Tomo, 16 / Jan. / 64.
A sede queima, devora e
gasta as forças e nada mais precioso, então, do que a água que em
campanha é um dos grandes problemas. Ali, em Cauane, não havia um poço
sequer. Só mais longe, a uns trezentos metros, junto à casa do tal
Brandão, o único branco que ali vivera, há tempos, onde montara os seus
negócios e fizera fortuna. Ele casara com a filha da rainha dos Bijagós
e vivia agora em Catió. O filho, que diziam ter morrido, andara com os
terroristas, o Chiquinho.
Mas não estaria a água
envenenada? Mais tarde, quando a tabanca caiu toda em explosões
de fumo e pó, de pedras e paus pelos ares, encontrou-se uma bisnaga
vazia, de cor castanha, onde explicava em língua francesa o modo de se
usar.
Por isso, ontem, alguns
filtraram para beber a água estagnada e verde duma poça, onde se
refrescavam suínos, quando chegámos…
Porém, a sobrevivência
dá-nos sempre uma inspiração. Quem não se lembra ainda dos poços que
fazia em criança na praia ou à beira da casa? Por isso, eis-nos, hoje,
de enxada e pá nas mãos, à busca de água que, graças a Deus, se encontra
à superfície, embora salgada por vezes. Não importa que seja um pouco
suja e que não chegue para lavar o rosto, as mãos. Importa é que haja
água para matar a sede.
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E como a vida nos traz algo
de novo cada dia! Quem havia de dizer para consigo e para com os seus
botões que havia de pilar arroz, como as bajudas? No entanto, eis
alguns moços descascando desajeitadamente arroz nos pilões para fazerem
algum petisco, já que a ração do combate não sabe a nada. E, palavra,
que não é nada fácil.
Mas a fome é negra e amarga.
Mas, morrer assim, de boca
vazia, como uma planície abandonada, sem pão, não se morre. Basta correr
atrás de cabritos e vacas (ou derrubá-las com um tiro certeiro),
agarrar-lhes pelo rabo e não importa que elas nos levem de rastos, pois,
daí a meia hora, os bifes sabem bem.
E, às vezes, até dá para
rir.
– Agarra! Pega essa!
– A tua força é de lesma…
Depois, o talho monta-se em
qualquer lado, ao ar livre. Esfola-se, estripa-se, cortam-se as quatro
pernas que se penduram num ramo de árvore ou nas paredes de alguma casa
e aproveitam-se os lombos. O resto vai para debaixo de terra. Não há
balança, mas há o sentido de família, a camaradagem. Tudo o que morre é
para todos.
E o sal? E o pingue?
Até eu me dei hoje comigo,
tronco nu, sentado num monte de areia, a fazer bifes na marmita com o
resto do azeite duma lata de sardinha...
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