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N.º 2

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1966 

 

O Porto de Aveiro e a sua influência no crescimento económico da região

Pelo Dr. Álvaro Sampaio

Professor do Liceu Nacional de Aveiro,
antigo Presidente da Câmara Municipal de Aveiro

 

I –

«Seria desejável que as personalidades mais categorizadas e representativas da região aveirense, os estudiosos dos problemas respeitantes aos diversos sectores da vida do Distrito, se congregassem no sentido de dar a conhecer ao Pais as possibilidades culturais, económicas, políticas e sociais desta região, que abrange 2.772 quilómetros quadrados de superfície. As belezas naturais, as características etnogeográficas, o problema demográfico, o da assistência, etc. merecem estudos minuciosos, que devem e podem ser tratados por pessoas qualificadas, que as há, amantes da região onde nasceram. Afigura-se-nos que tal tarefa deverá caber à Junta Distrital, em estreita colaboração com as autarquias locais».

O aparecimento do boletim «Aveiro e o seu Distrito», cujo primeiro número veio a lume em Junho último, não pode deixar de regozijar-nos pelo significado que representa e por vir de encontro à sugestão formulada por nós, há mais de um ano, na imprensa local (1).

A Junta Distrital de Aveiro, abalançando-se a uma publicação desta natureza, destinada a fazer o inventário da região aveirense nos múltiplos aspectos da sua operosa actividade, realiza um dos seus principais objectivos e pratica uma autêntica política do espírito.

O nosso Distrito, com uma vida intensa, com as suas belezas naturais inconfundíveis, a sua pujante e crescente riqueza económica, só ganha em ser conhecido e só lucra com os estudos e divulgação dos seus diferentes problemas.

Não é novidade para ninguém que o Distrito de Aveiro ocupa o terceiro lugar na carta industrial do País. Nele predominam as indústrias metalomecânicas, as do papel e as químicas, as da cortiça e madeiras, a dos lacticínios, as do calçado, as da cerâmica e faiança, a da construção naval, a salineira, as da pesca longínqua e costeira e a da agricultura. Podemos ainda acrescentar a este rol a avicultura industrial, uma florescente indústria por enquanto na fase inicial de desenvolvimento, mas cujo rendimento bruto anual roça pelos quinze mil contos.

Um apontamento: só uma das várias unidades industriais desta modalidade, espalhadas pelo Distrito, dispõe de aviários que obtêm cerca de 80.000 pintos por mês.

Outro apontamento: as 268 marinhas do salgado de Aveiro produziram, na safra de 1965, 95.500 toneladas de sal, no valor de vinte e sete mil e trezentos e seis contos. Embora se trate de indústrias do sector primário em que o crescimento anual é lento e muito sujeito a oscilações, em que há anos de expansão alternando com anos de retrocesso, sobretudo na pesca, nas indústrias extractivas e na agricultura, o certo é que a sua influência na balança económica da região e, digamos, na economia nacional, não é de desprezar.

O elevado número de estabelecimentos fabris (cerca de 5.500); o seu valor económico, computado em um milhão e quinhentos mil contos; o avultado contingente de indivíduos ao serviço da indústria (à roda de 61.000), colocam o Distrito de Aveiro logo a seguir ao de Lisboa e ao do Porto. Seguem-no de perto o de Santarém (com menor densidade industrial) e o de Braga.

O surto de progresso que se tem verificado nos últimos anos no nosso concelho, surto / 6 / extensivo a outras zonas do Pais, deve-se, em grande parte, à unidade política em que temos vivido, capaz de criar ambiente à realização de grandes obras. Entre essas obras de vulto, conta-se o melhoramento e construção do porto de Aveiro, cuja influência na vida económica da região, tema principal do nosso trabalho, é verdadeiramente notável.

A laguna, que se havia convertido num mal mortífero em épocas passadas, transformou-se num elemento de bem-estar das populações ribeirinhas; a barra, que se encontrava quase sempre obstruída e incapacitada de dar acesso à navegação, tornou-se um factor de riqueza, permitindo que os navios entrem e saíam sem perigo nem receio; a população, que havia atingido 14.000 almas no século XVI e caíra para 3.000 no princípio do século XIX, multiplicou-se não só pelo saneamento operado pela abertura da barra nova, que passou a dar saída às águas estagnadas, mas também porque se abriram novos horizontes à actividade do homem. Facilmente se conclui que o porto é condição de vida ou de morte para A veiro, é a razão de ser da sua própria existência.

Na opinião de pessoas autorizadas, o porto, uma vez convenientemente equipado e dragado, representará o maior valor económico da nossa região. E, dadas as suas excepcionais condições naturais numa costa de 485 Km. de extensão, poderá vir a ser um complemento do porto industrial de Leixões, presentemente quase saturado e sem possibilidades de expansão.

Foi também esta a opinião do douto Conselho Superior das Obras Públicas que, em 10 de Maio de 1955, emitiu o seguinte parecer: «se é provável que a função de grande porto comercial não venha a ser exigida a Aveiro antes ainda da longínqua saturação de Leixões (e desse ponto de vista não deve tão-pouco esquecer-se a presença da Figueira da Foz), já aparecem bem menos remotas as suas extraordinárias possibilidades de grande porto industrial, sem par no norte e centro do País, e cujo plano de aproveitamento seria necessário assegurar: nesse aspecto, pode dizer-se que é nula a capacidade de Leixões e que A veiro não tem competidor».

Este parecer, muito lisonjeiro para o nosso porto, foi homologado pelo então Ministro das Obras Públicas, Sr. Eng.º Frederico Ulrich, em despacho de 18 de Maio de 1955.

Podemos reforçar esta autorizada opinião com um excerto do discurso do ilustre Ministro das Comunicações, Eng.º Carlos Ribeiro, quando Sua Excelência o Presidente da República, Almirante América Tomás, inaugurou as recentes obras portuárias em Leixões, no dia 23 de Outubro do corrente ano, obras no valor de 332.000 contos.

Disse o Sr. Ministro: «Na verdade a bacia da foz do Leça estará em breve totalmente ocupada pela doca número dois e não é arriscado prever que dentro de duas ou três dezenas de anos se esgote a capacidade de exploração do porto. Restará, então, ou o alargamento artificial do porto pelo aproveitamento de novas áreas marítimas ou encontrar outro porto complementar, que parece só vislumbrar-se em Aveiro».

Como as instâncias superiores estão agora ao corrente das grandes possibilidades do nosso porto – o que nem sempre aconteceu, diga-se de passagem –, a região aveirense tem um amplo futuro aberto à sua frente.

As opiniões dos técnicos são concordes, o que representa meio caminho andado.

A realidade insofismável dos factos veio pôr em evidência, nestes últimos anos, a acertada orientação do Governo quando, em 1929, decidiu dar prioridade às obras do porto de Aveiro, concedendo a verba de 21.000 contos.

Oxalá as futuras gerações saibam dar continuidade à obra iniciada há mais de século e meio.

 

II

Durante muitos anos, o porto de Aveiro não teve a menor projecção no País. No grande Congresso Nacional de Lisboa, realizado em 1909, foi apresentada uma «Memória» sobre portos francos, da responsabilidade da «Liga de defesa dos interesses públicos». Nesta «Memória» não há qualquer referência ao nosso porto. Cita-se Viana do Castelo, Figueira, Setúbal, Faro, mas nem a mais leve alusão a Aveiro.

De facto, a verdade é que o movimento marítimo de Aveiro, nesse tempo, pouco mais era do que nulo. A barra estava quase sempre obstruída, e as instâncias superiores não atendiam aos apelos angustiosos da cidade e do concelho. Por outro lado, não havia planos, nem técnicos, nem disponibilidades financeiras.

Em 1921 já era do conhecimento dos governantes que: «na complicada acção das correntes internas e marítimas, dos ventos e das dunas, / 7 / das cheias e aluviões, o bem-estar e o progresso desta região, estiveram sempre indissoluvelmente ligados às condições do passe da barra, por onde se realiza o tráfego marítimo, se escoam as águas altas dos rios e entra a corrente purificadora das águas salgadas. Condição primária de toda a economia regional, a barra de Aveiro – muito tempo um rasgão apenas, errante de norte a sul, na cortina litoral das dunas, da Torreira a Mira – determinou nas suas vicissitudes, umas vezes a miséria e outras a abundância, ao capricho das forças geodinâmicas, que ora a alargavam, ora a reduziam e de todo a obstruíam, causando a inundação das terras marginais, a epidemia, o despovoamento e a ruína».

Assim retratou, com inteira verdade e em síntese perfeita, a situação da região aveirense, o autor do preâmbulo do decreto 7880 que criou a antiga Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro.

Apesar deste panorama fielmente traçado em 1921, nada se fez de positivo até 1932.

No concelho e na cidade poucos eram os que pugnavam para que Aveiro voltasse a ter o alto valor económico que atingira em séculos passados. Não havia fé nos destinos do País. As paixões políticas exacerbadas; a impotência dos governos perante um parlamento de palavrosos; a falta de visão e de planos construtivos; a insuficiência das disponibilidades financeiras; a escassez de técnicos, tudo isto trazia o povo descrente e desiludido. E quando um povo é minado pela descrença, leva tempo a curar-se do mal. Por isso, poucos foram os aveirenses que acreditavam no ressurgimento do porto de Aveiro. A verdade é esta.

O panorama do País, nessa época, era o que nos descreve o Sr. Dr. Oliveira Salazar:

«O grande público sabe, e vagamente, que não havia estradas, nem portos, nem telefones, nem escolas, nem navios, nem nada; mas só os que têm envelhecido, só os que se têm matado sobre os problemas nacionais, a lutar dia a dia contra as deficiências dos homens e das coisas, contra a estrutural incapacidade de realização, só esses podem ter a noção exacta do Estado sem direcção e sem vontade, do Governo sem força, da vida pública sem directriz, da burocracia sem estímulo, e amiudadas vezes sem competência, dos serviços sem meios nem preparação técnica, da política sem seriedade, da administração sem administração, enfim, da desordem que não era simplesmente falta de ordem mas o conjunto de todos os elementos positivos de desagregação, de ruína, de dissolução nacional». (2)

Registe-se mais um depoimento, este do antigo Ministro das Finanças do Governo do Eng.º António Maria da Silva, o homem sem mácula e prestante cidadão que foi o Dr. Marques Guedes, para não se supor que ouvimos só um sino.

Escreveu ele após a revolução de 28 de Maio: «Estar no Governo em Portugal é como estar numa frente de batalha. Há que lutar todos os dias contra toda a espécie de pressões numa sociedade que dir-se-ia só despertar do seu torpor abúlico para impor aos dirigentes a conservação, mesmo imoral, das situações criadas, o respeito, mesmo prejudicial, dos direitos adquiridos. Depois, a cada momento, a preocupação absorvente da ordem pública, a saída das secretarias do Estado para o quartel do Carmo, a jugular os ímpetos dos heróis improvisados que em Portugal vão proliferando e vivendo agitadamente, numa vesânia de acção egocêntrica e criminosa, como a daqueles caudilhos das repúblicas americanas que, no dizer do brasileiro Euclides da Cunha, entram desabaladamente pela História, fugindo à polícia correccional... E a todos os momentos o parlamento em trucs regimentais e debates políticos, quando não pessoais, em que muitas vezes nem a compostura das palavras e das atitudes se salva.

Em 5 meses de governo tive três debates apaixonados da Câmara dos Deputados, vários incidentes tumultuosos e duas revoluções!...» (3)

Era a realidade. Estávamos habituados a uma decadência tão invertrada no corpo da Nação, que achávamos impossíveis as realizações dos grandes empreendimentos. A descrença era geral. Passava-se ano após ano à espera de uma resolução que não vinha, de um remédio que não surgia, de uma decisão que não chefiava.

Não admira que numa atmosfera desta natureza os aveirenses se desinteressassem do principal problema da sua região – o porto de mar.

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páginas 5 a 27

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