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        II 
        
        JURÁSSICO 
        
        
        RETOMANDO o propósito de 
        resumir nesta valiosa publicação o conhecimento geológico do distrito de 
        Aveiro, desejo dar no presente artigo uma ideia da distribuição e das 
        características que nele têm as formações jurássicas. 
        
        É mais uma página de elementos da nossa geografia 
        geológica em que me proponho responder, para o círculo de leitores do 
        Arquivo, à bem natural curiosidade de se conhecerem os documentos ou 
        materiais petrográficos e paleontológicos que nos ficaram da Era 
        Secundária ou Mesozoica e se encontram ainda no espaço do território 
        regional e de se saber onde se localizam hoje os depósitos conhecidos 
        dos vários andares do sistema jurássico que é o segundo daquela Era. Daí 
        podem inferir-se e compreender-se facilmente as influências que na 
        fisionomia, nas aptidões e na economia da região têm presentemente ou 
        podem vir a ter esses mesmos depósitos. 
        
        Óptimo 
        seria que ao coligir e simplificar os trabalhos dos mestres e 
        especialistas desta ciência sobre tais assuntos e locais eu pudesse 
        construir sínteses verdadeiras; mas, como é óbvio, não me é possível ir 
        além do que eu mesmo considero 
        
        −
        um simples memorial. 
        
        
        Continuemos, pois, nesta ordem de ideias, cumprindo o programa há anos 
        aqui estabelecido. 
        
        /
        4 / 
        
        
        **         *
 
        
        
        O último artigo geológico por mim publicado dentro da
        série anunciada, no Arquivo do Distrito de Aveiro, saiu em
        Setembro de 1939. 
        
        
        É forçoso recordar, pois, o que nesse artigo se disse sobre o Triássico 
        (n.º 19 do Arquivo), não só porque eu
        prometi continuar no assunto, explicando as razões pelas quais os autores da 
        Carta Geológica de 1899 reuniram no Triássico de notação T o 
        lnfraliássico de Avicula Contorta, mas ainda porque estudos posteriores dos Srs. Drs. CARRINGTON DA COSTA e CARLOS TEIXEIRA, da Universidade do
        Porto, e Dr. RAUL DE MIRANDA, de Coimbra, obrigam a rever as ideias 
        anteriores e a modificar a classificação adoptada e
        exposta em 1939.  
        
        
        Como disse no mencionado artigo sobre o Triássico, as
        formações geológicas da Era Secundária, isto é, do Mesozoico, iniciam-se entre nós, e em todo o Portugal, por um
        possante maciço de grés que assenta, em discordância sobre
        o rebordo do Paleozoico, entendendo-se por Paleozoico, como adverti no 
        artigo sobre o Ante-Câmbrico, não apenas
        as formações averiguadamente paleozoicas, que são relativamente 
        diminutas na região, reduzindo-se a um pouco de Silúrico e de 
        AntracoIítico, mas todo o soclo ante-câmbrico
        que perdurou na Era Primária, soclo em cuja margem ocidental se depositaram 
        sucessivamente os sedimentos meso-cenozoicos, quaternários e holocénicos.  
        
        
        A sedimentação secundária começou, possivelmente, na
        margem ocidental da chamada Meseta Ibérica, nos tempos triássicos, mas 
        tardiamente em relação aos depósitos triássicos do resto da Europa. Enquanto que em alguns casos
        autenticamente triássicos a sedimentação se deve ter operado
        em pequenos mares fechados, de grande evaporação ou em
        lagos de pequena profundidade e de margens oscilantes e mal definidas, 
        comparáveis aos «schots» africanos, os autores
        nacionais acima mencionados, e ainda o Sr. Dr. ORLANDO
        RIBEIRO, da Universidade de Lisboa, inclinam-se hoje, no
        caso dos depósitos pseudo-triássicos portugueses, para uma
        explicação por fenómenos próprios de mera continentalidade,
        que, aliás, não exclui a intervenção acidental e episódica das
        águas locais. 
        
        
        O Sr. Dr. CARRINGTON DA COSTA em estudo inserto no
        Fasc. I e II do VoI. IV do Boletim da Sociedade Geológica
        de Portugal (1943) conclui mesmo que o Triássico, propriamente dito, 
        não existe em Portugal, sendo o Retiano a base 
        
        / 5 /
        do Jurássico. Só por comodidade e referência histórica falaremos, pois, de Triássico que, segundo esse critério, 
        passa a ser Retiano. 
        
        
        O ilustre catedrático portuense entende, porém, que a designação de grés de Silves, usada pelos nossos geólogos depois de CHOFFAT que  a criou, e posteriormente caída em desuso, deve ser renovada e empregada porque é útil no
        momento presente dos conhecimentos sobre os alvores do
        Mesozoico do nosso pais. É, pois, de adoptar novamente, porque 
        corresponde a um complexo cujas idades são difíceis
        de destrinçar e que podem abranger, como CHOFFAT expôs,
        Triássico (ou pseudo-Triássico), Infralias e Sinemuriano e,
        em alguns casos, Retiano e Hetangiano. 
        
        
        Efectivamente é bem de crer que o maciço gresoso vermelho que descrevi no citado artigo de 1939 como 
        pertencendo ao Triássico, embora com as devidas reservas e que
        na região vouguense denominei de grés de Eirol e Águeda («pedra vermelha» na designação regional), não pertença
        apenas ao Retiano, mas, como opina o Sr. Dr. CARRINGTON
        DA COSTA, pertença, também, em parte apreciável, ao Hetangiano. O 
        suposto aglomerado de base não existe como tal, pois, BOURCART, que o 
        ilustre professor cita, explicou análogas aparências detríticas pelos períodos de regressão 
        devidos à orogénese. Teríamos, assim, para o norte de Sangalhos,
        no  domínio dos grés de Eirol e Águeda, depósitos de fácies arenácea e siliciosa, seca, com 
        alguns intervalos argilosos,
        puramente continental, e para o sul efeitos já liássicos de um regime lagunar que vai cedendo perante a 
        invasão marinha
        e se vai carregando em calcário. 
        
        
        Às cores vivas indicam, em geral, formações sub-aéreas
        de fácies continental, mas certos elementos minerais, como o ferro, têm 
        influência na coloração. 
        
        
        Adoptado o novo critério e sendo certo que na flórula
        da Vacariça os Srs. Drs. CARLOS TEIXEIRA e RAUL DE MIRANDA encontraram 
        provas retianas da formação respectiva, desvanecendo dúvidas anteriores, 
        temos de interpretar os factos
        por modo diverso das  exposições anteriores de CHOFFAT, do
        Sr. ERNESTO FLEURY e de outros ilustres geólogos. 
        
        
        Assim, não podemos já considerar qualquer transgressão
        marinha triássica no nosso território. Em vez de «abatimento marginal» ante-triássico ou mesmo triássico, devem
        ter-se operado levantamentos, embora para o interior, sendo
        lógico admitir, com o Sr. Dr. CARRINGTON, pela idade retiana
        da flórula encontrada, que o levantamento fosse devido à actividade da 
        primeira  fase paleokimérica dos movimentos paleoalpídicos. 
        / 6 / 
        
        
        **         *
 
        
        
        Desejando ocupar-me hoje, porém, do Jurássico propriamente dito, começarei pelo resumo histórico da sua classificação. 
        
        
        Donde provém este nome  
        
        −
        jurássico? 
        
        
        Será natural a pergunta por parte de alguns leitores justificadamente menos preparados para o bom entendimento de um 
        descritivo 
        desta ordem onde a terminologia especial não pode ser a cada passo 
        explicada, aliás. 
        
        
        O termo  
        
        Jurássico, em Geologia, provém do grande
        desenvolvimento que as camadas do sistema apresentam nas
        montanhas do Jura, como o termo Liássico se foi buscar à
        designação que os cabouqueiros e alveneis ingleses dão ao
        material das camadas características da série eojurássica em
        Inglaterra, camadas essas constituídas regularmente por bancadas de calcário separadas por leitos de argila. 
        
        
        Na Carta Geológica de CHOFFAT e NERY DELGADO, de 1899, o Jurássico português vem assim dividido, classificado e rubricado: 
        
        
        As cores convencionais empregadas são quatro: azul-carregado para o Lias 
        J1; cinzento para o Dogger J2; azul-aguado para o Lusitaniano J3; o cinzento-claro finamente
        tracejado para o Neojurássico J4. 
        
        
        Com relação à classificação e nomenclatura geralmente
        adoptadas na Geologia da Europa, podemos organizar o seguinte esquema: 
        
        /
        7 /
        No quadro europeu as formações triássicas constituem
        a base destes depósitos e formam o primeiro termo sedimentar de todo o 
        Mesozoico, constituindo um sistema cuja representação em Portugal, salvo 
        descobertas em contrário, se tem de eliminar. 
        
        
        Da base para o cimo do Lias os materiais, entre nós,
        passam do detrítico, arenáceo, silicioso e argiloso para o 
        sílico-argiloso, sílico-calcário, argilo-calcário e calcário. 
        
        
        O nosso Liássico representa, pois, a transição dos depósitos siliciosos 
        para as margas e destas para os calcários, denotando a passagem do 
        regímen continental e lagunar para um período de invasão ou predomínio 
        das águas marítimas com ampla comunicação com os oceanos. Gradualmente, e em direcção ao sul e poente, vão-nos desaparecendo as 
        rochas siliciosas e arenáceas. Às colorações rubras,
        sucedem-se as cores claras, acinzentadas, azuis, brancas. 
        
        
        Na flora do sistema nota-se, em geral, o desaparecimento de certas formas de reminiscência paleozoica que resistiram nos tempos triássicos, e o aparecimento de géneros cada vez mais próximos da flora actual. Os fetos persistem, mas diferindo dos da Era Paleozoica. 
        
        
        As cicádeas atingem o seu apogeu e as coníferas multiplicam-se em numerosos géneros dos quais ainda hoje
        existem alguns, como os pinheiros e as araucárias. 
        
        
        A fauna oferece o espectáculo monstruoso dos grandes sáurios de que, 
        entre nós, apenas no Cabo Mondego se colheram vestígios, e dos répteis 
        alados e pisciformes, a par do desenvolvimento e multiplicação das 
        gripheas, das amonites e das belemnites, estas documentadas quase só 
        pelos seus rostros, e de outros cefalópodos. 
        
        
        Surgem neste período os mamíferos, representados timidamente por 
        pequenos marsupiais. O resto dos caracteres gerais faunísticos e 
        florísticos é conhecido dos tratados e dos compêndios, e a sua 
        referência aqui seria deslocada. 
        
        /
        8 / 
        
        
        Para o caso restrito da geologia distrital só nos interessam propriamente as divisões inferiores do sistema, pois
        os depósitos conhecidos do Jurássico na área do distrito de Aveiro não 
        excedem os tempos liássicos. 
        
        
        No planalto de Cantanhede, porém, e mais para as bandas
        da margem norte do Mondego, em continuação das formações que afloram na Bairrada, depara-se-nos o Jurássico
        médio  
        
        −
        
        Dogger J2 da Carta Geológica, em que é necessário reparar, pois ele documenta os fenómenos e aspectos da
        região litoral de entre Vouga e Mondego durante a retirada para o sul 
        dos agentes sedimentadores que actuaram na Bairrada no decurso do Lias. 
        
        
        **         *
 
        
        
        Como adverti no artigo de 1939, a Carta Geológica em
        uso e sobre a qual têm de trabalhar todos os que se preocupam com estes assuntos, incluiu na cor roxa e, rubrica T
        não só o que então se considerava Triássico propriamente dito, mas 
        também o Infraliássico que, segundo CHOFFAT,
        corresponderia em Portugal ao Retiano europeu. 
        
        
        O Retiano abrange, efectivamente, uma parte do Infra-Lias dos antigos 
        autores. A outra parte do Infra-Lias forma
        o andar Hetangiano cujo tipo foi escolhido no grés de Hettange perto do Luxemburgo. 
        
        
        Como elemento de transição o Retiano é, por vezes,
        difícil de distinguir do Triássico superior e do Hetangiano
        inferior. Caracteriza-o o fóssil Avicola contorta. LAPPARENT
        considera-o como o andar mais inferior do Jurássico, mas as
        opiniões dos geólogos a este respeito não são concordes. 
        
        
        O Lias J1 da nossa carta exclui o Retiano, ou melhor
        dizendo, exclui as formações de transição que deveriam, em Portugal, colocar-se entre as do Keuper (Triássico) e as do
        Liássico incontroverso ou sejam as do Hetangiano e do Sinemuriano, o que foi em Portugal tão difícil de definir e
        limitar que os autores da carta de 1899 decidiram incluir essas 
        formações na mesma cor e notação do Triássico. 
        
        
        O assunto, que interessa deveras à geologia da nossa
        região, merecia ser aqui versado não só por necessidade de
        boa compreensão da Carta Geológica, mas para classificação
        dos afloramentos no próprio terreno e ainda para se proceder
        à devida correcção em face das novas ideias expostas. 
        
        
        Mas devemos reconhecer que não foi um erro de CHOFFAT e DELGADO em 1899 a inclusão do Retiano no Triássico, mas sim a 
        adopção de um critério de escrúpulo científico e perfeitamente 
        aceitável no estado dos conhecimentos de então. 
        
        /
        9 / 
        
        
        Efectivamente, se o maciço de grés mesozoico que se encontra a partir de 
        Angeja para o sul pelas margens do
        Vouga, Águeda e Cértima e daqui até Tomar, pertencesse ao Triássico, como se supunha, ele não correspondia às divisões estratigráficas do mesmo sistema no resto da Europa
        e a sua divisão e classificação era dificultada, ainda, pela
        falta de fósseis. 
        
        
        CHOFFAT, no Aperçu de La Géologie du Portugal, do grosso volume
        Le 
        Portugal au Point de Vue Agricole para a exposição de 1900, escreveu, 
        justificando: 
        
        
        «O primeiro termo do Mesozoico é constituído por um maciço de grés 
        repousando em discordância sobre o Paleozoico e pertencendo em parte ao Triássico, mas compreendendo 
        também o Infralias e mesmo parte do Lias inferior. 
        
        
        Como ele não corresponde exactamente às divisões estratigráficas do 
        resto da Europa, tive de lhe escolher uma designação local e 
        apliquei-lhe a de Grés de Silves, mas para maior simplificação 
        continuarei a usar o termo
        Triássico, fazendo todas as minhas reservas quanto ao
        paralelismo com o estrangeiro. 
        
        
        
        Estes grés, continua CHOFFAT, tem na região de Coimbra uma possança de 400 a 500 metros e apresentam três divisões fáceis 
        de reconhecer e que se podem denominar
        pelos seus caracteres predominantes: 1.º 
        
        −
        grés vermelho-tijolo; 
        2.º 
        
        − grés de 
        cores claras; 3.º 
        
        − 
        
        alternância de grés
        esbranquiçados e leitos argilosos e calcários (Camadas de Pereiros).» 
        
        
        CHOFFAT descreve a seguir as Camadas de Pereiros e explica: 
        
        
        «Os calcários são geralmente argilosos e dolomíticos;
        a princípio em leitos muito delgados, aumentam de espessura e de frequência para o alto, de tal forma que não há
        limites definidos entre o maciço gresoso e o maciço dos
        calcários dolomíticos que formam a base do Lias. 
        
        
        Contêm pequenos fósseis especiais do país, fósseis que, por consequência, não permitem reconhecer exactamente a idade das 
        camadas que os encerram. Parece, no entanto, fora de dúvida que os 
        calcários não são mais antigos que o Infralias. A possança é de 100 a 
        125 metros. 
        
        
        Estas três divisões mais ou menos modificadas formam toda a orla triássica repousando sobre o Paleozoico 
        entre Tomar e Aveiro. 
        
        
        
        A sua largura média é de 3 a 4 quilómetros até à
        altura de Anadia em que experimenta uma interrupção
        por efeito do recobrimento pelas areias pliocenas. Reaparece em Oliveira 
        do Bairro e tem grande extensão nas cercanias de Águeda, região de planaltos, cuja superfície 
        /
        10 /
        é recoberta de Plioceno, enquanto que as encostas são
        triássicas.» 
        
        
        Porém no Tomo V das Comunicações dos Serviços Geológicos, referente a 1903-1904, JOHANNES BOEHM publicou a
        Descrição da fauna das Camadas de Pereiros (Description de la Faune des 
        Couches de Pereiros) trabalho que fez por incumbência e recomendação de 
        Von AMMON a quem CHOFFAT havia recorrido para estudo de exemplares da 
        respectiva
        fauna depois das explorações e estudos de 1880 a 1887. 
        
        
        BOEHM concluiu que as Camadas de Pereiras se desmembram em uma série 
        inferior de estratos marnosos e arenosos (Camadas de Pereiros propriamente ditas) e em
        uma série superior formada por calcários dolomíticos que CHOFFAT se 
        dispusera a considerar quer como parte superior das Camadas de Pereiros 
        quer como base das Camadas de Coimbra. 
        
        
        Entre os fósseis mencionados na respectiva lista, BOEHM considerou 
        importantes para a determinação da idade da série
        inferior os seguintes: Neridomus liasina DUNK. Promathildia Turritela 
        DUNK. Ampullospira subangulata D'ORB. Harpax meridionalis J. BOEHM. 
        Avicula Capellini J. BOEHM. Plicatula hettangiensis TERQ. 
        Plicatula crucis DUMORT. Gervilleia Hagenowi DUNK. Gervilleia conimbrica
        CHOF. Isocyprina Germari DUNK. lsocyprina porrecta DUMORT. 
        
        
        Estas espécies, diz BOEHM, mostram-se na parte inferior do Lias  
        
        
        α, que 
        é o Hetangiano dos geólogos franceses, e confirmam a opinião de CHOFFAT sobre a idade destes depósitos. 
        
        
        Não representam o Retiano. Faltam, é certo, os fósseis característicos 
        do Lias  
        
        α:
        Schlotheimia angulata SCHLOT. e Psiloceras planorbis SOW., mas os gastrópodos e lamelibrânquios citados permitem até certo ponto reconhecer em
        Portugal as duas zonas. 
        
        
        Segundo o mesmo paleontologista a série inferior das Camadas de Pereiros compreende os depósitos de 
        Monsarros perto de Anadia, Vacariça, Santa Cruz, Copeiro, Pereiros
        e Rio de Galinhas situados sobre a faixa que limita a Meseta
        e Soure que está fora dessa faixa. 
        
        
        Em Anadia as fáunulas permitem reconhecer o horizonte mais inferior do 
        Lias. 
        
        
        Segundo sua opinião, o Lias  
        
        α
        divide-se em Portugal em
        (sentido descendente): 
        
        
        3  
        
        − 
        
        Zona de Boehmia exilis J. BOEHM, que se revela em
        Almoroz. 
        
        
        2  
        
        −
        Zona de Promathildia Turritela DUNK e Isocyprina
        Heeri CHOF. do AIgarve (Alportel e Silves) faixa
        oriental (Copeiro, Pereiros, Santa Cruz, Rio de
        Galinhas, Vacariça, Pedras Negras). 
        
        /
        11 / 
        
        
        1 
        
        −
        Zona de Modiola Hoffmani NILSS.: Anadia, Rio de
        Galinhas. 
        
        
        No mesmo volume, CHOFFAT publicou o seu notável estudo critico e 
        expositivo sobre O Infralias e o Sinemuriano de Portugal (L'Infralias 
        et le Sinemurien du Portugal) que abre por uma introdução bibliográfica 
         
        em que vale a pena reparar pois fornece preciosos elementos para a história da geologia de Portugal e particularmente para a compreensão da taxonomia do termo transgressivo do nosso Mesozoico 
        que nos está ocupando. 
        
        
        Vemos por esse inventário analítico da literatura geológica sobre o Infralias e o Sinemuriano de Portugal, que em 1848 o ilustre SHARP 
        classificou como jurássicos os calcários dolomíticos de Coimbra. Que 
        em 1853 CARLOS RIBEIRO, o pai da geologia portuguesa, na Memória 
        sobre Mina de Carvão de pedra do Cabo Mondego, publicou um corte do terreno 
        jurássico em que distinguiu no liássico dois andares: um de base com os 
        calcários de Rostellaria Costae e outro superior de calcários e marnas 
        de Gryphaea incurva et obliquata, encontrando-se o primeiro em Anadia, 
        Coimbra, Cabaços, etc. e o segundo em Anadia, Coimbra e Soure. 
        
        
        Que em 1876, CARLOS RIBEIRO e NERY DELGADO na Carta Geológica de 
        Portugal, seguindo a teoria de VERNEUIL que admitia para o Triássico da 
        Península os três membros geralmente aceites na Europa Central, 
        cobertos por um quarto membro formado por um maciço de dolomia, reuniram 
        ao Triássico o Infralias e os calcários de Coimbra da banda oriental. 
        
        
        Que CHOFFAT em 1880 em Le Lias et le Dogger au Nord du Tage separou do 
        Triássico, sob o nome de Camadas de Pereiros, o Infralias da banda mesozoica que limita a Meseta, com 
        excepção dos leitos de vegetais da Vacariça, ligando-o
        ao Hetangiano, e que o maciço dolomítico foi também
        separado do Trias sob o nome de Camadas de Coimbra e colocado no Sinemuriano com as camadas de 
        Griphaea oblíqua. 
        
        
        Que em 1881, OSWALD HEER (Contributions à la flore fossile du Portugal) 
        descreveu cinco espécies de vegetais provenientes de Vacariça e 
        atribuídas à zona de Avicola contorta, do Retiano, portanto. 
        
        
        Que em 1887, CHOFFAT, no VoI. I das «Comunicações»,
        publicando Recherches sur les terrains secondaires au Sud du Sado 
        e descrevendo os afloramentos do Baixo-Algarve, noticiou ter encontrado 
        a fauna das Camadas de Pereiros recoberta por marnas gipsíferas com o 
        aspecto do Keuper, o que o levou a reunir o Triássico e o Infralias 
        sob a denominação de Grés de Silves, mantendo a idade hetangiana da 
        
        /
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        fauna e admitindo que o Retiano e o Triássico não representados pelos grés que 
        lhes ficam inferiores. 
        
        
        Que em 1894. SAPORTA e CHOFFAT, nas Nouvelles contributions à la flore 
        fossile du Portugal, publicando cortes
        detalhados do complexo triássico-hetangiano, atribuíra as dolomias ao 
        Sinemuriano inferior. Em sua opinião, a descoberta de novos depósitos 
        de vegetais nas Camadas de
        Pereiros, mostra que os vegetais da Vacariça pertencem ao
        Infralias e não ao Retiano como durante muito tempo se
        supôs. 
        
        
        Da Carta Geológica de 1899 e do estudo de BOEHM, já
        se fez menção e escusado  é repetir. 
        
        
        CHOFFAT diz-nos depois que a análise bibliográfica mostra que as Camadas de Pereiros, apesar da sua analogia com 
        certas faunas triássicas, tinham sido atribuídas ao Hetangiano
        desde 1880 e que depois das vicissitudes do estudo dos respectivos fósseis entre os anos de 1887 e a publicação da
        notícia de BOEHM em 1903, resolveu, em face das conclusões
        deste paleontologista, examinar de novo todo o material acrescentado já, então, por novas 
        colheitas. A revisão dos
        fósseis e do assunto e o novo material obtido, proporcionaram ensinamentos inesperados sobre o desmembramento das
        Camadas de Coimbra. Não mais se poderia falar do maciço
        misterioso, sem fósseis, atribuído outrora ao Triássico como
        VERNEUIL fizera em Espanha, mas de uma sucessão de extractos dolomíticos, com alguns níveis muito fossilíferos, cujos
        restos orgânicos não aparecem à superfície pela própria natureza friável 
        da dolomia. O estudo de BOEHM demonstra definitivamente que a fauna de Pereiros pertence ao Hetangiano,
        apesar de no AIgarve ela aparecer recoberta por marnas gipsíferas que 
        se torna natural classificarem-se de Triássico. 
        
        
        Nas suas recomendações finais para a Carta Geológica em grande escala, visto que a de 1899 é apenas de 1:500.000, o 
        ilustre geólogo entendeu, já, que se deve separar o Hetangiano dos grés sem fósseis animais, o que é relativamente
        fácil, e que todas as ilhotas de grés de Silves devem ser indicadas como 
        hetangianas, podendo-se indicar os seus cabeços dolomíticos como sinemurianos e que, contrariamente à divisão 
        que tinha precedentemente adoptado, as camadas de Gryphaea obliqua deverão ser separadas do 
        Lias fossilífero 
        para serem reunidas no Sinemuriano dolomítico, pois que elas são 
        parcialmente dolomíticas. Haverá
        assim acordo entre a cartografia e a paleontologia.  
        
        
        Como se verifica por esta resenha, a Carta Geológica
        de 1899 tem de ser seguida com reservas nas indicações que nos dá e na separação que faz entre Triássico e Liássico, porque o 
        critério que presidiu aos seus trabalhos preparatórios foi modificado em 1903 e 1904, além de que a nova 
        /
        13 /
        escola geológica nacional lhe introduz, também, as já apontadas modificações. 
        
        
        No estudo das formações mesozoicas do distrito de Aveiro o caso tem grande projecção e importância. 
        
        
        É que ao sul de Aveiro e ao longo do vale do Cértima afloram os depósitos mais setentrionais do pseudo-Triássico e do Jurássico de Portugal e as chamadas 
        Camadas de Pereiros e de Coimbra, tão notáveis na história dos estudos geológicos portugueses, como 
        vimos, têm no distrito de Aveiro a sua correspondência estratigráfica e a sua representação litológica nos depósitos próximos da linha marginal do contacto com os afloramentos do maciço gresoso do vale do
        Cértima e suas dependências e da linha geral Vouga, Buçaco, Coimbra, 
        Tomar. 
        
        
        À compreensão do Jurássico regional e dos afloramentos
        das zonas de contacto com o maciço de grés subjacente e lateral, era, 
        como se vê, indispensável o conhecimento da
        história deste difícil problema da nossa classificação geológica. 
        
        
        **         *
 
        
        
        Sabemos já que os depósitos jurássicos portugueses se
        encontram exclusivamente nas orlas sedimentares do bloco paleozoico e ante-câmbrico do Maciço Hespérico, isto é, nas
        bandas ocidental e meridional ou algarvia. 
        
        
        Na orla ocidental começam ao sul de Aveiro, mostrando-se em ilhotas e filetos nas margens e proximidades do 
        vale do Cértima. 
        
        
        O primeiro afloramento,  o mais setentrional conhecido,
        fica na freguesia de Oiã, junto do lugar do Silveiro, sobre a
        ribeira Levira que corre de Oeste para Leste sob o caminho
        de ferro e a estrada nacional de Aveiro a Mogofores e que, flectindo 
        depois para nordeste, se lança no Cértima muito perto da Pateira de Fermentelos. 
        
        
        É inútil procurar o Jurássico para o norte desta lagoa ou
        para nascente dos afloramentos pseudo-triássicos ou retianos que se 
        colam ao algônquico de Angeja e Albergaria-a-Velha
        e ao Pérmico do Alfusqueiro e de Avelãs de Cima ao Buçaco. 
        
        
        Com os farrapos dos afloramentos de Oliveira do Bairro e as ilhotas e manchas de Anadia, Mealhada e Bairrada ocidental e Mondego, Cantanhede, Figueira, podemos reconstituir um golfo mesozoico aberto para o sul que teria existido na região e chegado até Oiã nos tempos 
        liássicos reduzindo-se
        de norte para sul no Jurássico médio. 
        
        
        O retalho de Oliveira do Bairro é mais amplo que o do
        Silveiro e mostra-se pelo lado ocidental do antigo Triássico. 
        
        /
        14 / 
        
        
        O planalto é, como todos os planaltos da região do sul de Aveiro e da Gândara, arenáceo, 
        de aspecto pliocénico. A areia carrega-se de 
        amarelo. A argila dá lugar a exploração fabril importante. 
        
        
        Encontram-se outros pequenos afloramentos, umas vezes erodidos outras 
        vezes mascarados pelas areias e depósitos superficiais em Sangalhos, 
        Paraimo, Fogueira e Sá. 
        
        
        Trata-se de Eojurássico: Infraliássico, Hetangiano e Sinemuriano, Lias 
        J1 da carta. Dividir o Sinemuriano ou separá-lo mesmo do Hetangiano, não é tarefa fácil, pois existe 
        também grande confusão das camadas e sobretudo da fauna. 
        
        
        Depois de certa interrupção devida às erosões fluviais e pluviais do 
        Quaternário e ao recobrimento arenáceo anterior, volta o Lias a aflorar 
        em Mogofores e Ancas, seguindo pela Curia a Ois do Bairro, Tamengos, 
        Ventosa do Bairro, Sepins,
        Casal Comba e Murtede. Esta é a maior mancha do distrito. 
        
        
        É um afloramento extenso, com perto de vinte quilómetros
        de comprido no sentido do meridiano, formando arribas voltadas ao vale 
        do Cértima e continuando-se, no planalto, em ligação com o relevo do 
        horst de Cantanhede. 
        
        
        O seu contorno é irregular e caprichosamente crenado na aparência, 
        emitindo um prolongamento para ocidente na direcção de Bôlho e 
        Vilarinho do Bairro. Este membro é continuado por pequenos afloramentos, mais ou menos 
        lineares no sentido de Sudoeste e na direcção da Tocha, afloramentos que se 
        ligam com o eixo do anticlinal Tocha-Mogofores. 
        
        
        Todos estes afloramentos se alinham na margem esquerda e ocidental do rio Cértima que tão importante papel 
        desempenha na geografia regional. 
        
        
        Na margem direita e oriental do Cértima contam-se os afloramentos de 
        Anadia e Aguim, os da Mealhada à Pampilhosa e os da banda oriental na 
        base do Buçaco, de Vacariça a Monsarros. A nascente e sueste da Pampilhosa e para o sul desta 
        localidade, estende-se uma comprida mancha que acompanha o Triássico até 
        Coimbra por Botão, Souselas, Brasfemes e Eiras. É este afloramento o 
        que, depois da
        interrupção do Mondego, reaparece a poente de Coimbra e
        que, alargando-se por alturas de Pereiros, vai por Penela e nascente de 
        Condeixa, mais ou menos interrompida até
        Tomar, sempre paralela, de um modo geral, ao grande afloramento de sentido meridiano do maciço gresoso denominado de Triássico. 
        
        
        No distrito de Aveiro, como vimos, os afloramentos liássicos escalonam-se ao longo do Cértima e a um e outro lado do curioso 
        riosinho cujo leito corre, em grande parte, sobre nateiros que apenas 
        mascaram o fundo liássico do seu vale, como sucede entre Pampilhosa e 
        Mealhada. Todos os 
        
        /
        15 /
        poços do vale do Cértima batem na rocha calcária que abunda em belemnites e outros fósseis típicos 
        do Eojurássico. 
        
        
        A oeste-sudoeste da grande mancha da margem esquerda
        do Cértima e, evidentemente como seu prolongamento, encontra-se o 
        planalto liássico de Cantanhede, cujo limite norte é a povoação da 
        Pocariça e cuja linha de limite pelo lado do
        sul corre de nordeste para sudoeste até Outil. 
        
        
        Embora a cor não seja seguro indicativo estratigráfico, podemos notar 
        que a coloração roxa, vinosa e vermelha que
        vinha desde o fim do Antracolítico e que no distrito de
        Aveiro nos surge no Pérmico do Alfusqueiro (Águeda) de
        Belazaima, de Avelãs de Cima ao Buçaco e do Buçaco, vai desaparecendo gradualmente, acentuando-se as cores claras dos materiais 
        com a transgressão do Jurássico, apesar de haver argilas vermelhas no 
        Hetangiano e na base do Sinemuriano médio. 
        
        
        Nos afloramentos mais exteriores em relação à Meseta, mais ocidentais, 
        portanto, na nossa região, há marnas vermelhas e arenitos arroxeados, 
        mas a coloração não deve iludir-nos sobre a sua idade. Essa coloração é naturalmente
        devida aos materiais do Pérmico, do pseudo-Triássico e do 
        Infraliássico do lado do nascente e não serve de diferenciação 
        estratigráfica. 
        
        
        As marnas, bem diversas dos grés, são, em geral, gipsíferas e 
        pertencem ao Infraliássico. Por seu turno as dolomias são 
        representativas do Sinemuriano que ocupa o terceiro andar na ordem geral 
        do sistema liássico, como vimos. Muitos dos fósseis são de águas 
        salobras, mas tanto o Sinemuriano como o Hetangiano que o precede, marcam um 
        progresso da invasão marinha. 
        
        
        **         *
 
        
        
        Vimos que as Camadas de Pereiros e de Coimbra ficaram definitivamente ligadas ao Liássico inferior e que é por
        elas que na região e em Portugal se estabelece a transição
        do antigo Triássico superior das formações arenáceas e siliciosas para o Jurássico das margas e dos calcários. 
        
        
        As Camadas de Coimbra como o próprio CHOFFAT
        reconheceu, deixaram de ter autonomia estratigráfica e significado próprio para passarem a ser consideradas apenas como
        uma fácies, a fácies de Coimbra, em continuação superior das
        camadas de Pereiros. 
        
        
        O nosso Liássico afecta a fácies da Europa extra-alpina
        e acentua, com o progresso estratigráfico, a fácies marnosa
        e calcária. 
        
        /
        16 / 
        
        
        As camadas da zona da amonite Oxinoticeras oxinotus e as da amonite
        Arietites raricostatus (camadas da ostrácea Gryphaea obliqua) encontram-se na margem do antigo 
        Triássico em Vacariça, Monsarros, Anadia e Oliveira do Bairro. 
        
        
        Apesar das cores rubras dos materiais gresosos e de contacto, os seus 
        calcários são mais claros do que os de
        ocidente; têm pouca possança e encontram-se separados por
        leitos marno-calcários brancos que encerram numerosos fósseis dos 
        géneros Pecten e Astarte com algumas grypheas de
        pequenas dimensões e pequenas Amonites mal conservadas
        no geral. Em Mogofores, CHOFFAT recolheu Amonites armatus-densinodus QUENSTERDT e 
        Amonites laevigetus REYNES,
        com Pholadomyes, Pleuromyes, Plieatulas, Gryphaea obliqua, de grande e pequeno porte, 
        Terebratula punctata, Zeilleria numismalis, Rhinchonela Thalia, 
        Rhinchonela ranina; 
        Rhinchonela tetraedra, Rhinchonela calcicosta, Rhinchonela furcilata, 
        Spiriferina sp. (1 exemplar) e Balanocrimus Quiaiosensis. 
        
        
        Em Venda da Pedreira, perto de Mogofores e Anadia,
        os fósseis recolhidos foram os seguintes: 
        
        
        Ar. Nodotionius, Oxynoticeros oxinotus, Terebratula
        Radstockiensis. 
        
        
        Em venda do Pereiro encontrou-se um exemplar de Rostelaria Costae, parecendo existirem duas zonas diferentes em fraca 
        espessura, o que se nota também no Paraimo, no
        vale perto de Sangalhos e da Fogueira, onde pequenas Amonites do grupo 
        Vermiceras solarcoides Costae, se encontram com 
        Terebratula Radstockiensis, o mesmo acontecendo a 800 metros a oeste da Vacariça. 
        
        
        Os depósitos de Vila Nova de Monsarros e da Vacariça
        pertencem à série inferior das Camadas de Pereiros. Em
        Anadia encontra-se o horizonte mais baixo do Lias, tendo
        aí aparecido Neridomus liasina DUNK, espécie que segundo
        BRANNS desce até ao Retiano. 
        
        
        A zona entre Monsarros, Anadia, Mealhada e Vacariça
        é, como toda a Gândara e Bairrada, coberta de areias chamadas pliocénicas, talvez do Vilafranquiano como opinou
        o Sr. Dr. CARRINGTON DA COSTA. São os restos de um monte
        arenáceo que cobriu toda a região e que enche as anfractuosidades e que foi posteriormente retalhado e arrastado pela
        circulação das águas quaternárias. 
        
        
        A região apresenta repetidas falhas e certo relevo. Alguns extractos 
        de argila micácea, folheteada, intercalados
        na base do maciço de grés perto da Vacariça, forneceram
        fósseis vegetais que estudados por OSWALD HEER, e pelo
        MARQUÊS DE SAPORTA tornaram esta localidade, já célebre na
        História pelo mosteiro bubulense, clássica para a geologia 
        
        
        /
        17 /
        [Vol. XIl - N.º 45 - 1946]
        Portuguesa, no dizer de CHOFFAT.   
        
        
        Esses vegetais foram Equisetum pseudo-Hoerense, SAPORTA; Clathropteris SAPORTA;
        Baiera dilata, de HEER; Cheirolepsis Munsteri SCHENK; Palissya lusitanica, SAPORTA e 
        Palissya Braunii ENDL. HEER atribuiu-os ao Retiano, mas SAPORTA depois de examinar o  material fossilífero de Sangalhos, considerou-os da 
        mesma idade e, portanto, mais modernos. 
        
        
        Na Vacariça aflora também o Sinemuriano médio. As
        suas dolomias estão ali em contacto com grés grosseiros que
        recobrem os fósseis vegetais, parecendo, pois, não se dar a
        alternância de grés, argilas e placas dolomíticas do Hetangiano dos arredores de Coimbra. 
        
        
        O calcário é uma dolomia amarelada curiosa pelas cavidades que contém, devidas à dissolução dos fósseis. 
        
        
        A abundância de Unicardium Costae e a presença de Nerinella, Lucina, Cardinia, Pecten e Ostrea 
        demonstram estarmos em 
        presença do Sinemuriano médio. 
        
        
        Em Monsarros, uns cinco quilómetros ao norte e sobre a estrada que vai da Anadia ao Luso, encontram-se xistos
        marno-arenáceos com numerosos moluscos. Nesta fáunula,
        CHOFFAT destacou, como formas principais, Promathildia
        turritella, Neridomus liássica, Isocyprina Germari, Modiola Hoffmannis e Plincatula Hetangiensis. 
        
        
        Em Carvalhais, perto de Anadia, grés com Equisetum
        pseudo-Hoereux, repousam sobre um leito de Isocyprina. 
        
        
        Próximo da Moita e entre Carvalhais e Anadia, devido
        a uma deslocação, afloram os calcários de Coimbra, não
        sendo visível a sucessão regular das camadas. 
        
        
        Sangalhos e Sá encontram-se no meio de um afloramento de camadas de Pereiros formadas por argilas e grés
        micáceos cercados e recobertos do conhecido material planáltico de aparência pliocénica. 
        
        
        Entre Sá e Avelãs de Caminho que fica no vale à beira
        do Cértima e na margem oriental deste, há fósseis vegetais
        e animais, sendo as espécies animais mais frequentes: Promathildia turritela, Isocyprina Germari, Plicatula Hetangiensis, Modiola Hofmanni, Avicula Capelinii. 
        
        
        Entre os vegetais encontraram-se Equisetum tenue
        SAPORTA; Equisetum striatulum SAP.; Gubbiera angustibula BRESL.; 
        Otozamites terquemi SAP.?; Podozamites
        obtruncatus SAP.; Cheirolepsis Nunsteri, SCHENK; Palissya
        lusitanica SAP.; Pachyphylum Combanum SAP.; Pachyphylum liasinum SAP.; 
        Palaeocyparis vetustior SAP.; Poacites
        cyperaceus SAP.; Poacites angustiformis SAP.; Kuciles fimbriatus 
        SAP. 
        
        
        Foi este depósito que SAPORTA considerou contemporâneo do da Vacariça, 
        provando as duas flórulas, segundo
        STAUB citado por CHOFFAT, que as camadas não são do 
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        Keuper (Triássico) mas mais recentes, o que é comprovado também pela 
        fauna. 
        
        
        No norte do Crasto de Anadia, de 94 metros de altitude e de uns 300 
        metros de largura, que seria um local excepcionalmente belo no distrito 
        se não fosse o cemitério do seu alto, e cujo relevo se deve a um 
        interessante anticlinal, dá-se o curioso fenómeno de, num espaço muito 
        restrito como é o
        das dimensões da colina, se encontrarem aflorando no cimo
        e a oeste, do lado das caves dos espumantes, os grés infraliássicos e, 
        pelo lado de leste, os calcários dolomíticos do Sinemuriano médio e os 
        calcários do Sinemuriano superior. As duas bandas apresentam fácies e 
        colorações diversas. De oeste, os materiais siliciosos, rubros, de 
        aparência triássica; de leste e norte, os calcários claros do Sinemuriano, fortemente inclinados. O grés é duro e fendilhado. Entre a 
        capela e as casas de noroeste, CHOFFAT encontrou moldes de Isocyprina Germari e de 
        Avicula Capelinii. Os calcários são os mesmos 
        que vemos sobre a estrada Porto-Lisboa ao sul da Malaposta e na Venda 
        da Pedreira e, a oriente, nos
        afloramentos da Moita, deslocados e encostados às camadas
        gresosas do pseudo-Triássico. A linha de contacto entre as duas 
        formações segue ao longo do vale da ribeira afluente do Cértima, na 
        direcção de Monsarros, Vacariça, Buçaco. 
        
        
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        Passemos rapidamente a vista pela geologia utilitária. Para sul-sudoeste 
        da linha divisória das manchas do
        Liássico J1 e do Dogger J2 do planalto de Cantanhede que vai da Cordinhã 
        a Outil, o Liássico cede o seu lugar ao Dogger, do Jurássico médio. E a 
        pátria da famosa pedra de Outil, de Portunhos, de Ançã, matéria prima 
        das obras dos artistas do Renascimento em Coimbra e no seu aro. 
        
        
        Os altares e os túmulos da igreja de Cantanhede, o precioso retábulo da 
        capelinha da Varziela, o Panteão dos Silvas em S. Marcos, o muito mais 
        recente panteão da Vista Alegre, o panteão renascentista dos Lemos na Trofa de 
        Águeda, e tantas outras obras dispersas pelo País, porventura menos belas ou menos 
        afamadas que essas maravilhas da estatuária e da composição 
        arquitectural saídas das mãos e da mentes desses mestres artistas de 
        Coimbra, que seriam grandes em qualquer parte do mundo culto e em 
        qualquer época da História, foram lavradas na branca e suave pedra da 
        mancha Jurássica de Cantanhede. 
        
        
        E o Bajociano, que fornece a maior parte desses calcários,
        alvos e subcresosos com cefalópodos, que, na falta de mármores 
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        límpidos e de translúcidos alabastros, tão utilizados são ainda 
        hoje em meio Portugal em muitas obras utilitárias e ornamentais da 
        construção civil e religiosa e nas capelas, estelas e moimentos fúnebres 
        dos nossos cemitérios. 
        
        
        Contudo, a pedra de Andorinha, próxima da de Ançã, é mais resistente e menos friável do que a do Bajociano desta
        última povoação. Pertence já ao Batoniano e é de natureza
        oolítica. 
        
        
        No Cabo Mondego e na serra da Boa-Viagem, o Bajociano é formado por 
        calcários marnosos de cor carregada que se utilizam nos fornos de cal 
        hidráulica e de cal vulgar de construção, não só do promontório mas de 
        Brenha e proximidades. 
        
        
        A Bairrada pouca utilidade tira das formações do Jurássico. 
        
        
        O calcário liássico da Bairrada, em geral, é insusceptível de ser 
        lavrado e é impróprio mesmo para os trabalhos de cantaria ornamental ou 
        geométrica. 
        
        
        A rocha é friável e margosa e, mesmo quando compacta e dura, a sua 
        clivagem é conchoide, não se afeiçoando às exigências da esquadria, 
        utilizando-se apenas como material de enchimento de caboucos, alicerces 
        e paredes, em pedaços disformes e irregulares e raras vezes servindo 
        para a brita das estradas, por muito molar. É utilizada nos fornos de 
        cal de Pampilhosa, Anadia, Mogofores e Amoreira da Gândara,
        mas na Palhaça, Mamarrosa e Bustos, nos lugares da Caneira e dos 
        Penedos, a pedra da cal, de superior qualidade, não pertence ao 
        Jurássico, sendo extraída dos afloramentos locais
        do Turoniano. 
        
        
        Os calcários e as margas e argilas calcaríferas do Liássico da Bairrada 
        são hostis à cultura e impõem, onde afloram, por vezes, insanos 
        trabalhos de aproveitamento do solo. É discutível, mas parece bem 
        provável que tenham sido estes barros do Liássico o elemento dominante 
        da comunidade toponímica da região e de alguns dos seus povoados: 
        Bairrada se chama a região e de Bairros se apelidam muitas das suas 
        típicas localidades. Ora nós podemos constatar que Oliveira do Bairro é 
        uma vila que fica sobranceira a um
        afloramento do Lias. 
        
        
        Ois do Bairro alcandora-se também numa formação liássica, o mesmo 
        acontecendo com Vilarinho do Bairro, Ventosa do Bairro, Paredes do 
        Bairro, S. Lourenço do Bairro. 
        
        
        A mancha liássica da Bairrada coincide com a zona mais valiosa dos 
        conhecidos e famosos vinhos encorpados da região, mas, em verdade, não 
        determina as suas características oenológicas. 
        
        
        Os grandes vinhos da Bairrada são produzidos nas arenatas do chamado 
        Plioceno e nos nateiros do Quaternário e 
        
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        não nos barros, margas ou calcários do Liássico estéril e
        revesso que lhes demora nas proximidades. 
        
        
        As dolomias dos afloramentos de leste do curso do Cértima e o tufo que 
        ocorre em vários locais têm emprego em construção civil ligeira e em 
        obras rústicas de ornamentação. 
        
        
        Em Oliveira do Bairro, na Anadia e Pampilhosa, grandes fábricas de 
        cerâmica de construção utilizam a argila de depósitos laterais e 
        relacionados com os afloramentos jurássicos. 
        
        
        Próximo do Paraimo explora-se o gesso. 
        
        
        As águas da Curia brotam em pleno afloramento do
        Liássico local. 
        ALBERTO SOUTO |