TARRAFO – crónicas de um alferes na Guiné, 2.ª ed., 2013, págs. 66-67

O PRISIONEIRO

Como, 12 / Fev. / 64.

A tarde ia em meio. Num grupo, uns jogavam às cartas:

– Esmifra para aqui o ás de copas!

Outros conversavam sobre isto e aquilo, longe, perto. A conversa era como as cerejas, E dois puxavam dum cantil alternadamente:

– A nossa saúde! À nossa sorte! – dizia um.

– E à morte macaca dos bandidos! – concluía o segundo.

Porém, num instante, todos os olhares se convergiram para a orla da mata. Começou-se a distinguir um vulto negro, vestido de branco, que se aproximava na nossa direcção.

Aproximando-se mais, começou a erguer as mãos, estendidas no ar e a pôr os joelhos em terra, voltado para nós, hesitante. Querer-se-ia entregar? Seria jogo?

Um Fula gritou-lhe:

– Vim cá... vim cá!

Mas dois tiros, vindos do mato, certamente dos sentinelas, assustaram-no, puseram-no em fuga.

– Jubi! Vim cá… Vim cá!

 

Mais tarde, soube-se a verdade toda, quando foi apanhado a levar arroz para o acampamento inimigo que se / 67 / via a braços com a fome e falta de medicamentos. Tinham já muitos mortos e feridos. Estavam cansados. E tinham pedido reforços ao norte, pois nós continuávamos a dar-lhes luta em toda a ilha.

Como bom negro que era, conservador das tradições avoengas, trazia, dependurados por todo o corpo, amuletos sem conta. Enfiados num fio, que trazia ao pescoço, um chifre e um mesinho de couro que costuma conter papéis escritos, por vezes, com versículos do Corão. E, nos braços, anilhas que enterravam na carne. Cada amuleto tem a sua função miraculosa: uns são para proteger das doenças e evitar os desastres e outros, quando bandidos, para que bala de branco não mate.

Ele tinha alguns irmãos no mato e fora um deles que atingira o T6, quando este bombardeava. E fora ele que ajoelhara e erguera as mãos e que vinha, à frente da família, buscar a liberdade. Estava cansado daquela vida perigosa, cansado como tantos que eram obrigados a andar no mato. Mas os tiros fizeram-no recuar. E aconteceu o pior. O pai e a mãe foram mortos para exemplo dos outros, pois o chefe proibira qualquer tentativa de fuga e entrega e até tinha mandado recolher todos os salvo-condutos, lançados pela Força Aérea.

Nota – O sublinhado feito pelo censor tem razão de ser: «Um deles atingira o T6», o que parece improvável e sem lógica, devendo ser, isso sim, «terá sido atingido pelo T6». Tratando-se de um narrador auto-diegético, como poderia ele saber que o avião tinha sido atingido? A menos que o avião tivesse sido derrubado ou ele desse uma saltada a voar até à base para ver se haveria algum vestígio de bala no aparelho.

 

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