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N.º 4

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1967 

 

Quatro séculos de história

Vila da Feira - A Praça Velha

Por Roberto Vaz de Oliveira

Licenciado nas Faculdades de Direito e Letras - Secção de
Ciências Histórico-Geográficas da Universidade de Coimbra

 

2

A do Norte

Casa que hoje pertence a Francisco Plácido de Resende

É muito confusa a história desta casa, dada a mutação que ela sofreu com integrações e desintegrações de domínio, até que vieram a unificar-se na mão do pai do actual proprietário Francisco Plácido de Resende, de nome Francisco Plácido Alves.

Receio que, por vezes, por falta de elementos suficientes ou de vícios de raciocínio, venha a errar: outros me emendarão se tiverem melhor sorte na descoberta de documentos elucidativos e maior clareza na dedução.

Posso mesmo dizer que foram estas casas as que mais trabalho me deram em estudo e averiguações: contudo alguma coisa se apurou, de proveito, como passo a expor.

Huette Bacelar, na sua cit. ob. a pág. 187-v.º, diz que D. Natália do Amaral de Vasconcelos, viúva de Aires Ferreira do Carvalhal, e Sebastião Godinho Ferreira e sua mulher Isabel do Carvalhal Ferreira, venderam a Domingos Homem Soares, da Vila da Feira, por escritura de 13 de Fevereiro de 1656, lavrada pelo Tabelião Baltasar Soares, da mesma Vila:

«O q.e venderão foi umas moradas de Cazas, citas na Prasa da dita Vila, com seu Quintal, p.ª detras dis q.e partem do Norte com Filippa Corrêa, e do sul com a Prasa (é aquella corrente de Cazas, q.e fica entre a Rua direita, da dita Vila, e a travessa q.e vay p.ª a lavandeira, e estão pegadas à Capela de St.º António), e também venderão os Campos, pertensas das mesmas Cazas, q.e então pesuia Mauricio Gomes, junto à Lavandeyra da dita Vila, q.e do nascente parte com a quangosta da Lavandeyra, e do Norte com Damião Rodrigues, suas Erdades Dizemas a Deos, e pagavão foro ao Castelo» (1) – anotando marginalmente e em relação aos campos, «é o porq.e serve, esta Carta de Compra, pois as Cazas as venderão».

Diz em seguida, a fls, 188:

«Isto tudo trazia por prazo o dito Domingos Omem Soares e sua m.er, feito o prazo a seu antesesor (talves sera sogro) (2) Pascoal de Andrade, por António Moreyra, Pay dela vendedora, de cujas Cazas, Quintal, e Campos, lhe pagavão eles compradores, cada ano = = onze cruzados, Foi pelo preço de 77$ = tem cert.am de Ciza». «Os ditos Sebastião Godinho Ferr.ª e mer Izabel de Carvalhal, convierão, e asinarão nesta venda, por q.e os ditos Natalia do Amaral e Vasc.os, e seu defunto marido Ayres Ferr.ª do Carvalhal, lhe tinhão feito Duação disso e por iso diserão, q.e também vendião p.ª ficar sigura; depois pertense a Erança, e Duação, q.e fez D, An.ta do Am.al de Tavares, cazada q.e foi com Manoel da Motta Pereira, do lugar do Vale, em Penaguião, a sua sobrinha D, An.ta do Amaral, selebrada em 17 de Dezembro de 1662, Escr.am Manuel Per.ª P.to, de Penaguião; a dita Escritura está onde se dise já no titelo do Cazal de Nadais a fls...» (corresponde a fls. 549).

Lembramos que aquele António Moreira de Vasconcelos e sua mulher D. Maria do Couto Vasconcelos eram os 5.ºs avós de D. Vitória de Lacerda e que viveram na última metade do século XVI e princípios do XVII, tendo-se procedido, em 1609, a inventário para partilha dos bens dele entre a viúva e seus filhos (3). Neste inventário o referido prédio foi adjudicado à filha Natália do Amaral e Vasconcelos casada que foi com Aires Ferreira do Carvalhal, que tiveram uma única filha Isabel do Carvalhal Ferreira, casada com Sebastião Godinho Ferreira, atrás mencionados.

Esclarece-se que o fidalgo Domingos Homem Soares era filho de Lopo Soares de Albergaria e de Isabel Coelho e que, por sua vez, sua mulher Maria de Andrade Freire era filha de Estevão Leitão Coelho e de Antónia, ou Inês, Godinho: viveram na Vila da / 72 / Feira. Tiveram dois filhos: Inês de Andrade Vasconcelos casada com Diogo Moreira de Vasconcelos e Estevão Leitão Soares, casado com Maria de Andrade, e que, por morte daquele Domingos e mulher, se procedeu a inventário em 1674, tendo aquelas casas, quintal e campos, objecto da citada venda de 13 de Fevereiro de 1656, ficado a pertencer à filha Inês e marido Diogo.

«Depois na partilha feita entre D. Inês de Andrade (foi m.er de Diogo Moreyra de Vasc.os, Bisavós de minha m.er D. Vitória de Lacerda) e seu irmão Estevão Leytão Soares, filhos q.e tinhão ficado, de Domingos Omem Soares, é o da compra asima, e de sua mulher D. Maria de Andrade. cujo partilha se fes com asistência, do Tutor da dita D. Ignes, Feleciano Leytão Coelho, de q. foi Juiz Francisco Botelho de Pinho e Escr.am q.e a fes aos 26 de Fevereiro de 1674, o dos Orfãos Diogo de Almeyda Mascarenhas; este formal, está com os Inventários da Caza da Feyra, e por ele veyo este prazo à dita Caza. Em o ano de 1645 se Emprazou...» (Huette Bacelar, cit. ob. pág. 187 e 187-v.º).

Para já interessa-nos encarar a história das casas e quintal, pois os campos – que já se estendiam para a Rua da Lavandeira, marginando-a – pouco interessa ao nosso estudo, embora a eles se venha a fazer referência, visto estarem englobados na dita venda,.

O descritivo de Huette Bacelar faz supor, à primeira vista, que o António Moreira era o titular, em plena propriedade, de toda a corrente de casas que ia da Rua Direita até à Rua da Lavandeira, ou seja, as que constituem a ala norte da Praça Velha, com a única limitação de pagamento de foro ao Castelo, foro este que, como se verá pelo desenvolvimento deste estudo, estava restrito a uma pequena parte daquelas Casas, denominada Casa da Sisa ou das Sisas, correspondente ao topo poente daquele correr de casas, fazendo esquina para a Rua Direita e Praça.

Porém, tomamos conhecimento pelo «Livro e memorial da fazenda deste Convento (o do Espírito Santo da Congregação de S. João Evangelista, desta Villa) pera se dar princípio ao tombo tão necessário pera sua augmentação (4) conhecido por Livro do Padre Mestre Jorge de S. Paulo Ror (por ter sido o iniciador dos apontamentos e anotações nele contidos). que aquela Casa das Sisas foi cerca de 1586, legado em testamento, ao Convento, por António Lopes, viúva de Brás de Oliveira (este será referido mais tarde como confrontante, pelo sul. da casa que foi de Duarte Pinto, hoje pertença do Dr. Belchior Cardoso da Costa –conforme consta do título datado de 1545).

Este livro encontra-se extratado pelo Dr. Vaz Ferreira, no Arquivo do Distrito de Aveiro – Vol. XVI (pág. 189 a 212 e 247 a 270) e Vol. XVII (pág. 36 a 66), sendo a referência àquele testamento, que se passa a transcrever, feita a pág. 263 do Vol. XVI. «Obrigação de Antónia Lopes § 1.º. Antónia Lopes, viúva de Brás de Oliveira deixou em testamento a este Convento a casa das Sisas que está na praça: e juntamente que seu testamenteiro Manuel Pinto comprasse fazenda bastante para esmola de vinte missas e um aniversário todos os anos por sua alma e de seu marido e defuntos. O testamenteiro Manuel Pinto comprou o Casal do Ameal a José Novais e D. Branca da Silva sua mulher moradores no Porto por setenta mil reis que ficou de Antónia Lopes para estes efeitos: § 2.º no ano de 1576 (deve ser 1586 como se vê da nota da folha 30 verso) o padre reitor Belchior de Trindade (1586-1588) em virtude de um despacho do Capítulo aceitou esta obrigação das vinte missas por Antónia Lopes e Brás de Oliveira seu marido e por seus defuntos todos os anos e mais um nocturno de três lições com vésperas e laudes e missa cantada: a qual obrigação foi contratada por Manuel Pinto testamenteiro da dita Antónia Lopes, o que tudo consta do Liv. 10.º foI. 18 § 3.º... (no verso da folha 30) – (Por outra letra – «A instituição da Capela de Antónia Lopes, foi feita em 1586 e vai no L.º 4.º a fls 496).» Verifiquei, no referido livro, que a instituição foi feita no mês de Dezembro de 1586.

Do exposto. temos que concluir que o António Moreira não era senhor em pleno domínio de toda a corrente de casas a que se refere Huette, não só porque a da Sisa pagava foro à Casa da Feira, mas ainda porque ela, desde os fins do século XVI, pertencia ao Convento por força da referida deixa da Antónia Lopes, viúva de Brás de Oliveira, ficando por explicar, porém, os limites em que estes eram senhores do prédio, mas é de concluir, pelo que adiante se narrará, haver relações de domínio e posse entre a Casa da Feira e a do Convento, visto ambos cobrarem foro em referência à aludida Casa da Sisa, o que talvez encontre a sua explicação em o aforamento da Casa da Feira ser de natureza de fateusim perpétuo, a favor de Brás de Oliveira e mulher que, por sua vez, a aforaram em vidas.

É possível, porém, que o António Moreira tivesse sido enfiteuta desta parte do prédio, embora senhor em plena propriedade da restante e, deste modo, tudo tivesse transferido, por sucessão, para sua filha Natália que, nas mesmas condições, fez a venda ao Domingos Homem Soares, pelo aludido contrato de 13 de Fevereiro de 1656.

Huette Bacelar – (cit. ob. pág. 187) diz:

«No lugar da Lavandeyra, freguesia da Vila da Feyra, tenho uma propriedade q.e consta de um asento, e campos, q.e anda Emprasado por prazo de vidas, de q.e sou direito Snr. com o Dominio p.ª esta Coza de dez um. Isto se incluio na Compra qu.e fez Domingos Omem Soares, a Natalia do Amaral de Vas.os por ser pertensa das Cazas q.e lhe comprou, como se dirá logo».

/ 73 / Acrescentando a fls. 188-v: «De Mauricio Gomes passou a Domingos Leyte, e, deste a Manuel Coelho, e agora (o livro de Huette foi escrito em 1774) o posue José Francisco».

«Prazo de vidas, q.e fez Domingos Omem Soares, e sua m.er D. Maria de Andrade Freyre, a Mauricio Gomes, e m.er Leonor Francisca, em primeira, e segunda vidas, terceira, filho ou filha, em 23 de Abril de 1645, T.am, Ayres Pinto Coelho, e o que pasou este treslado, foi José Corrêa, aos 15 de Setembro de 1698 todas da Vila da Feyra».

«Prazo de vidas, q.e fes, ou renovou Bernardo Moreyra Cardozo de Vasc.os e sua m.er D. Bernarda Sufia, em Manuel Coelho e m.er Joana Fernandes do dito lugar da Lavandeyra, em primr.ª e segunda vidas aos 17 de Janr.º de 1718 pelo T.am Manoel de Almeyda Cabral da dita Vila todos».

Esta sucessão de enfiteutas, deve referir-se ao aludido campo da Lavandeira, com seu assento, que, como dissemos, se desenvolvia marginando a rua do mesmo nome e que, mais tarde, vamos encontrar como emprazado a Bernarda Caetano de Almeida e Joana Rosa de Almeida e marido Custódio Coelho – por José de Sá Pereira Brandão (escritura de 29 de Maio de 1745).

Até 1662 não encontrei outro documento ou referência que possa interessar à história destas casas.

Por isso, e para facilitar a leitura e compreensão de tudo que ficou dito posso resumir, e com foros de veracidade, a história desta casa, desde os meados do século XVI a meados do século XVII nos seguintes termos.


Praça do Dr. Gaspar Moreira (do sul para norte). Frente: casa de Francisco Plácido de Resende
Esquerda: Paços do Concelho (princípio do séc. XX).

O prédio era constituído por:

a) Casas e quintal sendo aquelas possivelmente as três que pela sequência deste trabalho se vão encontrar, ou seja a da esquina poente, denominada da Sisa ou Sisas, a que se lhe seguia imediatamente para nascente, que veio a denominar-se do meio ou do Estrado e, finalmente, a que lhe sucedia imediatamente para nascente, que, no mencionado contrato de aforamento de 29 de Maio de 1745, foi emprazada a Joana Rosa de Almeida e seu marido Custódio Coelho.

b) Campo junto, chamado da Lavandeira. Quanto às casas:

a) A da Sisa pertenceu à Casa da Feira, que a deve ter dado de aforamento, provavelmente de natureza fateusim perpétuo, a Brás de Oliveira e sua mulher Antónia Lopes, ou mesmo a ascendentes de qualquer destes. Por sua vez, ela, por testamento, de cerca de 1586, legou esta casa ao Convento, que veio a emprazá-Ia.

b) As restantes casas pertenceram a António Moreira de Vasconcelos e a sua mulher Maria do Couto de Vasconcelos (5.ºs avós de D. Vitória de Lacerda), que viveram nas últimas décadas do século XVI e princípios do XVII, e, por falecimento daquele António Moreira, por força de partilhas feitas em 1609, entre sua viúva e filhos, vieram a pertencer a Natália do Amaral e Vasconcelos, casada com Aires Ferreira do Carvalhal; por sua vez, aquela Natália, já no estado de viúva, e seus ditos filha e genro, venderam-nas a Domingos Homem Soares, casado com Maria de Andrade (também 3.ºs avós de D. Vitória de Lacerda). por escritura de 13 de Fevereiro de 1656.

Por inventário a que se procedeu, em 1674, por óbito daqueles Domingos Homem Soares e mulher, as aludidas casas ficaram para sua filha Inês, casada com Diogo Moreira de Vasconcelos (bisavós de D. Vitória de Lacerda).

Estamos também informados pelo livro de Huette Bacelar, que o António Moreira de Vasconcelos deu de aforamento todas as casas, objecto da venda que sua filha e seus netos fizeram ao Domingos Homem Soares, pela aludida escritura de 13 de Fevereiro de 1656 «aquela corrente de Cazas, q.e fica entre a Rua Direita, da dita Vila, e a travessa q.e fica entre a Rua Direita, da dita Vila, e a travessa q.e vay p.ª a lavandeira, e estão pegadas á Capela de St.º António».

Penso que Huette errou naquele limite, até à rua Direita, abrangendo, assim, a Casa da Sisa. Se na verdade a incluía, temos que concluir que a posse do António Moreira e as transmissões feitas, daquela corrente de Casas, até ao Domingos Homem Soares, derivavam, em parte, de direito enfitêutico (casa da Sisa) e, em parte (restantes casas). de plena propriedade o que nos parece vir a ser confirmado quando, mais adiante estudarmos o contrato de 27 de Agosto de 1662 pelo qual o Domingos Homem Soares tomou de aforamento, ao Convento, a Casa da Sisa e a que andava emprazada a Pero de Pinho (que, como se dirá, era uma e a mesma casa).

Temos, porém, conhecimento, e nisto parece que não há dúvidas, que o aforamento da aludida corrente de casas foi feito pelo António Moreira de Vasconcelos a um tal Pascoal de Andrade, contrato que também abrangia os campos e que, a este enfiteuta, sucedeu, e nesta qualidade, o Domingos Homem Soares que, assim, possuiu o prédio até que o comprou em 13 de Fevereiro de 1656.

Quanto aos campos:

Pertenceram, em plena propriedade, ao António Moreira de Vasconcelos, que como se disse, os emprazou, juntamente com as casas, ao Pascoal de Andrade, sucedendo a este, como enfiteuta, o Domingos Homem Soares que, por escritura de 23 de Abril de 1645, por sua vez, os deu de aforamento a Maximino Gomes e mulher «em primeira e segunda vidas, terceira, filho ou filha» que possuíam os campos quando aquele / 73 / Domingos Homem Soares, por força da aludida compra de 13 de Fevereiro de 1656, passou a ser senhor deles em plena propriedade. Posteriormente, estes campos ficaram, assim como as casas e quintal (como já referimos), para a filha deste, de nome Inês (casada com o Diogo Moreira de Vasconcelos), transmitindo-se depois, sucessivamente, para seu filho Bernardo Moreira de Vasconcelos, casado com Bernarda Sofia Leão e destes para seu filho Diogo Moreira Cardoso de Vasconcelos casado com Josefa Violante de Vasconcelos e, ainda, destes para sua filha D. Vitória de Lacerda e seu marido Huette Bacelar, que o fez incluir no tombo da sua casa.

Quanto aos enfiteutas também ficamos a saber que esse direito se foi sucedendo do Maurício Gomes e sua mulher (aludido contrato de 23 de Abril de 1645, que deve ser o mesmo a que Huette Bacelar se refere quando diz a fls. 187-v.º – «Em o ano de 1645 se emprazou», até Domingos Leite e Manuel Coelho, que era o enfiteuta quando Huette Bacelar escreveu o seu citado livro em 1774 (fls. 188 e 188-v.º).

A história das casas em referência, a partir de 1662, envolveu-me em maiores dificuldades.

Consta de uma petição feita, neste ano, pelo «R.º Prior do Most. de Spr. Sant.º desta Villa» (Tombo do Convento de S. João Evangelista – Vol. 10 fls. 3) «que a elles lhe pertencem huas cazas suas nesta Rua por cima das suas da Praça as quais teve por prazo de tres vidas hum P.º de Pinho e sua m.er já defuntos e por os herd.os serem moradores em Lx.ª e não tratarem dellas ficarão devolutas e as ocupou com sua form.ª (?) D.os (?) Ferreira...»

Pedem, aí, que lhes faça entrega do mesmo prédio, o que obtiveram por competente auto de posse: «e porque agora abrão mão delas por estarem pera arruinar de todo como he notório aos visinhos requerem que se segurem ao supt.e o deve fazer para assegurar o foro q.e tem de dousent.os reis e hum frango em cada hum ano e direitos de lutuosas q.e se lhe estava a dever o qu.e tambem ha atalhar a que caindo suceda algum perigo, e se impida a Rua publica, a que os herdeiros (se os ha) a quem pertensa o prazo ou renovação não hão de fazer por não a verem vir posuidas as ditas cazas. E o supp.te se quer apossar dellas sem pesuiso de terceiro e do direito que tem nas ditas casas como direitos senhorios o que tudo he notorio».

Tudo se transcreve pelo alto interesse que este documento tem para o estudo da Casa da Sisa e apreciação do contrato de emprazamento que o Convento fez, em 27 de Agosto desse mesmo ano (Tombo do Convento de S. João Evangelista L. 8.º pág. 109). Do mesmo documento, onde está inscrita aquela petição, consta o auto de posse conferido em 25 de Abril do mesmo ano, mas dele não constam as confrontações do prédio.

Por aquela escritura que denominaram de «publico» instrumento de contrato de emprazamento» que «innovaram em vida de tres pessoas e tres vidas cumpridas e acabadas e mais não» – «o Mosteiro do Espirito Santo desta Villa que he da Ordem de Sam João Evangelista», por intermédio dos seus representantes, deu de emprazamento ao aludido Domingos Homem Soares, de «entre os mais bens de raiz que lhes pertensião e a seu Mosteiro de que estavam em pasifiqua posse» – «humas casas chamadas da Siza e qu.e fiquarão de pero de pinho sitas na Rua e Prasa desta ditta Villa que partem do nasente com ele dito Domingos Homem Soares e do poente com a Rua Publiqua e do norte com as casas de Filipa Corrêa que fiquarão de Francisco Gomes e do sul com a Prasa e com as demais confrontacoes com que de direito devão e ajam de partir e de marquar as quais casas estão hoje terseiras e pertensem ao ditto Mosteiro» – acrescentando – «e por assim lhe pertenserem e serem prop. evidente do ditto Mosteiro e o presentamente de suas rendas andarem as ditas Casas moradas deseram elles ditos reverendos padres que elles por esta publiqua escritura emprazavão como de facto logo emprazaram as ditas Cazas de Sisa E as q.e foram de pero de pinho e todas as suas pertensas ao dito Domingos Homem Soares e sua molher em primeira e segunda vidas e pera um filho ou filha dantre ambos em terseira vida qual o que delles mais viver em hua vida ou a ora da sua morte mais nomear queser em terseira vida de modo que seram tres vidas cumpridas e acabadas e não tendo filho nem filha nomearam uma pessoa de sua gerasam que será sempre de leguitimo matrimonio e não sera de maior condisom que elles caseiros nem das defesas em direito poribidas».

É curioso notar que, entre as cláusulas do contrato, figuram as de os caseiros se obrigarem a levantar as casas todas as vezes quantas cair e a nelas fazerem benfeitorias de maneira que «sempre andem melhoradas e não peoradas».

A pensão anual foi fixada em 800 reis com a obrigação, para o Mosteiro, de pagar ao Castelo o foro a que a Casa da Sisa estava obrigada (que era de 100 reis como adiante se verá) clausulando-se, ainda, que os enfiteutas podiam alienar as casas aforadas, com direito de preferência para o Mosteiro. Infelizmente não consta do título que me foi dado ver, a medição das casas, como era de uso e costume, mas, como se verá pelo desenvolvimento deste estudo os da Sisa devem corresponder às que, em 1705, tinham, de norte ao Sul, cinco varas e meia e, do nascente ao poente, cinco varas e, em 1708, do nascente a poente, a facear com a praça, cinco varas e do norte a sul, a facear com a rua pública (Rua Direita). cinco varas e meia.

Assim, em 1662, o Domingos Homem Soares era senhor das mencionadas casas da ala norte da Praça, / 75 / em pleno domínio, com excepção da da Sisa, do qual era mero enfiteuta, casas que em toda a sua extensão iam da Rua Direita à da Lavandeira tendo, no seu topo, deste lado, a Capela ou Oratório de Santo António, que devia estar integrada na última casa ou faceando com ela, na embocadura da referida rua da Lavandeira, como se apreciará oportunamente no Capítulo II.

Noutro livro do tombo do Convento – arrecadado na Biblioteca da Câmara Municipal da Feira, que também acompanhou os demais cedidos pela Direcção-Geral da Fazenda Pública, encontrei a cópia de uma escritura de grande interesse para este trabalho.

É um grosso volume de 436 páginas contendo, por cópia, o tombo do referido Convento, feito e sentenciado pelo Doutor António da Rocha Manrrique, do Desembargo de Sua Majestade, por Ordem da Rainha e a requerimento do «Reitor e Religiosos do Convento do Espírito Santo da Congregação de Sam João Evangelista, cito na Vila da Feira livro que, em suas páginas, está rubricado por aquele Desembargador, que foi o mesmo que fez o já referido Tombo da Casa da Feira (Infantado). É precedido por um índice de natureza particular e tem, em anotação, os seguintes dizeres «Antes de tudo Vejase o Livro do P.e M.e Jorge de S. Paulo a fls. 257» e, a tinta vermelha, n.º 1. Conclui-se que aquela cópia era constituída por mais de um volume.


Rua Direita (de sul para norte).-
Frente: Praça Velha e casa de Francisco Plácido Resende (1º quartel do séc. XX)

A fls. 29 está copiado um auto com o seguinte título «Auto de reconhecimento que fizeram o Lecenciado Mathias Soares e sua molher desta villa de hum escriptorio das Cazas em que vivem na Praça desta Villa que he de prazo de vidas e a Renda que delle paguam ao Convento de Esperito Santo desta Villa e seus Religiozos dereitos senhorios».

Deste auto, feito em 25 de Agosto de 1705, consta que o Convento deu de emprazamento ao Licenciado Matias Soares e a sua mulher Jacinta de Mello Teixeira, e pela renda de 800 réis anuais: «O escriptório das Cazas em que vive o Lecenciado Mathias Soares citas na praça desta Vila que tem de comprido do norte ao sul sinco varas e meia e do nascente ao poente sinco varas confronta do nascente com as cazas delle cazeiro e do poente com a Rua e do norte com cazas de António Rodrigues Bucho e do sul com a praça desta Villa e pellourinho della».

Do mesmo auto ainda consta a declaração daquele Licenciado que dos bens pertencentes ao Convento, «trazia e pessuia tam somente hum escritorio das cazas em que vivia que hera de natureza de prazo de vidas de que era dereito senhorio o dito Convento e seus Religiosos e por tais os Reconhecia a quem paguava de Renda do dito escritorio em cada hum anno por dia de Sam Miguel de Setembro outo centos reis em dinheiro a qual renda confessavam pagar ao dito Convento cujo prazo estava vaguo pellas vidas delle serem fallecidas e estava pessuindo o ditto escriptorio por huma carta de compra que fizera a Diogo Moreira desta Villa pesuidor que hera do dito prazo o qual aprezentou loguo e mostrava ser feyto em trinta diguo em trinta e hum de Outubro de mil seiscentos e outenta e nove nas notas do Tabeliam Joam Lopes Correia desta Villa».

O texto do auto, no seu início, dá como presente o reconhecente, o dito Licenciado, mas no seu decorrer diz-se que o assina sua mulher Jacinta de Mello Teixeira por ele ter falecido, ordenando-se na respectiva sentença, proferida pelo Doutor Manrique, de 27 do mesmo mês e ano, que se fizesse a renovação do prazo por estarem extintas as vidas, condenando a dita Joana a pagamento do Laudémio «da compra que fizeram». Não obstante as referidas declarações verifiquei pelo registo de óbito do dito licenciado Matias, que ele faleceu em 13 de Março de 1706, o que não abona a autenticidade das datas mencionadas no dito auto e nos põe de sobreaviso sobre as demais constantes do tombo. E, em verdade, se repararmos no número de autos que se faziam com a mesma data, vemos que as datas que lhes eram atribuídas não deviam corresponder, na sua totalidade, à verdade.

Daquele documento se vê que o Diogo Moreira de Vasconcelos, que sucedeu no prazo da casa da Sisa por herança de seu sogro Domingos Homem Soares, fez venda do seu direito ao Matias Soares em 31 de Outubro de 1689 e que, por sua vez, juntamente com sua mulher, reconheceu a sua qualidade de enfiteuta ao Convento por escritura de 25 de Agosto de 1695 – sendo neles renovado, por vidas, o dito prazo, legalizando-se, assim, a situação criada por aquela compra feita 6 anos antes, tendo-se pago o respectivo laudémio. Aquela compra deve ter abrangido também as demais casas daquela ala norte da Praça, pois no referido auto de reconhecimento não só se diz que o escritório era o das casas onde ele vivia, mas ainda o faz confrontar, pelo nascente, com «cazas delle cazeiro».

A renovação ordenada veio a operar-se por novo contrato de emprazamento.

Assim, por escritura de 1 de Maio de 1708, o Mosteiro e Convento emprazaram a José Soares de Mello, filho daquela Jacinta de Mello Teixeira «veuva que ficou do Licenciado Mathias Soares moradores nesta dita villa», «as cazas sitas na Prasa desta que hoje se achão mistas com outras cazas asim do poente como do nascente e também confrontavam com a rua publica desta dita Villa e pella parte do norte com cazas de Manuel (ou António?) Rodrigues Bucho e do sul com a prasa publica para onde tinha a porta e asi com fronteira com o pelourinho della». (Tombo Livro 9.º – pág. 60). / 76 /

Esta casa, segundo o dizer daquela escritura, era sobradada e tinha, de norte a sul, 5 varas e meia e, do nascente ao poente, cinco varas «a qual caza hoje se chamam do escriptorio e alqueve (5), das sisas e ficava a dita caza da parte do poente dando principio (aqui se acham humas palavras que se não sabem ler» (6), continuando, a mesma, no seu texto «e porque a dita caza era de todos elles Reverendos Padres e seu Convento pertenciam a elle dito José Soares de Mello o dito prazo em resam de ser filho mais velho do dito Ld.º Mathias Soares e este o nomear sendo a terceira vida do dito prazo... pela lei do Reino...».

O emprazamento foi feito por 750 réis, acrescido de 100 réis que os padres se obrigaram a pagar ao Castelo, conforme direito deste e por três vidas, sendo a 1.ª dele José Soares de Mello e a 2.ª de sua mulher se viesse a casar, sendo a terceira e última conforme os costumes de tais prasos, concluindo-se, assim, que ao tempo o José Soares era solteiro.

Do exposto, e considerando a história da casa desde 1662 a 1708, pode concluir-se que a casa denominada da Sisa, ou escritório, ou alqueve das Sisas, era foreira ao Convento e à Casa do Infantado, surgindo, porém, por todo o descritivo feito, uma grande dúvida sobre a sua estrutura, como se vê da petição para a posse requerida pelo Convento em 1662, que dizia respeito – a huas cazas suas nesta Rua por cima das suas da Praça as quais teve por prazo de tres vidas hum P.º de Pinho», casas que estavam a ameaçar ruína e estavam, então, ocupadas por D.os (?) Ferreira.

Vê-se do emprazamento feito ao Domingos Homem Godinho, por escritura de 27 de Agosto desse mesmo ano, que teve por objecto «umas casas chamadas da Sisa e q.e fiquarão de pero de pinho sitas na Rua e Prasa desta ditta Villa» – declarando-se, em seguida, andarem «moradas» e que se emprazavam «as ditas Cazas da Sisa E as q.e foram de pero de pinho e todas as suas pertensas» fixando-se o foro de 800 réis. Neste título deu-se, pelo norte, a confrontar com as casas de Filipa Correa que «fiquarão de Francisco Gomes».

No contrato de emprazamento que o Convento fez ao Licenciado Matias Soares, em 25 de Agosto de 1705 – (casas que ele já possuía desde 1689 por compra feita ao Domingos Homem Godinho), – o seu objecto foi o «escritório» dando-se o prédio a confrontar pelo norte com António Rodrigues Bucho e não com prédio pertencente ao Convento, especificando-se, nesse contrato, que o prédio emprazado tinha de norte a sul 5 varas e meia e de nascente a poente 5 varas.

Por sua vez, no contrato de aforamento que o Convento fez com José Soares de Melo, por escritura de 1 de Maio de 1708, aquela casa é denominada por escritório ou alqueve das sisas, a confrontar pelo norte com Manuel (ou António) Rodrigues Bucho. com o foro de 850 réis, no qual se inclui o de 100 réis devido à Casa da Feira.

E agora pergunta-se:

A casa que foi emprazada pelo Pero de Pinho correspondia à Casa da Sisa ou era uma outra que lhe sucedia para norte. na Rua Direita?

A dúvida resulta sobretudo do referido dizer, no requerimento para posse de Abril de 1662, – «huas casas suas nesta Rua por cima das suas da Praça» –  e do modo confuso como a elas se refere o aforamento feito, em Agosto seguinte, ao Domingos Homem Soares «Humas cazas chamadas da Sisa e q.e fiquarão de pero de Pinho sitas na Rua e Prasa desta ditta Villa» – e no outro passo da mesma escritura em que se diz que se emprazavam «as ditas Cazas da Sisa E as q.e foram de pero de pinho e todas as suas pertensas», não se sabendo se se quis dizer «e as que» ou «é as que».

Penso que a Casa de Sisa e a que ficou de Pero de Pinho era uma só edificação, tendo este ocupado, se não a totalidade dela, pelo menos o seu pavimento superior, o que tudo, ou em parte, estava, a quando da posse requerida pelo Convento, ocupado pelo Ferreira, posse de que não foi desalojado pelo judicial concedida ao Convento – ocupação que motivou dizer-se, no contrato de emprazamento de Agosto de 1662, que ela estava «morada».

Inclino-me para esta hipótese, porque:

a) Apenas conheço como título de aquisição, por parte do Convento, a casa denominada pela da Siza – deixada ao Mosteiro pela viúva de Brás de Oliveira. Antónia Lopes, em seu testamento de que resultou a instituição da Capela em 1686;

b) O contrato de 25 de Agosto de 1705 de emprazamento ao Licenciado Matias diz respeito ao «escritório», designação que por certo se quis dar a toda a Casa da Sisa que se identificou como a confrontar pelo norte com António Rodrigues Bucho e não com prédio pertencente ao Convento (o que tudo deveria corresponder à casa que fora aforada ao Pero de Pinho).

c) Outro tanto sucede, e com igual confrontação pelo norte, no contrato de emprazamento feito pelo Convento ao José Soares de Meio – «do escriptorio ou alqueve das Sizas».

d) Naquele contrato de emprazamento de 25 de Agosto de 1705 foi dito que o «escriptório» tinha de norte a sul cinco e meio varas, de nascente a poente cinco varas e como adiante se verá. a parte aforada à Casa da Feira (conforme reconhecimento feito em 1754) e que só abrangia a casa chamada da Almotaçaria (que era a das Sisas), tinha de norte a sul seis varas e do nascente ao poente cinco varas e um quarto, correspondendo, assim, sensivelmente, uma à outra, as duas referidas medições. Se à casa da Sisa, acrescesse / 77 / a qual fora ocupada pelo Pero de Pinho, a medição atribuída no aludido contrato de 1705 devia ser muito maior;

e) Não encontrei no Tombo do Convento, apesar de uma cuidadosa investigação, qualquer outro contrato de emprazamento referente, exclusivamente, a qualquer casa que o Convento possuísse para norte da da Sisa e se tratasse de duas casas distintas, que no contrato de emprazamento de 1662 se juntaram no mesmo título, posteriormente teria que aparecer um desdobramento de emprazamentos que não encontrei, antes, dos contratos de 1705 e 1708, resulta, como já disse, que o prédio aforado não foi dado a confinar, pelo norte, com qualquer prédio do Convento, convencendo, assim, que a casa da Siso, ou de Almotaçaria, era o único prédio que, naquele local, o Convento possuía e aforava, prédio que faceava pelo poente com a Rua e pelo sul com a Praça – justificando-se, assim, o dizer no contrato de 27 de Agosto de 1662 «citas na Rua e praça desta villa»;

f) O foro fixado no contrato de 1662 (que abrangeu a casa que esteve aforada ao Pero de Pinho) foi de 800 réis e essa renda manteve-se no contrato de 1705 (que só se refere ao escritório) e no de 1708 passou para 850 réis com a obrigação de o Convento dar à Casa da Feira os 100 réis que correspondiam ao seu direito. Sabendo-se que o contrato de 1662 abrangia a parte que fora ocupada pelo Pero de Pinho, se, nos demais, esta parte fosse excluída, não se compreende que o foro se tivesse mantido por quantia igual no de 1705 e levemente superior no de 1708;

g) Se tomarmos em consideração a extensão da casa da Sisa pelo lado poente, confinante com a rua, verifica-se que: as 5 ou 5 1/4 varas correspondem sensivelmente ao comprimento da frente, também do poente, do prédio hoje de Francisco Plácido de Resende (onde foi integrada a casa da Sisa) mesmo levando em conta o recuo que esta casa teve, para norte, de um metro – como adiante se fará referência – por força da obra de reconstrução de 1952;

h) Tomando ainda em consideração a confrontação dada às casas, pelo norte, nas escrituras de 1705 e 1708 – com António Rodrigues Bucho, ou temos que admitir que esta casa correspondia à da Sisa que, pertencendo ao Convento, esteve aforada ao Pero de Pinho, ou que formava casa à parte para norte desta.

Ora, como adiante vai referido a casa que na Rua sucede hoje, imediatamente para norte da casa de Francisco Plácido de Resende (onde está integrada a da Sisa), pertence a D. Maria Júlia Rifa de Araújo, onde existe uma farmácia. Esta casa esteve aforada por 800 réis anuais à Santa Casa da Misericórdia desta Vila, sendo-lhe atribuída, no respectivo contrato de emprazamento feito a Francisco José d'Almeida Cabral e mulher (em 1.ª e 2.ª vidas), por escritura de 27 de Setembro de 1806, como confrontação, pelo sul, «as Casas de baixo que forão do dito António Rodrigues Bucho» e, assim, lembrando que a casa da Sisa foi dada a confrontar, pelo norte, com António ou Manuel Rodrigues Bucho, nos aludidos contratos de emprazamento de 1705 e 1708, há que concluir que a casa do Bucho estava implantada entre a da Sisa e a que hoje pertence à D. Maria Júlia, não dando, assim, lugar à existência de qualquer outra que entre elas se interpusesse;

i) Por isto e ainda porque a frente poente, que deita para a rua, da casa hoje pertencente ao Francisco Plácido de Resende, antes do recuo que esta sofreu de um metro, quando foi remodelada em 1952, tinha uns 7 metros – (o que corresponde sensivelmente às 5,5 e 6 varas atribuídas à Casa da Sisa, respectivamente, nos contratos de 1705 e 1754), somos levados a crer que se verifica a hipótese de aquela casa do Bucho ter sido integrada na casa hoje da D. Maria Júlia, tanto mais que esta tem hoje de frente para a mesma rua sete metros. Dentro daqueles limites de 14 metros (sete atribuídos à casa da Sisa e de outros tantos atribuídos à casa de D. Maria Júlia) não caberiam, seguindo-se, a casa da Sisa (7 metros), a do Mosteiro que tivesse sido ocupada pelo Pero de Pinho e a do Bucho e, finalmente, a que hoje pertence à D. Maria Júlia, o que é mais um motivo para confirmar a tese que defendemos;

j) Lembramos, ainda, que o referido contrato de emprazamento à Santa Casa da Misericórdia da Feira tem a data de 27 de Setembro de 1806 e que nos mês imediatamente anterior (26 de Agosto) operou-se um outro contrato, de transacção (documento existente no arquivo de D. Maria Júlia), entre os proprietários, de então, daquele prédio hoje de D. Maria Júlia, Francisco Xavier de Almeida Cabral e mulher e o da casa da Sisa ou da Almotaçaria, José Joaquim de Almeida, sendo o objecto desta transacção as obras a fazer de modo à devida e suficiente drenagem das águas dos telhados da casa daquele Cabral, visto nas de reedificação e alteamento deste prédio, a que então se procedia, estar prevista a construção de um mirante que deitava sobre o prédio do Almeida.

Assim, se verifica que naquele ano de 1806 os dois prédios já eram imediatamente contíguos e que o prédio denominado da Sisa já era pertença do Almeida. Entrando, agora, em confronto com aqueles dois títulos, feitos com um intervalo de mês, vê-se que o emprazamento feito pela Santa Casa era já a renovação de prazo antigo e porque esse emprazamento não abrangia todo o prédio do Cabral, deram-lhe, para melhor identificação, a que constava do antigo título – «Cazas que farão do dito António Rodrigues Bucho», o que / 78 / convence que esta casa foi integrada na que era do Cabral e hoje pertence à D. Maria Júlia.

Esta integração ou união, na posse do mesmo dono, deve ter-se dado entre 1708 e 1754, como adiante se verá. Demais, vê-se naquele contrato de emprazamento, que o prédio que foi aforado ao Cabral tinha de «norte a sul na salla quatro varas e na salla junto a varanda tres varas e um palmo e na varanda tres varas». Como, por certo, a varanda era para o lado de trás, ficamos com 7 varas e um palmo o que corresponde àqueles referidos 7 metros acrescidos do terreno sobre o qual, mais tarde, e por escritura de 14 de Junho de 1843, Francisco Xavier de Almeida Cabral e mulher D. Maria Bernarda Pereira Silva Vilela autorizaram o dono do prédio confinante do lado norte (Henrique Vicente da Costa Neves) a prolongar a sua casa, para sul, por cima da portaria da casa daquele Cabral existindo, ainda hoje, por baixo deste aumento, o portal que dá serventia, para a Rua, do pátio da casa da D. Maria Júlia;

k) No aludido contrato de emprazamento a José Soares de Melo de 1708, diz-se que o «escriptório ou alqueve das sizas confrontava pelo sul com a praça pública» – «onde tinha a porta». Daqui se pode concluir que não tinha porta para a Rua, o que convence que a habitação estava na própria Casa da Siza;

I) Finalmente, e lembrando os dizeres já referidos da escritura do emprazamento feito ao Domingos Homem Soares, em 1662, «Cazas chamadas da Siza e q.e fiquarão de pero de pinho» e «emprazaram as ditas Cazas da Siza E as q.e foram de pero de pinho» estes devem entender-se, como expressões sinónimas, e assim, «E» deve ler-se «É» e não «E», interpretando-se, deste modo, o respectivo texto, como referindo-se a uma só casa e não a duas.


Casa de Francisco Plácido de Resende antes das obras de 1952.

No Tombo da Casa da Feira (infantado) foi lançado, em 1754, o reconhecimento do pagamento do portado por parte de uma tal Joana Rosa «Viuva que ficou de Alvaro Rodrigues de uma galinha sem ovos da Casa em que vive...».

Dada a igualdade de apelido, é possível que ela se reporte à de António Rodrigues Bucho, mas esta hipótese fica excluída se, na verdade, a união, ou integração, da Casa do Bucho com a que hoje pertence a D. Maria Júlia, se operou entre 1708 e 1745, a não ser que depois da aquisição daquela casa, o dono desta tivesse emprazado o prédio.

Ainda não consegui descobrir a genealogia do mencionado Licenciado Matias Soares que devia ter sido de boa linhagem, o que sucedia, na generalidade, na época, aos que alcançavam tal grau académico: foi Tabelião na Vila da Feira.

Tenho na minha mão a certidão do registo do seu óbito, mas nela não figuram os nomes dos seus ascendentes, mas apenas que faleceu «apressadamente de um acidente» em 13 de Março de 1706, estando sepultado na Igreja da Feira, na sexta fiada da parte do Evangelho.

Quanto à mulher Jacinta Teixeira de Melo, apenas apurei que, em 1 de Maio de 1967, e dada como mulher do Licenciado Matias Soares, da Vila da Feira, interveio como madrinha de baptismo no registo de nascimento de Jacinto Luís de Azevedo, que foi cura na Igreja de S. Martinho de Arada, filho do Licenciado Manuel Luís Brandão, que foi advogado nos auditórios desta comarca da Feira e de Páscoa da Costa Azevedo, neta, pela linha materna, de Domingos da Costa e Azevedo e de Maria de Sá, (L.º dos Assentos da freguesia de Riomeão, deste concelho, fls. 420); e em 21 de Março de 1715, já como viúva daquele Matias Soares, interveio, também, como madrinha de baptismo de Leonardo Caetano de Azevedo e Melo, nascida em 13 do mesmo mês e ano na Casa de Alpossos, da dita freguesia de Riomeão, casada com João Álvares de Amorim e era bisneta, pelo lado paterno, do dito Domingos da Costa e Azevedo.

Tudo isto interessa saber, porque este era bisavô de D. Jacinta Luísa de Azevedo que, juntamente com seu marido José de Sá Pereira Brandão, foram senhores das casas que estamos a estudar. Tudo leva a crer que aquela D. Jacinta Teixeira de Melo estava ligada, por parentesco, àquela D. Jacinta Luísa, o que adiante será anotado.

E, agora, partindo de 1708, e na base da mesma unidade, encontramos nova notícia, das casas, em 1754.

No Tombo da Casa da Feira (Infantado), a fls. 158 a 161 do 1.º Volume, está transcrito um título feito em 17 de Agosto de 1754, em que os referidos José de Sá Pereira Brandão e sua mulher Jacinta de Azevedo e Melo «moradores na sua quinta da Torre da freguesia de Paços de Brandão» (7) reconheceram, à referida Casa, a obrigação do pagamento do foro de cem réis em dinheiro, em cada ano, imposto numas casas que possuíam «sitas na Praça desta villa chamadas da Almotasaria (8) as quais são de natureza de praso de seus direitos senhorios as Reverendos Padres Loyos do Convento do Espirito Santo desta Villa».

Do respectivo auto de medição consta «As cazas atras reconhecidas que constão de huma salla sobradada com duas janelas huma para a parte do sul e outra para a parte do poente as quais medidas pela parte do sul tem de nascente ao poente cinco varas e hum quarto e pella parte do poente do norte a sul seis varas (9) confrontando da parte do nascente com casas de Serafim Caetano dos Reis de que he senhorio o dito José de Sá Pereira Brandão, do poente com a rua publica desta vila e do norte, com casas de um escrivão (10) e do sul com a via da Praça desta Villa».

/ 79 / Este reconhecimento refere-se, sem dúvida, ao emprazamento da falada casa da Sisa, então conhecida por «Caza da Almotasaria». E aqui continuamos a verificar o mesmo sucedido anteriormente e já foi posto em relevo; o enfiteuta da referida casa da Sisa ou da Almotaçaria era o proprietário da restante fieira de casas que marginavam a Praça, pelo norte, até à rua da Lavandeira.

Deste modo, aparece-nos a dita casa da Sisa a confrontar do nascente com Serafim Caetano dos Reis, de que era Senhorio o enfiteuta da casa da Sisa – referido José de Sá Pereira Brandão: e aqui senhorio não significa relação do inquilinato mas sim enfitêutico, porque do mesmo tombo consta a fls. 68-v.º o reconhecimento, por parte deste Serafim – à Casa da Feira – do pagamento do portado – «Uma galinha sem ovos» encargo que, como dissemos, era pago pelos proprietários ou posseiros como enfiteutas dos prédios que deitavam para a rua, mas nunca pelos arrendatários.

Do mesmo Tombo consta, a fls. 109, o reconhecimento do pagamento, por parte do referido José de Sá Pereira Brandão, à Casa da Feira, do portado – «das Casas que possue na rua desta villa em que de presente assiste por aluguer Mariana Ferreira Vendeira» casas estas que devem ser as referidas «da Siza». Do Tombo não consta a data deste reconhecimento mas pode-se concluir que foi feito em 1756.

Temos agora que levar em conta um contrato de emprazamento feito em 29 de Maio de 1745 nas notas do tabelião, que foi desta vila, de nome Filipe Jacome de Azevedo, do qual tenho, no meu arquivo, a competente certidão (nesta certidão diz 1741 o que deve ser engano tendo em conta que as datas das apegações são de Maio de 1745).

Dele consta que o aludido José de Sá Pereira Brandão, por si e como procurador de sua mulher Jacinta Luísa de Azevedo e Melo (procuração de Outubro de 1739), então residentes na sua quinta de Paços de Brandão (a aludida Casa da Torre), deram de emprazamento umas casas e quintal que possuíam na praça da Vila da Feira (as quais se contavam – entre os demais bens de raiz que diziam pertencer-lhes) «dizimas a Deus» que constam de «tres salas para a parte do sul com suas janelas», nos seguintes termos, conforme apegação feita em 26 do mesmo mês e ano:

1) A Bernarda Caetano de Almeida, solteira, filha de Domingos de Almeida e Antónia Rodrigues, que então já era viúva;

a) Item «A casa do meio chamada a casa grande casa do Estrado alcova e lojas sobradadas e telhados, que tudo medido pelo meio, tem de comprido do nascente ao poente nove varas e meia, e de largo do norte ao sul seis varas e tres palmos e meio; parte do nascente com casas do mesmo senhorio a esta contíguas, e do poente com casas do mesmo, que são de prazo, e do norte com casas do mesmo e do sul com a praça publica onde tem as portas principais»;

b) «Item se mediu uma casa que algum dia serviu de cozinha, que hoje se acha demolida pegada e unida a sala referida para a parte do norte a qual cozinha tem de comprido do norte a sul sete varas e palmo e meio e de largo do nascente ao poente tem na cabeça do norte duas varas e tres quartas, e na cabeça do sul quatro varas e um palmo: parte do nascente e sul com casas e terras do mesmo senhorio herdade dizima a Deus, e do norte e poente com casas de José Caetano Correia Gomes»;

c) «Item se mediu o quintal, que tem de comprido pelo meio quarenta e oito varas e tres palmos e meio e de largo do norte ao sul na cabeça do nascente tem onze varas, e na cabeça do poente pegado a mesma cozinha tem de largo quatro varas e dois palmos por onde terá a servidão de pé para o dito quintal, parte do nascente com a viúva de Francisco Correia Martins, e do norte com José Caetano Correia Gomes, e das mais partes com terras, e casas do mesmo senhorio, esta tapado de muro da parte do norte, o qual é pertença desta apegação, levará de semeadura meio alqueire de centeio cujo quintal tem arvores de fruto e sem ele e pelo meio corre um rego de água que vem da ribeira de Luís Soares».

2) A Joana Rosa de Almeida, irmã daquela Bernarda Caetano de Almeida, mulher de Custódio Coelho, ausente «nas partes ultramarinas».

a) «Item se mediu sua casa sobradada com sua loja chamada da Lavandeira que tem de comprido do nascente a poente oito varas em vão, e de largo do norte ao sul na cabeça do nascente sete varas e um palmo, e na cabeça do poente seis varas e tres palmos; parte do nascente com terra e quintal que vai nesta apegação, e do poente com casas do mesmo senhorio pertencentes à apegação atrás copiada e do sul com a praça pública para onde tem as portas principais e do norte com terras do mesmo senhorio».

b) «Item a metade do quintal que corre de fronte das mesmas casas para a parte do nascente que tem de comprido do nascente ao poente assim como vai o muro pelo caminho da Lavandeira até ao cunhal das mesmas casas cinquenta e duas varas e meia, e medido pela parte do norte, tem de comprido do nascente ao poente quarenta e nove varas e meia, e de largo do norte ao sul na cabeça do nascente dez varas e meia, e na cabeça do poente tres varas e meia; parte do nascente com a viuva de Francisco Correia Martins da Lavandeira e do sul com o caminho que vai para a Lavandeira por onde está tapado com muro que é pertença desta medição, e das mais partes, com terras e casas do mesmo senhorio levará de semeadura meio alqueire de centeio tem / 80 / arvores de vinho e fruta, e água que vem da ribeira de Luis Soares, e pelo meio de uma e outra medição irá o caminho a menos perda para servidão das caseiras possuidoras deste praso, de sorte que sempre será o caminho de carro por onde antigamente era pela parte do nascente ficando ambos as caseiras e seus sucessores e vidas deste prazo obrigadas a concertar, renovar e reedificar as portas do carro igualmente prorrata».

A cada um dos emprazamentos foi atribuído o foro de 3.500 reis (especificando-se quanto ao feito à Bernarda que tal preço fora calculado – atendendo a tudo estar danificado) a pagar no dia de S. Miguel em casa do senhorio «na sua quinta de Paços de Brandão (já aludida casa da Torre) com lutuosa e domínio de dez-um.

Todo o emprazamento foi «por título de novo praso» o que convence que outro o antecedeu e, na forma do costume da época, devia ter sido, em primeira e segunda vidas, os pais dos novos enfiteutas – os referidos Domingos de Almeida e António Rodrigues: como este emprazamento estava na segunda vida, por o Domingos de Almeida já ter falecido, renovaram-no naqueles que se sucederiam em terceira vida «filho ou filha» como era hábito em contratos de tal natureza para, deste modo. se constituirem mais três vidas, meio com que se procurava, na época, diminuir os inconvenientes de os emprazamentos não serem perpétuos, como o passaram a ser depois da publicação do Código Civil.

Assim sucedeu porque neste «título de novo praso» foi estipulado que o emprazamento era feito na caseira Bernarda Caetano de Almeida» em primeira vida, e o marido com quem casar em segunda e um filho ou filha legítima de entre ambos...» e na caseira Joana Rosa de Almeida «em primeira vida, e em segunda o dito seu marido ausente e em terceira um filho ou filha de entre ambos...»

Consultando o Tombo da Casa da Feira (Infantado) encontram-se os seguintes reconhecimentos de obrigação do pagamento do portado de uma galinha sem ovos, de:

a) Serafim Caetano dos Reis – em 5 de Dezembro de 1754 (Tombo fls. 68-v.º);

b) Joana Rosa de Almeida «moradora na Praça desta villa do portado de uma galinha sem ovos, pelas casas em que vive», da mesma data (Tombo fls. 69-v.º);

c) José de Sá Pereira Brandão, de uma galinha sem ovos «de portado das casas que possue na rua desta villa em que de presente assiste por aluguer Mariana Ferreira Vendeira» por si e como procurador de sua mulher Jacinto Luisa de Azevedo (Tombo fls. 109): não tem data, mas como este reconhecimento está situado, no Tombo, (em último lugar dos relacionados como obrigados ao pagamento do portado e o que imediatamente lhe antecede tem a data de 13 de Fevereiro de 1756, é de presumir que fosse esta a data em que se fez o aludido reconhecimento.

Novamente se lembra que o imposto do portado contava-se por uma galinha sem ovos por cada casa e, assim, cada um dos referidos prédios era formado por uma só casa.

Analisando com atenção o referido contrato de emprazamento de 1745, documento de grande alcance para a história destas casas, nota-se que:

A) O senhorio começa por declarar que possui, além de outros bens de raiz, umas casas e quintal na praça – dízimas a Deus – que constam de três salas para a parte do sul com suas janelas e, assim, exclui desta referência aquela de que era simples enfiteuta e de que eram senhorios directos a Casa do Infantado e o Convento (referida Casa da Sisa ou da Almotaçaria).

B) Deu de aforamento a Bernarda Caetano de Almeida:

a) «A casa do meio chamada a casa grande do Estrado, alcova e lojas sobradadas e telhados a confrontar do nascente com casas deste senhorio a esta contígua (ou seja a que aforou à Joana Rosa de Almeida), do poente com casas do mesmo senhorio que são de prazo (ou seja a casa da Sisa ou da Almotaçaria), do norte com casas do mesmo (que deve ser a casa da cozinha que lhe ficava pelo norte) e do sul com a praça;

b) A referida casa da cozinha, demolida «pegada e unida à sala referida para a parte do norte, a confrontar do norte e poente com casas de José Caetano Correia Gomes (que devem ser as que hoje pertencem a D. Maria Júlia Rifa de Araújo – com frente para o largo dos Condes de S. João de Vêr) e do nascente e sul com casas e terra do mesmo senhorio (ou seja pelo nascente o quintal que também lhe aforou e pelo sul a casa referida na alínea anterior);

c) O quintal que corria atrás desta casa e da que se segue, que parece não atingia a rua da Lavandeira.

C) Deu de aforamento à Joana Rosa de Almeida e marido Custódio Coelho:

a) Outra casa, a que ficava para nascente, chamando-lhe a da Lavandeira, pois era a que ia até à rua da Lavandeira, atribuindo-lhe como confrontações, do nascente «a terra e quintal que vai nesta pegação» (quintal adiante referido), do poente «com casas do mesmo senhorio pertencente à apegação atrás copiada» (que são as referidas na alínea B) – sul com a praça pública, e norte com terras do mesmo senhorio (referidas na alínea B-c);

b) «Metade do quintal que corre defronte das mesmas cazas para a parte do nascente» partindo «do nascente com a viuva de Francisco Correia Martins / 81 / da Lavandeira, do Sul com o caminho da Lavandeira por onde está tapada com muro que é pertença desta medição e das mais partes com terras e casas do mesmo senhorio» (referidos na alínea B).

Assim se conclui que, para nascente desta casa que ia até junto da rua da Lavandeira, ao tempo, não havia outra qualquer que imediatamente se lhe seguisse.

Tudo isto se frisa para demonstrar o raciocínio feito para localização das casas.

Deste modo, o José de Sá Pereira Brandão aforou apenas as que eram Dizimas a Deus (excluindo, por isso a da Sisa ou da Almotaçaria), ou sejam as do meio ou do Estrado, aforado à Bernarda – que mais tarde foi aforada a Serafim Caetano dos Reis e a que foi aforada à Joana.

É conveniente lembrar agora, que o aforamento de 1708 foi dado em primeira vida a José Soares de Melo, então solteiro e que a mulher do José de Sá Pereira Brandão se chamava Jacinto Luiza de Azevedo e Melo. Dada a proximidade entre esta data de 1708 e a de 1745, em que o Pereira Brandão e mulher deram de aforamento as Casas da Praça e dado o apelido Melo, comum ao José Soares e à mulher do Pereira Brandão, é de presumir que se tivesse operado transmissão, por qualquer título, daquele para esta, que, como adiante se referirá, foi a senhora das Casas da Torre e da Capela de Paços de Brandão.

Pelo que ficou exposto, a face norte da praça, em 1745, era formada na direcção poente-nascente: casa da Almotaçaria, de que era enfiteuta o José de Sá Pereira Brandão e, em seguida, as casas pertencentes a este, dizimas a Deus, formadas pelas três salas (que deviam ser grandes) emprazadas, respectivamente, a Bernarda Caetano de Almeida e a Joana Rosa de Almeida e marido Custódio Coelho; é provável que a casa do meio, aforada aquela, reunisse duas salas, pois a chamavam Casa Grande, e era formada por casas e lojas sobradadas e se lhe foi atribuído igual foro à da outra, isso resultou do seu estado de ruína.


Praça do Dr. Gaspar Moreira (de sul para norte):
Frente direita: actual casa de Francisco Plácido Resende.
Frente esquerda: casa que foi de José Maria Cochofel Pinto Leitão

 

Em 1754 e 1756 – tendo em atenção os referidos reconhecimentos do portado verifica-se que apenas se tinha operado uma transmissão: a da casa aforada à Bernarda Caetano de Almeida que, a quando do contrato, era solteira, transmissão que se devia ter praticado, por título que desconheço, a favor de Serafim Caetano dos Reis que, em 1754, estava sujeito ao encargo do portado, nem de outro modo se pode compreender visto este Serafim ter sido enfiteuta do José de Sá Pereira Brandão e este não possuir, na Praça, outras casas, além das que aforou pelo dito contrato de emprazamento de 1745 e a da Almotaçaria aparecer, no contrato de aforamento feito em 1754 àquele Brandão, pela casa do Infantado, a confinar do nascente «com Serafim Caetano dos Reis de que he senhorio o dito José de Sá Pereira Brandão».

Como dissemos, a integração ou união da Casa que foi de António Rodrigues Bucho com a casa hoje de D. Maria Júlia deve ter-se operado entre 1708 e 1754 e isto porque até 1708 (contrato de emprazamento a José Soares de Melo de 1 de Maio), a confrontação da casa da Sisa ou da Almotaçaria, pelo norte, era com o Manuel, ou António, Rodrigues Bucho e, em 1754 (contrato de emprazamento a José de Sá Pereira Brandão de 17 de Agosto), o confrontante, pelo norte, passou a ser o escrivão do Tombo José Caetano Correia Gomes, que já aparece como confrontante, das demais casas da ala norte, no contrato de emprazamento feito, em 29 de Maio de 1745, por aquele José de Sá Pereira Brandão à Bernarda Caetano de Almeida e sua irmã Joana Rosa de Almeida: a reserva que fazemos resulta da possibilidade da família Bucho ainda ser, então, proprietária da casa a norte da da Sisa, pois este contrato de aforamento diz respeito às casas que ficavam para nascente desta. Sendo a casa do José Caetano a que hoje pertence à D. Maria Júlia (e deve ser, não só pelo que adiante vai referido, e ainda porque o escrivão do Tombo, por certo, não morava em casa tão modesta como devia ser a do Bucho) encontramos, assim, mais uma confirmação à tese daquela integração ou união, que se deve ter operado entre 1708 e 1754. Apenas há uma particularidade. que pode ser mera coincidência, que me faz hesitar: é a circunstância do José Caetano Correia Gomes ter apelido semelhante aos que, nos contratos de venda de 13 de Fevereiro de 1656 (da D. Natália ao Domingos Homem Soares) e de emprazamento de 27 de Agosto de 1662 (do Mosteiro ao mesmo Homem Soares) são nomeados como confrontantes da Casa da Sisa, pelo norte, respectivamente «Filipa Correia» e «Filipa Correia que ficarão de Francisco Gomes» – o que pode fazer crer que o José Caetano sucedeu a estes e assim poder-se supor que a integração da casa do Bucho se deu com a casa da Sisa e não com a da D. Maria Júlia, o que não creio por tudo quanto já expus. O certo, porém, é que quer se verifique um caso ou outro, isso não influi, fundamentalmente, na história das casas do estudo. Consegui averiguar, no Arquivo da Santa Casa da Misericórdia desta Vila da Feira e por um livro que se destinava às descargas de rendas, sensos e foros a ela devidos, e tem o seu termo de abertura de 3 de Abril de 1792, que a fls. 6 (com referência ao Lº M.e fls. 6) está inscrito, em terceiro lugar, como foreiro e com o foro de 800 réis anuais, o José Caetano Correia Gomes com a descarga de pagamento desde 1792 a 1803 dizendo, em seguida, «Pág. 1825 e deve atrasada». Naquela inscrição diz-se que o Correia Gomes vivia no prédio emprazado.

/ 82 / Tem com outra letra segunda anotação «agora seu neto Francisco Xavier de Almeida Cabral».

É possível que aquela inscrição tivesse por base o titular do último emprazamento em vigor e que, por morte do que representava a terceira vida, talvez o filho de Correia Gomes, se tornasse necessário fazer a renovação do emprazamento na pessoa do Almeida Cabral que passou, com sua mulher, a representar a primeira e segunda vida no aludido emprazamento de 27 de Setembro de 1806.

A fls. 69 aparece como foreiro aquele Francisco Xavier – com a seguinte nota: Pago até 1832 e a fls. 171-v.º. O mesmo está anotado como devedor, à mesma Santa Casa da Misericórdia, de 20205 réis por escritura de 29 de Maio de 1833 nas notas do Tabelião S. Paio, com a seguinte anotação: vence de juro 1012=.

Aquele foro de 800 réis anuais é, sem dúvida, o mesmo a que diz respeito a aludida escritura de emprazamento de 27 de Setembro de 1806, em que já figuram como enfiteutas, o Francisco Xavier e mulher em primeira e segunda vidas.

Por todo o exposto, e até prova em contrário, assento em que, em 1806, a Casa de Almotaçaria, e a que se lhe seguia imediatamente para nascente (a aforada ao Serafim), pertenceram ao aludido José Joaquim de Almeida. A outra, de que foi enfiteuta a Joana Rosa de Almeida, isto é, a que estava implantada no topo nascente da Praça, a pegar com a rua da Lavandeira, devia manter uma posição autónoma em relação às demais, como se deduz do contrato de venda de 16 de Março de 1857 adiante referido.

Em 1847 já todo o conjunto destas casas, com exclusão desta última, devia pertencer a José da Costa Correia de Almeida, como se verifica da confrontação dada, pelo sul, ao aludido prédio do Francisco Xavier de Almeida Cabral, no talão de pagamento de sisa resultante da venda que este se propunha fazer, do seu prédio. a António da Silva Canedo, venda que veio a operar-se por escritura de 9 de Outubro de 1848. onde se mantém aquela confrontação com o José da Costa Correia de Almeida.

Em 1849, ainda este Almeida se mantinha senhor do prédio como me foi dado verificar através de uma pública forma, em poder da mesma senhora D. Maria Júlia, de um contrato entre aquele Almeida e o referido António da Silva Canedo, contrato que teve por objecto regularizar interesses comuns aos dois mencionados prédios e no qual foi invocada a já falada escritura de 26 de Agosto de 1806.

Nas confrontações adiante atribuídas ao prédio do Manuel José da Silva Ribeiro, em 11 de Janeiro de 1850, deduz-se que então ainda o José da Costa Correia de Almeida era senhor do aludido prédio: faleceu em 21 de Janeiro de 1854.

Quanto ao prédio de que foi enfiteuta a Joana Rosa de Almeida encontramo-lo, em 1849, na posse de Luís António Correia de Sousa e Sá, porquanto, na acta de sessão da Câmara Municipal de 18 de Julho desse ano, foi deliberado pôr em arrematação a construção da rua da Lavandeira «desde a porta de Luís António Correia de Sousa e Sá, da Praça até ao princípio da Ponte existente no mesmo sítio da Lavandeira». Este Luís António era casado com D. Joaquina Rosa de Lemos Correia, já falecida em 18 de Janeiro de 1848, quando seu filho António Máximo Correia de Sousa e Sá casou com D. Luísa Barbosa de Jesus Correia (filha de Maria de Jesus): – o Luís António era filho de António José Correia de Sousa e D. Ana Teresa Delfina Correia de Sá, da freguesia de S. Fins, já falecidos a quando do referido casamento e a D. Luísa era filha do João José da Fonseca Lemos e D. Venância Gertrudes Ferraz, da Vila da Feira, também falecidos a quando do mencionado casamento.

Em 11 de Janeiro de 1850, já o prédio pertencia a Manuel José da Silva Ribeiro, porquanto do Livro do Registo de Hipotecas desta comarca (L.º 8.º n.º 136 a fls. 84), consta a obrigação de dívida, deste e sua mulher, ao Padre António Joaquim Ferreira, da quantia de 500000 réis, dando, em garantia, hipoteca do aludido prédio com as seguintes confrontações: nascente com Henrique Vicente da Costa Neves, poente com a Praça Pública e Capela de Santo António, do norte com José de Costa Correia de Almeida e sul com a calçada que vai para a Lavandeira (estas confrontações estão um pouco deslocadas pois devem-se considerar Henrique Neves a norte, Praça Pública e Capela de Santo António a sul, José da Costa Correia de Almeida a poente e a calçada para a Lavandeira a nascente).

Este Manuel José da Silva Ribeiro, como verifiquei do registo do seu casamento, era filho de Manuel Ribeiro e de Custódia Moreira, da freguesia de S. Salvador do Lordelo, com arca de Penafiel; neto paterno de João Ribeiro e de sua mulher Maria Josefa, do lugar da Travessa, da freguesia de S. Miguel de Rebordosa e materno de Maria Moreira, do lugar da Crugeira, daquela freguesia de Lordelo, todos de Paredes. Casou na Vila da Feira, em 3 de Julho de 1847, com Marcolina (no registo de casamento diz-se Miquelina) de Freitas Appenceler, filha de Joaquim Manuel de Freitas e de sua mulher Clara Joana Appenceler, do lugar do Montinho, da Vila da Feira, neta paterna de João Francisco de S. José e de Custódia Maria de Jesus, da freguesia de Mansores, Arouca e neta materna de Conrado Appenceler e sua mulher Isabel Beamunini de S. Martinho, Madrid.

Reportando-nos, agora, à matriz provisória de 1854, verificamos que esta casa está inscrita em nome do dito Manuel José da Silva Ribeiro, da Praça sob o n.º 62 / 83 /

«1) uma morada de casas com lojas 1.º andar e quintal, sito na Rua aliás na Praça n.º...» e que as restantes casas da referida ala norte da Praça, já unificados, estão inscritas em nome de Manuel da Costa Correia de Almeida sob n.º 60 «1) uma morada de casas com 1.º andar e quintal sitas na Praça n.º...».

Vê-se, assim, que estas casas, desde 1806, sucederam-se na posse de José Joaquim de Almeida e mulher (que viviam em 1806); José da Costa Correia de Almeida (que faleceu em 21 de Janeiro de 1854), casado com Maria dos Santos (falecida em 29 de Novembro de 1852), transmitindo-se depois para seu filho Manuel da Costa Correia de Almeida, que era senhor da casa em 1854 e faleceu a 25 de Março de 1861, sem descendentes, com testamento.

Falta averiguar as relações de parentesco, se as havia, entre o José Joaquim de Almeida e o José da Costa Correia de Almeida. Quanto a este sabemos que era filho de António da Costa e Ana Maria de Almeida, que foi casado com Maria dos Santos (filha de Manuel Ferreira Bastos e Ana dos Santos), havendo, deste casamento, o Manuel da Costa Correia de Almeida.

Aquele José de Sá Pereira Brandão «senhor da casa da Torre ou da Capela de Paços de Brandão» e sua mulher Jacinta Luísa de Azevedo e Melo, (irmã de Leonardo Caetano de Azevedo e Melo casada com João Alvares de Amorim) foram os pais de Manuel José de Sá Pereira Azevedo Brandão, senhor das casas da Torre ou da Capela e da Sobreira, em Paços de Brandão, casado com Maria Pais dos Santos, da casa de Moure, em Lamas, que tiveram os seguintes filhos: a) Custódio José Pais de Azevedo Aguiar Brandão (que se ausentou para o Brasil e por lá ficou); b) Manuel José Pais de Azevedo Aguiar Brandão; c) António José Pais de Azevedo Aguiar Brandão; d) José Francisco Pais de Azevedo Aguiar Brandão; e) João José Pais de Azevedo Aguiar Brandão; f) Francisco José Pais de Azevedo Brandão.

Aquele Manuel José Pais de Azevedo Aguiar Brandão (que foi vereador da Câmara Municipal da Feira em 1840), teve, de sua mulher Maria Rita Máxima de Castro, um filho Arnaldo de Azevedo Brandão, tenente-coronel reformado e coronel graduado de Infantaria 6, que faleceu em 19 de Junho de 1860 na Póvoa de Baixo, em Grijó. Aquele João Pais de Azevedo Aguiar Brandão era bacharel formado em filosofia e medicina pela Universidade de Coimbra e foi cirurgião, partidista dos povos da freguesia de Esmoriz, Fidalgo da Casa Real, Comendador da Ordem de Cristo e Cavaleiro da Ordem da Torre e Espada por serviços distintos prestados quando houve em Portugal a epidemia da febre amarela e da colera morbus (1848). Deputado às Cortes em 1860-1861. Vereador da Câmara Municipal da Feira (1835, 1836, 1853-54) Juiz de Paz do distrito de Anta, comarca da Feira (1854), substituto do Juiz de Direito da mesma comarca, senhor das Casas do Engenho Novo e da Torre ou da Capella (Solar dos Aguiares Brandões) da Azenha, da Quinta de Brea e da Quinta do Matoso, em Paços de Brandão, nascido nesta última a 31 de Dezembro de 1793. Casou com D. Luiza Isaura dos Anjos Ataide de Sousa, viúva do Capitão Pereira Pinto de Almeida.

Teve dois filhos, João e José Aguiar Azevedo Brandão e duas filhas, Josefina de Azevedo Brandão, que morreu solteira, e Maria Augusta de Azevedo Aguiar Brandão, que casou com Manuel Pinto de Almeida, da Casa da Portela, em Paços de Brandão, havendo deste casamento um filho, outro Manuel Pinto de Almeida, pai do Dr. Eduardo Pinto de Almeida.

O António José Pais de Azevedo Aguiar Brandão foi vereador da Câmara Municipal da Feira (1839. 1840, 1847, 1848-51, 1856-57, 1858-59) e da Comissão Municipal interina (1846) e fez parte do Conselho Municipal (1842). Faleceu em Dezembro de 1858.

Por sua vez, o Francisco José de Azevedo Brandão (vereador da Câmara Municipal em 1846, 1854-55 e 185657) teve dois filhos: Francisco de Azevedo Brandão, que faleceu solteiro e o Comendador da Ordem de Nossa Senhora de Vila Viçosa José de Azevedo Brandão (vice-Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal da Feira de 1908) falecido em Fevereiro de 1925, senhor da Casa da Riomaior, de Paços de Brandão, casado com D. Margarida Ferreira dos Santos Azevedo Brandão, havendo deste casamento os seguintes filhos – hoje senhores daquela Casa de Riomaior –: Dr. Manuel dos Santos Azevedo Brandão; Irene da Conceição dos Santos Azevedo Brandão e Ana Arménia dos Santos Azevedo Brandão, além de outros dois José e Jaime que faleceram de tenra idade e ainda um outro, há pouco falecido, de nome José Augusto dos Santos Azevedo Brandão. Nada conheço sob a ascendência do José de Sá Pereira Brandão. Sua mulher Jacinta Luísa de Azevedo e Melo era filha de Bernarda Caetano de Melo e de Eusébio da Costa e Azevedo Aguiar, este filho do Capitão João da Costa Azevedo, casado com D. Leonardo Pereira de Aguiar Godinho, ele filho de Domingos da Costa Azevedo e de Maria de Sá.

D. Jacinto faleceu com testamento, em Paços de Brandão, a 1 de Fevereiro de 1783 tendo feito, a 26 de Novembro de 1775, a seu filho Manuel José de Sá P. de Azevedo Brandão, escritura de doação e nomeação, lavrada nas notas de António José Correia, tabelião na Vila da Feira. O seu casamento com aquele José de Sá Pereira Brandão, natural de Paços de Brandão (que foi assistente no Porto e que era senhor da Casa e prazo de Riomaior e dos prazos dos Casais das Pousadas e da Fonte. na dita freguesia de Paços de / 84 / Brandão), foi precedido de escritura de dote que lhe fez sua avó paterna D. Leonarda Pereira de Aguiar Godinho a 13 de Maio de 1734, lavrada nas notas de Bernardo Pereira Campos, tabelião na Vila da Feira.

Como já dissemos deve haver alguma relação de parentesco entre esta Jacinta Luiza de Azevedo e Melo e José Soares de Melo que, em estado de solteiro e pela já mencionada escritura de 1 de Maio de 1708, tomou de emprazamento, ao Mosteiro desta vila, em 1.ª vida, a casa da Sisa ou da Almotaçaria, sendo de crer que a posse exercida pelo Sá Pereira, como enfiteuta, lhe viesse, em «vida» como pertencente a sua mulher.

É agora o momento de considerar a venda que Manuel João dos Santos e mulher Ana Marques Catarina, do lugar do Souto, freguesia de Canelas, de Gaia, fizeram, por escritura de 16 de Março de 1857, a Manuel José da Silva Ribeiro, dos direitos enfitêuticos referidos na escritura de constituição dos prazos de 29 de Maio de 1745, à Bernarda Caetana de Almeida e Joana Rosa de Almeida e marido.

Naquela escritura, os vendedores transmitiram, ao Silva Ribeiro, os dois foros de 3500 réis cada um, declarando-se no contrato que, um dizia respeito ao prédio em que vivia o Manuel da Costa Correia de Almeida (o que a Bernarda tomara de emprazamento) e o outro ao prédio do comprador (o que a Joana Rosa de Almeida e marido tomaram de emprazamento) pelo que ficou a subsistir apenas aquele, visto, quanto a este, se terem extinguido, por confusão, na mesma pessoa, os dois domínios, o directo e o útil, o que vem confirmar a sucessão encontrada para a casa de Joana Rosa na pessoa de Silva Ribeiro. Adiante se mencionará o registo que, a mulher deste, fez na Conservatória do referido registo enfitêutico.

Do mesmo contrato se vê que o senhorio directo, então pertencia a Manuel João dos Santos e mulher.

De todo o exposto, se vê que o domínio directo, de que era titular o José de Sá Pereira Brandão, veio a transmitir-se, não sei como, até aos aludidos Manuel João dos Santos. Também desconheço como os domínios úteis se transmitiram desde o Serafim Caetano dos Reis até Joaquim de Almeida e de Joana Rosa de Almeida até Luís António Correia de Sousa e Sá.

A partir de agora vamos estudar, em primeiro lugar, as transmissões operadas desde o Manuel da Costa Correia de Almeida até hoje, para, em seguida, estudar as que se fizeram desde o Manuel da Silva Ribeiro até à actualidade, de forma a tudo se reunir na mão do actual proprietário Francisco Plácido Resende.

Como já dissemos, o Manuel da Costa Correia de Almeida, casado com Joaquina Tavares Torres de Almeida, faleceu em 25 de Março de 1861, sem descendência, mas com testamento, tendo as casas ficado a pertencer à viúva que, por escritura de 20 de Agosto de 1875, lavrada pelo notário Francisco Pinto de Lemos (mais tarde Conde das Devezas), as deu de arrendamento a Francisco Plácido Alves, desta vila; esse contrato serviu de base para o primeiro registo do prédio na Conservatória do Registo Predial desta comarca da Feira, que foi feito em 20 de Maio de 1876, sob o n.º 7238 a fls. 174-v.º do L-B-23, com a seguinte descrição: «Prédio formado de casas de sobrado, lojas, quintal, e mais pertenças, situado na Praça, freguesia desta Villa da Feira; tem o valor venal de 500000 reis e confronta do nascente com casas de Manuel José da Silva Ribeiro e quintal de Henrique José da Cunha Sampaio, do norte com casas e quintal de Bernardino José da Costa Rifa, do poente com a rua e do sul com o largo da Praça».

Este arrendamento foi feito pelo espaço de 6 anos, a contar do dia de S. Miguel de Setembro de 1875, e, assim, sucessivamente, pela renda anual de 60000 réis paga na residência da senhoria em Macieira de Cambra e, na sua cláusula 4.ª, consta que «no caso de no fim de tres anos ou mais anos antes de findarem os seis de arrendamento a prima dela senhoria, por nome Thereza, que com ela tem residido na casa, pretenda, com seu marido, ir para o declarado prédio para nelle habitar, ou estabelecer qualquer negócio, então se derá por findo o arrendamento, mesmo antes de findarem os seis anos».

Em face do exposto e porque, no dito arrendamento, ainda a referida senhoria D. Joaquina Tavares, na sua identificação, se declarou moradora na Vila da Feira, conclui-se que, a quando da feitura do título, ainda residia na mesma casa, e que, por força dele, é que passou a viver em Macieira de Cambra, local que foi designado, no contrato, para o pagamento da renda.

E, assim, começa uma posse, por parte do Francisco Plácido Alves casado com Felicidade Rita Peixoto que, mais tarde, como passamos a dizer, se converteu em pleno domínio do prédio.

Aquela Joaquina Tavares deixou este prédio àquela sua prima D. Tereza Rosa de Almeida, que casou com Manuel Correia Vaz de Aguiar, sendo ela filha de Manuel Tavares de Almeida e de Rosa Henrique de Almeida, da casa das Nogueiras.

D. Tereza, que veio a usar o apelido de Aguiar, daquele seu casamento teve um filho, de nome António Correia Vaz de Aguiar, que foi 1.º Oficial do Governo Civil de Aveiro e casou com D. Olímpia Emília Correia do Amaral Aguiar.

Por escritura de 22 de Maio de 1899, lavrada pelo notário Manuel Maria Correia de Sá, desta Vila, aquele Manuel Correia Vaz de Aguiar e sua dita mulher – venderam este prédio ao referido Francisco Plácido / 85 / Alves com a declaração de o mesmo ter servidão activa de pé, bois e carro pela portaria do pátio do prédio de D. Marcolina de Freitas Appenceler.

Então, ao prédio foi dada a seguinte descrição:

Casas de um andar com mirantes, lojas, quintal, com tanque, a confrontar do nascente com José Vieira de Sousa e D. Marcolina de Freitas Appenceler, do poente com a rua e com Joaquim Pinto de Araújo, do norte com este Araújo e do sul com a Praça Velha e a referida D. Marcolina.

Na matriz predial, que vigorou desde o fim do século passado, anterior à actual, achava-se este prédio inscrito sob o n.º 386, sucessivamente, a favor de Francisco Plácido Alves e, a partir de 1920, em nome de D. Maria Albertina Correia Alves Machado, como casa de habitação com os n.ºs 108 a 120, a confrontar com o anterior (casas de Joaquim Pinto de Araújo, hoje de sua filha D. Maria Júlia Rifa de Araújo) e poente com a rua; mais tarde, por força de desdobramento de matriz, em urbana e rústica, manteve aquele número para a urbana e recebeu o de 1354 para a rústica.

Não pude consultar a matriz predial entre a provisória já referida e esta última porque, conforme fui informado, já não existe em vista de um chefe da Repartição de Finanças deste concelho, há muitos anos, a ter mandado vender juntamente com outros papéis, que se julgou desnecessário conservar, para a farrapeira!

E se aquela matriz provisória se salvou foi porque um funcionário da mesma Repartição, bem avisado, a entregou à Câmara Municipal, onde hoje se encontra no seu arquivo, desviando-a, assim, do fim a que a outra foi condenada.

E aqui nos detemos quanto à história desta casa, para retomar a da casa de Manuel José da Silva Ribeiro, até que tudo se venha a juntar na mão do referido Francisco Plácido Alves, partindo, daí, a resenha das transmissões, já de todo o prédio, até à posse do seu actual proprietário.

Naquela casa de Manuel Ribeiro é que estava integrada a Capela ou Oratório de Santo António, como no Capítulo II se apreciará.

Por falecimento, em 8 de Setembro de 1877, do Manuel José da Silva Ribeiro, esta casa ficou para a sua viúva, referida D. Marcolina de Freitas Appenceler, e em 15 de Julho de 1880 foi por ela hipotecada, bem como outros bens que possuía, à garantia do pagamento de empréstimo de 900000 réis que lhe fez José Francisco da Costa Godinho (inscrição n.º 4543 de 17 do mesmo mês) do que resultou o seu primeiro registo na Conservatória do Registo Predial desta Comarca da Feira, na referida data de 17 de Julho, com o n.º 10910, a fls. 146 do L-B-33, com a seguinte descrição:

«Prédio formado de casas sobradadas com quintal, tanque, árvores de fruta, sito na Praça e Rua da Lavandeira, da freguesia da Vila da Feira, com os números de polícia 104 e 106 do lado da Praca e 689, 690 e 691 do lado da Lavandeira: tem o valor venal de 1200.000 reis e confina do norte e poente com casas e quintal de Joaquina Tavares de Almeida, viúva, de Cambra, do nascente com quintal dos herdeiros de José da Cunha Sampaio e do sul com a praça e a rua da Lavandeira».

Em 11 de Setembro de 1884, a D. Marcolina fez registar, na Conservatória do Registo Predial desta Comarca, o foro que seu marido havia comprado, pela citada escritura de 16 de Março de 1857, imposto sobre a parte do prédio então pertencente ao Manuel Correia Vaz de Aguiar, correspondente à casa que tinha sido aforada à Bernarda Caetana de Almeida.

Para o efeito, fez descrever o prédio, na referida Conservatória, sob o n.º 18242, fls. 10-v.º do L-B-50, mas erradamente atribuiu-lhe confrontações que abrangiam / 86 / todo o prédio do Aguiar, desde a Rua até ao prédio da D. Marcolina, mas mais tarde, em Setembro de 1894, por averbamento, as confrontações já foram restringidos à parte do prédio aforado, designando-as, pelo norte e poente, com o prédio hoje de D. Maria Júlia Rifa de Araújo.

Verifica-se, dos registos da mesma Conservatório, que em 1894, o prédio da D. Marcolina, era formado por «morada de casas sobradadas com seu quintal, agua corrente, arvores de fruto e mais pertenças, sito na Praça Velha; que tem o valor de 1000.000 reis a confinar do nascente com a rua da Lavandeira, do poente e norte com Manuel de Aguiar e do sul com a Praça Velha».

Em 6 de Agosto de 1900 – o prédio mantém as mesmas confrontações, como se verifica da penhora que, sobre ele, fez Joaquim José Pinto Valente, para pagamento do seu crédito de 200.000 réis, constituído por escritura de 23 de Outubro de 1892, crédito que veio a ceder a Luis Cadillon.

Em resultado da respectiva execução, o prédio foi arrematado em hasta pública, em 7 de Julho de 1901, pelo mencionado Francisco Plácido Alves, reunindo, deste modo, em sua mão todas as casas situadas a norte da Praça, ficando tudo a constituir um prédio unido.

A D. Marcolina de Freitas Appenceler, por escritura de 23 de Fevereiro de 1894, e com reserva do usufruto, doou este prédio bem como o já referido direito enfitêutico, constituído por escritura de 29 de Maio de 1745, a sua filha D. Marcolina de Freitas Meirelles, casada com Ernesto Meirelles, da cidade do Porto, com a obrigação de pagamento do falado crédito de 200.000 réis a Joaquim Pinto Valente, doação que foi registada na Conservatório desta comarca (n.º 10494, L-G-14, fls. 153). Isto não obstou a que o prédio fosse vendido na forma referida. O foro foi comprado em remissão, pelo Francisco Plácido Alves, por título particular de 15 de Março de 1906, àquela D. Marcolina de Freitas Meireles e marido, o que também foi objecto de registo (n.º 1000 L-G-20, fls. 190). D. Marcolina veio a falecer em 2 de Março de 1905.

Largo dos Condes de S. João de Vêr.
Frente esquerda: casa de D. Maria Júlia Rifa de Araújo.
Frente direita: Casa de Francisco Plácido Resende (lado poente)

 

Na matriz predial anterior à actual, este prédio encontrava-se inscrito sob o n.º 387, sucessivamente, a favor de Francisco Plácido Alves, e, a partir de 1920, em nome de Maria Amália Correia Alves de Resende como casa de habitação n.º 104-106 e terra lavradia a confrontar do sul com a Praça e do poente com o anterior (casa referida de D. Maria Albertina Correia Alves Machado). tendo recebido, na matriz rústica, o n.º 1 355.

Em 1908 e 1919 faleceram, respectivamente, aquela Felicidade Rita Peixoto e seu marido Francisco Plácido Alves, tendo, por força das respectivas partilhas e demais contratos operados entre seus filhos, ficado, o prédio descrito sob o n.º 7238, à filha Maria Albertina Correia Alves Machado, falecida em 2 de Fevereiro de 1939, no estado de casada, em segundas núpcias, com Mário da Silva Machado (que devido ao seu primeiro casamento também se chamou Maria Albertina Correia Alves dos Santos), ficando herdeiros daquela, seus onze sobrinhos, entre os quais se conta Francisco Plácido de Resende que, por força da compra feita por escritura de 29 de Março de 1939, das 10/11 partes pertencentes aos referidos co-herdeiros, ficou único proprietário do referido prédio.

Este prédio esteve inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 319.

Situado na Praça da República, em nome de Mário da Silva Machado, da Feira, passado em 1941, por força da escritura de partilha de 23-3-1939, para nome de Francisco Plácido Resende, teve a seguinte descrição: «casa de um andar, de comércio, de construção antiga com a superfície coberta de 136 m2 e quintal 166 m2, a confinar do norte com Joaquim Pinto de Araújo, sul com  / 87 / a Praça da República, nascente com Domingos Gomes de Resende e do poente com a Rua Direita», tendo passado para o artigo 846 em 1953.

Este artigo 846 é do seguinte teor:

«Situado na Praça Dr. Gaspar Moreira, em nome de Francisco Plácido de Resende, da Feira, com a descrição seguinte: casa de dois pavimentos e contendo esta uma divisão destinada a arrecadação e rés do chão com duas divisões destinadas a habitação tendo a área coberta de 102 m2, a confinar do nascente com D. Maria Júlia Araújo, do sul com a Praça Dr. Gaspar Moreira, poente com a rua e do nascente com o proprietário: construído novo em 1952 com o rendimento colectável de 17946$00, estando isento de contribuição a casa e rés-do-chão».

Por sua vez, e quanto ao prédio registado sob n.º 10910 e em resultado também das partilhas feitas por óbito dos mencionados Francisco Plácido Alves e mulher e demais contratos operados entre seus herdeiros, ele veio a pertencer à filha daqueles de nome Maria Amália Correia Alves de Resende que foi casada com Domingos Gomes de Resende. Por morte desta D. Maria Amália, e por forca das partilhas a que se procedeu por seu óbito, o referido prédio ficou adjudicado ao mesmo Francisco Plácido de Resende.

Este prédio esteve inscrito na matriz predial urbana sob n.º 318 com a seguinte descrição: situado na Praça da República, em nome de Domingos de Resende (Gomes) da Feira – passado em 1960 para seu filho Francisco Plácido de Resende, de moinhos, de Sanfins: casa de um andar de construção antiga, com a superfície coberta de 208 m2 e quintal de 116 m2, a confrontar do norte com Mário Machado, sul estrada, nascente José Vieira de Sousa e poente Mário Machado. tendo 10 divisões no 1.º andar e 3 no rés-do-chão, com o rendimento colectável de 11 340$00 e transferido para o artigo 1050 extracto n.º 4166».

Por sua vez, este artigo 1050 é do seguinte teor: «situado na Praça Dr. Gaspar Moreira, em nome de Francisco Plácido de Resende, da Feira, com a descrição seguinte: casa de rés-do-chão e 1.º andar para habitação e comércio, com a área coberta de 208 m2, logradouro 116 m2, a confinar do nascente com José Pereira de Sousa, norte Mário Machado, sul estrada e poente Mário Machado, tem 10 divisões no 1.º andar e 3 no rés-do-chão, estando inscrito no artigo 318, com o rendimento colectável de 14499$00».

Em 1952 todo o prédio sofreu grande remodelação, alcançando a sua actual estrutura: recuou um pouco à face da Praça dos Condes de S. João de Vêr e à face da Praça do Dr. Gaspar Moreira, onde ficou alinhado pela frente da parte nascente que era recuada em relação à do poente, cerca de um metro.

______________________________

NOTAS:

(1) Estes campas devem ser as que adiante vão referidos como emprasadas a Bernarda Caetano de Almeida e Joana Rosa de Almeida e marido Custódio Coelho, por escritura de 29 de Maio de 1745.

(2) Não pode ser sogro, porque a mulher de Homem Soares era filha de Estêvão Leitão Coelho, da Feira e de Inez Godinho (Felgueiras Gayo, cit. Ob. T. XV, pág. 89).

(3) Antónia do Amaral Tavares casada com Manuel da Mota Pereira, de Riba Douro; Natália do Amaral e Vasconcelos casada com Aires Ferreira do Carvalhal; Diogo Moreira de Vasconcelos – O Velho – casado com Filipa de Matos Soares (4.os avós de D. Vitória de Lacerda); Madalena Moreira casada com Manuel Lobato Pinto e Francisco Moreira de Vasconcelos casado com Paulo de Pinho.

(4) Faz parte do conjunto de livros do Tombo do Convento que existia na Direcção de Finanças de Aveiro e foi objecto de cedência à Câmara Municipal da Feira como já foi referido.

(5) Novo Dicionário da Língua Portuguesa por Eduardo Faria (1849) – Alqueve – s. m. Alquiar v. a. (ant.) V. Alqueive. Alquilar; Alquilar v. a. (p. us.) dar ou tomar de aluguel ou arrendamento alugo c.; alquiler s. m. (p. us) aluguel ou arrendamento que se faz de alguma causa por certo tempo e preço.

(6) Dizeres que constam do trabalho que se encontra no Tombo do Governo. Livro 9.º. pág. 60.

(7) Pinho Leal, voI. 6.º, pág. 394 – Paços de Brandão – Casa dos Azevedos Brandões (um destes possui hoje a quinta da Torre da Capela, ou Paços de Brandão, que deu a nome à freguesia).

(8) Eduardo Faria cit. Dicionário – Almotaçar, v. a. tachar o preço das cousas, principalmente comestíveis, que se hão-de vender ao público.

ALMOTAÇARIA, s. f. offício de almotacel, ou o tribunal composto de almotacel, seus escrivães, zeladores, e homens de vara; taxa, avaliação, preço de arbítrio do almotacel, ou ainda dos vareadores e outros magistrados.

ALMOTACEL, s. m. o que tem offício e obrigação de cuidar da igualdade dos pesos e medidas, de taxar e às vezes atribuir os mantimentos e alguns outros géneros que se compram e vendem por miúdo...

(9) Corresponde, hoje, respectivamente a 8,25 e 6,60 metros, ou seja uma área de 51,45 metros.

(10) Era José Caetano Correia Gomes, escrivão do Tombo da Casa da Feira (Infantado) como se verifica do reconhecimento por parte deste do imposto do portado, em 15 de Fevereiro de 1755 (fls. 87 do mesmo Tombo).

 

páginas 71 a 87

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