TARRAFO – crónicas de um alferes na Guiné, 2.ª ed., 2013, págs. 77-78

ORAÇÃO

Como, 1 / Março / 64.

A noite caiu com olhos de morte sobre o caminho e o silêncio pesado que o percorre dói, magoa como um punhal de traição que nos espreita. E apetece-me parar o coração, gritar, como um doido-varrido, aos quatro pontos cardeais: cantar, chorar.

A noite guarda o segredo de cada passo: para a vida? para a morte?

Só Tu sabes, Senhor, a minha hora.

Mas tenho medo porque sou homem e tenho o destino de mãos vazias.

Que as minhas mãos não façam correr sangue inocente, mas que não sejam cobardes se for preciso castigar, matar ou morrer.

Mas tenho medo, Senhor!

Tu bem sabes que eu tenho uma mãe que chora e reza a minha ausência e que a saudade chora dentro de mim como uma criança longe dos braços maternos.

Tu sabes que eu tenho sonhos de ouro e espero de olhos azuis no futuro.

Tu sabes que eu tenho um amor na vida de mãos cheias de primavera e cabelo preto, da candidez dos lírios. E Tu bem sabes como dói cair uma rosa no chão só porque não choveu… / 78 /

E só Tu sabes o segredo da noite: para a vida? Para a morte?

A hora é de luta para vencer ou morrer.

Mas tenho medo sem ser cobarde. E tremo todo como cana agitada ao vento.

Espero em Ti.

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NOTA – No original, há partes que o censor considera como «negativo» e outras como «bom». Todo o capítulo está assinalado com um traço vertical na margem esquerda.

 

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