Subordinado ao título «Subsídios
para a história da Igreja de Nossa Senhora da Apresentação de
Aveiro», o Sr. Dr. Francisco Ferreira Neves publicou no n.º 3 da
Revista «AVEIRO E O SEU DISTRITO», de Junho passado, um artigo em
que afirma não serem exactas as conclusões que tirei acerca da
actual Igreja de Nossa Senhora da Apresentação e que constam do
artigo que publiquei no n.º 1 da mesma Revista.
Para «demonstrar» a inexactidão das
minhas ilações, transcreve excertos de vários documentos, alguns dos
quais coevos do assunto em discussão.
Não podendo, porém, concordar na
totalidade com os argumentos em que baseou a «demonstração» que
pretendeu fazer, venho hoje, afirmar que julgo estar mais próximo da
verdade dos factos que o Sr. Dr. Ferreira Neves.
Desejo, contudo, que as ilações, que
formulo nas linhas que vão seguir-se, sejam mais do que a refutação
de uma afirmação feita pelo Ilustre Director do «ARQUIVO DO DISTRITO
DE AVEIRO», mas um pequeno contributo para a história daquela
Igreja.
Vejamos, por isso, quais as
conclusões em causa e que mereceram reparo ao articulista.
1.º - As obras para a construção da
actual Igreja de Nossa Senhora de Apresentação foram começadas
posteriormente a 1606.
2.º - A mesma Igreja foi concluída
em 1627, sendo posta ao serviço paroquial por Setembro do mesmo ano.
Trataremos separadamente cada uma
das conclusões.
I
As obras para a
construção da Igreja de Nossa Senhora da Apresentação foram
começadas depois de 1606.
Estava dentro da lógica o que no meu
artigo disse acerca do assunto; porém, a transcrição que faz, de um
enxerto da Informação Paroquial de 1721, veio demonstrar, sem sombra
de dúvida, que a construção da actual igreja de Nossa Senhora da
Apresentação foi iniciada em 1606.
E, assim, tem toda a razão o Sr. Dr.
Ferreira Neves.
Mas... estou-me recordando que antes
de abordar propriamente o assunto, tive o cuidado de informar que
não tinha visto o processo que serviu de base à concessão da licença
para esta construção.
Assim, creio que, depois de tão
categórica prevenção, quanto dissesse sobre o assunto devia ser
considerado, não como uma certeza, mas como mera hipótese assente em
fundamento incerto.
«Julgo», dizia eu... E julgar
não é afirmar como certo, mas supor que determinado facto se
deve ter passado de certo modo que pode não ser verdadeiro, como,
afinal, aconteceu no caso presente.
Portanto, o esclarecimento do Sr.
Dr. Ferreira Neves foi oportuno e, quando não tivesse outra
vantagem, pelo menos, teve a virtude de varrer do meu espírito a
dúvida que em mim se levantou e que então formulei.
II
A Igreja de Nossa
Senhora da Apresentação foi posta ao serviço paroquial em 1627.
Uma Igreja só o é, plenamente,
quando nela se podem realizar todos os actos de culto a que se
destina.
E, para que tal se dê, é necessário
que, antes, seja sagrada, ou pelo menos benzida.
Até à realização de qualquer destas
cerimónias, ela não é mais do que uma construção material onde,
normalmente, não é permitido praticar actos de culto oficial,
nomeadamente serviço paroquial.
Ora, nenhuma das transcrições feitas
pelo Sr. Dr. Ferreira Neves nos pode levar a concluir que o serviço
paroquial passou a realizar-se, na totalidade, na nova Igreja de
Nossa Senhora da Apresentação, a partir de 1617.
/ 36 /
A meu ver, o silêncio feito pelo
Visitador a partir de 1616 não nos pode levar a semelhante
conclusão; quando muito, ele pode significar que a obra material
estava acabada, ou quase pronta.
Mas teria ela já sido sagrada ou,
pelo menos, benzida para que ali se pudesse, desde 1617, realizar
todo o serviço paroquial?
Não sei de documento mais seguro e
mais actual que o registo paroquial; ele vai mencionando, dia a dia,
os baptizados, casamentos e óbitos, à medida que tais actos se
realizam, dando, por vezes, os termos que os referem pormenores
curiosos que muito úteis são ao investigador que os consulta.
Lancemos, por isso, um olhar sobre o
registo paroquial que, talvez nos ajude a dor uma resposta àquela
pergunta.
Os termos de casamentos e de
baptizados pouco nos esclarecem sobre o assunto em causa, como nos
mostram as transcrições de alguns que a seguir se fazem.
«Hoje vinte e tres de Julho de
seiscentos e dezaseis puseram os Santos Oleos a Domingos o
qual baptizou em casa José Dias por necessidade. Seu pai se chama
Domingos Nunes, sua mãe Isabel de Almeida. Padrinhos o mesmo que o
baptizou, Catarina Antão de Palmeira».
«Em os tres dias de Outubro baptizei
eu p.e João Gomes, cura que sou em a Igreja de Nossa Senhora de
S. Gonçalo a uma filha por nome Isabel, filha de Pero Migueis e
de sua mulher Antonia Fernandes e foram padrinhos Domingos André
marido de Luzia André e madrinha Isabel André do Albôe era 1618
anos».
«Em os cinco dias de Outubro do ano
de seiscentos e vinte, baptizei a Manuel, filho de Jacinta, cativa
de Gonçalo Guedes, solteira. Deu por pai a António da Rocha,
mareante natural de Viana. Foi padrinho André Fernandes, mareante e
me assinei no dito dia, mês e ano ut supra».
«Aos vinte e dois dias do mês de
Fevereiro do ano de seiscentos e vinte e quatro, baptizei eu o p.e
Francisco Fernandes Salazar pelo p.e André Luis, cura nesta
igreja de Nossa Senhora das Candeias que me deixou a igreja em
verdade, a António, filho de Luis Nunes Penela e de sua mulher Maria
Migueis. Foram Padrinhos Jacinto da Rocha, escrivão da Comarca e
Catarina Migueis, moça donzela, irmã da mãe do baptizado e por
verdade assinei aqui no dito dia, mes e ano, ut supra».
«Em os 14 de Julho de 626, baptizei
a Catarina filha de Francisco Marcos e de Leonor André. Foram
compadres Pero Fernandes Pires e Ana Botelha viuva, todos desta
freguesia em fé do que fiz este termo, dia, mês e ano ut supra».
«Em os sete de Março baptizei eu o
p.e João da Rocha, a Maria filha de Sebastião da Rocha e Maria João.
Foi padrinho Diogo Nunes e madrinha, Maria João Baltazar. Em fé do
que fiz este termo por esquecer em a era de 1627».
O exame dos termos transcritos, que
são os mais esclarecedores, dentro dos anos que vão de 1616 a 1627,
aludem à «igreja de Nossa Senhora de S. Gonçalo» (1618) e à de
«Nossa Senhora das Candeias» (1624).
Ora ninguém poderá afirmar que tais
denominações, nessa época, podiam já corresponder às da actual
igreja de Nossa Senhora da Apresentação, mas à que foi sede da
freguesia, criada pela Provisão de 10 de Junho de 1572 do Bispo de
Coimbra, D. Frei João Soares.
As designações «freguesia de Nossa
Senhora da Apresentação» e «Igreja de Nossa Senhora da Apresentação»
vi-as pela primeira vez no termo de abertura do «Livro 2 de
Bautizados», começado em 5 de Julho de 1624, o qual é do seguinte
teor: «Livro de Bautizados desta igreja de Nossa / Senhora da
Apresentação da vila de / Aveiro, que é da Ordem de São Bento / de
Avis, de que é vigário e Revd.o frei / Jerónimo Galvão, freire
conventual do convento de São Bento de Avis / Ano de 1624».
Tenha-se em conta que o vigário frei
Jerónimo Galvão, não queria referir-se, no citado termo de abertura,
propriamente a «igreja» mas à «freguesia»; porquanto os baptizados
não são «desta igreja», mas «desta freguesia».
Isto é, a partir desta data (1624),
a freguesia que geralmente foi designada por «freguesia de Nossa
Senhora das Candeias» e algumas vezes por «freguesia de S. Gonçalo»,
passou a ter uma terceira denominação: de «Nossa Senhora da
Apresentação».
Esta nova denominação, em 1624, 1625
e 1626 foi usada pelo pároco, por 19 vezes, chegando mesmo a dizer,
em alguns termos, que baptizou «em esta igreja de Nossa Senhora da
Apresentação», expressão que, porventura, podia levar-nos a admitir
que a nova igreja, desde 1624, estava já posta ao serviço paroquial
«Mas, não é assim como adiante se mostrará.
Debrucemo-nos, agora, sobre os
termos de óbitos; eles são mais precisos que os de baptizados.
Antes de 1624 não havia Livro
especial para o registo de defuntos, visto que, no livro começado
naquela data, se diz: «Livro primeiro de defuntos».
Os óbitos que ocorreram, antes de
1624, devem ter sido registados no mesmo Livro em que o foram os
baptizados e os casamentos, mas hoje não existem ou, pelo menos, não
os encontrei.
/ 37 /
O primeiro termo do Livro especial
de defuntos é de Isabel, solteira que faleceu em 6 de Julho de 1624
e foi sepultada na Ermida de S. Gonçalo que é anexo desta igreja de
Nossa Senhora da Apresentação.
Todos os registos que a este seguem,
muitos dos quais, com dificuldade consegui decifrar, além de alguns
que são totalmente ilegíveis, são os que a seguir se extractam no
que contêm de útil ao fim em vista.
– Em 25 de Agosto de 1624, faleceu
Mateus André. Está sepultado na Ermida de S. Gonçalo que é anexo
desta Igreja de Nossa Senhora da Apresentação.
– Em 9 de Setembro de 624, faleceu
Margarida Gonçalves. Está sepultada nesta Igreja.
– Em 17 de Setembro de 624 faleceu
Margarida. Está sepultada no convento de S. Domingos.
– Em 21 de Julho de 1625, faleceu
Domingas, solteira. Está sepultada na ermida de S. Gonçalo.
– Em 1 de Agosto de 1625 faleceu
Inês, solteira. Está sepultada na ermida de S. Gonçalo.
– Em 1 de Agosto de 1625 faleceu
André Lopes. Está sepultado na igreja de S. Gonçalo.
– Em 1 de Agosto de 1625 faleceu
Maria. Está enterrada na igreja de S. Gonçalo, desta freguesia.
– Em 9 de Outubro de 1625, faleceu
Diogo Gonçalves. Está enterrado na igreja de Nossa Senhora da
Apresentação.
– Em 5 de Dezembro de 1625 faleceu
Inês Pinheira. Está sepultada no Convento de Jesus.
– Em 11 de Janeiro de 1626, faleceu
Maria Gomes. Está enterrada em Santo António.
– Em 20 de Janeiro de 1626, faleceu
Afonsina Jorge. Está enterrada na igreja de Nossa Senhora das
Candeias.
– Em 22 de Março de 1626, faleceu
Manuel Fernandes. Está sepultado na Igreja de S. Domingos.
– Em 27 de Março de 1626, faleceu um
filho de Roque André. Sepultado na Igreja de Nossa Senhora da
Apresentação.
– Em 23 de Julho de 1627, faleceu
Leonor Cardosa. Está sepultada em Santo António.
Quer dizer: até 6 de Março de 1627
encontramos as denominações «Ermida de S. Gonçalo, anexa a esta
igreja (1624), igreja de Nossa Senhora da Apresentação (1625 e 1626)
e igreja de Nossa Senhora das Candeias (1626).
Pode julgar-se por estas
denominações que se trata da actual igreja... Mas, não o creio; já
pelo que se disse em relação aos baptizados, já ainda e
principalmente pela transcrição que a seguir se faz do assentamento
de óbito de Maria Pinheira que é do teor seguinte:
«Em 16 de Setembro de 627 faleceu
Maria Pinheira, mulher do vianês. Está sepultada em a igreja Nova,
morreu abintestada. Em fé do que fiz este termo dia, mês e ano ut
supra».
Ao ler os extractos feitos e a
transcrição supra, notamos, desde logo, que por um lado, há uma
igreja que o vigário frei Jerónimo Galvão, em 1624, 1625 e 1626,
designou por «Igreja de Nossa Senhora da Apresentação» e pelo
outro, há uma outra igreja que o mesmo vigário frei Jerónimo Galvão
designa por «Igreja Nova».
Ora, se se tratasse da mesma igreja
que o Sr. Dr. Ferreira Neves, no seu artigo, diz ter sido concluída
em 1616 e posta ao serviço paroquial em 1617, não poderia
explicar-se facilmente:
1.º – o motivo porque, só dez
anos depois de ter sido inaugurada, o vigário frei Jerónimo
Galvão passou a designá-la por Igreja Nova.
2.º
–
a razão porque, desde 1624 até 1627, apenas 3 enterramentos nela
teriam sido feitos.
É ainda de notar que a denominação
de Igreja Nova nem obedeceu a um simples capricho do pároco, nem tão
pouco a fez esporadicamente; ela repete-se pelos anos fora, até que,
em 1633, substituiu-se a expressão «sepultado na igreja nova» por
«sepultado na igreja de N. S. da Apresentação».
Assim, torna-se evidente que a
designação de «Igreja de Nossa Senhora da Apresentação», adoptada
pelo vigário frei Jerónimo Galvão até 1627, queria significar, não a
actual Igreja, porque essa passou a designá-la desde 1627 até 1633,
por «Igreja Nova», mas a antiga Ermida de Nossa Senhora das
Candeias, ou de S. Gonçalo.
De outra forma, ficará sem
significado a expressão «Igreja Nova» que o pároco usou durante
seis anos.
Creio, pois, que não foi por mero
arbítrio que ele a designou assim; mas o fez desde o dia em que
pôde, pela primeira vez, ali realizar serviço paroquial, pelo menos
enterramentos.
Reforçando esta minha convicção,
direi ainda que, ao mesmo tempo que o vigário frei Jerónimo Galvão
continuava a empregar a expressão Igreja Nova, em 20 de Abril
de 1628 e em 7 de Junho e 12 de Dezembro do mesmo ano, o P.e
João da Rocha, que nesse ano substituiu algumas vezes o vigário,
designava a mesma igreja por «S. Gonçalo» facto que, pela primeira
vez, se deu em 5 de Outubro daquele ano e o repetiu ainda em 9 do
referido mês e em 4 de Dezembro.
Isto é, a nova igreja de Nossa
Senhora da Apresentação, além da denominação que o Vigário lhe deu
/ 38 / durante os anos
que vão de 1627 a 1633, teve também a de «Igreja de S. Gonçalo»,
desde 1628, pelo menos.
Ora, como havia, então, duas igrejas
conhecidas pela mesma designação de «igreja de S. Gonçalo», o
vigário frei Jerónimo Galvão, para não haver dúvidas sobre a Igreja
ou Capela em que o acto se realizava, passou a designar a antiga
igreja de Nossa Senhora das Candeias por «ermida de S. Gonçalo
Velho», denominação que, pela primeira vez, foi usada em 23 de Maio
de 1628, e repetiu-a em 30 de Junho desse ano e nos anos que a este
se seguiram.
Assim, surge naturalmente a
pergunta: porque é que somente a partir de 1628 e não
antes aparece esta designação de «ermida de S. Gonçalo Velho»?
Julgo que a resposta não pode ser
outra que não seja esta: antes de Setembro de 1627 havia uma só
igreja que designava por «igreja de S. Gonçalo»; a partir daquela
data, havia duas, às quais davam a mesma denominação: a antiga sede
da freguesia e a actual.
Para terminar direi que julgo
válidos e de toda a segurança os argumentos em que me baseei para
afirmar no meu artigo, inserto no n.º 1 de «Aveiro e o seu Distrito»
que a actual igreja de Nossa Senhora da Apresentação, só foi igreja,
ou pelo menos, o teria sido em sentido pleno, a partir de 1627.
Nesta convicção ficarei até ao dia
em que a fortuna coloque diante dos meus olhos documento coevo que
afirme o contrário.
Aveiro, 15 de Setembro de 1967. |