E fez-se a noite do primeiro
dia, escura e cheia de medos e fantasmas. Qualquer folha ou fruto caindo
das árvores ou bulindo no chão (ou mesmo o roçar das cobras verdes na
folhagem), qualquer sapo saltitando, caindo no abrigo, lembrava um passo
estranho que arrepiava. Em frente, na mata, separada de nós por uma
pequena bolanha encharcada, duas ou três fogueiras crepitavam
cinicamente. E não imaginam como aquilo fazia subir à cabeça uma dose
tão grande de irritação que pedia vingança. Ao meu lado ouvi dizer:
– Ah, ladrões, se eu um dia
vos apanho a jeito...
E, de vez em quando, as
brasas brilhavam no espaço, saltando, quando a pontaria de algum que
nada perdoa, e, muito menos, a troça de bandidos, lhes caía em
cima.
Dormir assim num buraco, aos
três, estando sempre um de vigia, aos mosquitos ferozes, às estrelas
perdidas longe, ao cacimbo, quando o inimigo nos espreita
astuciosamente, não é nada cómodo. E muito menos cómodo ainda, porque do
lado de lá toda a noite cuspiram fogo sobre nós. Acreditem: aquilo era
de fazer os nervos num feixe.
Mas a manhã veio-nos com
ares de paz. Galos cantando hinos ao sol para os lados da mata,
cordeiros e crianças balindo longe e, junto a um abrigo, uma vaca morta.
Seria alguém? Pelo sim pelo não, o mais seguro
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foi atirar certeiro, pois que, de noite, todos os gatos são pardos.
Quando acabei de comer duas
bolachas m. m. com um pouco de marmelada (bolachas que empanturram,
secas como palha), deitei-me à sombra duma casa a descansar os músculos.
Ali perto, alguns homens
andavam aos cabritos, trazendo-os ao colo, o que irritou os vizinhos, os
maus vizinhos, que começaram, de novo, a festa. E não houve remédio
senão ir para o abrigo. Descalço, larguei o pano de tenda onde me
estendera e, aproveitando a cobertura duma árvore, num momento, estava
no abrigo de arma na mão.
Alguns berravam aos bandidos
que ripostavam com mais violência.
– Se é para mim venha mais!
– clamava o Paulino.
– Faz a pontaria mais baixa!
– vociferava o Copio, acrescentando palavras de linguajar de almocreve.
– Eh, ursos! Camelos dum
raio! – era clamor geral.
E, como ninguém desse um
único tiro, eles resolveram calar-se e eu fui outra vez repousar. Mas o
coração e a alma caíram-me num poço sem fundo, quando dei com os olhos
num buraco, mesmo ao centro. Fora uma bala perdida que varara o pano de
tenda.
Olhei o céu. Agradeci a
vida.
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