A recente
trasladação dos restos mortais do rei D. Miguel I e da rainha sua
esposa e dedicada companheira de exílio para o Panteão da Real Casa
de Bragança e que, sob o impulso de um alto pensamento o Governo da
Nação promoveu, veio trazer-nos à lembrança a recordação de
narrativas, ainda que muito vagas, que se ouviam contar a pessoas de
avançada idade sobre as lutas que na primeira metade do século
passado se travaram entre aquele monarca e seu irmão D. Pedro IV.
Pelo que toca a
terras nossas, são muito escassas as notícias que chegaram até nós a
tal respeito; e quanto a fontes documentais propriamente ditas, as
coisas também não vão muito além. Com a mudança dos arquivos
pertencentes às câmaras das antigas vilas, dispersou-se e levou
descaminho a maior parte dos livros das actas, que eram abundantes
repositórios de elementos históricos que com a maior vantagem se
podiam aproveitar para fazer uma narração completa e desapaixonada
dos acontecimentos verificados nesse período agitado da vida
portuguesa. Seriam estas as principais fontes de que se poderia
lançar mão para tal efeito, pois não se pode contar muito, neste
caso, com a tradição oral ou documentos particulares, por acontecer
que muitas vezes no seio de algumas das famílias mais preponderantes
militavam partidários apaixonados das duas facções políticas
opostas, e que, por decoro familiar, ocultavam certos factos
sucedidos, ainda que os tomassem como reprováveis.
O que se passou
então em terras nossas nesses conturbados e já tão distantes tempos?
Desejo cingir-me, por agora e tão somente, a algumas das povoações
que, tendo sido sedes de município, se acham incorporadas no
território de que é formado hoje o concelho de Águeda –
designadamente Assequins, Recardães e Ois da Ribeira.
Pelo que respeita
à primeira, socorro-me do que no seu precioso livro «ÁGUEDA» diz o
ilustre escritor Dr. Adolfo Portela sobre o que se passou em terras
de Águeda, no período que precedeu a subida de D. Miguel ao trono e
um pouco mais adiante. A câmara de Assequins reunia em 1820, para
prestar juramento à Junta Provisional; mas passados três anos já as
forças miguelistas batiam no Marnel, junto ao Vouga o exército
liberal que, fugindo para o Porto, foi refugiar-se na Galiza.
Afirma o Dr. A.
Portela não ter encontrado as actas da câmara da antiga Vila de
Assequins respeitantes ao período que decorre de 1827 a 1830, pelo
que não é possível historiar o que se passou por ocasião da
aclamação de D. Miguel; entretanto, do manifesto que ele dirigiu ao
país foi dado solene conhecimento em sessão de 22 de Abril de 1832,
perante as autoridades e povo. No mesmo livro publica o Dr. A.
Portela uma lista de indivíduos de terras de Águeda que se achavam
presos nas cadeias de Aveiro em 1831. Deve ter sido este o
acontecimento de maior monta entre os sucessos verificados por essa
ocasião nas terras já referidas. De maiores atropelos, lutas ou
vinganças não chegaram notícias precisas até nós, o que, com
justificada satisfação o afirmamos – nos leva a concluir que entre
as gentes desta parte do Distrito não se cometeriam grandes
excessos... Sessões várias de câmara, TE DEUMS, luminárias e
foguetes, umas vezes por D. Miguel outras vezes por D. Pedro – «os
homens da nossa terra iam cumprindo oficialmente o seu dever de
cidadãos portugueses» – como tão ajustadamente diz o citado escritor
(...).
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E de Recardães
que notícias chegaram até nossos dias? Ainda menos se sabe. Estava
ali instalada, calma, sossegadamente, em 1822, uma câmara liberal,
que, segundo um apontamento que tirei dum memorial particular da
época, era assim constituída:
Substituto do
Juiz, o Dr. Joaquim Gabriel Soares da Graça, natural do lugar da
Borralha, que então pertencia ao Julgado de Fora de Recardães.
Presidente, António Pinto Ferreira de Vasconcelos, de Ancas, terra
bairradina até onde se estendia a jurisdição do mesmo Julgado.
Vereadores: o Dr. António Joaquim Freire, de Paradela, freguesia de
Espinhel e Francisco Rodrigues da Costa Simões, também do mencionado
lugar da Borralha.
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Substitutos dos
vereadores; Manuel Francisco Estima, de Recardães, António Nogueira,
do Crasto, desta mesma freguesia e José Ferreira Carapito, da Vila
de Recardães também. Dos partidários de D. Miguel, não se alcança
passo algum por ali.
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Resta-nos falar
de Ois da Ribeira, antiga Vila também. Se não fosse um velho livro
que contém algumas actas da sua câmara, era um desconhecimento
completo do que se passou por estas terras e se relaciona com os
principais acontecimentos da época a que nos vimos referindo. É
justamente da acta que respeita à aclamação do rei D. Miguel em
terras de Ois, que vou transcrever o respectivo auto, que é datado
de 1 de Maio de 1828, e com ele remato estes breves apontamentos.
Notam-se na acta
algumas palavras corroídas pela tinta, sendo outras de impossível
leitura, ainda que poucas.
Quanto ao mais
faz-se fiel transcrição do documento:
«Auto da Camara extraordinário a que
deu lugar a aclamação do Serenissimo Senhor D. Miguel primeiro Rei
Absoluto de Portugal, Algarve e seus Domínios.
Ano de Nascimento de Nosso Senhor
Jesus Christo de mil oitocentos e vinte e oito anos ao primeiro dia
do mes de Maio do dito ano nesta Vila de Ois da Ribeira e Casas dos
Paços da Camara onde eu escrivão vim com Joaquim Francisco Alves
Veriador mais [falta uma palavra que deve ser velho] servindo de
presidente no impedimento do actual Doutor Juiz de Fóra da Vila de
Eixo de quem esta é anexa, João Tavares da Silva Veriador imediato,
João Teodoro, Veriador mais novo, José Batista Marques Procurador do
Concelho da Camara desta Vila e seu termo por S. M. F. que Deus
guarde etc., onde igualmente se achavam reunidas as pessoas do
Clero, Nobreza e povo abaixo assinadas todos do concelho da mesma
Vila por todos foi unanimemente dito que não podendo conter dentro
em seus corações os sentimentos de prazer regosijo com que veem
estar à testa do Governo destes reinos o serenissimo Infante o
Senhor Dom Miguel, julgam de seu dever manifesta-los e faze-los
patentes a todo o mundo e para haver um testemunho mais decisivo do
seu amor e fidelidade que já há muito consagram ao mesmo Serenissimo
Senhor e dos sinceros e ardentes desejos que tem de serem por ele
governados em seu nome pois que estão bem convencidos de que nele
concorrem aquelas excelentes virtudes e brilhantes qualidades que o
fazem um Monarca Digno deste nome e do Amor de seus Vassalos é por
isso que eles tomam a firme resolução de aclamar como desde já
aclamam ao Sereníssimo Senhor Infante D. Miguel como Rei Absoluto
destes Reinos e desde já lhe juram e protestam uma perfeita
obediência, amor e fidelidade como seus verdadeiros subditos e liais
vassalos. Em ocasião de tão justa como cordial (?) resolução
............... de prazer e alegria ............... pelo assinalado
benefício de lhes haver dado e restituido um Príncipe Real que
imitando as reais virtudes de seus ............... fará a glória e
felicidade da Nação Portuguesa como é de esperar. Viva a nossa Santa
Religião unica Católica Apostólica Romana. Viva o Serenissimo Senhor
Infante D. Miguel primeiro, Rei Absoluto de Portugal. Viva a Nossa
Imperatriz Rainha. Viva a Dinastia da Real Casa de Bragança. Vivam
os fieis e verdadeiros Portugueses. E para constar se lavrou este
auto onde assinam os oficiais da Camara, Clero, Nobreza, e povo e eu
Joaquim Pires Soares escrivão da Camara que o escrevi e assinei.
O Veriador mais velho, Presidente –
Joaquim Francisco Alves – O Veriador imediato – João Tavares da
Silva – O Veriador mais novo – João Teodoro – O Procurador do
Concelho – José Batista Marques – O escrivão da Camara – Joaquim
Pires Soares, António José da Mota, Prior d'Ois da Ribeira – O Padre
Cura António Lemos (?) de Almeida – O Padre Cura de Espinhel
Agostinho de Almeida Tavares – O Padre Jacinto Caetano dos Reis – O
Padre João Alves Ferreira – O Padre Bernardino Francisco dos Reis –
O Padre Manuel Pedro dos Reis – O Padre Manuel Pires Soares – O
Padre Tomaz Batista Marques – O Padre José Ferreira Carvalhal – O
Padre Jacinto Ribeiro da Silva.
José Pinto Guedes de Almeida Sotto
Maior, Capitão Mór do Distrito de Ois da Ribeira e anexas – Bacharel
Manuel Ferreira Coelho – O Alferes de Milicias reformado Jacinto
Francisco dos Reis – O Alferes de Milicias António Pires Soares –
............... João Francisco dos Reis – ............... Mór
António Joaquim Dias Reis – O escrivão das Cisas – José Pires Soares
– O Professor de Primeiras Letras, Manuel Soares de Freitas – Manuel
Carvalhal dos Reis, José Baptista – José Joaquim de Almeida – Manuel
Simões Neto – Manuel Alves Marques – José Duarte Ferreira (?)
Francisco dos Reis – José Francisco dos Reis – José Ferreira Baeta –
João Lourenço Dias, Manuel Francisco Claro – José Ferreira Baeta –
João Lourenço Dias – José Alves Morais – José Rodrigues de Almeida –
José Francisco Estima – Manuel Francisco Estima – Manuel Fernandes
Framegas – Tomaz Dias – José Tavares da Silva – Francisco Alves
Estima – Manuel Francisco Claro o novo José Simões Alves – Joaquim
Morgado (?).» |