TARRAFO – crónicas de um alferes na Guiné, 2.ª ed., 2013, pág. 65

POENTE DE SANGUE

Como, 8 / Fev. / 64.

A manhã correra bem. Os bandidos foram levados de rompão na tabanca grande de Cauane. E de lá trouxemos um crucifixo, cujo Cristo tinha um braço despregado.

Agora, tudo se agitava com as marmitas na mão para o jantar, pois, ao cair do sol, é preciso que tudo esteja em ordem e silêncio, todos nos abrigos.

Uma explosão súbita de granada atroou os ares. Que seria, que não seria? Mas, logo, gritos de dor magoaram os ouvidos. Era o Quítalo que, alucinado, corria, a manquejar, gemendo, rosto mascarado de sangue e lama, peito ensanguentado e sem uma das mãos, enquanto a outra apresentava apenas dois dedos esfacelados. Correram a ampará-lo.

Parecia uma visão terrível, um homem de calvário. A armadilha, que ele costumava montar todas as tardes para os terroristas, hoje, traiu-o, disparando-se-lhe nas mãos. Junto do buraco aberto pela explosão, pedaços de carne, terra avermelhada de sangue, uma alpercata desfeita, e, mais ao largo, o barrete e farrapos da farda.

A noite caíra como chumbo para ele e triste para nós. Nada dizia. Perdera por completo os sentidos e, envolto em ligaduras, parecia-se mais com uma múmia do que com um homem.

 

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