No mundo que até hoje nos foi dado
conhecer, nenhuma terra existe como a de Aveiro, onde a água tão
sensivelmente tenha valorizado a paisagem e exercido uma decisiva
influência nos usos e nos costumes de um povo. Pode recordar-se a
Holanda, as rias do Adriático, os lagos do Norte da Itália, a ria de
Valência, o curso do Reno, mas nada disto nos fala de uma união mais
harmoniosa entre a água e o homem, mais íntima e mais sentimental do
que na região aveirense.
Ao observarmos isto não temos o
pensamento senão na vida de um povo simples que ama a água, a terra
e o espaço com o mesmo fervor e adoração com que reza a Deus. Podem
as civilizações operar maravilhas (a seu modo) e pode o homem, com
toda a sua ambição, alterar a morfologia da paisagem através da sua
obra de conquista e de progresso, sacrificando, assim a própria
Natureza em favor de uma evolução que, para seu mal, não lhe tem
dado paz nem felicidade. Pode tudo isto acontecer, e tem acontecido,
mas será difícil, na terra de Aveiro, que a civilização destrua as
suas razões etognósticas, modifique a sua etnografia e conspurque a
sua beleza paisagística.
Será difícil, repetimos, porque tudo
isso é parte integrante da vida do povo aveirense; anda-lhe na alma,
nos olhos e no coração. É essa estranha influência do ambiente que
tem mantido, com relativa pureza, os valores tradicionais da mais
surpreendente região da Beira Litoral e de todo o território
português.
Do ponto de vista turístico, a
região de Aveiro significa uma potencialidade de tal ordem que o
resultado das suas prospecções é quase imprevisível. A água exerce,
em todos os lados, o seu poderoso fascínio, quer adormecida nas
pateiras e lagoas, quer murmurante nos ribeiros das montanhas,
cristalina nos rios ou luminosa na vastidão lagunar. Este fascínio,
em nós, dura há quase meio século, pois tanto tempo decorreu desde a
longínqua manhã clara em que pela primeira vez tomámos contacto com
essa água, no canal de S. Roque, quando, na lancha a vapor,
tripulada por «mestre» Paula, iniciámos a viagem para S. Jacinto.
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Rio Novo do
Príncipe, vasta e notável "galeria" de quadros paisagísticos. |
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A MAIOR INDÚSTRIA DO SÉCULO
O que então alvoroçou o nosso
espírito infantil ainda hoje da mesma forma nos sensibiliza. É com
uma sensação
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aventura, um prazer de descobrir algo de novo e de belo que sulcamos
as águas da Pateira de Fermentelos, do Águeda, do Rio Novo do
Príncipe ou as da Ria, tanto pelo pretexto de um dia de caça como
pelo intuito de uma digressão contemplativa.
Toda a terra do distrito aveirense
se encontra sob a magia da água. A beleza atinge o fastígio em
qualquer recanto onde a água espelha o céu ou se tinge com o verde
da vegetação luxuriante. Desde a Barrinha de Esmoriz até ao braço
lagunar da Costa Nova e desde os rios Douro e Paiva até ao Vouga e
Cértima, é sempre a água o grande cenógrafo da paisagem, água que
espuma e cachoa ou languidamente adormece para deixar florir os
nenúfares, acasalar os lavancos, cristalizar o sal e permitir a
faina do moliço com os mais lindos e elegantes barcos que jamais se
viram.
Essa beleza não nos avassala apenas
a nós, Portugueses, mas sobretudo aos visitantes estrangeiros.
Temo-los escutado diante das grandes panorâmicas da Ria de Aveiro,
dos pinturescos trechos dos rios de águas verdes e dos miradouros
dos vales serenos e silenciosos. Desvanecem-nos as suas apreciações,
mas entristecem-nos alguns dos seus comentários.
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Aveiro, a cidade
dos canais, deve à água a singularidade de sua feição urbana. |
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Os estrangeiros não compreendem que
tanta maravilha se encontre adormecida, quase desconhecida e, pior
do que isso, inaproveitada pela maior indústria do século, o
Turismo. Trata-se de uma verdadeira ironia do destino, porque essa
indústria, inexistente na região aveirense, é precisamente a que
melhor se coaduna com ela e com o espírito do seu povo. Turismo é um
amálgama complexo, e por mais voltas que lhe sejam dadas, vem sempre
à tona, em primeiro lugar, a paisagem e o clima. Este, especialmente
na zona lagunar, possui todas as excelentes condições marítimas;
quanto à paisagem, nunca o Aveirense deixará de conservá-la
imutável, porque é parte de si próprio e razão de vida.
Não nos estamos a referir, bem
entendido, aos esforços e às iniciativas dispersas dos órgãos locais
de turismo da região ribeirinha da Ria, mas sim ao turismo «em
grande», ao turismo «potência», capaz de fazer de Aveiro e seu termo
a mais espectacular e a mais prestigiosa zona turística de toda a
Península. Para isso, quais as condições naturais
/ 20 / que lhe
faltam? Absolutamente nenhumas! Falta apenas um movimento regional,
ao nível mais alto, cujo objectivo seja desvendar ao mundo turístico
um paraíso de beleza natural, de desportos ao ar livre, de descanso,
de gastronomia e de curiosidades etnográficas e folclóricas.
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Manhã luminosa, em
que, no espelho aquoso da Ria, escorre a brancura das velas dos
"moliceiros". |
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CONSTRUIR O FUTURO
Isso implica, como é óbvio, um
vultoso apetrechamento, mas se a ideia for devidamente agitada,
estamos certos de que os capitais acorrerão. Noutras regiões assim
tem acontecido, e com menos razão que na aveirense. O turismo é hoje
uma realidade económica e a sua indústria é altamente compensadora.
Para a poderem abraçar e dela usufruir todos os proveitos, países
existem, onde a Natureza não foi pródiga, que chegam a «inventar» a
sua própria paisagem. O que importa é obter um primeiro lugar na
corrida do turismo!
Ora, quando um país ou uma região
possuem os factores essenciais ao desenvolvimento e progresso
turístico, deitam a fortuna pela porta fora se deles não tiram todo
o proveito possível.
O turismo está para Aveiro como
todas as suas indústrias tradicionais: pesca, sal, construções
navais e cerâmica. São actividades resultantes das condições
naturais, e elas, por força das circunstâncias, levaram os
Aveirenses a praticá-las. Quase insensivelmente, essas indústrias
apoderaram-se do espírito empreendedor do povo da região de Aveiro,
que as fez progredir e pesar na balança da economia nacional.
Pela mesma razão as actividades
turísticas, por força do potencial existente, hão-de atrair a
atenção dos homens que souberam erguer uma das mais florescentes
cidades do litoral português. Pena é se as futuras iniciativas
vierem a pertencer a estranhos, o que seria tão pouco curial como as
indústrias tradicionais, já referidas, não terem sido criadas pelos
Aveirenses ou, pelo menos, pelos Portugueses.
As jóias turísticas, diamantes em
«bruto», é certo, encontram-se aí por todo o distrito, e a cada
passo com elas se tropeça. É tanta a fartura que nem se faz caso,
mas vale a pena avaliá-la e dar-lhe o melhor dos destinos.
Aveiro, rainha das águas serenas,
deve confiar ao turismo a sólida construção do seu futuro. |