Como, 28 / Jan. / 64.
Quando os dois fuzileiros
tombaram na frente, esvaídos em sangue, os bandidos, alguns de farda
camuflada, queriam-nos a todo o custo como presa. A raiva crescia do
nosso lado e redobrámos de violência. Então, o primeiro grumete,
rastejando, e de arma a cuspir fogo, foi à frente, protegido pelos
restantes. Primeiro, arrastou para trás as armas. Depois, rastejando
novamente, arrastou os companheiros que abriam enormemente os olhos.
O Artur, que apanhara com
duas balas de raspão, uma na testa, outra no nariz, gritava enfurecido:
– Hão-de pagar-mas todas…
E o Magalhães, ferido num
pé, dizia:
– Não doeu muito…
Foram duas longas horas de
combate encarniçado e ali correra sangue e um rio de nervos. Mas só
retirámos quando lhes chegou ao fim a lição. Ali, todos se bateram como
se fossem um único homem, audacioso e forte, correndo todos os riscos,
porque:
«A mocidade não tem
crimes,
o que tem é coração.»
Mas, passados dias, voltámos
à carga.
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Acabado o bombardeamento
aéreo pelos jactos, de armas aperradas aos quadris, entrámos na
tabanca. Tudo parecia correr bem. As casas começaram a arder em
grandes labaredas, enquanto alguns, mais descontraídos, se entretinham a
apanhar pintos que metiam nos bolsos e no seio e cabritos.
Mas, num abrir e fechar de
olhos, eles, que se esconderam no mato durante o bombardeamento, caíram
loucamente sobre nós, e, no mesmo abrir e fechar de olhos, todos nos
acaçapámos, mais ou menos protegidos. No mesmo abrir e fechar de olhos,
me encontrei num buraco largo, só, de arma na cara, atrás duma palmeira.
Mas, quando carreguei no gatilho, vi que a arma estava contra mim.
Carreguei mais uma vez e outra, e nada. Um homem desarmado! Apeteceu-me
bater-lhe com o cano no tronco da árvore, mas contive-me. Desencravei-a.
Comecei a disparar e a recuar em corridas curtas, em zig-zag para que,
quando eles atirassem para o zig, eu já estivesse no zag, deitando-me
logo, fosse onde fosse. Por vezes, as rajadas cravavam-se na terra,
rente ao corpo que estremecia. E assim cheguei à retaguarda, galgando um
enorme cômoro a fim de me proteger e preparava-me para atirar, quando,
ao meu lado, o cento e vinte e um gritou:
– Estou a vê-los... Aí vai
disto. – E fez um, dois, três tiros.
E, quando se preparava para
fazer pontaria a matar, uma bala perdida fez-lhe cair das mãos a G3 e,
caindo para o lado, empalideceu. E disse:
– Ai, mãe, já estou…
E, depois de se contorcer,
numa voz suave:
– Levem-me…
As G3 ardiam em furor,
fumegavam. Era preciso fazê-los perder o pio.
Eles haviam entrado nas
casas e atiravam das janelas.
Os T6 derrubavam as
paredes.
No meio da fuzilaria e dos
estrondos do morteiro e bazooka, ouvi do meu lado esquerdo:
– Já enfiei um... Dobrei-o
em dois!
Era o Simões que tirava um
carregador vazio. E repetiu-me:
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– Já enfiei um... que a
terra lhe seja leve como um rochedo!
O Farinha, aflito, dentes a
morderem-se, quase a chorar, quis recuar com o ferido às costas, o que
eu não permiti, pois era perigoso: um alvo fácil de abater, visto a
distância, que nos separava dos bandidos, ser duns escassos 50 m.
Entretanto, o enfermeiro puxou da navalha e rasgou-lhe a farda junto do
ferimento. Uma bala trespassara-lhe o peito.
Vencendo
tarrafos e bolanhas.
O esforço é enorme, por vezes a lama sorve os joelhos.
Então, ora o Farinha, ora o
Simões, o arrastavam, sobre o corpo, muito a custo, por causa do fogo,
seguindo-me carregado de armas e capacetes. Rastejava. Na frente, o
outro grupo de combate detinha o inimigo por um fogo cada vez mais
impetuoso e violento. Tinha andado pouco, quando vi a correr outro
homem, o Ameixa, que dizia estar ferido num pé, mas que ia andando.
enquanto estava quente.
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Correram longos minutos,
quase eternos: 60, 80, 100…
Entretanto, a fúria no mato
abrandava. E agora o Farinha transportava às costas o ferido.
Chegámos ao riacho. O
cansaço escorria todo em suor e dores de cabeça, porque o sol estava em
brasa. E quando atravessámos o tarrafo, o riacho, alguns caíram
desamparados. Encharcaram-se e tiveram que ser levados em braços.
O helicóptero poisou na
bolanha. Levantou.
E começou o regresso.
O André, que puxava umas
fumaças, dizia esfalfado:
– Ai, mãe! Isto custa mais
que parir…
E alguns, tirando dos bolsos
os pintos, atiravam-nos fora.
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