Como, 15 / Jan. / 64.
Quando o sol, suavemente, se
aconchegou vermelho no seio verde e agitado das ondas do mar, a
distância, que nos separava da ilha tão falada, era pouca, a
indispensável para não quebrar a surpresa. E o barco ancorou, durante a
noite estrelada, ao sul.
Em cada rosto, em cada
palavra, havia a incerteza do dia seguinte e o perigo do desembarque,
pois há tempos que a tropa não punha ali os pés. E era de ter em conta
as proximidades da República da Guiné que dá ao PAIGC todo o apoio,
olhos postos no jogo. Além disso, é sabido que os guerrilheiros de
Amílcar Cabral, alguns treinados nos campos de Pequim e Praga, têm boas
armas, fornecidas pelos países comunistas, sendo 80% de origem
soviética. E cada um fazia a sua conjectura, mais ou menos lógica.
Ouvia-se dizer aqui e ali:
«Vão entregar-se.»
E não faltou mesmo quem os
imaginasse de salvos-condutos nas mãos, ajoelhados ou de braços no ar.
Sem dúvida, que era belo!
No entanto, quando surgiram
os primeiros alvores da manhã e as LD lançaram as pontes na praia, uma
esteira branca de areia, semeada de velhos troncos de palmeira, e uma
tabanca, aparentemente abandonada, estendida ao longo da margem,
onde grunhiam, indiferentes, pequenos bácoros, assistiram quase
pacificamente ao desembarque,
/ 48 /
o que causou um certo espanto e fazia pensar na conjectura que ouvira na
véspera da boca de um soldado todo bem disposto. Ele dissera para outro:
«Devem fugir, pois, quando
sentem o cu chegado às calças e o pêlo a arder, pisgam-se, antes que
fiquem por algum canto a apodrecer e a cheirar mal!»
E, depois dum breve recontro
entre os guerrilheiros e os fuzileiros que faziam a testa de ponte,
olhos bem abertos e ouvidos aguçados, calcorreámos, ziguezagueando,
imensas bolanhas, ora sobre os cômoros, ora de pés na lama.
8, 9, 10, 11 horas. Até esse
momento, nada de estranho (estranho era o silêncio), nada de suspeito.
Mas a verdade toda estava escondida na mata, lá ao fundo, que se
aproximava cada vez mais e mais majestosa e arrogante. Lá um mundo de
segredos.
O sol passara pelo cume mais
alto do seu caminho e o relógio marcava 3 horas. A mata aproximava-se a
olhos vistos e, naturalmente, a tensão e a expectativa aumentaram.
De repente, ouviram-se tiros
secos de pistola-metralhadora que revelavam a presença do inimigo
instalado na orla da mata. Naturalmente, os sentinelas. Eu, como ia
muito atrás com o grupo de combate, quase não fiz caso. Pareceu-me
ridículo responder-lhes e, metendo o cantil à boca, bebi duas ou três
goladas. Mas a chuva começava a engrossar. Entretanto, introduzi uma
bala na câmara e pensei para comigo e para com a minha arma:
«Vamos ter que esfolar...»
E, ao mesmo tempo lembrei a
hipótese de quem adivinhara. O furriel dissera ao desembarcar:
«Se eles cá estão é para
oferecerem resistência até ao fim, porque estão bem armados.»
(Note-se que havia três
grupos com cem homens armados em cada e eram abastecidos, às vezes, por
helicópteros). E tudo isto fazia tremer. Previa-se mesmo do nosso lado
um número razoável de baixas.
Então, enquanto os da frente
com os fuzileiros os detiveram pelo fogo com o apoio dum T6, a
retaguarda moveu-se toda pelo flanco esquerdo. Atravessámos o
/ 49 /
riacho e o tarrafo, de saco às costas, muito a custo, curvados, e
encobertos pela vegetação, quase impotentes e amachucados, porque a
viagem fora penosa, difícil. E debaixo de fogo intenso, a rastejarmos,
entrámos no objectivo.
|