F. Ferreira da Silva, Qual dos rios banha Cucujães, Vol. XIV, pp. 81-92

QUAL DOS RIOS BANHA CUCUJÃES,

O RIO ANTUÃ OU O RIO UL?

NA Freguesia de Escariz, Concelho de Arouca, nasce um rio que corre na direcção geral e aproximada NE-SW. O seu curso é de cerca de 17 quilómetros até à confluência de UI. Banha as freguesias de: Fajões, Carregosa, Pindelo, S. Roque, Oliveira de Azeméis e UI.

Na Freguesia de Fajões, Concelho de Oliveira de Azeméis, nasce outro rio que corre na direcção aproximada do primeiro, mas ligeiramente convergente, e junta-se-lhe na Freguesia de UI. O seu curso é de cerca de 18 quilómetros. Banha as freguesias de: Romariz, Milheirós de Poiares, S. João da Madeira, S. Roque, Cucujães, Santiago de Riba-UI, Madail e Ul. Recebe na margem esquerda as águas dos ribeiros de Pedra-Má ou Pintor e de Cavaleiros, e na margem direita as do Ribeiro da Arrifana ou da Lagoa. (V. esboço n.º 1).

Os cursos e caudais destes dois rios são sensivelmente iguais. Da junção deles forma-se o rio que banha Estarreja e Salreu, e vai desaguar na Ria de Aveiro, a cerca de 6 quilómetros daquela vila.

Qual destes dois rios é o principal?

Quais são os seus nomes?

Não é fácil responder concretamente às perguntas formuladas, se consultarmos os tratados de geografia e outros que a eles se referem. Todavia, se nos reportarmos a uma fonte histórica ou aos domínios da Lógica, teremos ocasião de verificar que as coisas se passam de maneira diferente daquela que os mesmos tratados citam.

Na consulta de cerca de uma dezena de autores, que se têm referido aos dois rios, no tocante aos seus cursos e nomes, só encontrámos confusões e discrepâncias. E um / 82 / deles faz uma afirmação que toca as raias do absurdo, como mais adiante faremos notar.

Estes rios não têm valor sob o ponto de vista de navegabilidade, mas cremos não haver outros em Portugal que tenham originado tanta confusão entre os nossos escritores e geógrafos.

Esboço n.º 1 − Escala 1/300.000

Em primeiro lugar, vamos citar as opiniões dos vários autores:

− A folha n.º 10 da Carta Geográfica de Portugal, do Instituto Geográfico e Cadastral, apresenta o traçado dos dois rios sem lhes dar qualquer denominação que os possa distinguir, não obstante ser uma carta com muito pormenor(1); / 83 /

− O mesmo sucede com o Mapa Geográfico, de FOREST;

− Na Geografia Primária, de VASCONCELOS E SÁ, edição de 1939, oficialmente aprovada, dá-se o nome de Rio Ul, ao curso de água que nasce em Escariz, passa por UI, e vai desaguar na Ria de Aveiro, mas não se regista o outro rio(2);

− Ao contrário, o Mapa Geográfico de OLIVEIRA CABRAL chama Rio Antuã ao que o autor antecedente denominou de UI, mas não apresenta o traçado do outro rio;

− A Carta de Portugal dos Trabalhos Geodésicos e Topográficos, do Instituto Geográfico e Cadastral, dá o nome de Rio Antuã ao que nasce em Fajões, com a função de rio principal, e como seu afluente o que corre a E. daquele, com o nome de UI;

− Por sua vez, o professor de geografia A. MATOSO diz no seu Compêndio de Geografia Geral, que o Rio UI é afluente do Rio Vouga, na margem direita, quando na verdade ele é afluente do Rio Antuã, que, por sua vez, desagua na Ria de Aveiro.

Oiçamos agora o que nos diz o Portugal Dicionário, de ESTEVES PEREIRA e GUILHERME RODRIGUES. a respeito destes rios:

Antuan ou Antoão − «Rio da Província do Douro. Nasce em Coimbra (sic) e, depois d'um. curso de 50 quilómetros, entra no rio de Ovaro V. Antoão».

Antoão − «Nome da antiga vila de Estarreja».

Estarreja − «Vila situada na margem direita do rio Antuan ou Antoão, que vai desaguar com o Vouga e o Águeda no rio de Ovar».

Cucujães − «Passa aqui o rio Antuan, sendo atravessado por quatro pontes de cantaria, duas mais antigas, outra feita em 1860 e outra em 1870 sob a estrada de Ovar a Oliveira de Azeméis. Estas 4 pontes estão muito perto umas das outras.»

Segundo os autores do Portugal Dicionário, o Rio Antuã nasce em Coimbra (distrito ou cidade?), vai passar a Cucujães e Estarreja, e desagua no Rio de Ovar (provavelmente Ria de Aveiro ). Esta afirmação é deveras espantosa! De facto, como pode o rio, nascendo em Coimbra, ir parar a Cucujães?

Só por intermédio dalgum milagre era possível fazê-lo atravessar montes, vales e rios desde Coimbra a Estarreja, com passagem por Cucujães. Além disso o seu curso não seria de 50 quilómetros, mesmo em linha recta, mas sim mais de 80. (V. esboço n.º 2).

E sobre o Rio UI, o mesmo Dicionário diz:

Rio Ul − «Pequeno rio do distrito de Aveiro. Nasce na freguesia de Carregosa, corre para sudoeste, passa a 1 K. de / 84 / Oliveira de Azeméis; por baixo da estrada de Arouca, um pouco mais abaixo sob outra ponte da estrada de Coimbra ao Porto e, finalmente, na freguesia de UI entra no rio Antuan, com 7 K. de curs0.»

Ul − «Povoação na margem direita do rio do mesmo nome.»

 

 
 

Esboço n.º 2 − Escala 1/882.000

 

Por este traslado se depreende que o Rio Antuã, para ir de Coimbra a Cucujães, teria de atravessar montes, vales e rios, e, entre estes, o seu próprio afluente.

Mas, a par deste paradoxo, há outra afirmação do mesmo Dicionário que nos mostra bem a grande confusão, que gira à roda destes rios.

Santiago de Riba Ul − «Povoação que fica próxima da ribeira de Ul. A povoação não fica próxima nem distante da ribeira: é pura e simplesmente atravessada por ela − ribeira. / 85 /

Ora, como é sabido, o rio que banha Cucujães é precisamente o mesmo que atravessa Santiago de Riba-Ul (razão deste nome), Madail e vai juntar-se em UI ao que corre ao nascente de Oliveira de Azeméis. Não se compreende, portanto, que umas vezes os autores do Portugal Dicionário lhe chamem rio Antuã e outras vezes ribeira de UI, sem citar o tremendo erro de o fazer passar de Coimbra para Cucujães, e sem a menor referência do seu curso, não obstante indicarem uma distância − 50 quilómetros.

Além disso, o rio que atravessa Cucujães e Santiago de Riba-UI é o mesmo que nasce em Fajões, banha Romariz, Milheirós de Poiares, S. João da Madeira, S. Roque e entra em Cucujães. Logo, não é de admitir que um destes rios corra no leito de outro ou no mesmo vale, por vezes muito estreito, sem misturar as suas águas.

Na descrição de Rio Ul, os mesmos autores dizem que é um pequeno rio com origem em Carregosa e passa a 1 km de Oliveira de Azeméis, por baixo da estrada de Arouca, e, por conseguinte, a E. da mesma vila. Mas, como já vimos na definição de Santiago de Riba-UI, eles dizem também que esta povoação fica próxima (melhor seria dizer: é banhada) da Ribeira de UI. E, como a dita. povoação fica a W. de Oliveira de Azeméis, somos forçados a concluir que se trata de dois rios com o mesmo nome. A menos que os autores do Portugal Dicionário queiram representar outro rio com a categoria de ribeira. Então ficariam sendo 3 rios: o Antuã, o Ul e a Ribeira de UI.

Nada disto! Os rios são dois e são também dois os seus nomes. Os autores é que estabeleceram uma grande confusão ao definirem o que, afinal, é bem simpIes: Um dos rios é o Antuã e o outro é o seu afluente Rio UI. Só resta destrinçar, com exactidão, qual o curso de cada um deles e as terras que banha. É precisamente isto que pretendemos fazer.

Há ainda outra afirmação dos mesmos autores, que merece ser anotada:

Dizem que o Rio Antuã vai desaguar com o Vouga e o Águeda no Rio de Ovar. Parece-nos que esta afirmação é contrária à verdade, porquanto o Rio Águeda é afluente do Vouga e, como tal, só nele pode lançar as suas águas (V. Esboço n.º 2).

É curioso notar que outros autores praticam o mesmo erro. Ainda recentemente vimos um trabalho, em preparação, no qual o autor perfilha esta opinião. Julgamos poder afirmar que estas faltas provêm da consulta de livros e mapas errados.

Vamos ouvir o que nos diz JAYME SÉGUIER no seu Dicionário Ilustrado:

Oliveira de Azeméis − «Vila e cabeça de Conc. (Aveiro) Portugal, na margem direita do rio Sul. / 86 /

Rio Sul − «Rio de Portugal, afluente do Vouga, 14 Km.» (V. esboço n.º 2).

Ul − «Rib. de Portugal (Aveiro) afl. do rio Antua».

Santiago de Riba-Ul − «Povoação do Conc. de Oliveira de Azeméis, na m. do rio Ul.»

Este Dicionário não regista o nome Antuã nem outros similares. E isto é de estranhar, porquanto se refere ao Rio Antuã, na descrição de Rio UI, sem contudo indicar o seu curso. Não se compreende bem a razão por que cita o nome do afluente de preferência ao do rio principal.

Até aqui os vários autores citaram dois rios e dois nomes, embora por vezes trocassem a ordem dos nomes. O Dicionário ilustrado, porém, entendeu que eram poucos e resolveu apresentar-nos outro rio − o Sul. É pena que o seu autor não tivesse indicado o curso deste rio para ficarmos sabendo se também o faz passar por cima doutro rio já citado, como nos casos dos rios Antuã e UI, que atravessam simultaneamente Cucujães e Santiago de Riba-Ul, no dizer do Portugal Dicionário. Ora, como é sabido, o rio que atravessa estas duas povoações é apenas um, seja qual for o nome que lhe queiram atribuir.

Há outro facto, citado no Dicionário ilustrado, que chama a nossa atenção:

O autor diz que Oliveira de Azeméis fica situada na margem direita do rio Sul, e na descrição deste rio, diz, laconicamente, que é afluente do Vouga, com 14 Km de curso, sem, contudo, indicar algumas terras que ele banha. Assim ficamos na dúvida sobre se o autor quererá referir-se ao rio que banha Oliveira de Azeméis, ou ao que banha S. Pedro do Sul e tem a sua confluência próximo desta vila. Cremos, no entanto, tratar-se desta última hipótese, pois o rio em cuja margem direita está situada Oliveira de Azeméis, não vai desaguar ao Rio Vouga. O Rio Antuã, quer ele tenha a sua origem em Escariz e seja considerado rio principal, quer em Fajões, tem a foz na Ria de Aveiro, e não no Rio Vouga, como pretendem alguns autores, nomeadamente o professor A. MATOSO. (Ver esboço n.º 1).

Oiçamos ainda o que nos diz a Enciclopédia Portuguesa Ilustrada:

Antuã − «Ribeiro do distrito de Aveiro, Portugal. Nasce próximo de Oliveira de Azeméis, passa perto de Estarreja e vai desaguar na ria de Aveiro com um percurso de 50 Km. Também lhe chamam Antoã e Antuã.»

Ul − «Ribeiro do distrito de Aveiro. Nasce na freguesia de Carregosa, corre para SO, passa a 1 Km. de Oliveira de Azeméis por baixo da estrada de Arouca, um pouco mais abaixo sob outra ponte da estrada de Coimbra ao Porto, e, finalmente, na freguesia de Ul entra no rio Antuã, com 7 Km. e curso.» / 87 /

Repare-se na semelhança desta descrição com a do Portugal Dicionário. É evidente que, estando uma delas errada, a outra virá eivada dos mesmos defeitos.

Como acabámos de observar, este autor não confirma a opinião do Portugal Dicionário quanto à origem do Rio Antuã, pois, enquanto este diz que nasce em Coimbra, aquele dá a sua origem próximo de Oliveira de Azeméis. Não se compreende, portanto, que ambos estejam de acordo quanto à extensão do seu curso e em desacordo quanto à origem.

Se ele nascesse perto de Oliveira de Azeméis, nunca o seu curso poderia ser de 50 Km. Quando muito, seria de cerca de 20 Km. (Ver esboço n.º 1).

Nenhum dos rios em causa nasce perto de Oliveira de Azeméis, nem nos lugares indicados pelos citados autores. É curioso notar que, entre tantos autores, não haja um só que indique com precisão a origem dos dois rios.

Para resumir este trabalho, vamos apresentar algumas causas de erro, que podem ser classificadas de:

a) Omissão de nomes:

A folha n.º 10 da Carta Geográfica de Portugal, do Instituto Geográfico e Cadastral; e o Mapa Geográfico, de FOREST, apresentam o traçado dos dois rios, mas não indicam qualquer nome que os possa distinguir.

b) Omissão de rios e troca de nomes:

A Geografia Primária de VASCONCELOS E SÁ regista o rio que corre a W. de Oliveira de Azeméis, passa por UI e vai desaguar na Ria de A veiro, ao qual dá o nome de Rio UI, mas omite o outro rio, que neste caso seria o Antuã, como tributário daquele;

O Mapa Geográfico de OLIVEIRA CABRAL traça o mesmo rio, mas denomina-o de Rio Antuã e omite o outro, que neste caso seria o UI, como seu tributário.

c) Troca de lugares:

A carta de Portugal dos Trabalhos Geodésicos e Topográficos chama Rio Antuã ao que atravessa Cucujães, e. portanto, corre a W. de Oliveira de Azeméis, recebe em UI as águas do que banha aquela vila por E., que neste caso será o Rio UI, e vai desaguar na Ria de Aveiro.

d) Erro de foz:

A Geografia de A. MATOSO diz que o Rio UI é afluente do Vouga, quando na verdade, ele é do Rio Antuã.

e) Erro de origem:

O Portugal Dicionário dá a origem do Rio Antuã em Coimbra, não obstante estar historicamente provado que a nascente deste rio é em Escariz, e logicamente comprovada a impossibilidade do seu curso, muito embora o citado dicionário o não indique; / 88 /

A Enciclopédia Portuguesa Ilustrada diz que a origem do Rio Antuã é nas proximidades de Oliveira de Azeméis, a despeito de não haver perto desta vila nascentes de rios.

O Dicionário Ilustrado não regista o Rio Antuã, mas cita-o quando se refere ao Ribeiro de UI, como seu afluente.

Em conclusão:

Nenhum dos autores citados regista a verdadeira origem do Rio Antuã e do seu afluente Rio UI, nem os seus cursos. As suas opiniões são tão diversas que, entre tantas, não há uma que condiga com a verdade.

Reportemo-nos agora a uma Fonte Histórica(3):

O Rio Antuã tem a sua origem em dois arroios que se juntam em Carregosa de Baixo. Ambos nascem na Freguesia de Escariz, Concelho de Arouca. Um deles tem a origem em Alagoas, banha Seixeira, Fajões e entra no lugar de Carregosa de Baixo; o outro nasce nas proximidades da Venda da Serra e junta-se ao primeiro naquele lugar. Corre depois por terras de Carregosa, Pindelo, S. Roque, Oliveira de Azeméis, UI, Estarreja, Salreu e tem a foz na Ria de Aveiro, a cerca de 6 Km de Estarreja. Recebe na margem direita, em UI, as águas do rio deste nome.

A importância do Rio Antuã, debaixo do ponto de vista histórico, data dos princípios do século XII, no tempo dos Pontífices Pascoal II e Calisto lI, que estabeleceram definitivamente os limites das Dioceses do Porto e Coimbra. Serviu este rio de linha de demarcação territorial e eclesiástica das duas dioceses.

Pelos breves destes Pontífices, as freguesias situadas à direita do Rio Antuã, isto é, na margem direita, faziam parte da Diocese do Porto. E eram: Fajões, Cesar, Macieira das Terças, Nogueira do Cravo, Pindelo, Oliveira de Azeméis, UI, Loureiro, Beduído, Beiras e Murtosa.

As que ficavam na margem esquerda do mesmo rio pertenciam à Diocese de Coimbra.

Portanto, historicamente, o Rio Antuã não tem o seu curso por terras de Cucujães e Santiago de Riba-UI, como opinam alguns dos autores citados.

Segundo a mesma Fonte Histórica, o Rio UI, afluente do Rio Antuã, nasce na Freguesia de Fajões, no lugar de S. Mamede. Banha Romariz, Milheirós de Poiares, S. João da Madeira, S. Roque, Cucujães, Santiago de Riba-Ul, Madail e Ul, onde junta as suas águas às do Rio Antuã. / 89 /

O Rio UI já era conhecido com esta denominação no tempo de D. Afonso Henriques, quando da sua concessão da Carta de Couto ao Mosteiro de Cucujães em 1177 (4).

Tem este rio três afluentes: o Ribeiro de Pedra-Má ou do Pintor e o de Cavaleiros, na margem esquerda; o Ribeiro da Arrifana ou da Lagoa, na margem direita.

Deste resumo histórico se conclui que o Rio Antuã é o que tem o curso por E. de Oliveira de Azeméis, e o Rio UI o que atravessa Cucujães e Santiago de Riba-UI, e, portanto, por W. daquela vila. O curso do primeiro anda à roda de 30 quilómetros, e o segundo em cerca de 18. (Ver esboço n.º 1).

Vamos agora tentar demonstrar que, prescindindo da Fonte Histórica, podemos chegar à mesma conclusão, dentro dos domínios da Lógica.

Com efeito, se seguirmos os cursos dos dois referidos rios, notaremos que, entre as terras banhadas por eles, há algumas cujos nomes são análogos ou relacionados com os nomes dos rios.

Assim, Antuan ou Antuã é o nome antigo da actual vila de Estarreja, que fica situada na margem direita dum rio ao qual teria legado, através dos tempos, o seu nome − Antuã.

Suponhamos, agora, o contrário, isto é, que foi o rio que deu o seu nome à vila. Então, chegamos à conclusão de que o rio tem, realmente, o nome de Antuã, quer o recebesse da vila, quer lho desse.

Mas, continuemos a nossa viagem em sentido contrário à corrente do rio, ou seja de jusante para montante. Chegados à confluência de UI, voltemos à direita, isto é, pelo rio que banha Oliveira de Azeméis por E. e sigamos até um pouco a montante da estrada de Coimbra ao Porto. Paremos para analisar os nomes destes lugares. Entre eles depara-se-nos um que chama a nossa atenção.

Nas proximidades da ponte de pedra de Silvares, há umas terras de lavoura, na margem direita do Rio Antuã, conhecidas pelo nome de «As Antuãs».

Da confrontação destas terras com o rio, se conclui que o seu nome tem alguma analogia com o nome do rio que vimos tratando − o Rio Antuã. Portanto, podemos admitir, sem receio de errar, que o nome de «As Antuãs» teve a sua origem no nome do Rio Antuã(5). Se o nome deste rio / 90 / fosse UI, é claro que não havia justificação aceitável do nome «As Antuãs» nas suas margens.

Temos já, por conseguinte, duas provas irrefutáveis, que, justificam, sem sombra de dúvida:

1.º − Que o rio principal é o Rio Antuã, visto que há sinais, inapagáveis, que provam este facto em todo o seu curso, ou pelo menos na sua maior parte;

2.º − Que ele passa por E. de Oliveira de Azeméis e, depois de receber em UI as águas do outro rio, vai desaguar na Ria de Aveiro, a certa de 6 quilómetros a SW. de Estarreja (antiga Antuã).

Posto isto, façamos agora, uma viagem pelo rio que, na confluência de UI, vem da esquerda. Antes, porém, paremos um pouco para analisar a relação que possa haver entre o nome deste rio e o da povoação de UI, situada entre o mesmo rio e o que corre ao nascente da referida povoação. (V. esboço n.º 1).

Julgamos poder afirmar que uma das causas que se presta a equívocos com a situação e nomes dos dois rios é precisamente o facto da povoação estar situada entre eles, no ponto da sua junção. Com efeito, tanto se pode atribuir o nome da povoação ao rio que corre ao nascente, como ao que corre ao poente. Ambos atravessam a povoação de UI até ao lugar da sua confluência. Acresce ainda a circunstância de, como já referimos, os seus cursos e caudais serem tão aproximados que não é fácil dizer, com precisão, qual deles deve ser considerado o principal, se quisermos julgar os factos por um simples exame local.

Na verdade, parece ter sido do nome da povoação de UI que adveio o nome dum destes dois rios. Só resta saber, de forma inequívoca, qual deles tomou esse nome. Pelo exposto anteriormente, já sabemos que não pode ser atribuído ao que corre a E. da povoação. Logo, terá forçosamente de ser ao que corre a W. dela, ou seja o que atravessa Cucujães e Santiago de Riba-UI.

Suponhamos mesmo que não há relação alguma entre o nome da povoação e o do rio. Não importa. Vamos subindo este rio até encontrar a prova evidente de que as águas que vamos sulcando são, de facto, as do Rio UI. Passámos já por baixo dos salgueiros que cobrem as suas margens na passagem por Madail, e continuamos subindo a passar por baixo da altíssima ponte de Vila-Cova, já em terras de Santiago de Riba-UI. Paremos um pouco a contemplar a beleza das suas margens e a meditar na origem deste topónimo.

Com a máxima franqueza, confessamos nada saber que nos permita afirmar que o nome do rio provém do último elemento do nome da povoação. É até muito possível que / 91 / seja o contrário, isto é, que tivesse sido o nome do rio a completar aquele topónimo.

Disto poderá inferir-se, à primeira vista, que entrámos num beco sem saída. Não nos deixemos, porém, vencer pelo desânimo e prossigamos no nosso exame. Estamos certos de que o tal beco sem saída transformar-se-á numa avenida muito espaçosa.

Assim, se analisarmos o nome da povoação de Santiago de Riba-UI, observaremos que ele é composto de três elementos:

Santiago − nome do orago da freguesia;

Riba − margem elevada do rio;

Ul − nome do rio que atravessa a povoação.


Ocorre-nos agora esta pergunta: Como aparece neste lugar o nome UI? Evidentemente que não foi por acaso que ele apareceu. Tampouco pode ser atribuído ao nome da povoação que lhe fica mais a S., com a interposição de outra freguesia − Madail-, visto que da significação de Riba se conclui que só ao nome do rio pode ser atribuído o último elemento daquele topónimo. Logo, o rio terá, fatalmente, de ser o de nome Ul e foi dele que a povoação completou o seu nome com os dois últimos elementos − Riba-UI.

Vamos supor, por momentos, que este rio tem o nome de Antuã, como afirmam alguns dos autores atrás citados.

Como ficará então composto o nome da freguesia de Santiago de Riba-Ul? Simplesmente assim: Santiago de Riba-Antuã.

Seria um paradoxo chamar Santiago de Riba-UI à povoação situada na margem de um rio com o nome Antuã. Mas, então, por que motivo o nome da povoação não deriva de Antuã? Certamente pelo facto do nome do rio ser realmente UI. Não há, por conseguinte, justificação histórica ou lógica para dar o nome Antuã ao Rio UI.

Pelo exposto, julgamos ter apresentado provas convincentes de que o Rio Ul é o que vem das bandas de Romariz, em lugar atrás indicado, atravessa, entre outras terras já citadas, Cucujães, Santiago de Riba-Ul e tem a sua confluência no Rio Antuã, em UI, próximo dum lugar denominado Minhoteira.

Por seu lado, o Rio Antuã é o que nasce em Escariz, banha, entre outras terras já citadas, Oliveira de Azeméis, por E., passa às terras denominadas «As Antuãs», recebe em UI, na margem direita, as águas do Rio UI e vai desaguar na Ria de Aveiro, como já foi dito.

Depois das provas apresentadas com elementos que reputamos indestrutíveis, tanto no campo da História, como nos domínios da Lógica, e das investigações feitas pelo Ilustre Escritor Abade JOÃO DOMINGUES AREDE, julgamos não ter justificação aceitável a existência de tabuletas com a indicação / 92 / de Rio, Antuã em lugares de destaque, nomeadamente na ponte da Margonça, de Cucujães, sobre o Rio UI.

É certo que a autoridade competente não pode estar a alterar a toponímia ao capricho de qualquer «Zé-Ninguém» (quanto a nós, que não quanto ao que diz respeito ao Ilustre Investigador Reverendo AREDE); porém o que pode e deve é ordenar a rectificação do que se provar estar errado, como no caso presente, em face das provas históricas apresentadas pelo citado Escritor, na sua obra intitulada «Identificação do Rio Antuã e do seu afluente Rio Ul).

Estamos certos de que, a bem da Verdade, as provas .apresentadas justificam largamente a emenda deste erro.

Oxalá que a autoridade competente assim o entenda e taça executar.

Lisboa, Junho de 1948.

F. FERREIRA DA SILVA

2.º ten. A. S. N.

_________________________________________

(1)Algumas destas cartas são bastante antigas, mas ainda em uso.

(2)Não tivemos oportunidade de ver se o autor mantém esta denominação em edições posteriores bem como outro deslize acerca da navegabilidade do Rio Guadiana.. 

(3) − Identificação do Rio Antuã e do seu afluente Rio Ul, do Abade DOMINGUES AREDE.

(4)...facio Cautum ad illud monasterium sancti Martini de Cucuianes... et habet iacenciam predictum monasterium in loco qui uocatur Cucugianes sub monte Castro Recharei discurrente riuulo VL portugalensi territorio....(Arq. Dist. Av., voI. X, pág. 277).

(5)«Identificação do Rio Antuã e do seu afluente Rio Ul, do Abade JOÃO DOMINGUES AREDE..  

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