Acesso à hierarquia superior.

N.º 1

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Janeiro de 1966 

   

♫ ♫ A DANÇA POPULAR

 

NO DISTRITO DE AVEIRO ♫ ♫

POR Pedro Homem de Mello

 

O Distrito de Aveiro, no que diga respeito a danças e cantares, distingue-se sobremaneira dos demais, dada a diversidade das zonas que abrange.

Senão vejamos.

A norte do Concelho de Castelo de Paiva – reduto duriense, onde a chula não dá, às claras, por tal nome e, antes, surge em pormenores (remates ou mesmo figuras!) – a canção, a par do bailado, em beleza e pureza, não tem rival.

Mais ao sul e a poente, outra região se nos depara: a das antigas Terras da Feira, a que pertence Arouca e, ainda, a Vila da Feira, Oliveira de Azeméis e todo o Vale de Cambra. Mas duas outras áreas nos merecem, também, estudo: a do Litoral, que, em Ovar, tem o seu expoente coreográfico máximo e a dos Campos de Coimbra, de que o concelho de Águeda é alto estandarte.

O mar dança e a serra canta...

Todavia, o diálogo mantido por ambos, através de romarias, tais como a da Senhora da Saúde, em Coimbra, a 15 de Agosto de cada ano, foi dando a uns o que faltava a outros. Assim, diremos que, aos serranos, os vareiros ensinaram o vira, a que os da montanha chamam «Valseado» e, aos da planície, os da serra foram mostrando as suas «Cantas», reservando, para si, os «Cramóis» – cantares a três vozes – aprendidos na escola que, durante séculos, regeram as monjas da Rainha Dona Mafalda, do Mosteiro de Arouca...

Feita semelhante destrinça, fácil será, depois, vermos quais as danças dominantes em Paiva, nas Terras da Feira, no Litoral e em Águeda (ou, por outra: nos Campos de Coimbra)...

 

 
 

Vira de Cruz de Moldes – Arouca

 

Em Paiva, todos os bailados (incluindo os de roda!) são resultantes da Chula duriense.

No Litoral, a dança é o Vira que usa mil nomes: Vira Vareiro, Real Caninha, Vira Flor, Vira de Trempes, Vira Corrido, Tirana, Vira Pescador, Ensarilhado...

E há, ali, além, dele, uma dança para a estrada, moda de ir para a festa, rusga que, tanto em Ovar como em Esmoriz, é conhecido pelo título de «Mansidão»...

Nas terras da Feira, ao lado do Corre-Corre e da Rabela, de Moldes (no Concelho de Arouca) do Verdegar e da Pasto­rinha, / 22 / de Paços de Brandão (no Concelho de Vila da Feira) do Malhão, dançado no lugar de S. Pedro de Nabais, da freguesia de Escariz (no Concelho de Arouca) do Senhor da Pedra, comum a todas estas freguesias, e da Cana (ou Caninha) Verde de Oito, de Moldes (no Concelho de Arouca) há três Viras, a saber:

O «Valseado» (a que já nos referimos), o Vira de Cruz (por vezes chamado «Vira de Quatro») e a Tirana.

Muito afeiçoado pelo Povo, este último, dançado como o dançam, actualmente, em Cidacos (no Concelho de Oliveira de Azeméis) é, ao lado do Vira de Cruz de Vila Verde (no Distrito de Braga), o mais brilhante vira português, depois da Góta do Alto-Minho.

Mas atravessemos o Vouga...

 

Logo, quer no estilo dos passos, quer na toada dos cantares, encontraremos os frutos do casamento feliz entre a Feira e a campina coimbrã e o da serrania beiroa com o vale de Águeda.

Das Terras da Feira recebeu Águeda o Vira de Quatro, da Beira, mil danças de roda e, de Coimbra, esse famoso Malhão, dança mandada cuja melodia, na voz de Armindo dos Santos, já deu a volta ao continente português...

– Em Águeda, haverá folclore? – perguntou-me um dia alguém. – Sim. As danças de roda – respondi.

As rodas! – eis a feição principal a autêntica dança bairradina.

 

Cancioneiro de Águeda

Por mais que se esfolhem arquivos os quais, entre nós, nunca foram outros senão testemunhos de pessoas de idade, nada encontraremos em desabono de tal afirmação. E poderemos atribuir importância menor a tal facto se, naqueles bailados, em que a melodia e a letra desempenham papel de relevo, o povo se espelha tal qual é?

Estamos, evidentemente, longe da complicação coreográfica do Alto-Minho, pois, de braço dado com a música, a dança aguedense vive mais do canto e das atitudes do que dos passos.

Em Águeda, o alfabeto artístico principia pela cantiga. O resto virá em seguida, naturalmente, limitando-se ao bater de palmas e à corrida. Toda via, mesmo assim, as rodas oferecem grande variedade. E embora junto à Fonte do Botaréu (essa fonte a que António Nobre se refere no seu livro «SÓ»!) faltem Gótas e Fandangos, não admira que as modas de roda, lá, surjam frescas, espontâneas como água, capaz de encher os cântaros de toda a gente. E nada é mais poético (nem mais exacto!) do que o espectáculo dos homens espadaúdos que, docilmente, vão dando as mãos às raparigas, em volta das fogueiras, pelo S. Pedro, e cantam:

/ 25 /

Enquanto o rio sozinho,

Vai correndo para o mar,

Fica a triste lavadeira

Sempre a lavar, a lavar.

 

As lavadeiras à noite

No meio do areal

Para fazer cabeceira

Tiram o seu avental.

 Até aqui, o bailado resume-se a um vagarosíssimo passeio. Mas vem, logo, o estribilho, quando as mulheres, primeiro, e os homens, em seguida, batem palmas, indo ao centro: 

Bate lavadeira

Lavadeira, bate!

Que as nossas cantigas

Não têm remate!

Nessa altura, o coro, repetido à laia de desafio, uma vez por elas, outra, por eles, dá-nos a medida do vigor de que também são capazes aqueles que ainda há pouco se deixavam embalar pela doçura do próprio timbre...

   
 

Vira valseado de Moldes – Arouca

 

Todavia, de todas as danças de roda que, na mocidade, nos foi possível aprender, a do «ABRACINHO» será, talvez, a mais representativa. De começo lenta, vai-se acelerando, até findar, vertiginosamente.

Na Bairrada, a dança resulta da canção. Em Águeda, dança-se muito, só porque muito se canta.

Em Águeda?

Sim. Na Águeda da minha infância, Águeda das novenas ao Gravanço, Águeda que ia de barco ao S. Geraldo e a pé às almas de Areosa, Águeda da minha saudade! Águeda das danças de roda...

Eis, a traços nítidos, a panorâmica da coreografia do Distrito de Aveiro. Ficamos, no entanto, à espera de que, de ano para ano, outros grupos etnográficos se evidenciem, correspondendo ao apelo de Anto!

– «Que é dos Pintores do meu País estranho?

Onde estão eles que não vêm pintar?».

Para já, à margem dos ranchos oficializados (Grupo Folclórico da Casa do Povo de Castelo de Paiva, Conjunto Etnográfico de Moldes, Rancho de Merujal, Rancho de S. Pedro e Nabais, Rancho de Fajões, «Como Elas Cantam em Paços de Brandão», Grupo Folclórico de Cidacos – em Oliveira de Azeméis –, Rancho Folclórico de Ovar – dos lugares da Marinha e do Torrão de Lameiro – e Cancioneiro de Águeda) distinguiremos dois que, sinceramente, aplau­dimos: o da Ribeira de Ovar e o de S. Tiago de Riba de Ul...

Porto, Dezembro de 1965.

 

páginas 21 a 25

Menu de opções

Página anterior

Página seguinte