Como, 12 / Fev. / 64.
A tarde ia em meio. Num
grupo, uns jogavam às cartas:
– Esmifra para aqui o ás de
copas!
Outros conversavam sobre
isto e aquilo, longe, perto. A conversa era como as cerejas, E dois
puxavam dum cantil alternadamente:
– A nossa saúde! À nossa
sorte! – dizia um.
– E à morte macaca dos
bandidos! – concluía o segundo.
Porém, num instante, todos
os olhares se convergiram para a orla da mata. Começou-se a distinguir
um vulto negro, vestido de branco, que se aproximava na nossa direcção.
Aproximando-se mais, começou
a erguer as mãos, estendidas no ar e a pôr os joelhos em terra, voltado
para nós, hesitante. Querer-se-ia entregar? Seria jogo?
Um Fula gritou-lhe:
– Vim cá... vim cá!
Mas dois tiros, vindos do
mato, certamente dos sentinelas, assustaram-no, puseram-no em fuga.
– Jubi! Vim cá… Vim cá!
Mais tarde, soube-se a
verdade toda, quando foi apanhado a levar arroz para o acampamento
inimigo que se
/ 67 /
via a braços com a fome e falta de medicamentos. Tinham já muitos mortos
e feridos. Estavam cansados. E tinham pedido reforços ao norte, pois nós
continuávamos a dar-lhes luta em toda a ilha.
Como bom negro que era,
conservador das tradições avoengas, trazia, dependurados por todo o
corpo, amuletos sem conta. Enfiados num fio, que trazia ao pescoço, um
chifre e um mesinho de couro que costuma conter papéis escritos, por
vezes, com versículos do Corão. E, nos braços, anilhas que enterravam na
carne. Cada amuleto tem a sua função miraculosa: uns são para proteger
das doenças e evitar os desastres e outros, quando bandidos, para que
bala de branco não mate.
Ele tinha alguns irmãos
no mato e fora um deles que atingira o T6, quando este bombardeava.
E fora ele que ajoelhara e erguera as mãos e que vinha, à frente da
família, buscar a liberdade. Estava cansado daquela vida perigosa,
cansado como tantos que eram obrigados a andar no mato. Mas os tiros
fizeram-no recuar. E aconteceu o pior. O pai e a mãe foram mortos para
exemplo dos outros, pois o chefe proibira qualquer tentativa de fuga e
entrega e até tinha mandado recolher todos os salvo-condutos, lançados
pela Força Aérea.
Nota
– O sublinhado feito pelo
censor tem razão de ser: «Um deles atingira o T6», o que parece
improvável e sem lógica, devendo ser, isso sim, «terá sido atingido pelo
T6». Tratando-se de um narrador auto-diegético, como poderia ele saber
que o avião tinha sido atingido? A menos que o avião tivesse sido
derrubado ou ele desse uma saltada a voar até à base para ver se haveria
algum vestígio de bala no aparelho.
|