TARRAFO – crónicas de um alferes na Guiné, 2.ª ed., 2013, págs. 32-33

TRAIÇÃO

Malan tem uma história cheia de altos e baixos, uma vida agitada, desde o dia em que foi para o mato, onde aprendeu a odiar o branco e a matar nas picadas, escondido atrás dum morro de baga-baga ou dum tronco grosso, encoberto pela cobardia e pelo capim.

Era alto e magro e tinha na cara as marcas de pesadas mãos.

Mim bandido, fogueia tropa…

– Mas apanhou uma lição quando lhe mostraram a vida miserável que levava, a fome e os perigos que corria, a mentira que o guiava. Sofreu as grades da prisão. Mas, quando lhe deram o ar livre de cada dia para ir semear o arroz e a mancarra, ele não foi. Quis ficar. E dizia:

Branco ser bom di mais, tropa amigo, bandido mau...

Estas palavras perdoaram-no. E ficou.

E ele, que conhecia os caminhos traiçoeiros e o mato, era guia e, pelo menos, parecia merecer confiança. Andou comigo e nunca me meteu em apertos. Vivia bem, à sombra de todos. Comia e bebia do quartel e a mulher fazia patacão. De manhã pilava o arroz e, de tarde, lavava roupa num riacho, enquanto, por ali perto, brincava um miúdo, filho da sua carne.

Malan até um dia deu mostras de valentia e amizade àqueles que sofreram um recontro violento em Morés. / 33 /

Ferido num pé, quiseram evacuá-lo. Ele não quis. Não podiam ir todos. E insistia:

Primeiro tropa…

Mas, quando veio do hospital, descobriu-se-lhe a sombra negra, a traição. Malan enganou. Também ele jogava com um pau de dois bicos. Enganou como o Caifa que chegou a colocar minas na estrada. Eram informadores, mas, em geral, só prendiam os que não tinham a ver nada com a guerra. Malan estava implicado no crime que os bandidos projectaram. Ele sabia dos terríveis planos, mas não os descobriu a ninguém e, no entanto, sabia que os 10 kg de veneno, que estavam nas mãos do padeiro, seu cunhado, iriam matar na primeira oportunidade.

Malan enganou. Ninguém sabia até esse dia que ele era engajador. Levava bajudas às casas de mato para noites de orgia. Nem ninguém sabia que ele era informador também do outro lado e tinha um rádio escondido numa mala.

Mim bandido... Tropa amigo. Perdão!

Mas ninguém lhe perdoou.

 

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