Jumbembem, 22 / Outubro / 64
O baptismo foi ali, à beira
do caminho, à sombra de uma velha árvore.
A Maria, como nós lhe
chamamos, há oito dias que dera à luz, além do rio, entre o aroma
agreste do capim a amadurecer e o cantar dos pássaros que acordaram a
manhã com um sol tímido a vigiar a terra por detrás de uma nuvem.
Uma festa simples,
misteriosa, com o seu significado próprio a transcender o ritual. Uma
festa familiar a que toda a gente de Lamel assistiu, se exceptuarmos a
Maria que não apareceu.
O rapaz pegou no carneiro
que retouçava uns arbustos, indiferente à navalha que ele experimentava,
passando o gume várias vezes pela palma das mãos. Estendeu-o no chão,
ali, frente a todos, segurando-o contra o chão, enquanto o Dauda,
receoso, segurava as patas. A vítima que ia ser oferecida a Alá,
estrebuchava, balia.
O rapaz passou-lhe uma das
mãos pelo pescoço, como que a afagá-lo, e, num repente, enterrou-lhe a
lâmina.
E o chefe de tabanca
gritou:
– Aminata Jau!
Aminata Jau é o nome da
menina que fora anunciado a todo o clã ao romper da manhã.
Então as bajudas
começaram a pilar o arroz que continha
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à mistura umas pedras de sal, num ritmo desusado, acelerado, e um homem
idoso começou a rapar a seco a cabeça da criança com uma navalha. Ele
choramingou, esbracejou ao colo da mulher que a trouxera escondida, numa
espécie de mantilha. Esbracejou, choramingou. A lâmina fizera-lhe dois
pequenos lanhos. Escorreram umas leves gotas de sangue.
Depois veio o batuque, numa
toada monótona. E, enquanto saltavam, iam tirando dos cabaços pequenas
porções de massa, feita com a alvíssima farinha de arroz, apertavam-na
entre os dedos e as palmas das mãos, fazendo uma espécie de bolo que
devoravam entre sorrisos e palavras. Os homens comiam cola, fruto amargo
para o nosso sabor.
A Sano, rapariga farta de
seios, de rosto suave, olhos cintilantes e movediços, era a solista. As
que formavam roda batiam palmas ritmadas, cantavam o refrão, enquanto
duas ou três saltavam e se contorciam no centro, esfusiantes,
frenéticas, diabólicas. Chegaram a contagiar-nos. E nem sequer faltaram
– o que nós diríamos um tanto provincianamente, as velhas gaiteiras.
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