manuel Firmino de Almeida Maia e contava, na altura, apenas 27 anos. Descendia de uma família apegada aos credos tradicionalistas.

D. Miguel, certo dia, com olímpica e enfastiada indiferença, rejeitou-lhe a ingénua homenagem de uma criança que o supusera sensível a um gesto de deslumbrada veneração, e criou um adversário.


Manuel Firmino de Almeida Maia

Enfileira nas hostes liberais, conspira e bate-se contra o cabralismo e, quando definitivamente, já adulto, se estabelece em Aveiro, um propósito o domina e absorve – a fundação de um jornal que seja o porta-voz dos seus ideais e o defensor dos interesses da sua terra.

De um prelo tosco, ele próprio manufacturando, por vezes as tintas com pó de carvão, já que o capital junto e as magras receitas impunham a mais severa economia, com uma perseverança inquebrantável, após laboriosos preparativos, fez sair o primeiro número de O Campeão do Vouga, a 14 de Fevereiro de 1852, e consegue que ele subsista e progrida.

Não brilhará, no estrito significado do termo, como jornalista, pois era antes um político e um homem de acção. Escreveu, decerto, em cerca de meio século, centenas de colunas do seu órgão – porque o Campeão haveria de tornar-se, especialmente, o seu órgão pessoal em todas as fases da sua carreira de ininterrupta ascensão – mas o seu papel predominante haveria de ser o de inspirador e guia e, mais tarde, o de patrono acatado.

A primeira adesão que conquistou foi a de um jovem estudante de Direito, precoce e talentoso, talhado para altos destinos na vida pública – José Luciano de Castro Corte-Real (1834-1914). Já em Coimbra o jornalismo exercera as suas seduções sobre o esperançoso moço e, aos dezassete anos, a sua colaboração não destoava entre as dos articulistas experimentados do Observador – que depois adoptaria o nome de Conimbricense.

José Luciano – cuja naturalidade aveirense, já que nasceu a pouco mais de meia légua da cidade, se esquece demasiadamente – dispôs-se a cooperar no arrojado empreendimento do seu conterrâneo, com alvoroçado entusiasmo juvenil. Graças à sua intervenção se remove o mais dificultoso dos problemas, a falta da soma estritamente indispensável. Nos momentos de angustiosa dificuldade não raro surge um rasgo de feminina bondade, uma mãe extremosa que vibra, se alanceia e se identifica com as aspirações de um filho estremecido, e lhes dá o alento e a viabilidade de efectivação. A mãe de José Luciano, porventura sem o conhecimento do austero morgado de Oliveirinha, seu marido, empresta um cordão de ouro que fica como penhor das quinze moedas com que o jornal se funda.

O Campeão do Vouga (pág. 65)

Um periódico para ter aceitação e merecer a confiança do público precisa, porém, que o encabeçasse um nome já com créditos firmados tanto pelas provas literárias como pelo passado político. Um surgiu com os requisitos requeridos, o Dr. José Maria de Almeida Teixeira de Queirós (1820-1901) – progenitor do que viria a ser o autor de «Os Maias», e, ao tempo, atravessava a sua fase de «quase peixe da ria», que radicou na sua reminiscência a invocada qualificação de «filho de Aveiro», provinda da ascendência paterna. / 66 /

Sofrera, por fidelidade aos princípios perfilhados, esse íntegro magistrado de trinta e dois anos, as represálias cabralistas, e, nos tempos de Coimbra, como poeta e prosador, granjeara lisonjeira reputação.

Na «Crónica Literária da Nova Academia Dramática», publicara a balada «D. Elvira e D. Ramiro», e outros poemas românticos, e, precedendo de alguns anos os romances históricos de Alexandre Herculano, provavelmente influenciado por Walter Scott, a novela «O Mosteiro de Santa Maria de Tamarães». Também «O Ramalhete» inseriu algumas das suas produções e publicaria, além do poema «Castelo do Lago» (1841), em 1860, um folheto intitulado «Os Moedeiros Falsos e o Juiz José Maria d'Almeida Teixeira de Queiroz» na qual insere uma pundonorosa e indignada carta a D. Pedro V sobre o acórdão que despronunciara o Conde de Bolhão, a quem, apesar de todas as pressões e de tratar-se de um titular, «rico, poderoso, coberto de condecorações, com relações de amizade e família», não hesitara em incriminar pelo escandaloso caso.

Foi-lhe destinado o posto de redactor-principal que, aliás, ocuparia apenas três meses. Não conhecemos outra fase de actividade jornalística ao Dr. Teixeira de Queirós, nem, em boa verdade, deveríamos incluir o íntegro magistrado, que também ganharia notoriedade por haver relutado na pronúncia de Camilo pelo crime de adultério, entre as figuras aveirenses que se distinguiram na imprensa periódica.

 


Dr. José Maria de Almeida Teixeira de Queirós

Efectivamente nasceu no Rio de Janeiro. Como natural de Aveiro dá-o a falsa certidão – forjada compreensivelmente para ocorrer a uma exigência inadiável – com que instruiu o processo de matrícula na Universidade de Coimbra. Mas na cidade, na casa da rua Larga, ou na residência assolarengada do pai, esse «infame, perverso e façanhoso» Joaquim José de Queirós (chefe da revolução de 16 de Maio de 1828 e a quem a sentença que o condenou à morte, pois fora «o mais atrevido e ousado conspirador, cabeça e principal das tramas e maquinações que usaram e prepararam o horroroso atentado», qualificava com aqueles precisos termos) passou a maior parte da infância e da juventude.

A próxima reintegração na carreira judicial leva-o a abandonar Aveiro, e, assim, a cessar as suas funções no novo periódico. Despede-se numa breve carta, datada de 17 de Abril. Não pode continuar na redacção, pois entende «que não se pode redigir bem um jornal a não ser na própria terra em que se publica». Só esse imperioso motivo o obriga a deixar a redacção do jornal, e apenas esse: «Os meus princípios políticos não mudaram. Posso dizer afoitamente que não mudarão; porque são filhos de uma convicção profunda / 67 / da experiência que tenho dos homens e das cousas. Apesar dos meus poucos anos, politicamente, tenho vivido muito».

Voltará a Aveiro alguns meses mais tarde, mas já então como delegado do Procurador Régio, cargo pouco consentâneo com as lides jornalísticas efectivas.

Sucedeu-lhe o jovem José Luciano de Castro, na direcção política do bi-semanário, em que firmava artigos desde o número inicial. Despedir-se-á, todavia, do jornal passados dois meses, e, no «Observador», onde se iniciara, revelaria os motivos que «o levaram a dar um passo tão inesperado». Muitas vezes sujeitavam-lhe os artigos «à censura de pessoas que estavam bem longe de o poder fazer» e essa posição desgostava-o e desagradava-lhe. Essa situação, que qualificou de degradante, não se coadunava com a sua sinceridade de moço ainda não contaminado pelas transigências da política: «Se alguma vez a minha consciência oprimida soltava um brado enérgico, esse brado era logo abafado». E, desalentado com essa desilusão, soltava um desabafo: «Via-me obrigado a quebrar a pena de escritor severo e independente, e a mergulhá-la na urna da lisonja».

O lugar foi preenchido por José Maria de Sousa Lobo, antigo governador civil do distrito, e, além de publicar numerosos artigos e poesia na imprensa da época, traduziu várias obras, mencionadamente, de Vítor Hugo e de Alexandre Dumas.

 

Nesse primeiro período, O Campeão do Vouga contava com a simpatia e o estímulo de José Estêvão e Mendes Leite, fundadores e redactores da «Revolução de Setembro».

Depois, com os vaivéns da política, este último retirou o apoio ao jornal da sua terra e deixou de ser o fiador do respectivo proprietário. Porque as disposições legais, uma vez que o jornal fora querelado pelo governador civil, assim o exigissem, o Campeão suspendeu temporariamente, e, em seu lugar, durante três semanas, de 9 a 24 de Agosto de 1854, saiu um seu irmão gémeo, orientado por Manuel Firmino, com o título de o Aveirense.


José Luciano de Castro

 

Em 1859 tomou a designação de Campeão das Províncias e, transmitido o facho do fundador para seu filho Firmino de Vilhena, e de este a seu turno, também ao filho Dr. Manuel de Vilhena com escolhida colaboração e apreciável tiragem, manteve-se até 26 de Janeiro de 1924. Foi um dos mais conceituados periódicos da província e, nos últimos tempos, o seu decano. Em 1872, lançou uma edição especial para o Brasil, onde possuía numerosos assinantes.

Firmino de Vilhena (1865-1922) foi chefe da secretaria da Câmara Municipal de 12 de Maio de 1892 a 7 de Agosto de 1922, e, pela mão de seu pai, iniciou ainda muito novo a sua actividade no jornalismo. Deixou cerca de uma dezena de obras impressas, a maior parte das quais em verso.

Na ordem cronológica, o segundo jornal aveirense seria a Aurora, fundado por José Luciano e José Eduardo de Almeida Vilhena. Tinha como principais colaboradores o Padre José Joaquim de Carvalho e Góis (1831-1869), mais tarde vigário geral da diocese, orador sagrado de apreciadas faculdades; e Agostinho Duarte Pinheiro e Silva (1836-1883), que foi presidente da Câmara Municipal, da Associação Comercial e da Comissão Distrital; e, além de uma saliente posição na imprensa local, deixou publicados diversos livros e opúsculos.

De José Luciano de Castro sobejamente se sabe que durante largo tempo se dedicou ao jornalismo, onde teve, como na tribuna parlamentar, posição de relevo. Com carácter efectivo, depois de sair de Aveiro, foi redactor do «Comércio do Porto», do «Nacional» e do «Jornal do Porto», em cuja redacção emparceirou com Ramalho Ortigão. Diários onde deixou colaboração mais ou menos frequente ou cuja fundação se lhe ficou devendo poderiam contar-se quase por uma dezena. Porque apenas o jornalismo e não o político importa aqui evocar, diremos, apenas, no trilho de / 68 / Anselmo de Andrade, que o notável estadista ocupou, na «Revolução de Setembro», «um posto igual aos que ali tinham Lopes de Mendonça e Latino Coelho, esses dois inolvidáveis mestres da palavra escrita, com os quais competia por vezes em primores de estilo, mas a quem excedia quase sempre no vigor da paixão, que são as duas musas mais inspiradoras do jornalismo político».

José Eduardo de Almeida Vilhena, que provinha como o seu parente Manuel Firmino de família legitimista, viria a acompanhá-lo não só na luta política, mas no Campeão, ele que viria a ser, porventura, a pena mais assídua, feroz e incisiva. A orientação pertencia ao chefe acatado do clã, mas era ele, a maioria das vezes, «o amplificador intérprete dessa parcialidade local».

Estreou-se no «Jardim Literário», hebdomadário lisboeta que Gomes de Amorim dirigia, e, quando depois de um largo período na capital – para onde as vicissitudes políticas haviam obrigado a família a transferir-se – regressa a Aveiro, onde nascera, no bissemanário aveirense, além de produções literárias, em prosa e verso, se intromete pela primeira vez nos assuntos da vida pública, local e nacional, mais atraentes e incentivantes para o seu espírito propenso ao combate, que o tornou o mais malquisto dos articulistas daquela folha local, entre os adversários da sua tantas vezes discutida orientação. As contingências da luta em que se embrenhava afastaram-no de Aveiro por alguns períodos mais ou menos longos, mas sempre, ao reassumir as suas funções burocráticas, reocupava o seu posto naquele órgão da Imprensa, aquele em que por mais tempo assentou arraiais, no decurso da sua carreira de jornalista. Foi redactor do «Eco Popular», de José da Silva Passos e, em 1865, assumiu a direcção política da «Opinião». De 1891 a 1894, colocado, então, em Lisboa, como chefe de uma repartição de impostos, pertencia ao elenco efectivo da redacção do «Correio da Tarde». Quando motivos de doença o obrigam a voltar definitivamente para a sua terra natal, tolhido, mas lúcido, continua no Campeão a sua actividade jornalística. Aliás, ressalvadas as proporções, poderia aceitar-se como exacta a asserção de Marques Gomes, de que Almeida Vilhena representou para aquele jornal aveirense o mesmo que Rodrigues Sampaio para a «Revolução de Setembro».

A Aurora, que se publicava quinzenalmente, teve a curta existência de meio ano, precisamente de 1 de Março a 1 de Setembro de 1855. Subintitulava-se de jornal literário e religioso.

 


Padre José Joaquim de Carvalho e Góis.

Pouco maior duração logrou O Imparcial, que presumimos de tendência cartista, já que um dos seus redactores, o Dr. José Crispiano da Fonseca e Brito, que foi director dos Correios em Aveiro e nesta cidade só gratuitamente exerceu clínica, enfileirava naquela facção. Iniciou a publicação em 1 de Janeiro de 1856.

Em 1861, abertas por Manuel Firmino as hostilidades contra José Estêvão, por ocasião de umas eleições que ficaram memoráveis, o grande tribuno, com os seus amigos mais dedicados, entre eles Mendes Leite, Bento de Magalhães, Agostinho Pinheiro e José Agostinho Barbosa, fundou o Distrito de Aveiro.

José Estêvão ficou na memória dos vindouros como o mais alto expoente da tribuna portuguesa. Aí atingiu o fastígio, deslumbrou e empolgou e, depois de uma acção de soldado intrépido da causa a que se devotara, se guindou à fama imperecível. Mas esse prodigioso orador, o mais dominador e persuasivo que as assembleias políticas nacionais algum dia conheceram, esse homem privilegiado que possuía o poder magnético da sugestão, e de dar às palavras o vigor, a música, o colorido que as fazem penetrar no sentimento do auditório, tinha a necessidade constante e irreprimível de se expandir e comunicar. Quando o som da sua voz poderosa não atingisse todos aqueles a quem desejava dirigir-se, ou quando, por circunstâncias ocasionais não pudesse alteá-la, recorreria à Imprensa.

Já aos vinte e um anos, quando os revezes das hostes liberais o levaram para os Açores, redigia a «Crónica da Terceira». Aí deixou artigos que causaram sensação, e nunca depois, pode dizer-se, através da sua vida, curta, mas vivaz e agitada, dispensou um órgão da Imprensa.

Funda, aos vinte e nove anos, o «Tempo», que não perdura para além de um ano e meio, colabora na efémera «Lança», e nesta faz sair o programa da «Revolução de Setembro», que lhe vai suceder.

Relembre-se a propósito, um episódio. O director da «Lança» – o «Castro da Lança», porque o público ajuntara o seu nome ao do jornal em que se evidenciara, e assim o conhecia – morreu alguns anos depois. Só num dos diários da capital falhou o necrológio, e esse foi precisamente a «Revolução», que ajudara a fundar. A razão era, afinal, singela. José Estêvão encarregara-se de escrever o elogio fúnebre do finado e amigo, mas, por qualquer eventualidade, não satisfizera o compromisso para a data oportuna. Observou-lhe Mendes Leite que a sua negligência colocaria o jornal numa posição desairosa. Passavam já alguns dias do falecimento, mas os recursos do tribuno eram sobejos para ladear a dificuldade. E começou o artigo com estes precisos termos: «Morreu, já se não pode duvidar, o nosso amigo Silva e Castro»...

Alguns dos seus artigos tiveram extraordinária repercussão e ficaram memoráveis, entre eles os que dedicou à morte de D. Maria II e de D. Pedro V, verdadeiramente modelares. / 69 /

       

 

Dr. Bento de Magalhães

Sucedia, porém, que esse jornalista de garra, a quem se devem essas e outras páginas notáveis, propriamente, não escrevia. Atesta-o Bulhão Pato, asseverando que ele desconhecia os sinais cabalísticos a que chamamos letras. Tinha um secretário, mas quando este lhe faltava, perguntava ao primeiro amigo que lhe aparecia:

– «Sabes escrever? Não te escandalizes, porque eu não sei. Se sabes, faz-me obra de caridade de escrever as tolices que eu vou ditar».

«Dava uma volta pela casa; depois parava diante do amanuense improvisado, ou do secretário encartado, e, erguendo o braço direito, com o dedo indicador em pé, a primeira palavra que dizia era: – Ponto! Sem esse intróito nunca ditou coisa alguma».

Mendes Leite, que saibamos, apenas escreveu com continuidade na famosa «Revolução», que Rodrigues Sampaio, para além dos fundadores, celebrizaria. Deu larga, mas ocasional colaboração, a alguns jornais aveirenses, particularmente ao Campeão e ao Distrito de Aveiro, de que agora nos estamos ocupando. Um ou outro desses artigos ainda hoje se citam.

Nobilíssimo carácter – a que apenas se apontava a fraqueza de não saber furtar-se aos encantos femininos, particularidade em que poderia encontrar-se uma das suas muitas afinidades com José Estêvão – integérrimo na actuação política, liberal estreme e escorreito, de princípios os mais generosamente fraternos, uma só das suas iniciativas dá-lhe jus a perdurar na grata memória das gerações que lhe sucederam – a abolição da pena de morte por crimes políticos. «Foi-lhe odiosa a opressão – escreveu Jaime de Magalhães Lima – com qualquer rótulo que ela viesse, despotismo tradicional, egoísta e cruel, ou vingança e ferocidade de revoltados triunfantes». O mesmo ilustre escritor aveirense já antes observava que essa veneranda figura da sua terra «em matéria de política eleitoral fez o desespero dos violentos». Ganhava nas urnas sem afrontar, perdia sem azedume. Fazia a campanha da sua candidatura ou dos seus amigos na sessão pública ou nas colunas de um jornal, mas individualmente era incapaz, por uma repugnância inelutável, de pedir um voto. Mas nele se descobriria sem tardar que a suposta brandura e indiferença era o invólucro transparente de um largo desprendimento de triunfos efémeros e mesquinhas vaidades; e, debaixo da frieza que as cobiças alheias lamentavam por lhes ser contrária, ocultavam-se e mandavam crenças liberais imperativas, o respeito da liberdade dos estranhos e da dignidade própria, uma suave recusa a descer ao que em consciência reputava, se não degradante, pelo menos quebra de obrigações cívicas e humanitárias».

Bento de Magalhães (1820-1869) foi na primeira fase do Distrito de Aveiro o principal redactor do semanário.

Advogado distinto, orador e elegante, estudioso e culto, afirmou-se também no jornalismo. A justa aura de que desfrutava levou-o a ocupar diversos cargos públicos na cidade natal, entre eles o de presidente do município.

José Agostinho Barbosa, um dos «senhores Barbosas», da conhecida loja dos «Balcões», onde, por largos anos, já nada se vendia, mas se estabelecera um centro de reunião dos mais afeiçoados amigos de José Estêvão, tinha no jornal um papel diferente. Não escrevia, mas quando os apertos financeiros eram mais prementes, cobria os «deficits» do seu bolso de negociante aposentado com um pecúlio que deixava algumas sobras. O grande parlamentar, esse, adquirira – como hoje ainda se pode verificar pelas facturas que se conservam no seu espólio – todo o material tipográfico.

Em 1872, António Augusto de Sousa Maia (1841-1907) adquiriu a propriedade do jornal. Começara como tipógrafo no Campeão e no «Comércio do Porto». Naquele periódico aveirense desempenhou seguidamente funções de revisor e escreveu as primeiras locais. Entrou no Distrito, logo na fundação, dirigindo-o no aspecto técnico e, mais tarde, com a mais devotada perseverança, redigindo-o na maior parte, ocupando-se, se necessário, da composição e impressão, lutando com toda a sorte de dificuldades e obstáculos, soube mantê-lo, numa digna modéstia. Quando de todo a doença – longa doença que o torturou mais de cinco lustros – o impossibilitou, a direcção foi confiada a Mário Duarte, que já fora director, também em Aveiro, de Le Portugal Philatélique (1895) e da revista Ovos Moles e Mexilhões (1893), da qual saíram apenas dois números e que, / 70 / à parte o artigo de apresentação, da autoria de Fialho de Almeida, redigiu integralmente.

No Distrito de Aveiro estreou-se Marques Gomes (1853-1931), o benemérito e fecundo historiógrafo aveirense, que sobre o passado da sua terra deixou dezenas de publicações e chegou, como redactor do Campeão a ocupar, semanas seguidas, páginas inteiras sobre temas locais.

Mais tarde (1916), reapareceu a mesma denominação num órgão do partido evolucionista que apresentava o Dr. Luís Mesquita de Carvalho como director e Albino Pinto de Miranda à testa da administração.

Passemos, sem delongas, outras publicações de que há escassos indícios, como a revista literária «O Tirocínio», que viveu um semestre, de 1 de Abril a 1 de Outubro de 1876, e uma outra, quinzenal, saída pela primeira vez a 1 de Abril de 1881, e dirigida pelo Dr. Lourenço de Almeida Medeiros (1835-1934), seu proprietário e cremos que único redactor. Subintitulava-se de «política, científica e literária», e denominava-se, com o ambicioso desejo de exceder, no seu redor, a acanhada zona da Ria e do Vouga, Revista Nacional. Embora impressa no Porto, tinha em Aveiro a redacção e administração. Este Dr. José Francisco Lourenço de Almeida Borges e Medeiros de seu nome completo, era aquele poeta que tenazmente se afirmou autor do «Noivado do Sepulcro», acusando Soares de Passos de abusivamente a ter publicado como obra sua.

  

Deter-nos-emos um tanto mais em O Povo de Aveiro, esse jornal singular e cáustico que, segundo Rocha Martins, na «Pequena História da Imprensa Portuguesa» «tem a mais assombrosa carreira dos semanários do seu partido e do seu país». Perdurou de 29 de Janeiro de 1882 até Abril de 1941, quando seu fundador e director completara oitenta e um anos. Nunca um jornal português se identificou tão completamente com um homem. O Povo de Aveiro é o jornalista Homem Cristo que, descontados os primeiros anos, quase o redige de um a outro extremo. Começara com um grupo de categorizados colaboradores, logo no primeiro número Teófilo Braga, Sebastião de Magalhães Lima e Carlos Faria. Nos números subsequentes assinaram artigos de fundo aqueles, especialmente o primeiro, que se ligara estreitamente ao recém-aparecido órgão republicano aveirense, Silva Graça, Anselmo Xavier, Alberto Bessa, Alves da Veiga, Heliodoro Salgado, Alexandre da Conceição e outros prosélitos destacados dos princípios de que o novo jornal se tornara o arauto na sua região. Homem Cristo, que contava 22 anos, mas já antes promovera a constituição do partido republicano em Aveiro e pertencera à redacção de «O Século», criara o jornal. Pela circunstância de ser oficial do Exército, nem figurava como membro da empresa proprietária, nem firmava os seus artigos. O jornal, porém, era por ele orientado e dirigido, e, pouco a pouco, a sua vincada e voluntariosa personalidade foi dispensando, se não sacudindo os seus qualificados colaboradores, mesmo os que mais de perto o acompanhavam, Carlos Faria – o futuro Barão de Cadoro, já mencionado – Egberto Mesquita e Joaquim de Melo Freitas. Fica praticamente só no terreiro da luta, fazendo doutrina com um azorrague, intransigente e inquebrantável.

Cria inúmeras inimizades, mas o jornal ganha uma aura excepcional, e atinge tiragens assombrosas para um hebdomadário da província, nessa época em que a expansão dos próprios quotidianos se não comparava com as actuais. Em 1908 tirava dez mil exemplares; / 72 / em meados do ano seguinte alcançava quinze milheiros, e não tardaria a ultrapassar as duas dezenas de milhares. Em fins de 1910 ascendia aos trinta e cinco mil. Liam-no os que estavam de acordo e lhe aplaudiam as veementes campanhas, e não resistiam a lê-lo aqueles mesmos que visava e seus apaniguados. Ataca de olhos vendados como a justiça, tanto para a direita como para a esquerda, e ora rejubilam estes, enquanto os demais o crivam de injúrias, ora as posições se invertem. Alguns simulam ignorá-lo, e lêem-no às escondidas para não se comprometerem. Acompanhado ou só – e às vezes talvez se possa ter razão contra tudo e contra todos – nunca se cala.

Raúl Brandão considerou-o o maior panfletário português desde o Padre José Agostinho de Macedo. Era tipicamente o panfletário, visceralmente oposicionista, ardoroso, cruel na indignação, de uma rudeza que quase arrepiava o comum comedimento na profligação dos erros, dos vícios, dos defeitos de todo o grau ou o que tinha como tal.

Adoptara certos princípios morais e políticos e certas normas de conduta, advogava-as com aquela «fraseologia curta, incisiva, quente e imaginosa» que Balzac apontava entre os atributos capitais do panfletário.

Perfilhava as ideias que lhe pareciam mais conformes com o seu desejo de ver os homens numa crescente dignificação e valorização.

HomemCristo

Essa complexa personalidade, esse desmancha-prazeres agreste, que jogava o doesto e o sarcasmo como quem derruba fantoches de pim-pam-pum, que, com espanto e escândalo, bradaria, no meio da circunspecção geral que o rei ia nu, se efectivamente fosse despido, em mais de sessenta anos de trabalho jornalístico ininterrupto, votara-se a um apostolado.

Bravio com os homens que se desviassem da rectidão e compassivo com os infortunados e desprotegidos, temeroso e azedo no ataque ao antagonista e jovial no trato particular, com a paixão dos livros e o amor das árvores e das flores, foi acidentalmente militar, deputado, professor universitário, ou propugnador indefeso dos mais altos interesses da sua região, quando um dia lhe confiaram um cargo de administração em que pôde evidenciar a sua capacidade realizadora. Era medular e inalienavelmente um jornalista, talvez «sui-generis», mas dos maiores que algum dia houve no nosso país.

Passou por «O Século», quando Magalhães Lima fundou o grande matutino, pelos «Debates» e outros jornais, com alguma continuidade ou com esporádica colaboração. Mas só se realizou plenamente, com o vigor, desassombro e independência que dele fizeram o mais temido polemista do seu tempo, no Povo de Aveiro. Nesse semanário nem tinha peias, nem se sentia coagido a escolher eufemismos. Falava sem papas-na-língua, empregando o plebeísmo se lhe parecia mais próprio para exprimir a execração por uma atitude ou definir o impudor de alguma desvergonha. E, obstinadamente, resistindo a toda a sorte de pressões e perseguições, nunca a sua voz irada e máscula foi reduzida ao silêncio. Homisiado em Paris, publica o Povo de Aveiro no exílio; suprimido O Povo de Aveiro, crisma-o com o nome mais sucinto de O de Aveiro; volta a denominação primitiva, quando, a seu turno, este é suspenso; e uma ocasião que o prendem, apesar da rigorosa vigilância a que está sujeito, o seu artigo, anónimo mas inconfundível, não deixa de aparecer diariamente num dos jornais da capital.

(Continua no número seguinte)

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NOTAS:

(1) – Marques Gomes – Cinquenta anos de vida pública pg. 91 e segs.

(2) – Litoral, n.º 105, de 6-10-1956

 

páginas 61 a 72

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