25 / Outubro / 63.
O Issa é um homem abastado, com muitos rebanhos e manadas de gado. É
alto e magro, mas duma vontade férrea, inteligente, compreensivo. O
filho por três vezes lhe fora raptado para o mato. Aflige-se com a sorte
dos que fugiram do sossego das tabancas para levarem uma vida de perigo
e ódio.
Mamboncó havia sido pasto de
chamas e destruída. Os bandidos não suportavam que os seus moradores
trabalhassem para a tropa na capinagem das bermas das estradas. Os que
não puderam fugir tiveram que os seguir, até que um dia o Issa os foi
buscar ao mato.
– Olhe pessoal que se bem
entregar – disse-me um moço que se divertia com um macaco num muro,
debaixo duma árvore verde.
Eu acabara de encher alguns
bidões da água que escorria das abas da barraca, quase em fios
diluvianos, quebrados por um vento forte. O tornado começa sempre com um
céu carrancudo, riscado por longas pontas de fogo em ziguezague e por um
vento impetuoso que derruba árvores, quebra ramos, desfolha. O vento
chega a ser tão violento em fúrias e bailados que, uma noite, um a cada
canto, tivemos de segurar a barraca, dependurados, para ela não ir pelos
ares. A barraca fica entre a escola e o muro, no pátio de recreio. E
nessa noite
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voltaram-me a contar a história do pelotão que, emboscado às oito horas
da noite, quando regressava a Mansabá, teve de resistir a algumas horas
de fogo, à violência dos relâmpagos que, por iluminarem, cegavam, e às
bátegas que enchiam a estrada furiosamente e galgavam os corpos dos
soldados deitados nas valetas, combatendo.
O poço do quartel secara e
andava a ser refundado pelos prisioneiros. Por isso, era preciso
aproveitar a água das chuvas para beber e lavar ao menos a cara.
Era verdade. Na rua, à
entrada, com o Issa à frente, uma bicha desordenada de velhos, mulheres,
crianças e rapazes. Nada traziam consigo senão a vontade de serem livres
e os farrapos que enrolavam o corpo.
Entraram. Debaixo do
telheiro, agora, pensavam num tecto e nalguns que não puderam vir e
matavam a fome e a sede de muitos dias. Sentada na borda do patamar, uma
mulher nova, de feições correctas, falou-me (o que eu não percebi...)
– Mim cá ouve... –
disse-lhe eu.
Mas, apontando-me e
acariciando levemente os seios descobertos e o menino que tinha no
regaço, soube que não tinha leite para amamentar o filho.
E todos nos olhavam de olhos
contentes, brilhantes, arregalados. E um velho, de face enrugada, que
tremia as mãos doentes sobre os joelhos, exclamava em voz cansada e
roufenha:
– Mim cá cume arroz três
dias…
E chorou quando lhe deram um
pedaço de pão. Repartiu com um miúdo e devorou o restante, sofregamente,
capaz de comer este mundo e o outro. Há três dias que não comia.
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