Quarta-feira, 21 / Agosto /
63.
O caminho era por ali. Chovia.
O braço do rio estava em
lama e cortámos ramos no tarrafo para fazer uma passadeira. A
ponte apodrecera aos passos, ao tempo, e caíra.
Quando a maré subiu
surpreendeu-nos junto à foz do Impernal e lama e água marcaram-nos o
nível por cima dos joelhos e os pés pareciam agarrar raízes, sorvidos,
ora um, ora outro.
Nunca mais era terra sem
Iodo.
De vez em quando, gritos da
outra margem sacudiam-nos, punham-no de sobreaviso, aguçavam-nos o
ouvido.
Mas a manhã desse dia quente
havia de trazer-nos mais lama e havia de nos encher de água quando
tivemos de atravessar a imensa bolanha de armas no ar.
A água subia a cintura.
Subia. E os que fumavam tiravam os maços de tabaco dos bolsos e
metiam-nos entre as fitas e o aço dos capacetes que ardiam sobre a
fronte.
Pelo rio acima navegava uma
canoa. Os remos, firmes nas mãos robustas dos dois negros, fendiam a
água com violência e já se perdiam de vista na mancha verde da paisagem
da curva onde levantavam voo sobre o arvoredo nuvens de maçaricos, numa
algazarra de pios estridentes.
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A marcha era vagarosa como o
andar dos caranguejos. Pequeninas ondas iam e vinham, batiam-me nos
ombros e cheirou-me a sargaços. Aqui, uma corrente forte quis levar-nos
os pés, mas, bem fincados, não foram. Ali, de vez em quando, um
peixe-voador, listrado de prata, saltava e caía, espadanando a água.
– Que rica hora de pesca!
Era só lançar o anzol... O Baltazar, que passava o morteiro para o ombro
direito, respondeu-me:
– O pior era se vinha algum
crocodilo, esquecido de que uma bala pode ser fatal.
E entabulámos um fio de
conversa:
– Já pescaste alguma vez?
– Sim, pesquei…
Não o achei muito convencido
do que dizia:
– O que é que tu pescaste?
Talvez alguma moça...
– E não acha que as mulheres
merecem um bom anzol e uma boa isca?
– Com certeza... E amaste
alguma?
– Amei.
– E que tal?
– Se visse. Um braçado de
mulher…
E repisava como num
desabafo:
– Um braçado de mulher…
– E ainda a amas?
– Não! Depressa me esqueceu.
– Então, é porque não foste
bom pescador!
– Sim!
– Já deves ter ouvido dizer
que a mulher é sempre capaz de roer a corda.
E ele lembrava:
– Aquilo era um braçado de
mulher.
A maré continuava a subir.
Ir para a frente ou ficar ali à espera que a maré baixasse? Poucos
sabiam nadar. Mas surgiam ideias O Simões dizia:
– Com uma jangada de bidões
íamos de vento em popa!
Porém o Peixeiro despiu-se e
entregou as botas e a arma a um e pôs a farda ao ombros de outro. E,
pondo-se de pé, depois de mergulhar, clamou:
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– Co'os diabos! Em meia hora
eu com outro ponho-vos na margem. Basta só pegar pelo cu das calças! – E
exemplificava.
Eu concordei:
– Vamos, então, a isso…
A distância líquida à nossa
frente devia andar por uns quinze metros.
– Foi então que alguns
homens de raça Papel, que andavam por ali perto em busca de alguém que
se afogara, por ali, na véspera, nos vieram com uma canoa muito velha,
tão velha que metia água, e, em duas ou três viagens curtas, nos puseram
do outro lado, em terra firme. E, nus e envergonhados, escondiam o sexo,
metidos na água, ou com as mãos, como se nós não fôssemos todos iguais.
Agradeci. Pedi cigarros e
dei-lhos assim como umas moedas que trazia no bolso. Eles sorriram e
apontaram-me o caminho à esquerda...
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