À mesa do café disse-me que o pensamento
é livre. Aprendeu essa máxima do pensamento modernista quando um dia na
sua juventude soube que homens que admirava profundamente, como
Mário
Sacramento, Álvaro Neves,
Costa e Melo, João Sarabando, entre outros,
tinham sido garroteados num dos mais fáusticos dos direitos de
personalidade que a Revolução Francesa tinha trazido á humanidade e que
era o direito de ser livre e de ser diferente.
Emigrou para se fazer economicamente
homem. Soube ser gente, num país onde cada um é ninguém.
Ouviu falar do
Bob Kennedy porque John
era já apenas a memória dos americanos sérios, repousando lá, onde a
posteridade começa, varado pelo fuzil do imperialismo mais retrógrado.
Lá, na sede social do patrão do mundo, onde todas as forças policiais
não encontraram ainda um culpado convincente para a morte de um
Presidente.
Um dia este pequeno Homem de olhos
abertos para o futuro reparou que numa piscina havia outros homens menos
felizes que respondiam à hilariedade geral com a mesma incerteza de
Galileu perante a inquisição: a terra não seria seguramente redonda, mas
movia-se.
Dedicou-se então ao ensino de invisuais
porque, como escreveu Brecht "é um crime cantar as flores quando há
crianças que morrem de fome". A nossa surdez mental calou esse gesto.
Prosseguiu, não para ganhar a História mas para ganhar o companheirismo
de todos. Mário Sacramento poderia ter pensado nele quando apostolou
"Deus não nos perguntará se fomos pios, mas se fomos fraternos".
Muitas gerações lhe devem esse acto de
sobrevivência que é saber nadar. Soube moldar campeões. Mas, mais do que
isso, soube criar Homens. Poço de Santiago, Piscina do Beira-Mar,
Biarritz, Piscina do Liceu de Aveiro, têm constituído oficinas de
atletas, templos de adoração e redenção ao trabalho dedicado, caboucos
de orgulho futuro de Aveiro.
E se este homem, já avô, mereceria outra
implementação da natação em Aveiro, merece com certeza a homenagem de
muitas gerações de jovens que aprenderam a flutuar sobre a sua
virilidade de menino.
Caramba: nem sempre se deve esperar
pelos mortos para os perturbar no seu silêncio sepulcral. Temos tempo
demasiado para estar mortos. Ganhemos por enquanto os nossos vivos.
Até porque para ti, Eduardo Raposo
Rodrigues de Sousa — ATITA — todas as crianças do mundo terão direito a
enxugar as suas lágrimas de pedintes perante as montras mudas de todas
as pastelarias do Universo.
Ora viva ATITA! Cambio para usted!
João Seiça Neves |