A dimensão humana
da Arte, tende, paradoxalmente, neste século da Técnica, a
alargar-se para uma universalização, saindo do núcleo restrito dos
estudiosos especializados, para o público em geral, permeável as
noções base e ávido de se cultivar.
É um fenómeno a
que nacionalmente também estamos ligados, dado que o Português hoje
viaja mais, o que o habilita a adquirir uma mais criteriosa
receptividade, um mais cuidadoso espírito de selecção, uma
interessada busca de elementos concisos e simples, que respondam às
suas necessidades estéticas.
|
|
Portal da Capela
das Barrocas |
A esta posição
actual do nosso povo, não são alheios os muitos meios de divulgação
que usufrui, que bendiz e a que corresponde, não a nível
uniformizado, mas sujeito às flutuações próprias de condicionalismos
regionais de vária ordem. E porque à região de Aveiro cabe
precisamente um índice alto de condições favoráveis a essa
divulgação, que vai da influência do meio geográfico, – pé em terra,
pé no mar – com fáceis acessos, à mobilidade temperamental, há que
proceder a uma esquematização actualizada de conceitos artísticos,
para, servindo a cultura regional, servir também as nossas gentes.
Interior e altar-mor da Igreja de Jesus,
no Museu de Aveiro.
A hora actual é
dinâmica e quer acabar com a arte estática, para lhe arrancar vida,
vida que seja transmitida a quem a olha, a quem a quer descobrir e
for capaz de a sentir. Por isso e porque Aveiro, capital dum
distrito cheio de interesse, deve saber falar do seu espólio aos que
a visitem, parece-nos que só se pode falar daquilo que se conhece;
consequentemente, devemos contribuir para que todos comecem por
saber o que têm, para acabarem por se habilitar a uma atitude de
resposta oportuna, que ponha, na nossa tradicional arte de bem
receber, uma nota de bem elucidar.
Órgão setecentista da Igreja de Jesus.
Assim, há que
insistir primeiro na escrupulosa atitude que ao falar da Arte como
da História se tem de manter, não tomando por rígidas certezas,
períodos-marcos, que se adoptaram por comodidade de ligação e
sequência.
É que os limites
que tais períodos assinalam são sujeitos a oscilações que podem
traduzir-se na presença de características dum período ultrapassado
já, ao lado de formas novas; ou, pelo contrário, reconhecida
evidência de elementos avançados, a ressaltar dum conjunto ainda
marcadamente tradicional. Isto é de facto uma posição-base, para
podermos falar de qualquer período artístico.
*
*
*
Sabemos que esses
períodos fundamentais dizem respeito às Artes Pré-Histórica,
Clássica, Medieval, Moderna ou Contemporânea; e porque esta divisão
implica uma matéria incomportável, há que seguir o estudo
individualizado de especializações e de estilos, na Arquitectura
como na Escultura, na Pintura como nas chamadas Artes Menores,
constituídas por Ourivesaria, Mobiliário, Tapeçarias e Bordados,
Faianças e Porcelanas, Vidros e Vitrais.
Assim e porque
Portugal nasce no séc. XII, tomando este século como ponto de
partida para a maior ou menor projecção de influência deste ou
daquele estilo, foram subdivididos em Românico, Gótico, Manuelino,
Renascença, Barroco, etc.
É deste e só
deste que se vai ocupar este nosso trabalho de síntese, primeiro
porque é um dos estilos que, na corrente de reabilitação de artes
mal compreendidas, está hoje na ordem do dia para muitos autores;
depois, porque Aveiro está no norte do país, onde este estilo teve
os seus maiores cultores, razão fundamentada na maior abundância
nortenha de madeiras, que permitiram maravilhas de efeitos.
E finalmente
vamos tratar este estilo, porque orgulhosamente podemos afirmar que
Aveiro tem Barroco, Barroco tão bom, que a coloca em lugar de
relevo, podendo-se-lhe mesmo atribuir características
individualizantes. Assim, começaremos por fazer um brevíssimo
/ 15 /
apanhado dos aspectos essenciais do Barroco, fugindo à sua
etimologia, discutida, e sintetizando as opiniões sobre o seu
aparecimento. Para alguns, o Barroco é um volte-face nos temas
tradicionais, estilo Jesuíta relacionado com as conclusões do
concílio de Trento; para outros, crise de gosto que faz realce dos
volumes, mas que é uma arte escravizante dos sentidos.
Modernamente, há
justíssimas opiniões para esta arte, conceitos curiosíssimos até.
Não resistimos a reproduzir aqui a posição de Claude Roy no seu
livro «Arts Baroques», quando nos diz: «...O Barroco é um estado de
espírito que se exprime através das formas e que a igreja adoptou
por ter querido estabelecer um programa de aplicação das
Belas-Artes, à conquista das almas». Empolgou-nos a leitura da sua
obra ainda quando falando da intensa linha de construção dos
Jesuítas que nos novos temas souberam aproveitar elementos nativos
que eram símbolos ou ritos de paganismo, para os assimilar, afirma:
«...os Jesuítas pediram aos diabos profanos, para levar as suas
pedras aos santos do Paraíso!» e mais adiante: «Há uma verdade
barroca – a linha curva é o mais curto caminho do cálculo à graça!»
Ângulo e pormenor de talha barroca da
Igreja de Jesus.
Muito mais
apetecia reproduzir, para transmitirmos o sabor que vai tendo esta
evolução de conceitos, que nos leva a concluir o seguinte: é uma
arte tipo, que serviu, de facto, sobretudo a arte religiosa, por
coincidir o seu aparecimento com as necessidades de construção ou
remodelação de templos, mas não a podemos considerar escrava duma
temática religiosa. Foi moda e não servilismo, resultante certamente
da fusão de factores diversíssimos e não da exclusiva ideologia da
Igreja da época.
Habitualmente,
considera-se Barroco tudo o que no domínio artístico pertence aos
séculos XVII e XVIII. Todavia, a arte do primeiro, para alguns
decadência e degenerescência da Renascença, é acentuadamente
proporcional, estilizada e severa, própria das horas duras da
política nacional. É a denominada arte «maneirista» de que a nossa
igreja da Misericórdia é um exemplo. O Barroco propriamente dito,
que se lhe segue, usa na arquitectura sacra um plano interior em que
a nave é ladeado de capelas pouco cavadas, propícias a ouvir-se a
pregação e onde as linhas geométricas dão lugar aos relevos. Utiliza
na decoração festões engrossados de grande efeito e tem nas
frontarias voluptas ligando a parte central às laterais. São também
próprios deste estilo a assimetria, as curvas e contracurvas súbitas
e – característica marcadamente barroca – usa-se a coluna salomónica
em espiral ascendente, ornada de folhas de parra e na escultura das
figuras um panejamento farto e envolvente, com lançamento revolto,
largo, dinâmico.
Toda a combinação
arquitectura-escultura é estabelecida em profundidade e não em
plano, com aplicações fogosas, opulentas, com decoração plástica de
talha predominantemente dourada, que aplicada conjuntamente com
azulejo branco e azul dá uma policromia de efeito agradável, vistoso
e muito característico.
Na pintura
usam-se os contrastes de claro-escuro, que lhe dão uma constante de
processos, inconfundível. Em Espanha e Itália, é curioso que a
escultura precedeu a arquitectura na aplicação de caracteres
barrocos, mas Portugal, que recebe acentuada influência de ambas,
separa-se. individualiza-se sobretudo na talha, que toma carácter
nacional definido.
Passemos então,
ainda que sumariamente, a seguir, a esquematização de Robert Smith
na sua obra: «A Talha em Portugal», para compreendermos essas notas
tipicamente nacionais do Barroco português:
a) – Aplicam-se
na talha colunas de fuste em espiral (salomónico) com pássaros (fénices)
– símbolo da Ressurreição e pequenos anjos, contendo habitualmente
cinco espirais.
/ 16 /
b) – O acanto em
alto-relevo aparece no remate de arcos concêntricos, ou em
combinação com meninos, pássaros e carrancas.
c) – No
altar-mor, surge o trono de construção piramidal, em degraus, que é
uma constante da arte eclesiástica portuguesa depois de 1680.
d) – A decoração
alastra a todo o interior e aparece a
igreja toda de ouro,
realização – diz aquele erudito autor – sem paralelo no passado, e
ideal nunca superado, nos estilos sucessivos da arte lusitana.
a) – Outra
novidade é, na capela-mor, o tecto fingir em madeira dourada, a
caixa e as nervuras de uma complexa abóbada geométrica mourisca,
decorada com almofadas».
Cremos que este
esquema nos habilita a olhar com outros olhos a arte barroca da
talha dourada, que tão bem definida conhecemos na nossa terra. Mas
vejamos
/ 17 /
ainda com Reinaldo dos Santos na sua «Escultura em Portugal» os
principais ciclos dessa escultura barroca:
1.º – Há o
barroco seiscentista de D. Pedro II (1706-1750);
2.º – O barroco
em parte italianizante de D. João V (1706-1750);
3.º – O rócócó de
D. José (1750-1777) a quem em parte se sobrepõe o estilo pombalino
da reconstrução de Lisboa.
Quereríamos
transcrever mais, muito mais e fazer um estudo comparativo das
opiniões dos grandes mestres, mas tiraríamos a este trabalho o
carácter de síntese que o pretendeu orientar desde o início.
/ 19 /
Passaremos então
agora a apontar alguns nomes grandes do Barroco português nas
diferentes Artes, para daí seguirmos para as particularidades do
Barroco Nortenho. E porque partimos do todo para a unidade, a última
parte do nosso trabalho visará a centrar o papel do Barroco
Aveirense na História da Arte, sua importância e razão do nosso
orgulho.
O primeiro nome a
que temos de nos reportar é o de Filipe Tércio que, usando na sua
obra formas clássicas mas já com sentido de espaço, fundou uma
escola de arquitectura, donde saiu a geração de arquitectos que deu
à arte do séc. XVII as primeiras formas Barrocas Nacionais, com
Baltazar Álvares, à frente, autor da igreja dos Grilos no Porto e
considerado por Reinaldo dos Santos o primeiro mestre do Barroco
Português. Surgem também os Tinocos e os Turrianos com bastantes
obras no norte.
No fim deste séc.
e começo do século XVIII, surge um mestre famoso – João Antunes
(1683-1734). Há depois com D. João V, Ludovici, Nazzoni, Mardel e na
segunda metade do séc. XVIII, Machado de Castro, entre outros
grandes.
Aspecto abobadado da Igreja de Jesus.
Assinalam-se
ainda na segunda metade do século XVIII Machado de Castro e António
Ferreira, na arte dos presépios, de barro policromados. Isto para
considerarmos a arquitectura e a escultura como marcos modelos, que
às outras artes serviam de inspiração e onde não deixaram de
revelar-se também artistas de maior mérito. Lembre-se, por exemplo,
o já citado Ludovici, que era ourives em Roma e veio a ser
arquitecto régio em Portugal.
Artistas
ignorados muito mais haveria que citar, até porque em Braga,
Guimarães, Aveiro e Barcelos se situaram grupos de entalhadores que
estenderam a sua arte regional por capelinhas e santuários das
aldeias, em tal profusão que «em 1788 passavam de 3000»!
Mas dizíamos que
há um cunho especial de Barroco nortenho. E assim é de facto R.
Smith apresenta-nos cinco pormenores característicos do barroco do
Norte:
1.º – sanefas e
enquadramentos de janelas;
2.º – púlpitos
escultóricos;
3.º – arcos
cruzeiros elaborados;
4.º – pilastras
interrompidas por mísulas e imagens, conhecidas por «quarteirões»;
e finalmente,
5.º – retábulos
de vários andares.
Isto é o bastante
para compreendermos como o Norte imprimiu carácter a este estilo,
como o Norte o acarinhou e desenvolveu, como o Norte é ainda hoje um
livro aberto aos estudiosos do Barroco. Braga, Porto, Aveiro
orgulham-se dos seus conjuntos, mas sem rivalidades. Também nós,
pretendendo considerar o Barroco de Aveiro na sua originalidade, não
o impomos a honras de primeiro centro, mas sim de importante centro,
posição fundamentada não só no seu rico espólio, como nas
referências elogiosíssimas dos mestres.
Para uma
pormenorização dos valores artísticos da nossa terra, há que fazer
apelo à obra mestra de mestre Nogueira Gonçalves – «Inventário
Artístico de Portugal» da Academia Nacional de Belas Artes, onde no
volume referido à Zona Sul vem a descrição pormenorizada dos nossos
principais valores desta época. Assim, ressaltam na descrição: a
igreja da Misericórdia, «Maneirista» que já Marques Gomes estudara,
considerando em 1623 concluído o corpo da igreja, mas que é nos
meados do século XVIII enriquecida por pinturas sobretudo na
capela-mor. A Igreja do convento de S. Domingos – Sé actual com
considerável ornato do século XVIII, sobretudo no coro alto, no
tecto geral, na frontaria e decoração.
No Museu de
Aveiro, antigo mosteiro de Jesus, com a fachada e a antiga casa do
Lavor (onde morrera Santa Joana), transformada no século XVIII, com
decoração de 1734, há ainda a igreja, de riquíssima talha de madeira
dourada, caracterizada por uma decoração feita por fases, que vão do
barroco inicial para o barroco pedrino típico e com uma terceira
fase de estilo joanino – primeira metade do século XVIII.
Completando o seu conjunto, há o órgão da segunda metade do século
XVIII e finalmente o coro-de-baixo, onde se encontra o túmulo da
Infanta, obra-prima de João Antunes, de 1711, com surpreendentes
embutidos de mármores de Carrara.
Parte do muro frontal e entrada para a
Igreja do Carmo.
Do mesmo
edifício, destacam-se ainda a capela de Nossa Senhora do Rosário,
alguns retábulos e altares, azulejos, peças de ourivesaria
(custódias, galhetas e pixides), paramentos, pluviais, casulas,
dalmátícas), e, finalmente, peças de mobiliário, com uma curiosa
carruagem do 1.º bispo de Aveiro, D. António Gameiro de Sousa.
Temos ainda da
época barroca inicial a igreja do convento do Carmo (1628-1643) com
o seu muro frontal de 1711. Nesta data em que se completava o túmulo
de Santa Joana, João Antunes, ou seus auxiliares, estavam então em
Aveiro e talvez possa aventar-se a hipótese de ter sido nessa altura
aproveitada a oportunidade da presença dos artistas para outras
realizações. Não nos parece inverosímil.
De considerar
também a igreja das Carmelitas, valorizada pela talha dourada que
lhe reveste as paredes e que é da época que temos vindo a tratar
/ 21 /
e a da Ordem Terceira de S. Francisco – 1677-1682 – barroco do fim
do século XVII e transição, com arco cruzeiro revestido à século
XVIII e unida a esta, a igreja do convento de Santo António, também
de talha dourada, frontaria do século XVIII e sacristia, em que a
decoração de talha do século se impõe ao conjunto arquitectónico.
Temos ainda como
elemento assinalável a Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, obra
arquitectural de duas épocas – primeira metade do século XVII e
segunda metade do século XVIII, mas revestida a talha dourada dos
reinados de D. Pedro II e D. João V, com predomínio de sanefas
posteriores.
Esta igreja
conserva em barro uma linda Trindade e tem de prata ou talha,
valores decorativos dignos de menção. Há ainda a capela de S.
Gonçalo, com retábulos comuns da época, e, finalmente, para
completar a série barroca de arte sacra, a capela do Senhor das
Barrocas – 1722. Esta «ressalta por um valor arquitectónico de
mestre (não regional) e pela abundante talha de que é revestida
internamente». Estes os principais conjuntos assinalados na própria
cidade, que Nogueira Gonçalves no seu trabalho exaustivamente
assinala, tal como o faz para os concelhos e freguesias, numa
sistematizada inventariação, que muito nos facilita hoje a consulta
e localização. Vimos assim que há bons exemplares arquitectónicos de
Maneirismo do século XVII e Barroco propriamente dito na cidade,
sendo melhor, contudo, o núcleo de talha dourada. A igreja do Museu
é sala de visitas dessa belíssima talha, que mantém todo o seu
encanto, graças à obra perfeita de restauro a que foi sujeita. Há
ainda, além da arte religiosa, na própria cidade, a assinalar uma
série de edifícios da época, com referência especial para as
construções do século XVII que ficam nas ruas Barbosa Magalhães,
Manuel Firmino, alto da rua Larga e para o prédio da rua de Santa
Joana do primeiro terço do século XVIII, bem como outros nas ruas do
Carril e rua do Gravito, sendo nesta um deles da segunda metade do
século XVIII. Muito mais poderíamos citar, sem dúvida, se a síntese
a que nos propusemos não nos limitasse em cada capítulo o trabalho
comparativo que seria interessante levar a cabo. Passaremos então a
reunir as opiniões sobre o Barroco de Aveiro, que vindo de figuras
ilustres, no domínio da História da Arte, nos dão a certeza de
quanto a nossa terra conta e vale no estilo Barroco de que se honra.
*
*
*
Neste capítulo,
repetimos um apelo, que nos veio de herança: urge dar à arte da
nossa Aveiro a importância que merece, visto que temos pouco, sem
dúvida, mas temos muito bom e muito digno de ser devidamente
apreciado, dado que dos fins do século XVI aos fins do século XVIII,
Aveiro teve a sua mais alta fase de enriquecimento artístico, que
lhe marcou um lugar na História da Arte. Esse lugar foi oficialmente
reconhecido já em 1949, no Congresso Internacional de História da
Arte; desse congresso há que recordar o volume «L'Art Portugais» que
a Academia Nacional de Belas Artes para ele editou, em que Reinaldo
dos Santos, nessa síntese, exigentemente seleccionada, afirma:
«...mas um dos focos mais fecundos, foi certamente o de Aveiro,
centro principal do barroco do século XVII, a que pertencem a
Misericórdia (1597-1622); Carmelitas (1628-1649); S. Gonçalo, de
plano octogonal (1606); Carmo (1643); S. António (1693) e sobretudo
a Igreja de Jesus, reconstituída depois de 1592 e que constitui um
dos conjuntos mais belos da arte do século XVII no norte do país».
Nesse mesmo
congresso o professor da Universidade de Filadélfia, Dr. Robert
Smith, a quem já fizemos referência e a quem muito gratamente
prestamos as nossas homenagens, apresentou uma comunicação em que
apontou a Igreja das Barrocas como «um dos mais
/ 23 / interessantes
exemplares da arte escultórica do Barroco Nacional», apresentando
ali em projecção um pormenor do referido monumento.
Por este mestre
foi feita uma valiosa colecção de diapositivos coloridos dos
melhores valores do Barroco Aveirense, que enviou ao Director do
Museu Regional de então, e que à altura do seu falecimento não
apareceu. Aveiro espera poder contar com S. Ex.ª para lhe permitir a
cedência de uma cópia desses diapositivos que tão útil se tornará à
divulgação fotográfica do nosso património artístico. Considerando
extra-congresso e em pormenor, as opiniões destes dois mestres sobre
o núcleo aveirense, seleccionámos:
De Reinaldo dos
Santos, na sua «Escultura em Portugal», edição de luxo, e cuja capa
colorida apresenta uma figura escultórica do Museu Regional, o
seguinte:
... «S. Miguel de
Alfama, Arouca e Aveiro, oferecem-nos três espécies de carácter
completamente diferente da estatuária portuguesa do reinado de D.
João V»;
... «A Senhora da
Piedade foi um dos temas mais repetidamente tratados pelos
escultores do século XVII. Uma das mais belas é certamente a da
Igreja de Jesus de Aveiro»; e finalmente sobre as figuras que lhe
mereceram honras de capa: ... «modeladas e estofadas em madeira são
as duas figuras de «ballet» do convento de Jesus de Aveiro, cujos
corpos moços de bacantes se envolvem em túnicas que um sopro pagão
agita em ritmo de dança. Destas figuras, particularmente
encantadoras, podem aproximar-se os numerosos anjos candelários que
acompanham com frequência os altares barrocos da primeira metade do
século XVIII».
Pormenor do tecto da Igreja de Jesus, de
abóbada geométrica.
R. Smith na sua
obra «A Talha em Portugal» diz-nos entre outras afirmações: ... «Juan
de Arfe e Villafãne ilustra a composição de acanto, formando oito,
no terço interior duma coluna jónica com as folhas envolvendo uma
figura humana, muito parecida com a dos famosos painéis da capela do
convento de Jesus de Aveiro, do começo do século XVIII» e ainda: «a
segunda campanha da talha de Jesus produziu o vistoso órgão de 1739»
e pouco adiante: ...«O retábulo da capela-mor da igreja oitavada das
Barrocas, cuja portada Barroca é atribuível a Laprade, fala uma
linguagem em duas dimensões...».
Citações
abundantes e honrosas de mestres. A alusão à capela das Barrocas
reservámo-la propositadamente para o fim, porque ela tem merecido
considerações da maior seriedade e tem sido objecto de opiniões
diversas quanto ao problema do seu autor.
Aventaram-se os
nomes de João Antunes, Ludovici e Laprade. O primeiro possível por
ser o autor do túmulo de Santa Joana e pelas analogias das Barrocas
com a Igreja de Santa Cruz de Barcelos, que é da sua autoria. O
segundo, mestre com o seu nome ligado a Mafra e Coimbra, foi por
Aarão de Lacerda e pelos aveirenses Marques Gomes, Ferreira Neves e
Alberto Souto, apontado como possível arquitecto. Mas é Laprade,
escultor do túmulo de D. Manuel de Moura Manuel, na Vista-Alegre,
sua obra-prima, o mais apontado por Virgílio Correia, e também por
Alberto Souto, para a parte escultórica.
Da mesma igreja
se ocupou em 1936, no Arquivo do Distrito de Aveiro, o Dr. Ferreira
Neves, como dissemos; e na mesma revista, o Dr. António Nascimento
Leitão, em 1945, rebatendo com documentação fotográfica a opinião de
Marcel Dieulafoy que a considera «uma transcrição em neo-manuelino
muito elegante dos baptistérios de Florença e Pisa» e só lhe
encontrando semelhança, e vaga, com Florença, por ser octogonal!
No Arquivo do
Distrito de Aveiro n.º 10, de 1937, apresentada e comentada pelo Dr.
Ferreira Neves, vem reproduzida uma memória sobre Aveiro, de Pinho
Queimada, feita em 1687 que nos diz: ... «Em todo o reino não há
igreja da Misericórdia que iguale a desta vila pela sua majestade e
beleza: foi riscada por um arquitecto florentino».
Mais tarde a
opinião de que o traçado pertenceu a Filipe Tércio foi apresentada
por Marques Gomes e aceite pelo Dr. Reinaldo dos Santos e outros
estudiosos. Todavia, a mais bem fundamentada documentação virá,
quando, pelo senhor D. Domingos Pinho Brandão, forem trazidos a
público os elementos preciosos de identificação que já expôs em
comunicação apresentada na quinta reunião de Conservadores, levada a
efeito no Museu de Aveiro. Ali Sua Ex.ª Reverendíssima, em trabalho
intitulado: «A talha dourada em Aveiro – Subsídios para o seu
estudo» – por enquanto só guardado em gravação – deu informações
seguras, positivas e bem documentadas sobre o trabalho «dos
entalhadores, escultores e douradores que enobreceram os monumentos
da cidade e do seu termo», como se lê nas conclusões dessa reunião,
apresentadas pelo actual director do Museu, Dr. António Manuel
Gonçalves, que aí também nos dá conta de como «programou e realizou
a primeira sessão de «Arte sacra Barroca», inaugurada no referido
Museu pelo Chefe do Estado em 6 de Julho de 1959. Posteriormente
(1962) foi enriquecida com a abertura ao público da secção de
Pintura, no andar superior, em que o segundo compartimento da sala
III e as salas IV e V, são também de Pintura Barroca. E neste
recordar de nomes que no presente têm acarinhado a Arte da nossa
Aveiro, abrimos um parêntesis para lembrarmos o entusiasmo de
Joaquim de Mello Freitas e de Marques Gomes, organizando exposições
/ 24 /
em 1882 e 1895 e publicando obras já de mentalização das massas,
para descobrirem o interesse destes trabalhos. Voltando à obra
actual, é aqui devida uma palavra às «Efemérides Aveirenses» que nos
oferecem documentação preciosa para melhor conhecermos, através da
síntese tão necessária à época actual, as condições sociais da época
artística que referimos, entre outras, e que António Cristo compilou
e estudou, através dos sumários de documentos fornecidos pelo
infatigável estudioso Padre António Brásio; como há que lembrar
Rocha Madail, que no esforço de leitura de documentos históricos
preciosos (já publicado o 1.º volume da Colectânea por ocasião do
Milenário de Aveiro – 1959) particularmente do Distrito de Aveiro,
tem queimado a sua vida na fadiga duma busca incansável; e
finalmente o Padre Domingos Maurício, que no seu volume 1/3 sobre o
Mosteiro de Jesus de Aveiro apresenta, além dum trabalho de pesquisa
e coordenação histórica de todos os elementos do referido mosteiro,
um apêndice bibliográfico e iconográfico que, referindo-se em
particular ao culto de Santa Joana de Portugal e no Estrangeiro, tem
a virtude de fazer o registo exaustivo de publicações de carácter
iconográfico, onde vêm obras e autores, que à Arte da nossa Aveiro
muito deram e que estudados em pormenor, muitos mais elementos nos
dão e muitas mais referências levam longe, sobre esta terra querida,
que tanto queremos ver justamente apreciada.
Propriamente dos
estudiosos do seu Barroco, assim fundamentado, quanto mais havia que
dizer! Quanto havia que citar sobre os estudos dos barristas
aveirenses do século XVIII, sobre a Ourivesaria, da mesma época,
honrosamente divulgado pela «Ourivesaria em Portugal» de João Couto
e António Gonçalves; sobre os maravilhosos paramentos, já divulgados
também, ainda que de forma incipiente, cremos, mas que são obra a
realizar. E quanto mais a arte dos séculos XVII e XVIII deixou em
Aveiro para aprofundar e ajudar à sua história!
Síntese de
divulgação, dissemos ser o carácter deste trabalho. Originalidade do
Barroco de Aveiro, o título que para ele escolhemos. Chegando ao
fim, não nos sentimos, de modo algum, com o propósito inicial
realizado. A matéria é vasta, vastíssima, para situar num artigo só.
Mas se, através dele, tivermos contribuído para que os novos e
muitos interessados leitores, que a revista da Junta Distrital já
hoje tem, tenham aproveitado para estudarem, compreenderem e
apreciarem o Barroco da nossa Aveiro, – esse Barroco tão
injustamente tratado outrora, – sentimos então, que apesar das
lacunas que apresenta, valeu a pena. Servir a nossa terra e o nosso
lema, o lema desta Junta e nesse espírito, todo o esforço conjugado
é necessário. |