F. Ferreira Neves, Resumo histórico da barra de Aveiro, Vol. XIII, pp. 20-33

RESUMO HISTÓRICO

DA BARRA DE AVEIRO

A ACTUAL barra de Aveiro foi aberta no ano de 1808, segundo os Planos elaborados pelos engenheiros Reinaldo Oudinot e Luís Gomes de Carvalho.

As obras começaram em 1802, segundo o Plano de Oudinot, e dirigidas por este engenheiro com a colaboração do segundo. Por aviso régio de 30 de Novembro de 1803 foi LUÍS GOMES DE CARVALHO encarregado da direcção das obras, em virtude de Oudinot ter de se ausentar para a Ilha da Madeira em comissão de serviço, onde veio a falecer em 1807.

Escreveu LUÍS GOMES DE CARVALHO uma Memória Descritiva sobre o Plano que executou para abrir a barra de Aveiro. É um documento altamente valioso, não só pela descrição deste Plano, mas também pelas informações que nos dá dos projectos e obras realizadas anteriormente, desde os meados do século XVIII até o fim do século XIX, com o objectivo de melhorar e fixar a dita barra, e ainda pelo estudo da situação desta muitos séculos antes e seu deslocamento do norte para o sul com o decorrer do tempo.

 

De um modo geral, a Memória de LUÍS GOMES DE CARVALHO interessa à engenharia hidráulica, à história económica de Aveiro e à história da formação da Ria de Aveiro.

Diz o seu autor que ela compreenderia cinco partes, na primeira das quais trataria do Plano das obras, e nas restantes trataria da execução e descrição destas o obras. No entanto, só publicou a primeira parte no Jornal de Coimbra, nos números XXVllI e XXXIl, respectivamente dos anos de 1814 e 1815. É hoje raríssimo esse jornal, e para que se não perca a parte publicada da Memória Descritiva, aqui a reproduzimos com o Mapa da Ria de Aveiro anexo, feito Pelo mesmo engenheiro e gravado em 1813.

Julgamos oportuno registar aqui alguns factos relacionados com a dita Memória, os quais de certo modo a esclarecem.

Uma sentença judicial de 1537 relativa a uma acção movida por D. Jorge de Lencastre, duque de Coimbra e senhor de Aveiro, contra o Mosteiro do Lorvão, donatário de Esgueira, mostra que a barra de Aveiro estava no século XIII situada ao norte da barra que existe hoje.

/ 21 / D. Jorge reclamava a posse das lezírias da Ria de Aveiro, situadas ao norte da Ilha do Monte Farinha, alegando que elas não pertenciam ao dito Mosteiro por não existirem ainda à data da doação de Esgueira a este, havia trezentos anos, em virtude de a barra estar muito mais ao norte, e só se terem formado depois que a barra se mudou para sudoeste:

− «Sobre o qual as testemunhas do Autor falavão Largamentp; e Se afirmavão as saberem ser cobertas de agoa do mar, e a Barra por onde entravão, e os navios Ser muito maiz assima ao Aguião ao direito das ditas Leziras por cuja cauza herão cobertas da agua do mar, e pella mudança que a dita Barra fezera para o Abrego, se descobrirão as ditas Leziras com outras muitas, e pella doação que fizera a Rainha Donna Thereja da Villa desgueira, ao dito Mosteiro, haver trezentos annos que hera feita no qual tempo, e despois muito hi não havia tais Leziras, e a dita Rainha não podia fazer tal doação, Sómente do que tinha, e não do que ainda estava por criar.» (Tombo I de Esgueira, fol. 345 e 346 no Arq. da Univ. de Coimbra).

É provável que a barra tivesse estado ao norte da Torreira antes do secuto XII, próxima portanto de Ovar. Documentos do século X referem-se à produção de sal nas marinhas de Cabanões e Ovar, e a navios (barcas e pinaças) que vinham a estas localidades buscar sal e trazer e levar outras mercadorias. Já um documento do ano de 922 se refere ao porto de Ovar (Port. Mon. Hist., Dipl. et Ch., n.º 25, Pág. 17).

Nas inquirições de D. Dinis fala-se nos direitos a pagar ao rei pelas pinaças que viessem do mar vender peixe a Ovar e barcas que viessem aqui buscar sal.

Simultaneamente com o comércio marítimo de sal, pescado e outros produtos de Cabanões e Ovar fazia-se idêntico comércio em Aveiro pela barra comum da Torreira ou de Ovar. As embarcações que do oceano vinham a Aveiro faziam o percurso pelo mar interior, chamado hoje vulgarmente Ria de Aveiro.

É provável ate que a palavra Torreira se relacione com alguma torre que tenha existido na margem direita da foz, para sua defesa ou demarcação da franquia dos navios(1).


A partir do século XII, a barra começou ou continuou a deslocar-se para o sul, tendo estado sucessivamente no Mondazel, Limite, e Baixos dos Andoeiros. No fim do século XV já estava
/ 22 / ao sul da Ilha do Monte Farinha, provavelmente no local da Costa Nova, visto que um documento de 1584 se refere a uma velha torre já então consumida pelo tempo e que estava situada a légua e meia da vila de Aveiro e a meia légua da barra. A barra estava, portanto, muito antes de 1584 a duas léguas a S. S. O. de Aveiro.

Uma Planta da Ria de 1777, levantada pelos engenheiros Isidoro Paulo Pereira e Manuel de Sousa Ramos, ainda menciona um local com o nome de Torre, situado próximo da barra actual.

Nos fins do século XVI a barra já estava sem dúvida na Vagueira.

O afastamento progressivo da barra para o sul teve como consequência a ruína das salinas e comércio de pescarias de Ovar em benefício de Aveiro, que nos séculos XV e XVI adquire um movimento comercial extraordinário. Tudo se conjugou para isto: boa barra, porto magnífico, circunstâncias económicas excelentes com a descoberta da Terra Nova, em cujos
bancos logo desde o alvorecer do século XVI dezenas de navios aveirenses iam pescar bacalhaus. Foi este o século de ouro de Aveiro.

A par com o deslocamento da barra sucedia um facto interessante de posse do areal. O concelho de Ovar tinha a barra para limite sul sobre o cordão litoral ao qual chamavam gelfa,
e foi incorporando em si o terreno que a barra ia deixando ficar para trás no seu avanço para o sul; por isso a Câmara e os donatários de Ovar foram estendendo a sua jurisdição a ele.

Em 1756 a barra já estava no areal de Mira, e muito obstruída. Por isso, o aveirense João de Sousa Ribeiro da Silveira, devidamente autorizado, abriu à sua própria custa em 1757 um rigueirão ao norte dela, na Vagueira, que veio a funcionar como barra. A Câmara Municipal de Ovar mandou então colocar um marco de pedra na margem norte desta barra, com a inscrição Ovar, para indicar que era ali o limite deste concelho.

O documento mais antigo que conhecemos com referências ao movimento marítimo de Aveiro são os costumes ou foral velho de Aveiro, corrigido no ano de 1342 (era de César de 1380) por Afonso Anes, corregedor do rei D. Afonso IV no meirinhado da Beira. Assim começa este documento:

«Em nome de Deus Amen era de mil trezentos e outenta Annos vinte e hum dias de Março foi Affonço corregedor del Rey no Meirinhado da Beira em Aveiro e pedio aos juizes e procurador e vreadores que lhe duessem e mostrassem quejandos / 23 / eram os uzos e costumes do dito logo e que lhos dessem em escrito e os juizes e vreadores e vogadas e procuradores no dito logi disserom que por esta guiza se uzara e costumara sempre em este logo». (Livro primeiro do Tombo da Casa de Aveiro, no Arq. da Univ. de Coimbra).

As embarcações que nele se mencionam são: barcas, navios, e pinaças. O comércio principal era de sal e pescado. Assim, par exemplo, diz o trigésimo primeiro costume:

«Item. Dizem que está em costume que toda a pinassa ou navio de fora parte que aqui vier por mar com pescado dara a dizima a el Rei e um peixe ao mordomo qual escolher, escolhendo primeiro o pescador qual quiser, e este peixe que o mordomo leva, avaliarão e descontar-Ih'o-à o almoxarife da dizima.»

É de crer que a barra tivesse estado nos meados do século XV a três quilómetros ao sul da actual barra, e por aqui tivesse permanecido até aos princípios do século XVI. Deste local se deslocou depois para o sul pela acção das correntes violentas e grandes cheias. No entanto funcianava bem e permitia o grande tráfego marítimo do porto de Aveiro. Nos primeiros anos do século XVI começou a barra a ser demandada pelos navios que de Aveiro iam aos bancos da Terra Nova pescar bacalhaus, pescadas e outro pescado. (Tombo da Confraria de Santa Maria de Sá, fol. 80, doc. de 1519).

Em 1545 era o porto frequentado por muitas barcas, caravelas e batéis. Em 1580 já a barra devia estar na Vagueira, a cerca de três léguas ou dezoito quilómetros de Aveiro, visto que lá e na margem esquerda do rio existia um reduto ou forte, construído segundo supomos no reinado de Filipe I de Portugal (1580-1598), para defesa da barra, e destruído em 1780.

Diz PINHO LEAL que a ruína da barra de Aveiro começou no ano de 1575, porque o inverno rigoroso deste ano a fez entupir com areias, do que resultou reduzirem-se «os fertilíssimos campos e ricas salinas de Aveiro a pântanos infectos e insalubres».

Temos notícia de que nos anos de 1526, 1585, 1596 e 1644 houve enormes cheias em todo o reino (2).

Estas muita devem ter contribuído para o deslocamento da barra para a sul, e sua consequente obstrução. Mas esta foi / 24 / de carácter transitório, visto que desde 26 de Julho de 1619 até 27 de Maio de 1624 ainda entraram trezentos navios pela barra (Liv. do Registo da Câmara de Aveiro).

A barra deve ter sido boa até 1643, ano em que, por motivo da restauração de Portugal, se fizeram obras no forte da Vagueira e provavelmente na barra para a fixar e profundar.

RODRIGO MENDES SILVA, na sua obra Poblacion General de España, com licenças de impressão de Julho e Agosto de 1644, diz que Aveiro é porto seguríssimo. Escreveu isto, portanto, antes deste ano.

A segunda crise da barra de Aveiro deve ter começado em 1644. A barra afastou-se ainda mais para o sul e assoreou-se, e o movimento das marés tornou-se frouxo. Em 1656 a navegação já era difícil na barra, e foi rareando a ponto de somente entrarem nela desde 1683 a 1700 cerca de vinte navios por ano, e diminuir depois o número de entradas até 1765.

Em consequência da obstrução da barra veio a ruína económica de Aveiro pela falta de comércio, pela inutilização das salinas e pela insalubridade derivada das águas estagnadas na Ria.

Como se tinham tornado insuportáveis os prejuízos e sofrimentos dos habitantes de Aveiro e Esgueira, os principais destas duas vilas mandaram examinar a barra em 1685 por dois engenheiros hidráulicos holandeses os quais, depois de estarem aqui catorze meses em observação das correntes e marés, disseram que o remédio procurado era fazer-se uma barra nova na Costa de S. Jacinto e fechar-se a barra da Vagueira de Mira, que já se encontrava a mais de três léguas de Aveiro, e tinha por isso um canal tão longo que não permitia um fácil movimento das marés e escoamento das águas do interior.

Declararam, mais que a obra era difícil e cara, mas que, mesmo a realizar-se, não ficavam fiadores dela por ser a barra em areia movediça.

É o licenciado CRISTÓVÃO DE PINHO QUEIMADO quem nos dá esta informação na sua Memória sobre Aveiro, datada de 27 de Janeiro de 1687, que ele terminou com estas palavras de desânimo:

«E com esta resposta nos deixaram ficar no mesmo estado, e sem esperança de melhoramento até quando Deus quiser e o senhor Rei não nos acudir com o seu braço real do qual ainda esperamos remédio a nossos males. Se assim não for, daqui a pouco mais de meio século não terá esta vila por moradores senão os que se ocupam da pesca, alguns mareantes e aqueles que não tiverem meios de irem para outras partes. Deus Nosso Senhor nos acuda com a sua divina graça e com a sua infinita misericórdia. Amen.» / 25 /

Não sabemos se no reinado de D. Pedro II (I683-1706) se realizaram algumas obras como aflitivamente pediam os aveirenses. É provável que sim, tanto mais que ao comércio que neste reinado fazia Aveiro com a Inglaterra convinha uma barra boa.

Fosse como fosse, a barra melhorou, e durante algumas dezenas de anos os aveirenses viveram sem prejuízos de maior.

Vejamos o que nos diz CARVALHO DA COSTA na sua Corografia Portuguesa, tomo lI, impresso em 1707, referindo-se ao rio Vouga:

«A barra deste, que corre de leste a oeste, e é mudável por ser de areia, tem ao presente na baixa-mar quinze palmos de água de alto, e na preiamar vinte e quatro até vinte e cinco; e hoje com tanta largueza de igual fundo que podem entrar três e quatro navios de duzentas toneladas emparelhados, trazendo vento feito. Os anos passados teve muito menos fundo; e sempre tem mais fácil a entrada que a saída.»

E mais adiante: − «Como Aveiro está já porto seguro, se espera que brevemente torne a ser rico.»

D. LUÍS CAETANO DE LIMA na sua Geografia Histórica, tomo lI, de 1736, na sua referência a Aveiro diz:

«É porto de mar, cuja barra correndo de leste a oeste fica a três léguas da vila; e nela se encontram em preiamar doze até treze palmos de fundo, em ocasião de águas mortas; e pouco mais de dez em baixamar; porém, havendo águas vivas, tem crescido em preiamar a vinte e quatro palmos não passando antigamente de dezasseis, e assim vai cada dia melhorando o porto.»

Mas a barra não estava para melhorar como julgava Caetano de Lima. Muito pelo contrário, tendia a piorar. Aproximava-se a crise máxima, pior que as de 1575 e 1685.

Com efeito, no fim do ano de 1739, um inverno rigoroso e uma cheia extraordinária arruinam novamente a barra e quase a inutilizam. Ela continua a aproximar-se de Mira, e ao alongamento do canal da barra corresponde um novo levantamento do fundo, maior dificuldade no esgotamento das águas e diminuição da amplitude das marés.

A cheia de 1739 foi formidável. Choveu quase sem interrupção desde Setembro a Dezembro. Para avaliarmos o que se passou, basta dizer que no rio Douro se perderam nove navios e houve prejuízos de quinze milhões de cruzados.

A barra nos 4nos seguintes continua a marchar para os areais de Mira velozmente, e sem fundo suficiente. A navegação tende a desaparecer, e chega mesmo a desaparecer. De 1736 a 1740 apenas foram despachados cinco navios; de 1741 a 1742, três; em 1743, cinco; em 1744, um; de 1745 a 1750, nenhum; / 26 / em 1750, entrou um; de 1750 a 1760, não entrou nenhum. É o que nos mostra o livro do registo da Alfândega.

Em 1756 já a barra se tinha fechado totalmente. Serpeava nos areais de Mira. A situação económica e higiénica de Aveiro era angustiosa. Então a Câmara, a Nobreza e o Povo de Aveiro pedem providências eficazes ao rei D. José.

Este, para atender as justas reclamações dos aveirenses, resolve fazer obras de melhoramento da barra, para o que cria em 27 de Maio de 1756 a Superintendência das obras da Barra, e o imposto do real na comarca de Esgueira para custear as despesas a fazer com as obras. Nomeia para superintendente das mesmas o bacharel João da Fonseca da Cruz, juiz das sisas e dizima do pescado fresco e seco, e para elaborar o Plano das obras e sua execução o engenheiro Carlos Mardel. Mas este nada pôde fazer.

Em 1757 o mar corta o cordão de areias na Vagueira, ao norte da barra existente em Mira, tendo-se formado um pequeno canal de ligação do rio com o oceano. O aveirense João de Sousa Ribeiro da Silveira, capitão-mor de Ílhavo, conseguiu à sua custa profundá-lo, com o auxílio de uma cheia, e fez um rigueirão que passou a servir de barra. Assim se melhorou a situação até 1765.

A barra de Mira fechou-se. Em 1758 projecta-se fixar a nova barra. Nada se consegue. A barra, como anteriormente, volta a deslocar-se no sentido de Mira. Em 1771 a situação é crítica; o rio velho ou rio morto ao sul da barra já só tinha duas léguas e meia de comprimento e estava fechado pelo sul no sítio da velha barra de 1756. Em Maio de 1771, a Câmara de Aveiro volta a representar ao rei para se resolver o problema da barra.

O Inverno muito chuvoso de 1774 produz outra cheia enorme, menor que a de 1739, mas altamente prejudicial. No rio Douro levou a cheia cinco navios e causou prejuízos avaliados em três milhões de cruzados.

Em 1777 levanta-se a Planta da Ria e em 1780 iniciam-se obras que nenhum resultado eficaz dão. Em 1787 a barra já estava quase no extremo do rio velho ou canal de Mira, à distância de cinco léguas da cidade de Aveiro, e entupida.

Em 1 de Março de 1788, a Câmara resolveu pedir providências à rainha D. Maria I, mostrando que havia perigo de epidemia; a rainha ordena a execução de obras em frente do Forte Novo, mas nada se chegou a fazer, em virtude de nova cheia neste mesmo ano.

Como a barra continuava fechada e os prejuízos se fossem tornando enormes com as inundações, a Câmara de Aveiro em 15 de Abril de 1794 encarrega o Doutor Manuel Joaquim Lopes Negrão de conseguir do príncipe regente D. João, futuro D. João VI, providências para a continuação das obras de abertura / 27 / de uma nova barra. A que existia já só tinha cinco palmos de água na sua maior altura e andava errante pelos areais de Mira. Nada se tinha conseguido que eliminasse ou minorasse os males que afligiam Aveiro.

Em 1801 a miséria era geral e as doenças dizimavam a população. A barra já estava outra vez no local onde tinha estado, em 1756. A Câmara novamente pede providências ao Governo, e este interessa-se a valer pela solução de tão grave problema. Era então superintendente das obras da barra João Carlos Cardoso Verney, provedor da comarca de Aveiro.

Em 1802 o ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho, depois conde de Linhares, encarregou o coronel engenheiro Reinaldo Oudinot, e o capitão engenheiro Luís Gomes de Carvalho de elaborarem cada um seu plano de abertura de nova barra. Estes planos foram aprovados ainda neste mesmo ano, e os dois engenheiros foram encarregados de os executarem. Ia finalmente ser resolvido o problema cuja solução se procurava havia século e meio.

Começaram os trabalhos ainda em 1802 mas demoraram mais tempo do que se esperava. No dia 3 de Abril de 1808 foi finalmente aberta a nova barra de Aveiro, com êxito notável em frente do Forte Novo, situado na Ilha da Mó do Meio, (doc. I).

Alterado o regímen das correntes na Ria, a barra de Mira voltou a fechar-se por si mesma.

Reinaldo Oudinot e Luís Gomes de Carvalho iniciaram as obras e dirigiram-nas conjuntamente até fins de 1803. Nesta data foi Oudinot mandado para a Ilha da Madeira em comissão de serviço, e ficou Luís Gomes de Carvalho sozinho a dirigir as obras. Este sofreu, porém, graves desgostos e contrariedades, porque elas demoraram muito tempo.

Acusavam-no de não ter concluído o projecto de Oudinot para a abertura do canal da Barra, cujos trabalhos já estavam em adiantamento e vencida a maior dificuldade que era a «tapagem» do rio chamado Cale da Senhora. O dique transversal do rio represava as águas e provocava longas inundações que impediam o fabrico do sal, e submergiam os bairros baixos da cidade. Luís Gomes de Carvalho viu-se por isso obrigado a fazer em 1805 umas comportas no dique do lado da Gafanha, para entrar água salgada nas salinas e sair a água estagnada na Ria (doc. VI). O resultado foi porém quase nulo, e o povo em 1806 chegou mesmo a amotinar-se e a querer abrir a barra à força. Acalmados os ânimos, prosseguiram as obras, e no dia 3 de Abril de 1808, teve Luís Gomes de Carvalho a suprema ventura de ver as águas do Vouga correrem para o mar.

O seu contentamento reconhece-se nos ofícios que adiante publicamos (doc. II e III), e que ele dirigiu ao Príncipe Regente / 28 / e ao ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho, então residentes no Brasil, a participar-lhes a feliz abertura da nova barra.

A longa tragédia de Aveiro tinha terminado. As obras é que não tinham terminado. O próprio Luís Gomes de Carvalho disse que a grande obra que abriu a Barra e devia segurar e perpetuar os seus grandes resultados, precisava ainda por algum tempo da particular protecção do Príncipe Regente para a consolidar e ultimar como convinha a fim de segurar para as futuras gerações o resultado obtido.

O distinto engenheiro tinha razão. De facto as obras continuaram, mas nunca mais pararam; e umas se fizeram de menor importância e outras de maior importância. Em 1932 se fez o molhe norte da barra e os diques de concentração das correntes, tendo custado tudo vinte e um milhões de escudos.

Neste ano de 1947 novas e importantíssimas obras se irão começar para melhorar a barra: o prolongamento do molhe norte pelo oceano, e construção de um outro ao sul do Farol também no oceano.

Reinaldo Oudinot era de nacionalidade francesa. Nasceu em 1747 em Sepignes, bispado de Verdun. Veio para Portugal em 1776. Em 3 de Setembro deste ano, o rei D. José nomeou-o ajudante de infantaria com exercício de engenheiro. Em 14 de Dezembro de 1803 foi despachado brigadeiro de engenheiros.

Faleceu na Ilha da Madeira em 17 de Fevereiro de 1807.

Luís Gomes de Carvalho nasceu em 15 de Abril de 1771, na vila da Atalaia, concelho de Vila Nova da Barquinha. Frequentou a Academia Real de Fortificação onde foi aluno laureado.

Dirigiu as obras da barra de Aveiro até à sua abertura, e depois até 1823, ano em que foi afastado da direcção delas por motivos políticos. Estudou e executou vários e importantes trabalhos hidráulicos.

Faleceu em Leiria em 17 de Junho de 1826, sendo coronel de engenheiros.

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DOCUMENTOS PDF (3)

FRANCISCO FERREIRA NEVES

Mapa da Ria de Aveiro que acompanha a Memória Descritiva do Engenheiro Luís Gomes de Carvalho.
(Tamanho reduzido. Clicar para obter imagem em alta resolução (957 MB)

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(1) S. DA ROCHA E CUNHA, na sua obra Relance da História Económica de Aveiro, 1930, pretende demonstrar que o cordão litoral se formou do norte para o sul, e que no século XII ele ainda não existia da Torreira para o sul. Nesta hipótese não podemos dizer que neste século e ainda em alguns seguintes houvesse uma barra propriamente dita de Ovar e Aveiro.

(2) P.e ANTÓNIO COELHO DE FREITAS, Tratado da veneranda et prodigiosa Imagem do Senhor de Bouças de Matozinhos. Coimbra, 1699.. 

(3) − Os documentos originais I a IV existem actualmente no arquivo da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, depois de terem estado no Brasil. Os documentos originais V e VI existem no Arquivo Histórico Militar, em Lisboa, tendo-nos fornecido obsequiosamente uma cópia o Ex.mo Sr. Coronel Henrique de Campos Ferreira de Lima, ilustre director deste arquivo, a quem apresentamos aqui os nossos agradecimentos.

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