TARRAFO – crónicas de um alferes na Guiné, 2.ª ed., 2013, págs. 116-117

DIA DE FESTA

Jumbembem, 22 / Outubro / 64

O baptismo foi ali, à beira do caminho, à sombra de uma velha árvore.

A Maria, como nós lhe chamamos, há oito dias que dera à luz, além do rio, entre o aroma agreste do capim a amadurecer e o cantar dos pássaros que acordaram a manhã com um sol tímido a vigiar a terra por detrás de uma nuvem.

Uma festa simples, misteriosa, com o seu significado próprio a transcender o ritual. Uma festa familiar a que toda a gente de Lamel assistiu, se exceptuarmos a Maria que não apareceu.

O rapaz pegou no carneiro que retouçava uns arbustos, indiferente à navalha que ele experimentava, passando o gume várias vezes pela palma das mãos. Estendeu-o no chão, ali, frente a todos, segurando-o contra o chão, enquanto o Dauda, receoso, segurava as patas. A vítima que ia ser oferecida a Alá, estrebuchava, balia.

O rapaz passou-lhe uma das mãos pelo pescoço, como que a afagá-lo, e, num repente, enterrou-lhe a lâmina.

E o chefe de tabanca gritou:

– Aminata Jau!

Aminata Jau é o nome da menina que fora anunciado a todo o clã ao romper da manhã.

Então as bajudas começaram a pilar o arroz que continha / 117 / à mistura umas pedras de sal, num ritmo desusado, acelerado, e um homem idoso começou a rapar a seco a cabeça da criança com uma navalha. Ele choramingou, esbracejou ao colo da mulher que a trouxera escondida, numa espécie de mantilha. Esbracejou, choramingou. A lâmina fizera-lhe dois pequenos lanhos. Escorreram umas leves gotas de sangue.

Depois veio o batuque, numa toada monótona. E, enquanto saltavam, iam tirando dos cabaços pequenas porções de massa, feita com a alvíssima farinha de arroz, apertavam-na entre os dedos e as palmas das mãos, fazendo uma espécie de bolo que devoravam entre sorrisos e palavras. Os homens comiam cola, fruto amargo para o nosso sabor.

A Sano, rapariga farta de seios, de rosto suave, olhos cintilantes e movediços, era a solista. As que formavam roda batiam palmas ritmadas, cantavam o refrão, enquanto duas ou três saltavam e se contorciam no centro, esfusiantes, frenéticas, diabólicas. Chegaram a contagiar-nos. E nem sequer faltaram – o que nós diríamos um tanto provincianamente, as velhas gaiteiras.

 

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