TARRAFO – crónicas de um alferes na Guiné, 2.ª ed., 2013, págs. 121-122

INCÊNDIO

Jumbembem, 15 / Dez. / 64.

Alguém gritou estarrecido:

– Há fogo na caserna!

Larguei o garfo, a mesa. Corri.

O pânico espalhou-se. As labaredas lambiam a lua e o azul molhado de estrelas.

Um soldado, por engano, enchera o candeeiro de petróleo com gasolina. Ao acendê-lo, explodiu e ele correu, de calças a arder, a esfregar-se na terra. E não tardou a atear-se ao forro da caserna.

– Há fogo! Há fogo!

Começara uma azáfama confusa, barulhenta. Uns começaram a destelhar a caserna e a borrifar o forro com latas e terrinas de água. Outros, em baixo, atiravam cestos de terra sobre o fogo que rondava alguns bidões de gasolina. E, a todo o momento, receava-se o pior. Iria tudo pelos ares. Outros acarretavam para fora tudo o que podiam roubar às chamas: colchões, malas, roupas. Tropeçavam uns nos outros. Praguejavam. Lamentavam-se:

– Vamos dormir ao relento...

O fogo crepitava numa torrente de estalidos. E o barulho quase abafava a lengalenga que os sapos arengavam, estirados na margem do rio.

Quando entrei no quarto, ardia-me a cama e a tosca / 122 / mesinha de cabeceira, feita duma caixa de cerveja. E salvei, muito a custo, (o fogo lançava-me lâminas vermelhas e baforadas de fumo sufocavam-me) os rascunhos do diário, uma mão-cheia de poesias. O fogo descera pela cortina da janela feita com um cobertor, pegara-se ao mosquiteiro, à roupa.

Entretanto, os montes das chamas começavam a ruir, abafadas. E o fumo começou a esfarrapar-se, levado por um vento sul, a desfazer-se como borrões frescos no firmamento. E os sapos... E os sapos continuaram a arengar ainda por muito tempo.

 

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