Canjambari, 27 / Set. / 64.
«Há mosquitos na estrada…»
Frase curta, gaguejada numa
voz aflita de quem se debatia com arrepios de medo, anichado na estrada.
A mensagem de Coimbra 8 voou
num segundo. Chegou ao estacionamento tão depressa como a tempestade
ruidosa da fuzilaria e estrondos que faziam tremer terra e árvores,
longe, na estrada da morte…
Eles aparecem sempre onde e
quando menos se espera.
Esta é uma guerra sem frente
nem flancos, nem retaguarda.
«Há mosquitos na estrada…»
Isto era tudo quanto podia
ser dito pelo rádio, mas normal não estava nada. Nem a natureza. Havia
um mundo de nervos, poeira e fumo, cheiro a pólvora e a capim queimado,
a sangue fresco, acabado de jorrar.
Uma chuva de granadas
desventrava a terra, rente aos canos das G3, caía na estrada. Uma caiu
mesmo sobre o capacete do Inácio, rolou. Porém, ele, por instinto, ou
por presença de espírito, num lanço curto, mas enérgico, correu e
lançou-se por terra, ferindo-se apenas nas costas e nos dedos.
O Saninho, de cigarro ao
canto da boca e de mãos espalmadas a tentar vedar o rasgão fundo que
gotejava do peito aberto por um grande estilhaço, olhava para um e para
outro lado em busca do enfermeiro.
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De dentro dum fortim, feito
de chapas, terra e madeira, e instalado numa Mercedes, a nossa
auto-metralhadora, – a «torre», como lhe chamam os terroristas – a Breda
cantava, fumegava, a vomitar a morte. E o apontador seguia todo e
qualquer movimento do inimigo emboscado a defender-se com garra.
– Dá-me outra lâmina. Aquele
já estoirou. Filho duma cadela!
O terrorista levantava-se
dum salto para retirar. Era um dos suicidas que, junto à estrada,
lançava granadas às mãos-cheias.
E o apontador da Breda
rematou orgulhoso:
– Enfiei-o mesmo no ponto de
mira...
A luta estava acesa, no
auge.
Junto do furriel Lima, o
pequeno Mamadú, que beira aí os treze anos, atordoado e estarrecido,
olhava para todos os lados, à procura de algum sítio menos batido pelo
fogo, mais seguro. Talvez quisesse naquele momento que a terra abrisse
bocas e o engolisse inteiro.
Talvez julgasse que era o
fim.
– Eh, Lima, manga de
chatice!
– Vai para debaixo da
camioneta – retorquiu-lhe o furriel.
Junto dele, o guia e o Sila,
dois nativos, gemiam, contorciam-se, apalpavam os rasgões. E tudo aquilo
era um espectáculo demasiadamente duro e cruel para tão verdes anos.
Mamadú obedeceu e,
rebolando-se, anichou-se debaixo duma viatura. E, de vez em quando,
erguia um pouco a cabeça, ora, de olhos fechados, de terror, ora
arregalados, como se quisesse perceber toda a loucura dos homens.
«Se eu tivesse ao menos uma
arma, afugentaria mais facilmente o medo» – pensava. E ele que queria
uma arma, quando as distribuímos aos homens e rapazes de Lamel.
Zangara-se mesmo. Mas o chefe de tabanca achou que ele era ainda muito
novo...
A Breda e as G3 cuspiam fogo
e fumo continuamente. – Olha mais um que se foi para o diabo!
Uma granada de mão
estilhaçou-lhe o pescoço, os ombros, o dorso. Saltaram pedaços de carne,
pedaços de roupa. Esguichou sangue.
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– Manda-lhe outra rajada,
não vá o estupor armar-nos outra. Assim, até sofre menos... – disse o
municiador.
Ele atirou certeiro. E,
quando o viu ficar imóvel, a gemer, clamou:
– Que a terra te seja leve
como chumbo, diabo!
– Que os abutres roam todos
os teus ossos – concluiu o outro enquanto enfiava nova lâmina.
A tempestade agora
abrandava.
E Coimbra 8 transmitia:
«Os mosquitos estão a
cavar….»
Os moços, sujos e ensuarados,
mais à-vontade, começaram a respirar mais fundo. Punham-se de joelhos e
de pé, sacudiam a terra e as formigas, agarradas às fardas, davam os
últimos tiros, preparavam-se para fazer a batida ao capim.
O enfermeiro acabava de
desinfectar as feridas. Dava injecções, punha pensos, ligaduras, animava
os feridos.
Eles atiravam de longe. E
fazíamos os primeiros comentários.
– Ladrões! Hoje vinham com
fúria. Com certeza, correu-lhes maI o fim-de-semana! – dizia um.
– Olha! Agora é que já não
vês um terrorista à frente do nariz! – dizia o homem do bom humor, o
Júlio, quando o Clarim lhe apareceu a queixar-se, de óculos sem lentes,
rosto todo ensanguentado.
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