31 / Maio / 64.
Um dia igual a tantos dias
iguais.
Tisnados de iodo e sol,
galgámos o longo caminho, aos solavancos, por entre nervos a
contorcerem-se e nuvens de poeira que faziam, de quando em quando,
saltar uma lágrima de sabor acre que abria caminho na máscara do rosto,
feito de terra e suor, a arder sob o capacete.
Deixada Cuntima, só os
macacos, gritando de ramo em ramo, bordejavam a estrada. Tudo era
deserto. Nem uma vivalma ou tabanca habitada a mudar a cor da
paisagem, sempre misteriosa e sempre a mesma coisa.
Às três horas da tarde,
chegámos a Jumbembem, à serração. A aldeia estava queimada, destruída e
a serração tinha um ar de completo abandono. A máquina e as serras
haviam gelado. Casas vazias, camionetas desmanteladas como ossos
perdidos duma vida que parou, milhentos bidões e tanto ferro
velho que era dinheiro no lixo.
Depois dum ataque
terrorista, o encarregado, natural da Ribeira Brava, Cabo Verde, pôs-se
de abalada. Aqui fora, quase durante oito anos, a sua residência, o seu
único meio de vida com o qual sustentava a sua velha mãe na Metrópole,
mas ficara sem esses meios... Levaram-lhe roupas, calçado, talheres e
tudo o que compõe uma casa, além do dinheiro. Tudo no valor de oitenta
contos.
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A tarde era toda trespassada
dum sol violento, mas não havia tempo a perder, já que o tempo é ouro,
sobretudo, nas grandes empresas, quando temos que vencer horas difíceis.
E o trabalho começou. E, enquanto uns desfundavam os bidões,
outros faziam com eles um parapeito acastelado, enchendo-os de terra. E
o barulho ensurdecedor das picaretas e das pás quase absorvia,
indiferente, os estrondos da emboscada que sofrera a unidade que nos
fora buscar. Custou-nos uma vida e muitos rasgões de sangue. Mas,
naquele entardecer, três cadáveres ficaram atravessados no caminho.
Moços que estavam lançados mesmo na boca do caminho com a única missão
de arremessar granadas a matar; moços a quem os chefes prometem mundos e
fundos para assim os lançarem fanatizados para a frente.
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