Bissorã, 24 / Nov. /63.
Há dias numa carta perguntaram-me como passo o tempo. Como passo o
tempo? Eu vos conto.
Faço as minhas guerras,
apanho imensos sustos (custa tanto morrer, quando o sonho nos baptiza
cheios de esperanças na vida...), escrevo cartas de saudades e versos de
exílio, penso na terra e sonho o encanto dum lar feliz com flores e
crianças e um berço. Ergo os olhos e as mãos e a alma para o céu, filho
duma esperança eterna. E, muitas vezes, também passo as horas longe de
mim, perdido entre manhãs de nevoeiro sem existir.
Para me distrair e fugir do
tédio, ou leio anedotas para manter o bom humor nas horas difíceis, ou
pego no arco e atiro setas gentias a alvos de papel, espetados num
eucalipto, árvore tão rara nas terras da Guiné. Não tenho o vício do
fumo ou das cartas. Por isso, jogo póquer ou damas, mas não queimo a
vida num cigarro inútil e prejudicial. E agora faço as minhas
cavalgadas.
O meu Platero ficou
prisioneiro um dia em Fajonquito e tomou parte numa aventura perigosa
com iguais irmãos de infortúnio. Atravessou as bolanhas e a
picada, carregado de cartucheiras, e aguentando os dois que lhe
deram ordem de prisão, metendo-lhe uma corda ao pescoço.
É dum ruço preto-branco, tem
ares de infeliz dentro
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do arame farpado e não gosta lá muito da cor da minha pele. Quando lhe
bato por me fazer alguma patifaria, pincha, relincha e foge-me num passo
desacertado e pensa noutra partida a pregar-me na primeira ocasião.
– Arre, bandido! Goss,
goss…
Mas gosto do meu Platero e,
ao cair da tarde, de arma a tiracolo, vou dar-lhe de beber ao rio.
– Arre, bandido! Goss,
goss...
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