As numerosas casas de mato
ardiam em labaredas pavorosas, subindo a altura das árvores,
desfazendo-se em nuvens negras de fumo que o vento levava. Eram grandes
e no centro possuíam uma ampla parada para instrução. Na secretaria,
rimas de papéis: cartas, panfletos, fotografias – desfaziam-se em cinza,
enquanto a máquina de escrever, numa explosão, perdeu todas as teclas,
todas as letras. Os tanques para lavagem esfacelavam-se e a água com as
explosões de granadas era um repuxo, misturado de pedras no ar. Longas
casernas, cheias de camas com mosquiteiros, quartos com cabides donde
pendiam colares de todas as cores e roupas de mulheres e esplanadas com
mesas e cadeiras toscas, à sombra de grandes árvores, a alfaiataria –
tudo era devorado pelas chamas, acompanhadas de milhares de ruídos.
Foi então que rebentou meia
hora de tiroteio feroz com o apoio dos T6. Mas, ao saírem,
apressadamente, do meio das chamas, não fossem cercados, nesta confusão
de tiros, ruídos e fogo, dois paraquedistas perderam-se. E, quanto mais
eles fizeram para se juntar a outras forças, cirandando dum lado para
outro, mais se perdiam e afastavam, desnorteando-se.
Uma voz roufenha, trémula,
notando-se mal as palavras, foi lançada no espaço:
– Milhafre! Milhafre! Aqui
B2...
Um silêncio pesado
prolongou-se como um pesadelo
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enorme, infindável. Deitados, espreitavam por todos os lados. Mas seria
que o piloto não ouvia o seu posto? Teriam de ficar ali quietos sem um
pensamento, uma ideia que os pudesse salvar, sem tentar até à última
esperança? Não! Enquanto houver vida há esperança, pensavam, e para mais
tinham um rádio nas mãos.
– Pedante! Pedante! Aqui
B2...
Novo calafrio. Ninguém os
ouvia:
– Milhafre! Milhafre! Aqui
B2...
E, num instante, olharam-se
com um leve sorriso e colaram bem o ouvido ao auscultador para se
certificarem bem, como se tudo aquilo fosse impossível, mentira. E
ouviram:
– B2! Milhafre chama B2...
Um deles respondeu:
– Aqui B2... Informo que
estou perdido e peço que me oriente e me dê uma direcção para sair da
mata.
– OK.! OK.!. Mas se tiver
uma granada de fumos, lance-a, quando eu estiver ligeiramente sobre o
local.
– Correcto, Milhafre!
Então, um dos homens puxou
uma granada do bolso, mas tremia como uma vara verde. E pensava se não
seria denunciar a posição ao inimigo? E que fariam dois homens sós com
meia dúzia de carregadores? Mas era preciso tentar, fosse tudo por Deus.
– Milhafre! Aqui B2...
Agora... Agora... Vou atirar a granada.
E uma mancha de fumo negro
passou além das copas das árvores. E o T6 que os sobrevoava, transmitia:
– B2! B2! Vou picar sobre
vocês... Sigam a direcção que eu tomar. Daqui à orla da mata são uns
trezentos metros.
E, continuadas vezes, ia e
vinha.
– Pedante! Pedante! Aqui
Milhafre... Os homens foram localizados.
Mas mal tinham andado uns 50
m avistaram alguns bandidos de armas na mão, indo e vindo. O sangue
sumiu-se-lhes e, como condenados, esconderam-se o melhor possível.
Cronometraram o tempo gasto em cada ida e vinda: 40, 60... 80 segundos.
– Milhafre! Milhafre! Temos
inimigo à vista…
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– OK.! OK.!
E olharam-se mutuamente,
como se cada um tivesse a intenção de dizer alguma coisa ao outro. Os
olhos dos negros brilhavam entre a verdura, faiscando como olhos de cão
em noite escura, faziam doer-lhes, apertar-lhes o coração. Apetecia-lhes
fazer pontaria certeira. Levaram mesmo a arma à cara, quando eles
voltaram costas, mas, num instante, como que electrizados por uma ideia
melhor, baixaram as G3. E pensavam que se ali houvesse ao menos mais
três perdidos, seria um para cada um! Seria uma boa caçada, não haja
dúvida... Mas assim! É certo que dois tiros seriam dois mortos
estendidos de bruços naquele caminho. Mas os outros três? E não haveria
por ali mais bandidos?
Os negros voltaram costas.
Erguendo sucessivas vezes a cabeça e espreitando, os companheiros
começaram a recuar de gatas, até que os deixaram de ver.
Porém, de repente, um bando
de aves, grasnando, buliu com a selva, agitou-a. E eles gelaram de novo.
Caíram de bruços. E, rodando meia volta, ficaram deitados a olhar para a
vereda, onde os negros tinham estacado de espanto e receio. Os olhos,
quase furiosos, enervavam-nos. Tremiam. Os bandidos deram mesmo dois,
três passos, vasculharam em redor.
Os paraquedistas ficaram
atónitos, sem palavra, olharam-se. Seria aquela a sua hora? Meteram a
arma ao ombro, numa posição firme e decidida, e rodaram a patilha para
rajada. Se eles viessem, tinham que ser rápidos e certeiros, seguros do
empreendimento. Se eles viessem, estavam tramados. Talvez, fossem feitos
em merda quando estivessem a pouca distância. E, depois, fugiriam
livres, seguindo sempre a direcção dada pelo T6 que os sobrevoava. E,
quietos como um coelho descoberto por caçador ágil e astuto,
parecia-lhes que tinham passado longas horas, mas, volvidos cinco
minutos, quando os bandidos recomeçaram a sua rotina, eles, deixando
cair as G3 em alto-arma, recomeçaram a fuga vagarosa.
Mas, passados poucos
minutos, avistaram-nos de novo. Já era azar! E dois deles apontavam na
sua direcção, vagamente perplexos, como se vissem alguma coisa.
Deitados, mal se ouvia a respiração. Tremiam dos pés
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à cabeça e pensaram que tinham sido descobertos. E o pensamento
dizia-lhes: "se ao menos fôssemos cinco. Palavra, seriam uma vez uns
bandidos...»
Um deles olhava o relógio:
40, 50... 60... 80... Mas, de novo, os negros voltaram costas.
E, começando a caminhar por
largo, seguiram a direcção de Milhafre que dizia:
– B2! B2! Faltam 50... 20
metros.
Os olhos brilhavam-lhes
agora duma alegria enorme, como que sorrindo duma vitória retumbante.
– Obrigado, Milhafre!
Obrigado!
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