A. G. da Rocha Madahil, Iconografia da Infanta Santa Joana, Vol. XVIII, pp. 186-276.

ICONOGRAFIA DA INFANTA SANTA JOANA

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Fig. 10
 

O retrato tal como estava no coro alto da igreja.

Visível, na parte inferior, o intonaco com que a madeira

foi preparada para receber a pintura, pormenor esse

que o restauro de 1935 fez desaparecer.

As declarações de JOAQUIM DE VASCONCELOS, – figs. 10 e 11 – suficientes para alvoroçar, jubilosamente, os eruditos portugueses, não lograram, sequer, impressionar as chamadas estâncias oficiais; em 1902 organizou-se a relação dos objectos do Convento que mereciam ingressar no Museu Nacional de Belas Artes, apontando-se, entre outras peças, três quadros antigos pintados em madeira; o retrato do coro alto, porém, a ninguém impressionou, como se verifica dos documentos originais que no Arquivo do Ministério das / 199 / Finanças se conservam ainda e que para aqui fielmente trasladamos:

«Academia Real de Bellas Artes
L.º 5 n.º 1069

Ill.mo e Ex.mo Sn.r

Tenho a honra de enviar a V. Ex.ª inclusa relação dos objectos ainda existentes no supprimido convento de Santa Joanna em Aveiro, e que em vlrtude do officio de V Ex.ª merecem, pelo seu valor artistico, ser recolhidos no Muzeu Nacional de bellas artes e archeologia; rogo portanto a V Ex.ª se digne dar as competentes ordens, para que os referidos objectos sejam entregues por deposito ao alludido Muzeu.

Deus Guarde a V Ex.ª Academia Real de Bellas Artes de Lisboa 22 de Setembro de 1902.

Ill.mo e Ex.mo Sn.r Conselheiro Director Geral da Estatística e dos Proprios Nacionaes.

O Inspector,
Visconde d' Athouguia»


«Relação dos objectos do Convento de Jesus de Aveiro que pelo seu merecimento e valor artístico merecem ser recolhidos no Muzeu Nacional de bellas artes e archeologia.


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Onze cadeiras de couro de relevo de differentes formas
2 Cadeira grande de pau preto com muita obra de talha
3 Contador grande de pau santo com ferragens
4 Tryptico antigo em madeira pintado a oleo
5 Quadro antigo em madeira pintado a oleo representando Nossa Senhora, amamentando o Menino
6 Dito idem representando um Santo
7 Collar de prata com diamantes, tem um pingente
8 Par de brincos iguaes
9 Medalha de filigrana de ouro com uma cruz
10 Anel de ouro guarnecido de aguas marinhas
11 Dito idem com uma amethista
12 Par de brincos e rosicler de prata com diamantes

Academia Real de Bellas Artes de Lisboa 22 de Setembro de 1902

O Inspector
Visconde d' Athouguia»

/ 200 / Fora de Portugal, todavia, a vida da Infanta interessava também, e o cuidado em conhecer as fontes de boa informação era maior. A escritora francesa J.-T. DE BELLOC, Dama do Santo Sepulcro, como ela própria assinava, publicou, em data que não podemos precisar, mas que não é posterior a 1899, o seu livro La Bienheureuse Jeanne de Portugal et son temps, dedicado «À Sa Majesté Marie-Amélie d'Orléans, Reine de Portugal»(1); é de presumir que tivesse estado então no nosso País, pois a ele se refere, e ao manuscrito de MARGARIDA PINHEIRO, do Convento de Jesus de Aveiro, de forma a aceitar-se-lhe o conhecimento directo da cidade e do Convento. Ilustra a obra com gravuras de fotografias e de desenhos, entre os quais alguns de Aveiro, e apresenta dois retratos de Santa Joana: um deles, no ante-rosto do livro, de composição recente, embora baseado nalgum antigo registo de devoção, mostra-nos LA BIENHEUREUSE JEANNE DE PORTUGAL de pé, a 3/4 à esquerda, envergando o hábito, coroada de espinhos e aureolada, e ostentando na mão direita um crucifixo e uma haste florida de açucenas; adiante o reproduziremos, ao ocupar-nos dos registos de devoção; interessa pouco por agora; mais adiante porém, a pág. 12 é inteiramente ocupada pela fotogravura dum desenho decalcado numa gravura antiga facilmente identificável segundo a legenda que a escritora francesa lhe apôs:

L'INFANTE JEANNE DE PORTUGAL
D'après les Bollandistes

/ 203 / Os BOLANDISTAS – todos os estudiosos o sabem – constituíam o grupo de Jesuítas que publicou a monumental e preciosa obra Acta Sanctorum, em 56 volumes in-folio, e tomaram o nome do seu iniciador, o P.e JEAN BOLLAND, de Antuérpia, que em 1643 fez sair o 1.º volume (o último da série data de 1858).

Conquanto o estudo de J.-T. DE BELLOC não seja vulgar, sempre terão vindo alguns exemplares para Portugal, sendo a obra, demais a mais, dedicada à Rainha D. Amélia; e o retrato, bem como a biografia de Santa Joana, insertos nos Acta Sanctorum, teriam levado longe o historiador que tais elementos tivesse aproveitado.

Madame DE BELLOC utilizou unicamente o medalhão central da gravura dos BOLANDISTAS, que acima reproduzimos integralmente – fig. 11 – pois não é apenas o retrato da Infanta que interessa, como teremos ocasião de ver.

Tudo isso, porém, passou despercebido ou não despertou interesse entre nós.

Até 1910, data em que se começou a pensar na organização do Museu Regional de Aveiro, deparou-se-nos apenas uma breve referência com significado digno de menção tendo por objecto o retrato do coro alto, apesar do muito que procurámos. E o «número único publicado pela Empreza editora da Arte» em Maio de 1906, onde o historiador aveirense JOÃO AUGUSTO MARQUES GOMES escreve (reproduzindo, talvez pela primeira vez, a pintura, em fotogravura de Marques Abreu), sem, contudo, nada acrescentar à nota fundamental de VASCONCELOS já acima vista:

«Do seu trajo de princesa é testemunho o retrato que existe no coro do convento, pintado em taboa e que aqui reproduzimos como uma preciosidade iconographica que é. Tem um grande cunho de authenticidade não obstante não existirem documentos em que se apoie a tradição, que o diz copia do natural. As feições da princesa não exprimem é verdade a formosura que a historia lhe atribue, mas o trajo é, sem duvida, o usado na corte de D. Afonso V, não lhe faltando o penteado da epocha em que os cabellos presos em volta da cabeça por uma ou mais fitas de seda cravejadas de rubis, caiam soltos pelas costas abaixo. O nosso primeiro critico d'arte, snr. Joaquim de Vasconcellos, que o estudou ha annos, escreve: «Essa unica obra, o retrato da princesa, vestida com todo o esplendor da corte, mas triumphante sobretudo, pela sua ideal belesa, vale uma viagem a Aveiro. É um encanto! Foi gravado no principio do seculo XVII, em Flandres, por Boutalle (sic), habilmente, mas com pouca fidelidade, e parece não ter sido reconhecido até hoje / 204 / na sua importancia capital como pintura coeva, intacta, facto que terá de ser comprovado com rasões intrinsecas e technicas.»

ROCHA MARTINS, que muito mais tarde(2) havia de consagrar A Princesa Santa Joana em um dos voluminhos da sua colecção «Heróis, Santos e Mártires da Pátria» (o 1.º fascículo do 2.º volume), além de lhe dedicar artigos vários em revistas e jornais, publicava também em 1906 na "llustração Portuguesa" o seu artigo «Como se forma a aureola de uma Santa» (4 de Junho, Págs. 464 a 468) e ilustrava-o com uma reprodução da gravura de Retratos e Elogios de Varões e Donas... acima referida, não aludindo, sequer, à pintura de Aveiro, do coro alto.

Na revista "Arte", muito colaborada por MARQUES GOMES (com artigos sobre Arouca, Aveiro, Lamego, Serra do Pilar e Vista Alegre) nada aparece a propósito do retrato; descreve-se o convento de Jesus, o claustro, a igreja, o túmulo da Infanta, dá-se mesmo, depois de 1910, notícia do então recente Museu Regional de Aveiro (8.º ano, n.º 91, Julho de 1912), refere-se a secção de pintura antiga nos precisos termos que vamos transcrever, mas não há uma palavra sequer para o retrato:

«Apezar de pouco numerosa, a galeria dos quadros é de valor. Tem uma collecção muito interessante de pinturas em taboa, quinhentistas. Pertencem a esta serie o pequeno tryptico, o Ecce Homo e o S. João Evangelista que a «Arte» reproduz. N'aquelle ultimo predomina grandemente a influencia da escola flamenga.»

Igual omissão se verifica no artigo que, a propósito de Aveiro, LUÍS DE MAGALHÃES publicou, anos antes, em A Arte e A Natureza em Portugal, o que tudo, a nossos olhos, se afigura deveras estranho e significativo.

Inclusivamente, o conhecido «Feixe de motivos por que na parte nobre do convento de Jesus d'Aveiro se deve installar um museu districtal ou municipal», do escritor aveirense MELO FREITAS, baseado na relação de objectos que MARQUES GOMES publicara anteriormente no "Campeão das Províncias" (3), / 205 / tendente à criação dum Museu em Aveiro, diz apenas, e muito confusamente, por sinal:

«Objectos que desde já podiam integrar-se no Museu
      O que ha de portas a dentro d'encanto e attractivo que possa colleccionar-se, seleccionar-se, expôr-se, catalogar-se?
      Ha por exemplo o retrato quasi coevo da princeza, gravado no principio do seculo 17, em Flandres, por Boutats habilmente, mas com pouca fidelidade, segundo a opinião do erudito Joaquim de Vasconcellos.»

Decididamente, nem Aveiro nem a generalidade da crítica de Arte nacional se tinham apercebido da singular importância da preciosa tábua quinhentista, nem compreenderam a referência a BOUTTATS e ao século XVII.

Só VASCONCELOS insistia, e sempre que se lhe proporcionava ensejo para o fazer. A pedido de MARQUES GOMES vai a Aveiro em 28 de Abril de 1912, e num dos salões do antigo Convento, já então Museu, disserta largamente e perante numerosa assistência acerca de Arte, exemplificando com os tesouros que constituíam o recheio do novo Instituto as vantagens culturais resultantes desse precioso e invulgar agrupamento.

«Refere-se depois ao nosso Museu», conta o semanário local "A Liberdade", em seu n.º 64, de 2 de Maio, «afirmando com toda a convicção que ele é incontestavelmente o terceiro do país e, a propósito, cita o imenso valor de alguns dos quadros expostos naquele salão, entre os quais merece especial destaque o da Princesa Santa Joana, que não tem preço e que é valiosíssimo pelo cunho de originalidade que o reveste.» (4)

Vem seguidamente a público, já em 1914, o fascículo 8.º do impressionante inventário artístico de JOAQUIM DE VASCONCELOS – Arte religiosa em Portugal – serviço inestimável prestado pelo infatigável historiador ao País e ainda hoje cheio de utilidade.

Aqui se regista, na íntegra, quanto no referido fascículo aquele crítico de Arte escreveu, e que em si consubstancia / 206 / os conhecimentos de VASCONCELOS na matéria. Dali irradiou, mesmo, tudo o que a seguir tem vindo a público a esse respeito, e que não é mais nem melhor:

                 «Princeza Santa Joanna

     O quadro que representa a Princeza é sem duvida uma das obras de arte mais valiosas do Museu regional de Aveiro, As dimensões da taboa de castanho, sem o caixilho do seculo XVIII, são as seguintes: altura 0m,60; largura, 0m,40; a madeira, com a grossura de 7 milimetros, está bastante carcomida nas extremidades, e apresenta numerosos furos das larvas dos vermes.

     A Princeza traja á moda da côrte (5)
     O busto está visivel n'um decote muito aberto, protegido o peito apenas por uma camisa de cambraia transparente, finamente bordada a retroz de sêda preta. Um corpete de brocado de ouro, com bordado semelhante,
/ 207 / surge de ambos os lados; apenas a linha ondulada do recorte do vestido ajuda a indicar suavemente os seios, que não apparecem todavia na modelação da carne.
     O vestido mostra-se golpeado na manga do braço direito e junto da cinta; a mão direita descança no entretalho, com certa intenção, não só para revelar a rara belleza da fórma, mas tambem a preciosa joia que a orna. Os golpes do vestido estão tomados com cordão preto guarnecido de pontas de ouro; cordão igual aperta o vestido no extremo do recorte.
Além da preciosa touca, de que já fallarei, ha a notar, como enfeite, o annel de ouro com um grande carbunculo; uma especie de pulseira, formada por um laço de galão de ouro, talvez com significação symbolica que nos escapa. Um grosso cordão de ouro, torcido, com quatro voltas acompanha o recorte da camisa; mas não tem joia pendente, nem sequer a perola tradicional
(6)
     Para adorno de uma princeza e de uma noiva – todo o aspecto da figura largamente decotada, o movimento da mão posta sobre o coração indicam, para mim, que se trata, com effeito, de uma noiva – parece-nos modesto o atavio, se não fôra a preciosa touca. É ella formada por grossos cordões de fio de ouro torcido nos quaes o joalheiro enclausurou uma abundancia de pedraria rara: rubis, saphiras e perolas. A touca compõe-se de duas tiras largas, que descem sobre o diadema da frente e se prendem a dois cantos menores; estes fecham a touca dos lados.
     O maior ornamento, e o mais encantador, não seria a touca scintillante; deviam seI-o os maravilhosos cabellos louros, que descem em abundantes ondas sobre o busto. Infelizmente, o retocador destruiu esse encanto! Não tocou, por fortuna, nos olhos garços, que na estampa parecem muito escuros; o chronista affirma que eram verdes
(7). Como geralmente acontece com as bellezas loiras, a tez rosada do rosto, a alvura assetinada do pescoço e do collo andam associadas; a suavidade da epiderme, / 208 / a elegancia intencional da mão aristocratica, o pescoço alto, os hombros descahidos denunciam a raça.
     Acresce a expressão reservada; o segredo dos labios firmemente cerrados, onde se desenha já nos cantos um vinco amargo. O nariz um tanto longo, mas muito delgado e mais ainda a pequena bocca, contrastam com as faces muito cheias; eu diria inchadas, se um exame cuidadoso da pintura não me indicasse que houve indiscretos retoques na carnação; a technica esfumada não é do effeito primitivo; basta comparar a côr da epiderme no rosto com a do peito e das mãos; alli suja, aqui clara.
     Em conclusão: temos um retrato authentico da escóla portugueza de pintura da segunda metade do seculo XV, que revela qualidades artisticas não vulgares. Temos ouvido citar o nome de Nuno Gonçalves como auctor; basta considerar uma condição no processo de pintar, para regeitarmos tal nome; esta pintura, assim como outra que examinaremos, estão executadas sobre intonaco, isto é, a taboa está preparada com uma camada de gesso, sobre a qual o artista assentou as côres, as quaes não têm velaturas; a tinta é delgada, com pouca transparencia.
     A Princeza que nasceu em 1452 (6 de fevereiro) deve ter no retrato entre 18 a 20 annos, o que daria para o quadro a data 1470 a 1472.
     Era de quinze annos, quando falleceu a Rainha sua mãe; e EI-Rei seu pae (D. Affonso V) lhe deu logo casa com grandeza e fausto, diz o chronista. A falta de successores á corôa obrigou seu pae a que no berço fôsse jurada em côrtes Princeza herdeira do Reino, titulo que conservou ainda depois de nascido o Principe D. João, seu irmão e successor na corôa. Não é para aqui a historia das numerosas tentativas para o seu casamento. Apesar de fortissima opposição da familia, conseguiu fazer profissão a 25 de janeiro de 1475, no convento de Jesus de Aveiro da Ordem de São Domingos; ahi falleceu a 12 de maio de 1490 e ahi descança.
     Foi beatificada em 4 de abril de 1693. Ao convento legou todos os bens seus e, mais que isso, o exemplo de incomparaveis virtudes; symbolisadas n'um celebre emblema com que marcava as suas alfaias: uma corôa de espinhos
(8), que ainda hoje se vê em differentes peças do espolio do convento.» / 209 / [Vol. XVIII - N.º 71 - 1952]

Existia, portanto, um retrato fidedigno, ao contrário do que em 1890 categoricamente se afirmava, vindo a importantíssima pintura a ficar integrada, em 1911 – e muito bem – no recém-criado Museu Regional de Aveiro.

Constitui ela a peça n.º 1 da série iconográfica da Infanta Santa Joana, que nos propomos estudar.

A esse retrato – fig. 10 –, descoberto e identificado em 1895 por JOAQUIM DE VASCONCELOS no coro alto do Convento de Jesus de Aveiro, consagraremos por nossa vez algumas considerações mais; e como, entretanto, os problemas que à volta do precioso quadro se têm levantado são numerosos e importantes, convirá ainda registar alguma coisa do que a respeito da impressionante pintura se tem escrito, já em atenção às próprias hipóteses e opiniões exaradas, já pelo especial significado e importância que algumas delas revestem em consequência das responsabilidades criticas dos nomes que as subscrevem.

Assim, referem-se ao retrato do Museu de Aveiro, após o artigo da Arte Religiosa, duas publicações que dão conta da memorável «Sessão de Arte» naquela casa realizada em 16 de Janeiro de 1916; o conferencista da tarde, Prof. EGAS MONIZ, põe em relevo o retrato da Infanta, onde destaca

«a delicadeza firme das linhas, o encanto da figura e as particularidades das joias e vestuario», acrescentando: «Infelizmente mãos barbaras retocaram a tabua que bem merece ser de novo tratada por quem saiba fazê-lo. Esse retrato é, por certo, da segunda metade do século XV e tão notavel é que lhe atribuem a paternidade de Nuno Gonçalves, o nosso grande primitivo, que José de Figueiredo ultimamente pôs em relevo. O erudito Joaquim de Vasconcelos apresenta razões de peso para o julgar de outro autor, o que em nada faz diminuir o seu alto valor que depende das suas qualidades intrínsecas e não do nome que possa assiná-lo. Mas quem tenha atentado nas figuras de Nuno Gonçalves, do Museu de Lisboa, há de reconhecer no traço, na côr e nas particularidades do retrato da Santa, a mesma autoria ou, ao menos, a mesma maneira de pintar» (9).

/ 210 / Em 1926, deu MARQUES GOMES a conhecer na "Ilustração Moderna" (n.os 1 a 5), a história sumária do Museu Regional de Aveiro; a propósito, publica novamente o retrato da Infanta (pág. 119) acompanhado do seguinte comentário:

«Princesa Santa Joana. É com effeito, como disse o snr. Joaquim de Vasconcellos uma das obras mais valiosas do Museu e foi primorosamente descripta pelo grande mestre. Pode ser uma reprodução fiel da pessoa que representa e cuja beleza é autenticada por escriptos da epocha em que viveu. Que bem cedo principiou a ser retratada a Princeza dil-o um codice escripto em pergaminho em caracteres goticos por Margarida Pinheiro, sua criada e que como ella tomou o habito dominicano no Convento de Jesus a que pertenceu e hoje se guarda no Museu. Tem este titulo: Memorial da mui excellente Princeza, e mui virtuosa senhora a Senhora Dona Joana, nossa Senhora filha do mui Catholico e Christianissimo Rei Dom Affonso Quinto e da Senhora Rainha Dona Isabel sua molher.

São d'elle estas linhas:

«Gosava (10) por todas as partes da Christandade a fama da grande excellencia da fermosura e industria do entender e saber d'esta Infante Princeza, e a todos os Reis, e Principes de diversos Reinos punha em grande cobiça e desejo de a ver e ouvir, e porque lhe era impossivel pela distancia e alongamento dos Reinos e terras mandavão pintores mui perfeitos que a vissem, e tirassem pelo natural, para poderem assim pintada gosar de tanta formosura. Entre os quaes foi o mui serenissimo Luiz Rei de França primo de El-Rei Dom Affonso, padre da dita Senhora, e o Imperador da Allemanha cunhado seu casado com huma irmã do dito Rei D. Affonso. Certificavão e juravão os pintores não podiam nem tinhão sciencia para poder penetrar, e pintar tanta graça e formosura. Porem comtudo trabalhavão por a afemençar e pintar. Del Rei de França seu tio, (Luiz XI), se afirmou que vendo a pintura, a qual se diz era muito natural, que postos os joelhos em terra deu graças e louvores ao Senhor Deus. Começaram alguns Reis e Principes de ademandar El-Rei (11) seu padre para casamento aos quaes por entam não dava consentimento por sua tenra edade, o qual ainda entam nem penetrava o / 211 / conselho divinal, que nom de Rei terrial, mas do Celestial.»

O facto tal como vem narrado pela freira está reproduzido n'um dos quadros a oleo que revestem a capela interior do antigo convento, chamada a Casa da Santa, e que é uma das curiosidades do Museu, e todos são alusivos á vida da Princeza. N'este quadro o traje diverge um pouco da pintura que a gravura reproduz, como esta diverge tambem dos retratos gravados em cobre que vem nos Retratos e Elogios dos Varões e Donas que illustraram a Nação Portugueza e no Anacefaleosis do Padre Antonio de Vasconcellos.»

Em 1917 veio a surgir, com a publicação da tese de ALFREDO LEAL(12) a famosa discussão hoje conhecida pela Questão dos Painéis, tendo por objecto a autoria e a interpretação das figuras retratadas nos chamados painéis de S. Vicente, de Nuno Gonçalves, do Museu Nacional de Arte Antiga.

Questão que ameaça eternizar-se – pois ainda no corrente ano de 1952 se reacendeu, e sem resultados práticos definitivos – nela veio a inserir-se, aliás com perfeita lógica, o problema do retrato da Infanta Santa Joana, do Museu de Aveiro.

Foi o caso que, em Março de 1927, o semanário aveirense "O Democrata", e, em 14 do mesmo mês, o "Portugal", de Lisboa, publicam uma entrevista com o senhor Dr. ALBERTO SOUTO, já então, como hoje ainda, Director muito competente do Museu que se orgulha de possuir o quadro a que nos estamos referindo. Nas considerações nessa ocasião apresentadas, o Director do Museu de Aveiro sugere que «a figura real que no painel do Infante ajoelha no primeiro plano, à esquerda, em frente de D. Afonso V, ou do pseudo D. Afonso V) – fig. 12 – seja «a própria Santa Joana»(13).

Por essa mesma ocasião se publicava em Lisboa o n.º 2 da revista Brasões e Genealogias em que ARMANDO LASSANCY (pseudónimo do Dr. ARMANDO SOUSA GOMES, segundo o esboço histórico e bibliografia de A Questão dos Painéis, de ALBINO LAPA; Lisboa, 1928), explanava com boa soma de razões aquela mesma tese, aproximando em gravura as duas figuras (14). / 212 /

O assunto não teve a repercussão que merecia (15), e só em 1935 se volta a trazer a público, com alguma coisa de novo, a tábua quatrocentista do Museu de Aveiro. Desta vez, pela pena de JOSÉ DE FIGUEIREDO, na introdução ao 1.º volume de documentos do Boletim da Academia Nacional de Belas-Artes, discutindo o valor dos documentos em história de Arte e mostrando como pela submissão exclusiva ao seu conteúdo formal se pode ser levado a juízos errados quanto à autoria de retábulos.

E diz então aquele discutido crítico de Arte:

«Há ainda outra hipótese a considerar: existirem todos os documentos da encomenda de uma obra de arte, e, com êles a obra a que êsses documentos parecem ajustar-se, sem que de facto êsse ajustamento deva fazer-se, por a obra não ser a própria, mas apenas uma cópia, mais ou menos tardia, dela. Tal seria o caso, para me limitar a êsse, do retrato da Princesa Santa Joana, do Museu de Aveiro, se porventura aparecesse, um dia, o documento da encomenda do original de que provém essa pintura.

Quando se examina êste painel, verifica-se estar-se em presença de uma pintura com todas as características da época em que viveu a filha de D. Afonso V. Preparo do suporte, técnica, indumentária, espírito, tudo é bem do tempo a que pertenceu o modêlo. E também me parece que não deve já agora oferecer dúvidas ser êsse retrato o da neta do Infante D. Pedro. Esta identificação não só assenta sobre uma tradição consagrada, como a máscara da retratada, hoje que se conhece, pelos painéis de S. Vicente, a imagem autêntica de D. João II, quando moço, se ajusta à dêste príncipe com a mais absoluta irmandade. Ambos, na verdade, apresentam, na mesma forma arredondada da cara, a mesma tez branca e rosada;  os mesmos lábios grossos e recortados, na mesma bôca curta e fechada; as mesmas sobrancelhas ralas, só ligeiramente arqueadas; os mesmos, ou pelo menos, análogos / 214 /

/ 216 / cabelos castanho-dourados(16). Para mais, não falta sequer, no indicador da mão direita da retratada, o anel com rubi, que tanto estimou sempre e que o seu testamento muito especialmente menciona. E não pode ainda esquecer-se que certos pormenores mais particulares do seu vestuário andam também muito perto dos que são especialmente típicos no traje da Rainha sua mãe, tal como esta se vê representada, por Nuno Gonçalves, no Painel do Infante.

Mas se êste retrato reveste todos os caracteres da pintura do fim do século XV, e a personagem que êle representa não pode deixar de ser a irmã de D. João lI, o que é indiscutivel é que esse painel, que não pode em caso algum ser obra de Nuno Gonçalves e nem sequer é decerto português, não foi também realizado do natural. De facto, se a sua técnica, em que predominam as velaturas sôbre espessa base de cola e cré, nada tem com a técnica do nosso grande pintor quatrocentista, e o seu esmalte, acentuadamente vítreo, está assim longe da matéria que constitue a epiderme da obra daquele artista e da dos outros pintores nacionais do tempo (17), a falta de modelação na máscara da retratada mostra que se está apenas em frente do trabalho de um copista, tanto mais que o poder picural do artista seu autor se afirma com consideravel segurança na tradução da indumentária / 216 / e na de outros pormenores, para cuja realisação pôde certamente dispôr de modêlo à vista.

Quem realizou êste retrato? Não é possível dizê-lo, por agora. Parece-me porém mais que possivel ser obra de um dos pintores estrangeiros que para tal fim vieram então a Portugal. E se às características do painel já mencionadas, juntarmos o tom verde azeitonado do fundo, freqüente nas obras dos pintores renascentistas da Alemanha do Sul, talvez não errêmos dando-o como trabalho de artista dessa região. O espírito de Nuno Gonçalves, que esta pintura do Museu de Aveiro acusa, explicar-se-ia assim por ter sido decerto realizada segundo outra dêsse nosso grande mestre. E, ao aproximarmos êste retrato da obra do pintor de D. Afonso V, é muito propositadamente que só falamos no espírito que o caracteriza. Em artista com as faculdades excepcionais de que dispunha Nuno Gonçalves, o que há de menos imitavel na sua obra é precisamente tudo o que é, nela, pura e restritamente objectivo. E com isto não pomos de forma alguma de parte, e nem mesmo sequer diminuimos, o subjectivo que anima a obra do nosso grande pintor quatrocentista e é sua força essencial. Nem podíamos fazê-lo, tratando-se de quem soube tam superiormente, e com tam intenso idealismo, passar á tábua a admiravel Galeria de heróis que Nuno Gonçalves teve a fortuna de retratar. O que quisemos foi apenas acentuar que êsse subjectivo – e é êsse o grande poder dos artistas da sua altíssima raça – não prejudicou nunca em nada o seu poder objectivo. E isto ainda mesmo quando o pintor de D. Afonso V realizou apenas, e com absoluto naturalismo, pormenores secundários, ou seja aquilo que, no, dizer sugestivo de Francisco de Holanda, «se vê quando não se vê», como, por exemplo, no «Painel dos Cavaleiros», o trecho admiravel de «natureza morta», que é a fivela, usada e puída, do cinturão do duque de Bragança. E essa procedência artística do retrato da Princesa Santa Joana teria a sua lógica e não seria sequer caso isolado para nós. De filiação análoga e muito próximo dêste, como época, conhecemos nós, fora de Portugal, outros retratos de personagens lusitanas, sendo, um dêles, o da Imperatríz da Alemanha, Dona Leonor, filha do nosso Rei D. Duarte e mãi do Imperador Maximiliano, avô de Carlos V. Se nos lembrarmos que Maximiliano foi, segundo a tradição, antes de casar com Maria de Borgonha, um dos pretendentes à mão da filha de D. Afonso V, o facto, a ter sido exacto, pode explicar, de outras maneiras, a origem do retrato do Museu de Aveiro. E uma delas seria levar-nos a concluir pela proveniência / 217 / alemã desta pintura. Nesse caso, a cópia teria sido feita nesse país pelo original português mandado de cá, a pedido do Imperador Frederico III.

Seja porém como fôr, o que em caso algum pode esquecer-se é que, nesse tempo, viajavam as obras de arte mais do que os homens; e pelo que nos diz respeito, cabe lembrar aqui, mais uma vez, o passo da admiravel carta de D. Afonso V, escrita cerca de 1462, de Portugal para África, a Azurara, onde este colhia então elementos para a crónica de D. Duarte de Menezes, uma das mais nobres figuras do período áureo das nossas guerras marroquinas, retratada tam superiormente por Nuno Gonçalves, de capacete de aço, como um chefe mouro, no «Painel dos Cavaleiros». Esse trecho, expoente perfeito, como no mais tôda a missiva, do alto valor espiritual do nosso último Rei medieval, cuja nobilíssima história está ainda por fazer, é concludente de muitos pontos de vista. Louvando os grandes Capitães, com os seus feitos dignos de memória, «e os que têm o carrêgo de escrever as suas crónicas», o Monarca, para se justificar de não mandar então a Azurara o seu retrato, conclue êsse passo da carta dizendo: «O meu vulto pintado não o tenho para vo-lo agora laa poder enviar, mas o proprio prazerá a Deos que verees laa em algu tempo, com que vo-lo mais deve prazer».

Em Portugal, como noutros paises, e entre êles, as Flandres, de onde nos tinham vindo, cêrca de cinqüenta anos antes (1415) a imagem do Duque Jean sans Peur, pintura de Jean Malovel, a dádiva de retratos dos soberanos aos seus vassalos e a outros Príncipes ou personagens estrangeiros de qualidade, era uma das manifestações mais altamente significativas da graça régia.»(18)

Sensivelmente na mesma ocasião em que JOSÉ DE FIGUEIREDO terá escrito o que acima fica, ou poucos meses antes, o malogrado historiador de Arte tão cedo perdido para a investigação consciente, Dr. PEDRO VITORINO, e o radiologista portuense Dr. ROBERTO DE CARVALHO, iniciaram uma série notável de observações, à luz rasante e a Raios X, em pinturas / 218 / dos séculos XV e XVI existentes nas colecções portuguesas (19).

E como, em 1935, a tábua do Museu de Aveiro a que nos estamos referindo tivesse sido enviada à oficina de restauro anexa ao Museu Nacional de Arte Antiga, provocando, no seu regresso – fig. I3 – acesa discussão na Imprensa aveirense entre o Director do Museu, Dr. ALBERTO SOUTO, o professor de Desenho do liceu local, Dr. ADOLFO FARIA DE CASTRO, e o erudito crítico de Arte, Senhor LUÍS REIS SANTOS, foi ela radiografada também por aqueles citados cientistas do Porto. E nas conferências proferidas em 29 e 30 de Janeiro de 1936 no Clube Fenianos Portuenses pelo Senhor REIS SANTOS, tendo por tema «Os processos científicos no estudo e na conservação da pintura antiga», veio a radiografia do retrato de Santa Joana a ser projectada – fig. 14 – a ela se referindo o conferente por esta forma (20):

«O retrato de Santa Joana do Museu Regional de Aveiro, de que esta fotografia nos dá uma 'idea aproximada (diap. n.º 31), sempre me intrigou muito. Eu não compreendia o que significava uma espécie de inchaço que deforma a face esquerda da Princesa. Parecia-me que essa parte do painel fôra repintada, e por isso esperava o seu restauro com justificado interêsse.

Afinal, depois de limpa a tábua, o inchaço ficou na mesma, como se vê nesta fotografia tirada muito recentemente.

Era por conseguinte necessário averiguar, com o auxílio dos raios X, de que se tratava. Esta radiografia (diap. n.º 32) mostra-nos o estado em que se encontra a parte inferior da tábua, desde a mão até ao pescoço. As manchas negras representam sítios onde foi destruída a pintura primitiva.

Nesta radiografia (diap. n.º 33) da parte superior do pescoço e da cabeça, vê-se que não eram infundadas as minhas suspeitas. A zona bem visível do inchaço representa um acréscimo tardio, cuja constituição é de inferior densidade.»

 Fig. 13

O retrato depois das beneficiações recebidas em 1935 e 1940.

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A. G. DA ROCHA MADAHIL

_________________________________________

(1)Madame,
     Auprès du trône, sur lequel la Providente a placé en votre personne tant de grâce et tant de bonté, grandit, il y a plus de quatre cents ans une illustre princesse qui fut le modèle de toutes les vertus et que l'Église a élevée au rang des Bienheureuses.
     En m'autorisant à dedier à Votre Majesté la Vie de sainte Jeanne de Portugal, vous m'avez permis de donner aux mérites de la sainte Infante une nouvelle et auguste consécration, et de mêler l'éclat immaculé des lys de France à la céleste couronne que lui ont tressée les suffrages de l'Église et la vénération de tous.
     Que Votre Majesté daigne agréer l'hommage de ma plus respecteuse reconnaissance.

J.-T. DE BELLOC.

A edição não está datada, mas o exemplar que possuímos e que adquirimos no leilão da livraria do general Brito Rebelo, tem a seguinte dedicatória, útil ao caso:

     À Monsieur de Brito Rebello très sympathique hommage et souvenir de bonne confraternité littéraire de l'auteur (J. T. de Belloc)
     Dame du Saint Sépulcre.
     Château de Coligny 20 Septembre 1899.

A propósito desta obra existem várias cartas, inéditas, da autora para Brito Rebelo.

(2) Em data não declarada, mas que se não deverá, talvez, afastar muito de 1920. 

(3) − MELO FREITAS alude, igualmente, ao «inventário judicial que se fez depois do Decreto que agora (1911) extinguiu as Ordens religiosas» – nota I de pág. 16 – mas debalde procurámos conhecê-Io; no Arquivo Histórico do Ministério das Finanças nada mais se encontra além do que acima deixámos transcrito.

(4) Coimbra, das impressões colhidas em Aveiro, e escreve:

        «Chego de Aveiro onde fui fazer um exame demorado do Museu: Resultado surprehendente.

        É já na ordem do merito o 3.º Museu do paiz, superior ao de Evora.

        Foi uma surpreza; e n'esse sentido me pronunciei na Conferencia que fiz, antes: uma palestra, que durou 50 min. Parece ter agradado. Salão cheio. É justo não regatear louvores ao M. Gomes. Elle lucta com a Camara Municipal; quer mais espaço; quer desalojar umas Escolas primarias q a Camara protege – Não é justo isso – q lhe roubam espaço!

       Recommendei-Ihe prudencia: passion et patience. «Piano e sano».

       A Comissão administrativa que elle propõe é de boa gente; merece plena approvação.

Amg obgº

J. de Vasos

     (É a carta n.º CXCI da correspondência dele para António Augusto Gonçalves, por nós adquirida, por compra, à família do professor conimbricense, e agora em vias de publicação comentada, em edição de Marques Abreu, amigo e colaborador dos dois eruditos arqueólogos).  

(5) «Julgo interessante reunir aqui as noticias historicas sobre os retratos da Princeza: «Foy a Santa tão bella, que espalhando-se pelo Mundo a fama da sua fermosura a desejarão muitos Principes da Europa, para nora huns, e para mulher outros, e mandarão Pintores celebres a Lisboa para que bem ao natural a retratassem, e o fizerão tão vivamente, que depois juravão affirmando, que nenhum favor da arte ajudara a pintura, por ser fiel copia do original» (D. Antonio Caetano de Sousa, Historia genealogica da Casa Real, vol. lII, pág. 86).
     O retrato, gravado em cobre, que acompanha o volume dos Retratos e Elogios dos Varões e Donas que illustraram a Nação Portugueza corresponde, em geral, á pintura de Aveiro; tem quasi a mesma edade, os cabellos tambem soltos em ondas; identica touca de preciosa pedraria, a camisa bordada, mas fechada no pescoço. Convém ainda archivar aqui a seguinte noticia: «No Altar-mór da Igreja daquelle Convento estava collocado um quadro de pincel vera effigie sua, trajada á maneira que andava no seculo, que o Bispo D. João de Mello por occasião do processo da sua Beatificação, trasladou com licença das Religiosas ao seu Paço de Coimbra. Muitos consta que havia na Provincia, em que estava no habito Dominico. Offerecemo-Ia conforme ao primeiro quadro, segundo o traz o P. Vasconcellos na Anacefaleosis, e bem similhante ao que vem no Acta Sanct. Maio, tom. III, pag. 692» (Citação dos Retratos).
  

(6) No seu testamento (19 de Março de 1490, apud Souza, Historia genealog., voI. II, das Provas, pág. 81), cita a Princeza a notavel joia, como um rubim: «e o Rubi grande do anel ao Principe meu Senhor, e a meu Sobrinho o pendente das tres pedras, e o pendente da esmeralda...» O sobrinho é o Duque de Coimbra D. Jorge, filho natural de João II, que ella ajudou a educar em Aveiro.»

(7) «O mesmo diz Souza:
        «Era alta do corpo, rosto redondo, olhos verdes, nariz proporcionado, boca grossa, a côr muy alva, e rosada, aspecto magestoso, muito ar, e graça em toda a disposição do corpo.» (Souza, ob. cit., voI. III, pág. 95).»

(8) Na Historia genealogica (vol. II, pag. 102), no fim da sua bíographia vem este emblema cercado de açucenas. Outro biographo diz: «chegou a trazer por deviza, e mandar pintar uma Corôa de espinhos em todas as salas do seu Paço, e a fez gravar em sua prata, e esmaltar em todas as suas joias (Retratos e Elogios dos Varões e Donas, Lisboa, 1817).» 

(9) Museu Regional de Aveiro. Sessão de Arte. 16 de Janeiro de 1916. Feixe de noticias – Conferencia do dr. Egas Moniz – Com um prefacio d'Almeida d'Eça. Porto, 1916; págs. 52 a 54.
     No programa da mesma sessão, que constitue curiosa espécie da bibliografia aveirense, enumeram-se, de págs. 28 a 30, as joias do Museu, entre as quais figura o «retrato de Santa Joana Princeza, escola portugueza de pintura, da segunda metade do seculo XV.»
  

(10) Aliás, voava, diz o códice original. (R. M.).

(11) a EI-Rei, como do códice consta. (R. M.).

(12) Os «Paineis do Infante» e a obra do Sr. José de Figueiredo, Lisboa, 1917.

(13) Uma conferência na Associação dos Arqueólogos de Lisboa, anunciada então por aquele mesmo arqueólogo, não chegou a realizar-se.

(14) Com o titulo de A Rainha Fada – Breve noticia de uns famosos Paineis, o artigo referido apareceu também em separata.

(15) Os escritores BOURBON E MENESES e GUSTAVO DE MATOS SEQUEIRA, por exemplo, publicando em 1933, entre as suas Figuras históricas de Portugal, duas escassas páginas de biografia da Infanta, acompanham-nas com uma óptima reprodução, fotogravada, do retrato de Aveiro, subordinada a esta identificação, aliás correcta, mas sem mais comentário:
     «Princesa Santa J oana 1452-1490
     De uma tábua do século XV, existente no antigo convento de Jesus e exposta actualmente no Museu Regional de Aveiro.»

(16)«Não é possível dizer-se com segurança qual o tom exacto dos cabelos da Princesa, tais como os pintou o autor do Retrato. Castanho-dourados, ligeiramente acinzentados? Ou castanho-dourados, fortemente arruivados? Apesar de ter desaparecido, nessa parte do Retrato, a camada superior da pintura, julgamos mais provavel a segunda hipótese, dado o tom ruivo da base que subsiste e em que se vêem ainda laivos castanho-escuros das antigas velaturas que a cobriam; e, mais do que isso, em vista do tom do cabelo na parte alta da cabeça da Retratada. Este, apesar de não se conservar também intacto, sofreu contudo muito menos do que o resto da cabeleira da Santa.
      Qual a causa do desastre e porque é que êste atingiu só o cabelo da Princesa e poupou o resto da pintura? Emquanto as tintas, terras de siena, de pouco corpo, com que foram pintados os cabelos, não puderam resistir ao ingrediente de base alcalina com que se tentou lavar o painel, as outras tintas nada sofreram com o barbarismo, graças à sua maior solidez.»
  

(17) «A madeira em que foi pintado o retrato contraria também, até certo ponto, a atribuição da sua autoria a Nuno Gonçalves ou a outro artista português do tempo. Essa madeira, a nogueira, só a encontrei até hoje, em dois painéis e ambos tardios, da nossa escola, de pintura primitiva.
      Os outros nossos painéis dos séculos XV e XVI que conheço, cujo número atinge algumas centenas, são todos realizados sôbre carvalho ou castanho, sendo o emprêgo desta última madeira a prova quasi sempre segura dêles provirem da chamada escola de Viseu, ou pelo menos da Beira, onde abunda o castanheiro.»

(18) − JOSÉ DE FIGUEIREDO publicou em francês este mesmo trecho no seu opúsculo intitulado lntroduction au recueil de documents publiés par l'Académie Nationale des Beaux-Arts concernant, spécialement, les pièces d'orfèvrerie commandées en France pour le Portugal, Lisbonne, 1935. Do facto se infere a importância que o autor atribui a às suas considerações do momento.

(19) Portucale, vol. VII. n.os 41-42, de Setembro-Dezembro 1934: «A Trindade» do Museu do Pôrto, vista aos Raios X», artigo de ROBERTO DE CARVALHO e PEDRO VITORINO.

(20) Conferências da Liga Portuguesa de Profilaxia Social, 4.ª série, 1939, pág. 277.

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