Quando me pediram que escrevesse umas
tantas linhas em louvor do ATITA, senti-me desencorajado a fazê-lo de
outra forma que não fosse em forma de braçadas, pois me faltava cortiça
no sinto de salvação e, mais ainda, porque nunca tinha, com ele ou com
qualquer outro da sua igualha, aprendido a atravessar cales, pegos ou
esteiros sem necessidade de pontes, bateiras, cabo de vai-e-vem, ou
mesmo e até à sirga.
Senti-me envergonhado mas ainda que,
ligado ao "sim" do compromisso, logo, em reserva mental, me decidi a não
o fazer sem ir por aí fora, até ao Paraíso, quase doutor por contágio
universitário; até aos moinhos, na velha estrada da Gafanha; até à Cale
da Vila, à Biarritz de outros tempos; ao velho Canal do Desertas que
hoje só deve ser passadeira de alguns berbigões vadios, sem rumo certo,
por falta de agulha de marear; mesmo, até, às agora "civilizadas" Barra
e Costa Nova de braço dado em Ria e Mar e nevoeiros malsins.
A todos reuni e com o pendão que me dava
o brasão de em todos esses lugares ter sido menino, adolescente e,
agora, menos vezes mas não menos teimosamente, velho, perguntei o que
deveria dizer do ATITA, e seu louvor que nem por merecido em plena
preia-mar de agradecimentos, poderia constituir lisonja em vestes de
hipocrisia ou coró de falsidades de simples bem dizer.
E todos, mas todos, disseram do ATITA e
seu folgazão e aberto feitio e dedicado labor, o que os gulosos dizem do
mel, os desertos dos oásis, as velas dos ventos de feição e os verdes
das águas limpas que os façam manter a cor que é mãe do pão por vir.
E todos perguntaram, quase em angústia,
se esta girândola de elogios poderia ser levada à conta de adeus ou
despedida, logo acrescentando que, se o fosse — t'arrenego, demónio... —
levantariam punhos, arreganhariam os dentes que tivessem, pisariam calos
onde os houvesse assanhados, tudo, mas tudo, em protesto de amor que
ódio se tornaria se o negro da partida se consumasse na paleta das
cores.
É que as cales, os pegos e os esteiros,
mesmo o mar salgado, entretanto chegado à assembleia, estavam unidos no
"Bem Haja o ATITA" pelo seu esforço de povoar de gente sem guelras mas
de coração aberto contente, as águas da sua vida e sina, as águas do seu
ser, as águas de si e do seu fatalismo salgado ou doce.
E é por isso, no exercício desse
mandato, que com outros estou a tecer o ramo de loureiro que o
triunfador merece mesmo que a meta seja a de muitos e o mérito a todos
possa engrinaldar.
Não é vulgar encontrar-se neste
mundo-cão quem com tanta dedicação como a do ATITA, saiba consagrar-se a
uma tarefa do interesse comum e cuja validade não é demais destacar,
fazendo sobre ela incidir a luz de todas as
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verdades sociais que ela encerra.
Sinto-o, talvez, melhor que quantos por
se rirem das águas sem pé, menos compreenderão esta inveja que me invade
sempre que delas me avizinho e fico preso, do lado de cá, sem poder
gozar, mesmo e só, o prazer de viver a vida que para lá de mim e da
água, salta e ri e só aos olhos me dá o todo que eu teria se para lá
pudesse ir como os muitos a quem o ATITA deu as barbatanas para o voo
molhado a que tem dedicado todo o seu amor e dedicação.
Dizer do ATITA, o quê?
Se me perguntassem eu talvez só
respondesse em maiúsculas:
NADA. NADA. NADA.
A que só acrescentaria, como em segredo
para não beliscar vaidades: e faz nadar!
Nada e faz nadar, dando a todas estas
crianças que serão adultos, amanhã, a sensação e a certeza de que é
aqui, à beira das águas doces ou salgadas que nos cercam, o seu lugar!
E fazê-lo, como ele o tem feito e
continuará por certo a fazer com a devoção dos devotos com fé
desinteressada, essa fé que entende ser na terra onde importa matar a
fome e estabelecer a Paz, porque é na terra onde o homem nasceu, é nela
que ele utilizará os pés para andar, e, seguindo o ATITA, os usará com
as mãos em aliança para nas águas dela, nadar, nadar, nadar e atingir os
sonhos que em qualquer outra margem possam estar à sua espera!
Costa e Melo |