Passou em 1 de
Julho do corrente ano o centenário da Carta de Lei que aprovou o
Código Civil de 1867.
Cremos que para a
maioria dos aveirenses tal facto se manteve encoberto na densa
floresta da História Pátria.
Entretanto esse
verdadeiro monumento nacional havia pautado a vida privada do país
até precisamente um mês antes, mantendo-se em pleno vigor durante um
século, cedendo apenas perante a magnificente actualidade doutra não
menos gigantesca obra do engenho humano: o Código Civil de 1966!
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E, mais do que
isso, essa efeméride trazia à ribalta da nossa admiração o nome dum
dos mais ilustres aveirenses de todos os tempos – que o era, e bem,
pelas ancestrais raízes, pela seiva sorvida e pelas cinzas imortais.
Na verdade,
António Luís de Seabra – para a História Visconde de Seabra –, não
obstante ter nascido ao largo de Cabo Verde, em 2 de Dezembro de
1798, a bordo da nau «Santa Cruz», a caminho do Brasil, o certo é
que a povoação de Mogofores, do concelho de Anadia, bem pode
reclamar para si, muito justamente, a cidadania deste insigne
Jurisconsulto, como veremos na breve resenha biográfica que vamos
lembrar.
De Mogofores era
seu pai, António de Seabra da Mota e Silva, magistrado judicial
também.
Nomeado ouvidor
para a Vila do Príncipe, província de Minas Gerais, para ali seguiu
o magistrado António de Seabra com sua esposa, na já referida nau,
em cuja viagem ocorreu o celebrado nascimento de António Luís de
Seabra, no expressivo cenário do imenso e revolto oceano.
Baptizado no Rio
de Janeiro, em 5 de Janeiro do ano seguinte, cedo de fixou na
Metrópole lusitana.
Em 24 de Outubro
de 1815 matriculava-se na Faculdade de Leis da Universidade de
Coimbra, onde concluiu o seu curso em 6 de Julho de 1820.
Com apenas 21
anos iniciou a sua fulgurante carreira na magistratura judicial em
Alfândega da Fé, Trás-os-Montes, como Juiz de fora, em 1821.
Essa firme e
brilhante escalada levou-o ao Supremo Tribunal de Justiça, com
alguns patamares políticos de permeio, que muito haviam de inspirar
a sua obra máxima.
Efectivamente,
António Luís de Seabra, apaixonado defensor do liberalismo, passou
das ideias à acção, ao intervir nas lutas liberais, principalmente
nas revoluções de 1828 e 1846, enfileirando entre os Bravos do
Mindelo.
Deputado em 1834
a 1861, em quase todas as legislaturas, e membro da Câmara dos
Pares, desde 1862, atingiu o vértice do Poder Judicial quando lhe
foi confiada a pasta da Justiça em 1852 e 1868.
E na Escola onde
havia formado o seu espírito viria a pontificar através da
honrosíssima qualidade de Reitor da Universidade de Coimbra, de 14
de Agosto de 1866 a 24 de Julho de 1868, depois de ter sido
consagrado com o título de Visconde em 25 de Abril de 1865.
Personalidade
complexa e rica em talentos, foi o Visconde de Seabra, além de
profundo e arguto Jurisconsulto, estudioso filósofo, humanista
erudito, poeta e prosador de grande craveira, jornalista fecundo
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e activo, tendo chegado a traduzir e comentar obras dos clássicos
Horácio e Ovídio e fundado 4 jornais.
O seu labor
jurídico marca, no entanto, predominantemente toda a sua produção
intelectual, culminando com a sua obra-prima, que hoje nos faz
reviver a sua figura: o nosso primeiro Código Civil.
Em resultado da
sua fama de profundo Jurista, foi o Visconde de Seabra, por Decreto
de 8 de Agosto de 1850, encarregado de elaborar um projecto de
Código Civil, que concluiu em 1859.
Os seus talentos
verteram-se decisivamente na defesa do seu projecto no seio da
Comissão Revisora, de que naturalmente fazia parte.
Em 1865,
concluíram-se os trabalhos de revisão, com o triunfo quase total dos
pontos de vista do autor do Projecto, pelo que bem se pode dizer que
o Código Civil, promulgado em 1 de Julho de 1867, como dissemos, é
obra do Visconde de Seabra.
E para se avaliar
a decisiva importância desta codificação na vida e História
nacionais bastará lembrar que ela colocou Portugal ao nível dos
países mais civilizados, pela técnica e pelas soluções perfilhadas.
Mas não só pela
ancestralidade podemos reivindicar o Visconde de Seabra para a
galeria de honra dos grandes vultos do distrito de Aveiro, ao lado
de Guilherme Moreira, Barbosa de Magalhães (Pai e Filho), Manuel de
Andrade e outros.
Em Mogofores, na
verdade, viveu o Visconde de Seabra largos anos, aí trabalhando
activamente na elaboração do projecto do Código Civil, criando
família e expirando em 29 de Janeiro de 1895, quase centenário, como
viria a ser a sua notável obra-prima.
Eis, pois, a
razão da oportunidade desta evocação que, na sua singeleza, pretende
ser, acima de tudo, a homenagem das gentes deste laborioso rincão
nacional.
Curvemo-nos,
portanto, sentidamente ante a memória deste aveirense de raça.
Aveiro, Setembro
de 1967. |