J. Branquinho de Carvalho, A antiguidade da Mealhada, Vol. XVI, pp. 213-226.

A ANTIGUIDADE

DA MEALHADA

NAS ENCICLOPÉDIAS E NOS

DOCUMENTOS

QUEM se dispuser a averiguar o que acerca da história da sede do concelho mais sulista do distrito de Aveiro se tem escrito, depressa concluirá que a vila da Mealhada é povoação antiquíssima, existindo já na época romana. Assim o inculca a resumida bibliografia mealhadense, como vamos ver.

Principiando por compulsar o Portugal Antigo e Moderno(1), diz PINHO LEAL: «é povoação muito antiga, e parece que já existia no tempo dos romanos. Por aqui passava a via militar deles, que de Lisboa se dirigia a Cale. Ainda em 1856, quando neste sítio se andava a construir o caminho de ferro do Norte, se achou enterrado um marco miliar, dedicado a Calígula, com o n.º 12. Os mouros reedificando a via militar romana e alterando-lhe em partes, a antiga directriz, aqui levaram-na pelo seu antigo leito.»

MARQUES GOMES(2) afirma que «o concelho da Mealhada é antiquíssimo. Já existia em 1364 formado então dos antigos coutos de Aguim, Casal Comba e Vacariça.»

Depois destes dois autores, um a considerar a existência romana da povoação e o outro a assegurar uma instituição municipal que só havia de surgir quase cinco séculos depois, o Domingo Ilustrado (Arquivo de História Pátria) (3), que inseriu a descrição histórica de todos os concelhos do país, / 214 / ocupa-se da Mealhada, dizendo: «É das mais antigas povoações portuguesas, porquanto já estava habitada no tempo dos romanos, que por este sítio levavam a via militar de Lisboa a Calle.»

E acrescenta: «Ao certo não se conhece quem fundou a povoação; supõe-se, porém, que outros povos a habitaram antes dos conquistadores cesarinos, mas como não há monumentos a constatá-lo, só podemos afirmar o que nos garante a história e a arqueologia com respeito a isto.»

Deste modo alicerçado na história e na arqueologia, o autor continua: «Se alguma dúvida restava, foi ela plenamente destruída pela aparição de um simples testemunho inanimado...»

Este testemunho é o cipo encontrado em 1856. E para que não restasse uma ponta de cepticismo, repete a opinião de PINHO LEAL quase com as mesmas palavras: «Quando os mouros dominaram na Lusitânia alteraram-lhe, em algumas partes, o trajecto das estradas militares. Aqui não o fizeram, conservando assim a povoação uma relativa importância.»

Mais adiante, porém, o autor deixa transparecer certa desconfiança em si próprio quando exclama: «É extraordinário que sendo a Mealhada terra de tanto valor não tivesse foral senão em 1514.»

Todavia esta estranheza não preocupou nenhum dos colaboradores da Enciclopédia Portuguesa Ilustrada dirigida por MAXIMIANO DE LEMOS (artigo de Jaime de Faria), do Portugal-Dicionário e do Dicionário Popular que mais ou menos extensamente não hesitaram em reproduzir também quase textualmente o que PINHO LEAL escrevera. ADELINO DE MELO(4), nos seus trabalhos sobre o concelho da Mealhada publicados no seu jornal e depois reunidos em volumes, como nunca compulsou documentos, não pôde ir além do que os anteriores autores escreveram.

Já a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, publicação em curso, não aborda o caso da antiguidade da povoação, preferindo dizer: «Já no tempo da ocupação romana a região era habitada, passando nela a via militar de Emínio a Calle.»

Este é o resumo do que sobre a antiguidade da Mealhada pudemos encontrar em letra de forma(5). E PINHO LEAL, acatado / 216 / sem discrepância, é o principal artífice da sua existência romana. Conquanto LEITE DE VASCONCELOS(6) previna de que o autor do Portugal Antigo e Moderno «reproduziu inconscientemente, sem crítica, os seus antecessores, além do que  escreveu de sua lavra», fez carreira a sua referência à Mealhada. Julgamos, por isso, que valerá a pena proceder a um estudo objectivo do problema para se aquilatar do que se poderá aceitar com base histórica e sem fantasias, recorrendo apenas à prova documental e ao único monumento que serviu de argumento para a pretensa génese romana da povoação.

*

E porque é à volta do aparecimento do cipo miliar(7) que gravita toda a questão, dele nos ocupamos em primeiro lugar.

Ora, sabendo-se que a via romana Lisboa-Cale passava próximo do local onde está edificada a Mealhada, sobre o que não há dúvidas, como veremos, importa averiguar se o marco miliar pode só por si fornecer indicação da existência da povoação. Afirmá-lo, como fizeram os autores citados, é conjectura que consideramos forçada, porque não foram encontrados vestígios da estrada nem de qualquer povoação na ocasião da abertura do caminho de ferro, que deu lugar ao aparecimento de tal marco, nem posteriormente. O seu achamento no sítio assinalado demonstra, até, ter sido deslocado da estrada onde exercia a sua função orientadora dos viajantes.

Com efeito, examinando os numerosos documentos medievais que dizem respeito à região, neles se registam referências à «via antiqua» e «strata mourisca» que, bem observadas e confrontadas, mostram que esta via de comunicação passava a Poente da Mealhada, na margem esquerda do rio Cértoma. Esta estrada não era outra senão a via romana a que o documento I, de que mais adiante nos ocuparemos, também se refere chamando-lhe «estrada velha coimbram».

Ora esta última menção é preciosa para ficarmos sabendo que ao lado da estrada velha coimbrã estava já a nova estrada de e para Coimbra, que se afastou da antiga mais para Oriente, isto é, a cerca de um quilómetro da margem direita do Cértoma, / 216 / como se depreende das confrontações do mesmo documento.

Assim, contrariamente ao que se afirma nas transcrições com que abrimos este esboço de interpretação documental, também a estrada romana foi aqui abandonada para outra nova ser construída, justamente à beira da qual nasceu o novo povoado.

Quanto à inscrição do cipo, muito apagada pelas ruínas do tempo, nada adianta no ponto de vista da existência coeva da povoação. O arqueólogo VILHENA BARBOSA, solicitado por AUGUSTO MENDES SIMÕES DE CASTRO(8) para a decifrar, respondeu-lhe: «O mais que posso ajuizar à vista da inscrição (naturalmente por estarem gastas as letras que lhe faltam) e da notícia que me refere, é que pertence a uma coluna miliária da estrada que ia de Lisboa a Braga»... «falta o nome da terra donde se marcava a distância que a mesma inscrição declara XII...».

Assim, de concreto, há apenas o marco ter estado a XII milhas de uma localidade cujo nome se desvaneceu; e embora se presuma seja Aeminium, isto não significa que tivesse de estar implantado precisamente numa povoação mas simplesmente à beira da estrada, tal como hoje sucede.

Não pode, portanto, inferir-se, nem do aparecimento desta peça arqueológica nem da sua inscrição, a pretendida antiguidade romana da Mealhada. E posta de parte tal hipótese, vamos agora tentar procurar situar a sua existência em época que os monumentos escritos nos dêem notícia de si.

*

Fazendo um bosquejo cronológico onde se encontrem as primeiras referências a povoações da região circunvizinha, ver-se-á nos Portugaliae Monumenta Historica:

Ano de 907 (Doc. XV): «... meas eeclesias qui sunt fundatas sancto martino de seliobria et sancta cristina... que diuidet inter sancto martino et cipidis... almafalla... forkada...».

Aqui se encontra Sepins entre outras povoações já desaparecidas.

Ano de 950 (Doc. LXII): ...«mea uilla quam uocitant ciluana integra... Et hec sunt terminationes de illa uilla pernominata de una parte quomodo expartet cum uilla mortede. Et de alia parte cum uilla petrulia.» / 217 /

Àquela povoação se juntam Silvã, Murtede e Pedrulha.

Ano de 1006 (Doc. CLXXXXVI): ...facimus series testamenti ad monasterio de uaccariza...  uillanoua suburbio colimbrie iuxta monte buzzako...

Aqui, além da referência ao mosteiro da Vacariça e à serra do Buçaco, aparece Vila Nova de Monsarros.

Mas é no inventário das vilas pertencentes a este mosteiro da Vacariça que se encontram muito mais povoações:

Ano de 1064 (Doc. CCCCXLIV): «Notum facimus de uillas que sunt de monasterio uacariza inter uauga et mondeco terriforio colimbrie... Muzarros. Correixe. Sangalios. Barriolo. Moronganos. Tamengos. Orta. Arinios. Uentosa. Cepiis. Eilantes. AIphauara. Mortede. Freixenede. Uimeneira. Lauredo. Santa Christina. Canelas Luso. Uarzenas. Trasoi. Sancta Christina de Mortalago. Sourio. Ecclesia Sancti salvatori de colimbria

Ao lado de povoações ou simples casais hoje desaparecidos, acrescenta-se à lista das terras que ainda subsistem e são mais próximas: Barrô, Tamengos, Horta, Arinhos, Ventosa, Antes, Vimieira, Louredo, Luso, Várzeas e Trezoi.

Ano de 1082 (Doc. DCV): «...muzarros integra... et per illa nadia...»

Também Anadia.

Ano de 1094 (Doc. DCCCV): «... uillam plebiatis ... Ad horientem petrulia et casale columbae Ad occidentem uilla mirteti Ad meridiem ciluana Ad septentrionalem alfauara... »

Mais Casal Comba, sem que até aqui apareça a Mealhada.

E passando aos Documentos Medievais Portugueses(9), entre os anos de 1101 a 1103 encontramos referências, entre outras, a estas localidades: Tamengos, Aguim, Ventosa, Vacariça, Vimieira, Sepins, Pedrulha e Santa Cristina.

Também nestes documentos medievais não figura ainda o nome da Mealhada e estamos já dentro do Condado Portucalense...

Prosseguindo, vejamos a carta de couto ao bispo D. Bernardo e à Sé de Coimbra, instituído por D. Afonso Henriques em Julho de 1140, que o delimita assim:

«... In primis sicut desterminatur per montem aureum cum anadia deinde per illam barrosam sicut diuidit cum quintanela, quomodo uadit per illud cacumen serre et spartit cum mozarros et carrazedi. Deinde uenit ad carnadelo diuidendo cum uaccaricia postea determinando per illam stratum cum morogonus et uadit per aliam stratum antiquam usque ad portum candenaira. Post hec vero quomodo uenit diuidendo cum uentosa deinde cum arinios per illam uultureiram quomodo / 218 / uadit per illam stratum ad poldrin usque ad mamolas asinarum et diuidit cum bolio et uillarino, deinde uadit ad fornum tegularum et determinat cum oes per ataigia ueniendo per illud iter usque ad archam antiquam et ferit in certoma (10).

Entre tantas localidades, além das já atrás referenciadas, surge neste documento Sernadelo, a dois passos da Mealhada, sem que desta tenha aparecido o menor vestígio escrito. Caminhando ainda, continuando a desfolhar velhos papéis, finalmente pode ler-se o nome da Mealhada.

Mas foi preciso chegar ao ano de 1288 para encontrar a sua «certidão de baptismo».

Trata-se do remate de uma contenda judicial que termina por uma composição e partilha(11) de uns casais de Ventosa, entre o Cabido de Coimbra e os senhores de Coja, cujos limites iam até à Mealhada, ali designada por Mealhada má e Mealhadamá.

*

Deste modo alargada esta investigação até adiantada época medieval para encontrarmos a primeira revelação escrita da povoação que procurámos identificar, e satisfeita a nossa curiosidade, poderíamos concluir aqui este pequeno trabalho esclarecedor dos parcos pergaminhos da antiguidade da Mealhada. Mas o bosquejo das fontes históricas deu-nos a indicação muito clara da existência de um povoado no local perfeitamente identificado como aquele onde depois nos aparece a Mealhada.

Quando no período da reconquista cristã Afonso III das Astúrias, descendo da Galiza, conquistou aos árabes Coimbra e arrasou a cidade, o território aquem Mondego começou a ser repovoado pelos cristãos. E em muitos anos de tranquilidade, a região prosperou por tal sorte que nos fins do séc. X, quando Almançor voltou a dominar em todo o território até ao Douro, subtraindo-o do poder dos reinos cristãos, estava coberta de igrejas, vilares e casais.

Pois é nesse período que os documentos assinalam a existência desse povoado, chamado Vila Verde.

Duas doações feitas ao mosteiro de Lorvão, uma no ano de 972 e outra em 974, publicadas nos Portugaliae Monumenta Historica, dão-nos essa certeza. No primeiro documento lê-se:

Ano de 972 (Doc. CIV): «... nostra ecclesia in uilla frexeneda... / 219 / et diuide ipsa ecclesia et ipsos uillares cum uilla uerde per regum que discurrit usque in certoma et per fonte unde gignit ipso regum et pergit per montes inter illa uia antiqua et illo uallo usque in ribulo et fonte et concludet ipsas terras de super ribulo...»

Verifica-se que esta Vila Verde estava situada junto do riacho que corre para o Cértoma, o qual não pode ser outro senão o ribeiro que vem de Luso.

O segundo documento, que é a doação ao mosteiro de Lorvão da própria Vila Verde, diz:

Ano de 974 (Doc. CXIII): «ln dei nomine. Ego uincenti presbiter cognomento homeir in domino deo salutem eternam amen. Placuit mihi ut facerem ad uobis domno et pater primus abba simul cum collegio cenobio uestrorum pro remedio anime mee contestarem uobis sicuti et contesto uilla mea propria quos eiecit de stirpe mea et est nomen eius uillauerde comparada de abios et parentibus uel eredibus meis nomine bacturio inter uimeneirola et barriolo ripa ribulo uakariza suptus mons buzaco territorio colimbrie. Concedo uobis ipsa uilla per suas signales in circuitu secundum iuri meo manet cum omnibus prestationibus suis domus cortes cum edificiis suis uineis pomiferis hortis et sesegas molinarum cum VIIIº molinos que iam ibidem feci. lta ut in uita mea mihi deseruiat et posto obitum meum ab integro concedo. Quo et coniurationem confirmo per deum patrem omnipotentem quia contra hunc meum factum numquam ero ad inrumpendum Siquis aliquis homo contra hunc meum uotum ad inrumpendum uenerit in primis sit excomunicatus et ad cetui christianorum segregatus et cum iuda traditore habeat particípio et ipsum quod auferre conaberit quadruplo componat et post- parte iudicum D solidos componat stantem et permanentem. IIIIº kalendas iunias. Era M XIIª. Ego uincenti presbiter in hunc testamentum quem fieri uolui manu mea r + + oboraui.

Zuleiman iben salomon teste. − luliani iben abbilion testo − Homeir iben abdella test. − Abzuleiman iben iquila test. − Santon iben senior test. − Abuldazir iben aldemir test. − lohanne iben Zacoy test. − Abundantius presbiter test».

Esta doação, compreendendo entre edifícios, vinhas e pomares, oito moinhos ao longo do «ribulo uakariza», reforça a opinião de que tais moinhos se situavam ao longo do ribeiro que continua a fazer mover os moinhos actuais, não devendo também ter estado muito afastado do sítio onde hoje é a Mealhada, este desaparecido povoado de Vila Verde.

A esta povoação se referiu já o historiador e investigador medievalista RUI DE AZEVEDO, em O Mosteiro de Lorvão, na reconquista cristã(12), em cuja obra publicou um esboço / 220 / topográfico da região entre o Vouga e o Mondego, pelo qual se pode verificar a posição de Vila Verde, de que o mesmo autor também diz: «pelas confrontações que lhe dão os documentos parece tratar-se da moderna Mealhada.»

Aludindo à referida carta topográfica, faz o autor a seguinte prevenção: «Convém observar que não há inteira correspondência entre as «vilas» do século X e as povoações actuais que delas receberam seus nomes, visto que nesse tempo a vila era uma unidade territorial de limites variáveis, com população agrupada em pequenos vilares, e em que muitas vezes se não tinha ainda formado o núcleo populacional de que germinou a moderna vila. Por esta carta, onde faltam algumas «vilas» que não consegui identificar, só o estudo in loco e a consulta das fontes para os séculos imediatos permitirá uma identificação mais perfeita...»(13).

E não há dúvida de que deparamos nos extractos dos documentos atrás transcritos com diversos povoados ou simples casais desaparecidos mas que ainda hoje se identificam pelos nomes dos sítios. Porém em relação a Vila Verde não temos notícia de haver actualmente junto da Mealhada qualquer local com o seu nome. Mas a causa da obliteração total, que até nos próprios documentos posteriores à doação se observa, não poderá filiar-se na transmissão da «vila» para o património de Lorvão?

Mudou o dono e com a mudança deixaria de germinar o primitivo núcleo populacional. Mas na tarefa do repovoamento da terra, depois da reconquista definitiva da região aos mouros, terá surgido, muitíssimo perto, novo núcleo, que viria a ser a Mealhada.

Esta conjectura, favorecida documentalmente pela data da existência de Vila Verde em 974 é pelo aparecimento da primeira menção escrita à Mealhada em 1288, como duas ainda distanciadas balizas a marcar o período do «nascimento documental» desta última povoação, torna-se mais aceitável e concordante se se prestar atenção à pública-forma de uma sentença de 1328, que no final se publica (doc. II) (14) e que diz respeita a uma demanda instaurada pelo concelho de Avelãs de Caminho contra os moradores da Mealhada e o concelho de Coimbra acerca da condução dos presos e dos / 221 / dinheiros de uns para os outros lugares. Recusando-se, a certa altura os moradores da Mealhada a aceitá-los, para os levar a Coimbra, trazidos pelos de Avelãs, alegaram estes e provaram que já era uso «por tanto tempo que a memória dos homens não é em contrário». Ora se quando foi dada a sentença − e sabe-se lá quanto tempo durou a demanda − já era imemorial o uso, então o ano de 1288, atrás assinalado como baliza mais recente, pode recuar-se, pelo menos mais uma centena de anos, o que equivale a poder situar-se a fundação da vila da Mealhada entre os séculos XI-XII e não noutro período muito mais longínquo que se lhe tem atribuído.

*

Calculada, ainda que imprecisamente, como é óbvio, a época da fundação da Mealhada, não deixará de ser oportuno fazer, seguidamente, uma breve apreciação às causas da sua origem ou, melhor, do seu desenvolvimento.

Sabendo-se que há leis que determinam as razões por que se fundam e progridem as povoações, consoante os períodos históricos, encontra-se aqui um caso perfeito de geografia humana relacionado com as vias de comunicação.

Na área situada ao longo do rio Cértoma, hoje pertencente aos concelhos de Anadia e da Mealhada, antes de surgir esta última povoação já uma multiplicidade de vilas e casais povoava a região, que teriam como espinha dorsal, a ligá-las, a via antiga. Construída a nova estrada e estabelecido aqui um nó de comunicações, numa confluência de caminhos, tal como hoje, do Norte para o Sul e do litoral para o interior, aparece o novo povoado a beneficiar da sua situação geográfica.

Levando-se em conta que os progressos da época não podem assemelhar-se aos dos nossos dias, logo se verifica o rápido desenvolvimento da povoação em relação a todas as outras limítrofes muito mais antigas. Confirma-o o próprio documento II revelando já uma certa importância do lugar e o facto de em 1514, quando lhe foi concedido o foral, ser, depois da Vacariça, a povoação mais importante do couto do mesmo nome, a que pertencia.

*

Para finalizar este estudo há ainda o ponto obscuro que diz respeito à toponímia da Mealhada. Como já referirmos, no documento que apelidamos de «certidão de baptismo» da povoação escreve-se «Mealhada má», «Mealhadamá» e simplesmente «Mealhada». Na carta de sentença que consta do doc. II apenas e várias vezes se lhe dá o nome de. «Mealhda». / 222 /

Socorrendo-nos ainda, para o efeito, dos manuscritos do arquivo da Biblioteca Municipal de Coimbra, poderemos organizar assim uma breve tabela cronológica da forma como se apresenta escrito este topónimo:

1288  − Mealhada má (Doc. I);

1328 − Mealhada (Doc. lI);

1514 − Mealhada (Foral da Vacariça e Mealhada);

1521 − Mealhada maa (Livro I da Correa, fl. 151)(15);

1533 − Mealhada má (Vereações da Câmara de Coimbra, Vol. VI)(15).

Do final do século XVI em diante, apenas se lê «Mealhada» nos acima referidos manuscritos. Interessante seria conhecer qual a sua origem toponímica. Deixamos, porém, que apareça um especialista a resolver este problema, o qual só por incidente abordámos.

*

Pretendendo apenas contribuir para o esclarecimento da atribuída antiguidade da Mealhada, julgamos que fica escrito o bastante para se fazer um juízo seguro, apoiado em documentos reveladores da provável e aceitável época da fundação da vila. Pelo menos até prova em contrário, firmada em bases históricas não menos aceitáveis...

J. BRANQUINHO DE CARVALHO

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DOCUMENTO I

COMPOZIÇAO SOBRE OS CAZAES DE VENTOSA

JUNTO DO RIO CERTOMA E DEMARCAÇAÕ

DOC. EM FORMATO PDF [7 MB]

 

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(1) Vol. V, Lisboa, 1875.

(2) O Distrito de Aveiro,1877, pág. 238. 

(3) − N.º 99, de Agosto de 1898.

(4) Prestamos aqui a nossa homenagem à memória de ADELINO DE MELO. Lutando contra a indiferença de uns e outros, foi um sincero apai-xonado pelas velharias locais e um esforçado amigo da sua terra, que lhe deve algumas iniciativas valiosas. 

(5) A documentar, fora das enciclopédias e dos documentos, a pre-sença do Homem na região que hoje é a Mealhada, e para muito além da ocupação romana, diversas sondagens têm sido efectuadas e estudadas por vários autores, entre os quais, e mais recentemente, o Doutor CARLOS TEIXEIRA na sua publicação A estação arqueológica da Mealhada e a sua cronologia, Porto, 1944.  

(6) Etnografia Portuguesa, vol. II, pág. 261.

(7) Está há alguns anos depositado no átrio dos Paços do Concelho.

(8) Guia Histórico do Viajante em Coimbra e Arredores, 1867. pág. 278. 

(9) Vol. III, Lisboa, 1940.  

(10) ABIAH ELlSABETH REUTER, Chancelarias Medievais Portuguesas, voI. I, 1938, pág. 133.

(11) Ver no final o Doc. I, extraído de Documentos Latinos, voI. II, fl. 64, do Arquivo da Universidade de Coimbra.

(12) Lisboa, 1933.

(13) O Mosteiro de Lorvão, cit., pág. 26.

(14) Este documento, pertencente ao arquivo da Biblioteca Municipal de Coimbra e sumariado por AIRES DE CAMPOS in Índice Cronológico dos Pergaminhos e Forais, 2.ª ed., 1875, pág. 4, tem dado lugar, por falta da sua publicação integral, a que alguns autores lhe atribuíssem a referência a um «concelho da Mealhada», quando simplesmente se refere aos moradores da Mealhada. Era considerado também o mais antigo documento a referir-se a esta povoação.

(15) − Mss. do Arquivo da Biblioteca Municipal de Coimbra, de cujo termo a Mealhada fazia parte.

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