Como, 17 / Jan. / 64.
Sinto-me em baixo. A alma
pesa-me como chumbo. E causa-me calafrios a morte daqueles dois moços
que, ao entardecer, foram encontrados nus. Só lhes deixaram as meias
enfiadas nos pés, por algum motivo religioso. De resto, levaram-lhes
tudo. Tinham o sexo mutilado, o nariz arrancado e os olhos, e, pelos
rasgões espalhados pelo corpo, tudo leva a crer que lutaram corpo a
corpo, quando se viram sós e sem munições. Nesse dia os turras vieram
mesmo à fala, atacando em massa a unidade que desembarcara do outro lado
da ilha. Mas, ao meio da tarde, foram de rota batida, perseguidos,
deixando mortos e feridos para trás. Foi, então, que eles se perderam
para sempre.
Sinto-me em baixo. E estive
mesmo tentado a pôr de parte a intenção de contar as guerras. Mas achei
que devia trazer para a luz o que anda nas sombras: o mistério do
sangue. E não escrevo tanto para os outros como para mim, para me sentir
mais liberto do tédio que me rói as entranhas. Há quem exagere ao contar
a paisagem da sua vida. Porém, eu prometo não sair dos caminhos e
perigos do mato, mas os meus caminhos e perigos. Não contarei nada com
cores carregadas. Cada palavra será tão real como a morte ou o
sofrimento. Não quero que ninguém fique com a impressão de que
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este diário é pura ficção nem, tão pouco, que me mascarem de valente.
Faço tudo por vencer, cumpro e é tudo. Sei mesmo que poderia nem ter
começado. Mas hoje senti uma coragem de vencer o silêncio das minhas
próprias palavras. Uma voz estranha me intimou a continuar a escrever:
aquela morte. Escreverei para mim e não para a eternidade. E aqui
estarei para chegar até ao fim.
Obs.
– Todo este cap.º foi assinalado pelo
censor com um traço vertical na margem esquerda.
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