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N.º 4

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1967 

O Aveirense Visconde de Seabra

Pelo Dr. Fernando de Oliveira

 

Passou em 1 de Julho do corrente ano o centenário da Carta de Lei que aprovou o Código Civil de 1867.

Cremos que para a maioria dos aveirenses tal facto se manteve encoberto na densa floresta da História Pátria.

Entretanto esse verdadeiro monumento nacional havia pautado a vida privada do país até precisamente um mês antes, mantendo-se em pleno vigor durante um século, cedendo apenas perante a magnificente actualidade doutra não menos gigantesca obra do engenho humano: o Código Civil de 1966!

 

E, mais do que isso, essa efeméride trazia à ribalta da nossa admiração o nome dum dos mais ilustres aveirenses de todos os tempos – que o era, e bem, pelas ancestrais raízes, pela seiva sorvida e pelas cinzas imortais.

Na verdade, António Luís de Seabra – para a História Visconde de Seabra –, não obstante ter nascido ao largo de Cabo Verde, em 2 de Dezembro de 1798, a bordo da nau «Santa Cruz», a caminho do Brasil, o certo é que a povoação de Mogofores, do concelho de Anadia, bem pode reclamar para si, muito justamente, a cidadania deste insigne Jurisconsulto, como veremos na breve resenha biográfica que vamos lembrar.

De Mogofores era seu pai, António de Seabra da Mota e Silva, magistrado judicial também.

Nomeado ouvidor para a Vila do Príncipe, província de Minas Gerais, para ali seguiu o magistrado António de Seabra com sua esposa, na já referida nau, em cuja viagem ocorreu o celebrado nascimento de António Luís de Seabra, no expressivo cenário do imenso e revolto oceano.

Baptizado no Rio de Janeiro, em 5 de Janeiro do ano seguinte, cedo de fixou na Metrópole lusitana.

Em 24 de Outubro de 1815 matriculava-se na Faculdade de Leis da Universidade de Coimbra, onde concluiu o seu curso em 6 de Julho de 1820.

Com apenas 21 anos iniciou a sua fulgurante carreira na magistratura judicial em Alfândega da Fé, Trás-os-Montes, como Juiz de fora, em 1821.

Essa firme e brilhante escalada levou-o ao Supremo Tribunal de Justiça, com alguns patamares políticos de permeio, que muito haviam de inspirar a sua obra máxima.

Efectivamente, António Luís de Seabra, apaixonado defensor do liberalismo, passou das ideias à acção, ao intervir nas lutas liberais, principalmente nas revoluções de 1828 e 1846, enfileirando entre os Bravos do Mindelo.

Deputado em 1834 a 1861, em quase todas as legislaturas, e membro da Câmara dos Pares, desde 1862, atingiu o vértice do Poder Judicial quando lhe foi confiada a pasta da Justiça em 1852 e 1868.

E na Escola onde havia formado o seu espírito viria a pontificar através da honrosíssima qualidade de Reitor da Universidade de Coimbra, de 14 de Agosto de 1866 a 24 de Julho de 1868, depois de ter sido consagrado com o título de Visconde em 25 de Abril de 1865.

Personalidade complexa e rica em talentos, foi o Visconde de Seabra, além de profundo e arguto Jurisconsulto, estudioso filósofo, humanista erudito, poeta e prosador de grande craveira, jornalista fecundo / 28 / e activo, tendo chegado a traduzir e comentar obras dos clássicos Horácio e Ovídio e fundado 4 jornais.

O seu labor jurídico marca, no entanto, predominantemente toda a sua produção intelectual, culminando com a sua obra-prima, que hoje nos faz reviver a sua figura: o nosso primeiro Código Civil.

Em resultado da sua fama de profundo Jurista, foi o Visconde de Seabra, por Decreto de 8 de Agosto de 1850, encarregado de elaborar um projecto de Código Civil, que concluiu em 1859.

Os seus talentos verteram-se decisivamente na defesa do seu projecto no seio da Comissão Revisora, de que naturalmente fazia parte.

Em 1865, concluíram-se os trabalhos de revisão, com o triunfo quase total dos pontos de vista do autor do Projecto, pelo que bem se pode dizer que o Código Civil, promulgado em 1 de Julho de 1867, como dissemos, é obra do Visconde de Seabra.

E para se avaliar a decisiva importância desta codificação na vida e História nacionais bastará lembrar que ela colocou Portugal ao nível dos países mais civilizados, pela técnica e pelas soluções perfilhadas.

Mas não só pela ancestralidade podemos reivindicar o Visconde de Seabra para a galeria de honra dos grandes vultos do distrito de Aveiro, ao lado de Guilherme Moreira, Barbosa de Magalhães (Pai e Filho), Manuel de Andrade e outros.

Em Mogofores, na verdade, viveu o Visconde de Seabra largos anos, aí trabalhando activamente na elaboração do projecto do Código Civil, criando família e expirando em 29 de Janeiro de 1895, quase centenário, como viria a ser a sua notável obra-prima.

Eis, pois, a razão da oportunidade desta evocação que, na sua singeleza, pretende ser, acima de tudo, a homenagem das gentes deste laborioso rincão nacional.

Curvemo-nos, portanto, sentidamente ante a memória deste aveirense de raça.

Aveiro, Setembro de 1967.

páginas 27 e 28

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