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LEGOU-NOS
o passado documentos etnográficos que, a pouco e pouco, se vão delindo
da alma popular e
que importa, quanto antes, recolher; doutro modo, daqui por cinquenta
anos, pouco restará. Refiro-me
às orações populares rimadas. Sabiam-nas os nossos avós. Outro tanto
quase já não acontece com nossos pais, que, ou não as aprenderam, ou,
depressa as foram esquecendo. Diversas causas concorreram para tanto.
Apontarei algumas.
Se, noutros tempos que ainda não vão longe, o analfabetismo contava
maior percentagem no sexo feminino e se, por outro lado, era, talvez, a
mulher a que melhor transmitia, pela sua sensibilidade e por outros
factores que ora não me cumpre enumerar, o facho da tradição, hoje, que
ela já lê, começou de rezar por cartilhas e devocionários, com
menosprezo das orações populares rimadas.
Acontece, ainda que, tendo crescido, assustadoramente, há alguns anos,
a praga da taberna e relaxado a disciplina familiar, a ceia, dantes
tomada em comum e ponto de reunião de toda a família, deixou de o ser, o
mesmo acontecendo com a acção de graças, após a refeição, e com a
recitação do terço e outras orações.
Não deixou de ter também alguma influência na sensibilidade do povo a
nova fisionomia que Esmoriz tomou com o incremento da indústria.
Começaram a escassear braços para a lavoura que, até aí, tinha mantido o
homem em contacto com a natureza e, mediante ela, com Deus. O homem
era, então, mais humilde, mais religioso e mais poeta. Era, pela
natureza, filha de Deus e fonte de poesia, que a Ele se unia, esperando
a bênção fecundadora para o seu suor.
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137 /
Com a indústria, o homem materializou-se, tornando-se escravo das suas
invenções, fontes de dinheiro. E, com a
bolsa cheia de oiro, acreditou que tinha na mão a felicidade
e pensou em dispensar Deus. E as canções dos campos
foram abafadas pelo martelar das fábricas e oficinas, e da
sua alma, fria e orgulhosa, deixou de subir ao céu o incenso
da oração.
O novo clima criado pela indústria não deixou de fazer-se
sentir, embora em pequena escala, na sensibilidade e na alma
do povo de Esmoriz.
As orações que vão seguir-se e nas quais, por vezes, a
superstição se caldeia com a fé, foram recolhidas aí por 1942.
Na transcrição, apenas uma ou outra vez aponto a pronúncia
popular. Confio na generosidade dos mestres que me será
relevado este defeito para o meu primeiro trabalho etnográfico. Aqui o deixo, respeitoso e grato, perante a memória
das almas simples e bondosas das minhas informadoras, que
já não pertencem ao número dos vivos. Como o povo,
também eu digo: que Deus lhes fale na alma.
1) Orações da manhã:
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Bendita seja a luz do dia,
Bendito seja o Senhor que a cria,
Bendito o Filho da Virgem Maria
E bendito seja o Santo e a Santinha
Que governa neste dia.
Em seu louvor, um Padre-Nosso com uma Ave-Maria.
*
Eu me encomendo à luz
E à Santa Bela(1) Cruz
E à Senhora da Verdade
E à Santíssima Trindade
E a Santa Verónica
Que está em Jerusalém
E ao milagroso S. Bernardo
Que em Roma está enterrado.
O Senhor me livre de maiorais
Baptizados e por baptizar. Ámen.
*
Eu me encomendo à luz
E a Santa Bela Cruz
E à Senhora da Verdade
E à Santíssima Trindade.
Ó meu Senhor Jesus Cristo,
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Deus e Homem verdadeiro,
O meu corpo está inteiro.
Assubistes ao Céu,
Perdoastes ao Ladrão,
Perdoai-me a mim, Senhor,
Botai-me a Vossa divina absolvição.
Quem esta oração disser,
Três vezes ao dia,
De má morte não morreria,
As portas do Céu se lhe abririam,
As do inferno se fechariam.
Em seu louvor, um Padre-Nosso com uma Ave-Maria.
*
Ó meu Santo Antoninho,
Que em Lisboa fostes nado
E em Roma fostes coroado,
Pelos livros que rezastes,
Pelo hábito que tomastes,
Nosso Senhor encontrastes.
O Senhor vos perguntou:
− Antoninho, vós para onde ides?
− Senhor, quero ir convosco.
− Vós comigo não vireis,
Vós na terra ficareis,
Quantas coisas se perderem,
Quantas vós achareis.
Quem esta oração disser,
Três vezes ao dia, etc.
*
Padre nosso amoroso,
Triste, desconsolado,
Ó meu Deus, ó meu Senhor,
Perdoai-me os meus pecados,
Perdoai-me que eu errei,
Confessai-me que eu pequei.
Confessa-te, ó pecador,
Emenda a tua vida,
Que a morte te anda buscando,
Quer de noite, quer de dia,
Que não caias no pecado,
Quer na calma, quer na geada.
O coração que és da terra,
Considera que hás-de morrer,
Que hás-de dar contas a Deus
Do teu bom e mau viver.
Quem esta oração disser,
Um ano continuamente,
O Senhor lhe aparecerá,
Quinze dias àdiente(2).
Quem na sabe não na diz,
Quem na ouve não na aprende,
Lá no dia do JuÍzo
Verá como se arrepende(3).
Padre-Nosso e Ave-Maria.
*
Padre nosso de S. Gregório,
Já lá fui ao salvatório (?),
Já lá fui e já lá tornei.
Duas almas imparei(4):
Uma era Santa Ana,
A outra Santa Madalena.
Prometi de andar descalço,
Vestidinho de burel,
Para alcançar as Cinco Chagas
Do divino Manuel.
Manuel está na Cruz.
Para sempre, ámen, Jesus.
*
Padre nosso virtuoso,
Meu Senhor todo poderoso,
Peço-Vos, Filho da Virgem Maria,
Uma alma que
me destes
Não na deixeis andar triste;
Vós na terra ma criastes,
Vós no Céu ma apresentastes.
Quem esta oração disser,
Três vezes ao dia, etc.
*
Padre nosso pequenino,
Quando Deus era menino,
Que andava pelo mar,
Sete livros a rezar,
Sete candeias a alumiar,
O Senhor é meu padrinho,
A Senhora é minha madrinha
Que me fez a cruz na testa,
Onde o demo não impeça,
Nem de noite, nem de dia,
Nem ao pino do meio-dia.
Já os galos cantam, cantam,
Já os sinos
(5) se alevantam,
Já o Senhor subiu à Cruz
Para sempre, ámen, Jesus.
|
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140 /
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*
Padre nosso pequenino,
Quando Deus era menino,
Que andava pelo mar,
Pelo mar e pela terra,
As três Marias viram estar
Todas três no seu altar
Uma era Leonor,
Outra era Santa Clara,
Onde as andorinhas iam nadar.
Senhora mestra que aqui estais,
Na glória
nos vejais,
Pois a mim primeiramente,
Filha do Omnipotente,
S. José andou descalço pelo mar,
Vestidinho de burel,
A receber as Chagas
Do divino Manuel.
Manuel está no berço,
Embanando S. José,
Os anjinhos estão cantando:
«Glória tíbi, Dominé»(6).
*
Anjo da Guarda bendito,
Companheiro do Senhor,
Que no Céu fostes criado
Pelo nosso Redentor,
Pelo poder de ir-te embora,
Não me deixeis nem uma hora.
Deixou Nosso Senhor dito
Que dormisses e velasses,
Com poder e alegria.
Um Padre-Nosso com uma Ave-Maria
Ao Anjinho da minha guarda
E ao Santinho deste dia(6).
O Anjo da minha guarda,
Minha amada companhia,
De noite e de dia.
E ao pino do meio-dia.
Em seu louvor, um Padre-Nosso e uma Ave-Maria.
*
Salve Rainha pequenina,
Rosa divina,
Cravo de amor,
Mãe do Senhor,
Dai-nos luz e entendimento
Para receber o Santíssimo Sacramento.
|
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141 /
2) Na Igreja:
| |
*
a) Tomando água benta:
Nesta casa vou entrando,
Água benta vou tomando;
Água benta, me lavais,
Jesus Cristo, me salvais.
Se a minha alma está em penas,
Jesus Cristo, despenai-mas.
*
b) Ao ajoelhar:
Deus te salve, Cruz bendita,
Que na terra estais escrita,
E no Céu representada.
Rogai por nós, que nós rogaremos por vós.
*
c) Ao começar a Missa:
Lá vai o Padre dizer Missa,
Ajoelhai-vos, ó povo,
Que nasceu um Deus Menino,
Redentor do mundo todo
(7).
Bendita seja a hora
Que saíste pela porta de Jerusalém fora,
E Jesus Cristo comigo aqui
nesta hora.
Começai a Santa Missa,
Sacerdote do Senhor,
Que eu hei-de assistir a ela,
Com vossa honra e louvor.
d) A «Sanctus»
Santos, santos, santos do Céu,
Vinde ao meu coração,
Recebei a minha
alma,
Ponde-a da vossa mão.
|
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142 /
| |
*
e) A elevação da Hóstia:
Vinde, meu Jesus, vinde,
Que eu por Vós estou a esperar.
Bendito e louvado seja
O Santíssimo Sacramento do Altar.
Sacramento de Divindade,
Olhos de manso Cordeiro,
Que estais no Vosso
altar,
Como no Céu verdadeiro.
Eu queria, meu Jesus,
Ir para o Vosso Reino.
*
f) À comunhão dos fiéis:
Já está o Sacrário aberto,
Já se vê quem lá está dentro.
Bendito e louvado seja
O Santíssimo Sacramento.
*
A essa mesa de Divindade
Venho ajoelhar,
Para receber tal manjar,
Manjar tão delicado,
Que se tira do Sacrário
Dá-se a todo o pecador.
Quem no receber em graça
Dele tirará o favor;
Acompanhado será de anjos,
Quando deste mundo for.
Ainda os meus pecados
Não nos disse ao confessor.
A quem nos direi agora?
A Vós, Senhor,
Que sabeis quantos eles são,
Para me dar a Comunhão
E também na absolvição,
Para que a minha alma não peque,
Nem caia em má tenção (8).
*
Uma variante:
A esta mesa divina e divindade
Me venho, Senhor, ajoelhar,
Para tomar tal manjar,
Por ser um manjar tão excelente,
Que vem das mãos de Nosso Senhor.
|
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143 /
| |
Os meus pecados esquecidos
Não nos disse ao confessor,
Mas digo-os a Vós, Senhor,
Que sabeis quantos eles são,
Que mos haveis de perdoar
À mesa da Comunhão.
Alegra-te, ó minha alma,
Alegra-te, ó meu espírito,
'Que estais para receber
O Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Vinde, meu Jesus, vinde,
O Corpo glorioso de Cristo Nosso Senhor,
Quem nO receber em graça
De Deus terá o louvor.
Vinde, meu Jesus, vinde,
Fazei da minha boca sacrário,
Fazei da minha garganta escadas,
Fazei do meu coração assento.
Bendito e louvado seja
O Santíssimo Sacramento.
Sacramento de Divindade,
Olhos de manso Cordeiro, etc.
*
g) Depois da Comunhão.
Eu estou todo convosco
E Vós estais todo comigo
E os Anjinhos estão de roda de mim
A adorar o seu Senhor.
*
h) No fim da Missa:
Fechou-se o santo Missal,
Fechou-se a flor do campo,
Fechou-se a minha alma
Com o divino Espírito
Santo.
*
i) Ao sair da igreja:
Adeus, meu Senhor e minha Senhora,
Que eu vou-me embora.
Isto não é para sempre,
Mas é só para agora.
Se eu cá fizer míngua,
Mandai-me chamar
Pelo Anjo da Guarda
Que me vá buscar.
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144 /
3) Quando troveja:
| |
S. Jerónimo, Santa Bárbara
Virgem!
Santa Bárbara se levantou,
Seu sapatinho calçou,
Seu bordão na mão tomou,
A Senhora encontrou
E ela lhe perguntou:
− Onde vais, Bárbara, onde vais?
− Senhora, vou aos altos céus
Abrandar tanta trovoada.
Como ela lá anda armada!?...
− Ora vai, Bárbara, ora vai,
Impõe-na para monte marinho(9)
Onde não haja boi, nem vaca,
Nem balinho de menino(10).
*
|
4) Bênção da massa do
pão:
| |
O Senhor te levede,
O Senhor te acrescente,
Assim como Nosso Senhor
Acrescentou no mundo a gente.
*
Uma variante:
S. Berto te levede,
S. Bento
(11)
te acrescente,
S. João te faça pão,
O Senhor te cubra de bênção.
*
|
5) Após as refeições:
| |
Graças
Vos dou, meu Deus,
Que me deste de comer,
Sem no eu merecer,
Dai-me o Céu quando eu morrer
(12) |
/ 145 /
[Vol.
XVII - N.º 66 - 1951]
6) Depois do terço:
| |
Este terço que rezámos
À Virgem Nossa Senhora ofereçamos
E ao Padre Santo António
Que nos livre do demónio
E da sua má companhia.
As contas do meu Rosário
São peças de artilharia,
Que combate nos infernos,
Dizendo a Ave-Maria.
Maria seja conosco,
Na morte e mais na vida,
Para que sempre louvemos
Nossa Mãe na companhia.
Se ela não viera ao mundo.
Ai do mundo que seria!...
Senhor, dai-nos auxílio,
Para que digamos todos:
Senhor Deus, misericórdia!
Misericórdia Vos pede
Este grande pecador,
Pelas Vossas Cinco Chagas
E Vosso divino amor.
Também vós sereis louvada,
Mãe de Deus, Virgem pura,
Que dos Anjos sois louvada
E de toda a criatura.
Também vós sereis louvada,
Ó Virgem da Conceição.
Que também vós fostes desterrada
De Belém e de Nazaré.
Pelas montanhas do Egipto,
Com Jesus e S. José.
Desterrai do nosso peito
Tudo o que da culpa é;
Levai-nos à eterna da vossa glória.
Jesus, Maria, José.
Nós, ó Virgem,
Vos oferecemos esta oração,
Seja para vossa honra e glória
E para nossa salvação,
Seja pelas benditas almas
Que no Purgatório estão. Ámen
(13)
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/ 146 /
7) Após a Salvé-Rainha:
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Assim como estamos
A bênção de Deus beijamos.
E Jesus, nome de Jesus,
Façamos o sinal da Cruz,
Para afugentar o demónio.
Santo Nome de Jesus
Que nos guarde e nos assista
Na vida e na morte e sempre.
*
|
8) Orações da noite:
| |
Nesta cama me venho deitar,
Para dormir e descansar.
Se o Senhor me vier buscar,
Hei-de-me apegar aos Cravos,
Hei-de-me abraçar à Cruz,
Para que me lembre
Do Santíssimo Nome de Jesus.
Santíssimo Nome de Jesus seja comigo,
Na minha companhia.
Em seu louvor, um Padre-nosso e uma Ave-Maria.
*
Valham-me as Onze Mil
Virgens(14),
Agora que vou para a cama,
Também os onze apóstolos
Me acompanhem a minha alma
A beleza das Onze Mil Virgens
Era a Senhora Santa Ana,
S. Pedro era o chaveiro,
S. Miguel pesava as almas.
Isto são cinco palavras,
É grande serviço de alma.
Ó meu Deus, quem as disser
Tanto se lhe arranca a alma,
Ama a Deus com todo o tempo.
Prometei, Senhor, que eu não morra,
Sem receber o Santíssimo Sacramento.
Sacramento de Divindade,
Olhos de manso Cordeiro, etc.
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/ 147 /
| |
Com Deus
me deito,
Com Deus me alevanto,
Com a graça do Senhor
E do divino Espírito Santo.
Nosso Senhor me cubra
Com o seu divino manto.
Se eu bem coberta for,
Não terei medo, nem temor,
Nem de coisa que má for,
Senão de Vós, meu Senhor.
Se eu adormecer, acordai-me
Se eu morrer, alumiai-me,
Vestida de branco
E da Santíssima Trindade,
Para que o meu corpo se não perca,
Nem a minha alma perdida.
Em seu louvor, um Padre-Nosso e uma Ave-Maria. |
Uma variante:
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Com Deus me deito,
Com Deus me levanto,
Com a graça de Deus
E do Divino Espírito Santo.
Cubra-me, Senhora,
Com o seu manto.
Se eu bem coberta for,
Não haverá medo, nem temor,
Nem de coisa que má for.
Tangem os sinos a hora,
Os Anjos adora
(15),
Ditosa da alma que se deita à hora.
Indo eu para me deitar
Sete Anjos achei na cama,
Três aos pés e quatro a cabeceira
E o Senhor na dianteira.
Ele me disse: dorme e repousa,
Que eu te livrarei de má cousa.
Ó Anjo da minha guarda,
Semelhança do Senhor,
Acompanhai-me a minha alma,
Quando eu deste mundo for.
Ó Anjo da minha guarda,
Amorável companhia,
Não me desacompanheis a minha alma,
Nem de noite, nem de dia.
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/ 148 /
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Ave, Menino,
Cordeiro na Cruz,
Custódia divina,
Salvai-me, Jesus.
Jesus é meu,
Eu vou com Jesus,
Jesus vai comigo,
Que é o Senhor da Cruz.
Ó meu rico Senhor
Crucificado,
Deite-se aqui ao meu lado,
Livre-me a minha alma de penas
E o corpo de pecados.
Ó meu rico Senhor do
Conforto,
Fostes preso e fostes morto,
Perdoai-me a vossa morte,
Por ser tão cruel e tão forte.
Perdoai-me os meus pecados,
Que são tão compridos e tão largos
Que eu nem nos vejo confessados,
Nem aos vossos pés beijados,
Mas esta terra beijarei,
Para que o Senhor me livre do Inferno. Amen
(16)
*
Graças a Deus que já me
deitei,
Sete Anjinhos encontrei,
Três aos pés, quatro à cabeceira
E Jesus Cristo na dianteira.
Botei os olhos ao Céu,
O pensamento à glora
(17),
Jesus Cristo adora.
Ditosa da alma
Que se deita nesta hora.
Ó meu Anjo da Guarda
A quem me Deus entregou,
Não Lhe entregueis a minha alma,
Que não sei para onde vou.
Ó meu Anjo da Guarda,
Semelhança do Senhor,
Para mim foste criado,
Para meu pai guardador.
Peço-vos, Anjos benditos,
Com a graça e poder,
Das penas do inferno
Me ajudeis a defender
(18).
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/ 149 /
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*
Àlerta, àlerta, cristão,
Que mandam dizer as almas
Que no outro mundo estão,
Que lhe havemos de bater
Às portas do coração.
Ó que chamas acendiças,
Cada vez se acendem mais!...
Gritam os pais pelos filhos
E os filhos pelos pais
E as mães pela mesma sorte.
Ai, Jesus, que dor tão
forte,
Tão seguida de meus ais,
Que repete para nós,
Que repete para vós,
Toda a noite e todo o dia.
Sempre estais em agonia;
Só em ver que não rezais,
Sequer uma Ave-Maria.
Uma Ave-Maria que rezeis
Grande esmola nos fazeis.
Gritam pelos seus herdeiros,
Pelos seus testamenteiros;
E vós que nos descarregais
Dos bens que lá deixais,
Mandai rezar uma Missa.
No cabo do ano.
Dai-lhe essa consolação,
Dai-lhe as novinhas e ricas
E as almas benditas,
Que à porta das almas santas
Bate Deus a toda a hora.
As almas santas disseram-Lhe:
− Meu Deus, que quereis agora?
− Quero que venhais comigo
Para a eterna glora
(19),
Vinde, pequenos e grandes,
Todos neste auditório,
É bem que nos lembremos
Nós havemos de morrer,
Sabe Deus para onde iremos.
Atormentada com dores,
Também a Virgem Maria,
A Virgem Nossa Senhora,
Vai na nossa companhia.
Pelas almas do Purgatório, Padre-Nosso e Ave-Maria.
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/ 150 /
| |
*
Pecador adormecido,
Que vives muito esquecido.
Confessa-te, ó pecador,
Que tens a alma perdida.
Tu perdeste a tua alma,
Tu foste o causador,
Fugiste para o pecado,
Deixaste Nosso Senhor.
Deixaste quem te criou,
Quem te podia dar a Glória
Mas trazes sempre, ó pecador,
Este caso na memória.
Deita-te
(20)
na cama branda,
Dá
(21)
descanso ao teu corpo,
Já não fazes penitência,
Só se for depois de morto.
Levanta-te, ó pecador,
Anda fazer penitência,
Olha que no Céu não entra
Quem não faz a diligência.
Levanta-te, ó pecador,
Não te deites em pecado,
Que podes amanhecer,
No inferno condenado.
A oração já foi dita,
Ela já se acabou.
Quem na sabe não na diz,
Quem na ouve não na aprende,
Lá no dia do Juízo
Verá como se arrepende
(22).
*
Lá numa noite de inverno,
Numa triste noite escura,
Morreu uma criatura,
Sem receber os Sacramentos.
Com culpa dos seus pecados
E com grande arrependimento,
Chegou às portas do Céu
Para entrar para dentro.
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/ 151 /
| |
O Senhor lhe respondeu:
− Lá vos deixeis de suprinas
(23),
Amor tinhas ao teu corpo.
Lá vos deixeis
(24)
os Calvários,
Por eles passavas correndo.
Quando ias para a Missa,
Sempre ias com desatino;
Entre o Cálix e a Hóstia.
Sempre te achavas dormindo.
Onde irás agora ter?
Às profundas do inferno.
Vem S. Miguel o Anjo
Para lhe pesar os pecados,
E eles eram tantos,
Que a balança ia ao chão.
Nossa Senhora, então,
Na sua touquinha pegou
E na balança a lançou.
Pelo poder de Maria
Ficam os pesos salientes.
Devotos das almas santas,
Rezai os vossos Rosários,
Não nos tragais pelo chão,
Que a Virgem é piedosa
De vós terá compaixão. Ámen
(25).
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/ 152 /
| |
*
Salvador do mundo
Que a todos salvais,
Salvai a minha alma,
Bendito sejais.
Bendito sejais
No mey coração,
Não me deis a morte
Sem na confissão.
Sem na confissão
Não hei-de morrer,
Que a Virgem Santíssima
Nos há-de valer.
Ó excelente aurora,
O sol e o dia,
Estrela que guia
Pela eterna via.
Ditosos os pobres
Que nos aqui têm,
Bastante convosco
Não queira mais bem.
Quem no aqui busca
Pidade alcança;
Vosso quero ser,
Ó Mãe da Esperança
(26).
*
Senhor, que o céu e a terra fizestes,
Corpo e alma nos destes,
Vosso Sangue verdadeiro
E Corpo prometestes.
Foram os traidores
Que arrastaram Jesus;
Arrastaram-nO
E levaram-nO
A casa de Pilatos,
Pilatos não estava aí.
|
/ 153 /
| |
Levardm-nO a casa de
Barónecas
(27),
Barónecas não estava aí.
Vinde, agora, santos varões,
Que sentença Lhe mandais dar?
Cento e cincoenta espinhos
Lhe mandaram dar
Sua Sagrada Cabeça
Mandaram pregar
(28).
Uma lancetada
No Seu Santo braço direito
(29)
Lhe mandaram dar:
O Sangue que dele correr
Se fará em pão e vinho
Para manter Cristandade.
Ó que lindo subscrito!...
A Senhora deixou dito:
As portas do Céu
São brancas e floridas
E as do inferno
Negras, denegridas.
Vem cá, Pedro, vem cá, meu
filho,
Lembra-te daquela alma
Que foi para mau juízo.
− Deixai, minha Mãe,
Ela bem no tem merecido,
Nunca o mundo fora nado,
Nado e aparecido
(30).
Lá vão três meninas,
Três meninas abonadas.
O sol é para de dia,
A lua é para de noite.
As estrelinhas quando luzem,
Luzem de água carregadas,
Para regar as suas vessadas.
Ao sábado pentear o seu
cabelo,
Arrumar a sua casa
(31),
E ao domingo ouvir Missa inteira
Na casa de Deus. Ámen
(32).
|
/ 154 /
Uma variante:
| |
Senhor, que o céu e a terra
fizestes,
Corpo e alma nos destes,
Vosso sangue verdadeiro
Que no Corpo lho metestes
(33).
Com a vara de Pilatos
Grande castigo merecestes.
Hei-de ver o cruxifixo
Pregado na bela
(34)
Cruz.
Ó meu Deus, ó meu Jesus,
Bem deveras de cuidar
Os que estão por confessar
Não fizeram mal nenhum
Esses foram os traidores
Que arrastaram a Jesus.
Arrastaram e levaram,
Levaram a casa de Pilatos,
Pilatos não estava aí.
Vinde agora, Verónica,
Que sentença mandais dar?
Cento e cincoenta espinhos
Na Sua Santa Cabeça.
Lhe mandaram pregar.
Uma lança no Seu braço
direito
(35)
Lhe mandei dar:
O Sangue que dele botar
Se fará em pão e vinho
Para manter a Cristandade.
Ó que lindo subscrito!
A Senhora deixou dito:
As portas do Céu,
Brancas e floridas,
As do inferno,
Negras e denegridas.
Vem cá, Pedro, ó meu filho,
Lembra-te daquela alma
Que vai para mau juízo.
− Deixá-la ir, minha amada,
Que ela bem no tem merecido.
Nunca o mundo fosse nada
Nada, nem aparecido.
|
/ 155 /
| |
Lá lhe mandam três boninas
(36),
Três boninas degoladas.
O sol é para de dia
E a lua para de noite.
As estrelas, quando rojam,
Rojam de água carregadas,
Para regar suas vessadas.
Ao sábado pentear o cabelo.
Arrumar a sua casa,
No domingo ouvir Missa inteira,
Na casa de Deus nosso Senhor Jesus Cristo,
Assim como ê costumado.
Quem esta oração disser
E consigo a trouxer.
Quarenta dias de quarentena
Tirará quatro almas de pena:
A primeira será sua
E a segunda de seu pai
E a terceira de sua mãe
E a quarta de quem mais bem
Lhe quiser. Ámen
(37).
*
|
As quadras seguintes eram
cantadas por um mendigo antes de receber a esmola. Pelo seu conteúdo
religioso, passaram a fazer parte das orações da noite.
| |
Repenica no Calvário,
Madalena, que seria?
− Crucificaram a Cristo,
Filho da Virgem Maria.
Chorai, olhos, chorai,
olhos,
Que o chorar não é desprezo,
Que a Virgem também chorou,
Quando viu seu Filho preso.
Já lá vai o Senhor preso,
Ó que tão cruel prisão!
Vai preso e amarrado,
Vai preso sem ser ladrão.
Vai preso sem ser ladrão
Aquele manso Cordeiro;
Deixou as ruas regadas
Com Seu Sangue verdadeiro.
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/ 156 /
| |
Quando derdes a esmola ao
pobre,
Reparai como lha dais;
Lá tendes no outro mundo
Vossas mães e vossos pais,
Chorando em altos gritos,
Toda a noite e todo o dia,
Por ver que lhe não rezais,
Sequer uma Ave-Maria.
Ave-Maria, Senhora,
Cofre do ventre sagrado,
Representa ao bom Jesus,
Para sempre sejais louvado
(38).
|
9) No dia da Invenção da
Santa Cruz (3 de Maio):
No dia da Bela
(39)
Cruz,
Diz-se mil vezes: Jesus, Jesus.
Neste dia rezam-se vinte
terços da forma seguinte: em lugar da Ave-Maria, diz-se a jaculatória
«Jesus», e em vez de Glória-Patri, «Maria, José». E assim, se diz
mil vezes Jesus.
*
10) No dia da
Imaculada Conceição (8 de Dezembro):
Rezam-se neste dia três
terços, assim: em vez da Ave-Maria, diz-se: «Senhora da
Conceição, vaiei-me»; e em lugar da Glória-Patri, o seguinte:
A Senhora da Conceição
deixou dito
Quem se lembrasse dela
Cento e cincoenta vezes no seu dia,
As portas do Céu lhe abriria
E as do inferno fecharia.
*
Aqui deixo algumas
«orações,. do bom e laborioso povo .de Esmoriz. Nem todas terão o mesmo
valor e nem todas chegarão a ser orações, mas o povo simples não olha a
tanto
.e tudo isto pronuncia em fervorosa prece.
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Há também palavras que na
tradição oral se foram estropiando e cuja significação nem sempre se
torna perceptível. Por vezes, pedia explicações às minhas pacientes e
bondosas informadoras, mas nada adiantava, pois sempre me respondiam
idem per idem.
Há ainda amontoados de
palavras que nada dizem. Quando outras terras trouxerem o seu contributo
para este capítulo da etnografia, talvez se possa, então, achar uma
forma mais clara e luminosa e talvez possam os etnólogos dizer-nos.
alguma coisa sobre as fontes das orações populares rimadas.
Dezembro de 1950.
P.e AIRES
AMORIM |
