TARRAFO – crónicas de um alferes na Guiné, 2.ª ed., 2013, págs. 47-49

DESEMBARQUE

Como, 15 / Jan. / 64.

Quando o sol, suavemente, se aconchegou vermelho no seio verde e agitado das ondas do mar, a distância, que nos separava da ilha tão falada, era pouca, a indispensável para não quebrar a surpresa. E o barco ancorou, durante a noite estrelada, ao sul.

Em cada rosto, em cada palavra, havia a incerteza do dia seguinte e o perigo do desembarque, pois há tempos que a tropa não punha ali os pés. E era de ter em conta as proximidades da República da Guiné que dá ao PAIGC todo o apoio, olhos postos no jogo. Além disso, é sabido que os guerrilheiros de Amílcar Cabral, alguns treinados nos campos de Pequim e Praga, têm boas armas, fornecidas pelos países comunistas, sendo 80% de origem soviética. E cada um fazia a sua conjectura, mais ou menos lógica. Ouvia-se dizer aqui e ali:

«Vão entregar-se.»

E não faltou mesmo quem os imaginasse de salvos-condutos nas mãos, ajoelhados ou de braços no ar. Sem dúvida, que era belo!

No entanto, quando surgiram os primeiros alvores da manhã e as LD lançaram as pontes na praia, uma esteira branca de areia, semeada de velhos troncos de palmeira, e uma tabanca, aparentemente abandonada, estendida ao longo da margem, onde grunhiam, indiferentes, pequenos bácoros, assistiram quase pacificamente ao desembarque, / 48 / o que causou um certo espanto e fazia pensar na conjectura que ouvira na véspera da boca de um soldado todo bem disposto. Ele dissera para outro:

«Devem fugir, pois, quando sentem o cu chegado às calças e o pêlo a arder, pisgam-se, antes que fiquem por algum canto a apodrecer e a cheirar mal!»

E, depois dum breve recontro entre os guerrilheiros e os fuzileiros que faziam a testa de ponte, olhos bem abertos e ouvidos aguçados, calcorreámos, ziguezagueando, imensas bolanhas, ora sobre os cômoros, ora de pés na lama.

8, 9, 10, 11 horas. Até esse momento, nada de estranho (estranho era o silêncio), nada de suspeito. Mas a verdade toda estava escondida na mata, lá ao fundo, que se aproximava cada vez mais e mais majestosa e arrogante. Lá um mundo de segredos.

O sol passara pelo cume mais alto do seu caminho e o relógio marcava 3 horas. A mata aproximava-se a olhos vistos e, naturalmente, a tensão e a expectativa aumentaram.

De repente, ouviram-se tiros secos de pistola-metralhadora que revelavam a presença do inimigo instalado na orla da mata. Naturalmente, os sentinelas. Eu, como ia muito atrás com o grupo de combate, quase não fiz caso. Pareceu-me ridículo responder-lhes e, metendo o cantil à boca, bebi duas ou três goladas. Mas a chuva começava a engrossar. Entretanto, introduzi uma bala na câmara e pensei para comigo e para com a minha arma:

«Vamos ter que esfolar...»

E, ao mesmo tempo lembrei a hipótese de quem adivinhara. O furriel dissera ao desembarcar:

«Se eles cá estão é para oferecerem resistência até ao fim, porque estão bem armados.»

(Note-se que havia três grupos com cem homens armados em cada e eram abastecidos, às vezes, por helicópteros). E tudo isto fazia tremer. Previa-se mesmo do nosso lado um número razoável de baixas.

Então, enquanto os da frente com os fuzileiros os detiveram pelo fogo com o apoio dum T6, a retaguarda moveu-se toda pelo flanco esquerdo. Atravessámos o / 49 / riacho e o tarrafo, de saco às costas, muito a custo, curvados, e encobertos pela vegetação, quase impotentes e amachucados, porque a viagem fora penosa, difícil. E debaixo de fogo intenso, a rastejarmos, entrámos no objectivo.

 

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