A DIRECÇÃO do Arquivo
presta neste número a sua
homenagem ao Sr. Dr. EGAS MONIZ, por força da lei recentemente afastado do exercício das funções oficiais
de professor de Neurologia da Faculdade de Medicina
de Lisboa. Junta a sua modesta voz ao coro de saudações e
aplausos de que S. Ex.ª foi alvo por ocasião do seu 70.º aniversário natalício, e que o vitoriou em Estarreja, no dia 23 deste mês
de Dezembro, quando os conterrâneos e amigos
lhe quiseram provar, em sessão solene realizada nos Paços
do Concelho, quanto estimavam o homem, o Cidadão e o
sábio.
Fazendo-o, aproveita o ensejo para publicamente manifestar ao ilustre homem de ciência a sua gratidão pela generosidade com que há tempos se dignou distinguir a revista,
nela publicando a admirável monografia sobre o grande e
infortunado artista do nosso Distrito, Maurício de Almeida
(n.º 35 - 1943).
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A vida pública do Dr. EGAS MONIZ constitui uma carreira
verdadeiramente triunfal. Nascido em Avanca no dia 29 de
Novembro, de 1874, doutora-se na Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra em 1899; nela entra como catedrático em 1900; dela é transferido para a de Lisboa em 1911.
Nessa Faculdade, que durante algum tempo dirigiu, se entrega
aos trabalhos de angiografia cerebral e de leucotomia pre-frontal, que levaram o seu nome aos grandes centros culturais de todo o mundo. Foram os trabalhos científicos que lhe deram
entrada na Academia das Ciências de Lisboa, de
que foi presidente vários anos, e o fizeram sócio de numerosíssimas academias estrangeiras.
Tentado pela política, foi deputado de 1903 a 1917 e
nessa fase da sua vida teve ocasião de se revelar orador de
grandes recursos. Foi Ministro dos Estrangeiros, e diplomata.
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Mas o médico, o académico, e o político e diplomata teve ainda tempo
para manifestar as suas aptidões nos domínios da Arte e da Literatura, e
num e noutro foi brilhante.
Tal foi, em rápido escorço, a actividade desse espírito omnímodo que,
sendo glória da sua terra e do seu Distrito, o é também de Portugal e
do Mundo.
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A bibliografia do Dr. EGAS MONIZ, que se encontra
apensa ao
opúsculo que contém a sua Última Lição (Dezembro,1944) consta − entre
volumes de carácter científico,
memórias e trabalhos científicos espalhados por numerosas revistas, e
obras para médicas, de Arte e literárias − de nada menos de 324
espécies, sem contar com os discursos parlamentares e projectos de lei.
Os seus amigos e colaboradores de Lisboa deram à estampa, em Novembro
último, acompanhado de esplêndido retrato do sábio, o volume − A Expansão
da Angiografia e
da Leucotomia Prefrontal de Egas Moniz −, no qual toma
o leitor conhecimento da repercussão que os seus trabalhos têm tido em
todos os grandes países do Mundo.
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No fim da sua carreira de professor, teve o Dr. EGAS MONIZ duas
consagrações, que muito o devem ter sensibili'zado. No dia 29 de Novembro, ao proferir a última lição, viu a seu
lado, cobrindo-o de aplausos e manifestando-lhe a sua estima e
admiração, colegas, alunos, colaboradores, deputações de professores das
Universidades do Porto e Coimbra, acompanhadas dos respectivos reitores.
Disse então S. Ex.ª: − «De tempos a tempos, irei ao Hospital − pois sei que
os meus antigos companheiros o consentem e estimam −, saber dos êxitos nas
veredas traçadas e nos novos caminhos que se hão-de abrir. E com esses
estímulos, a guiarem trôpegos passos, irei resistindo à derrocada
impiedosa da decrepitude. − Os homens passam, as conquistas científicas
permanecem ou transformam-se. A História, que as arquivava, fará a sua
crítica. − Sinto-me sombra a desvanecer-se nas gerações que se seguem. E agora, ao
despedir-me, ouso rematar: esforcei-me por cumprir o meu dever».
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Professor Doutor EGAS MONIZ |
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Em Estarreja, a manifestação de apreço tomou aspectos de apoteose.
Quanto o sensibilizou a gratidão dos conterrâneos e
amigos − mostrou-no-lo a brilhantíssima oração que
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então pronunciou, cujo final é suficiente para revelar o orador, ainda
capaz de se librar às altas regiões da eloquência: − «Agora, ao
deixar a vida activa do professorado, vêm os
meus conterrâneos cobrir-me de aplausos. Bem hajam, pois muito são de
apreciar nesta quadra melancólica em que a vida pouco conta, e as
badaladas do sino da torre marcam
as horas crepusculares: horas em que apenas se divisam, aos últimos revérberos do sol poente, sombras fugidias que pouco a pouco se
desvanecem na escuridão que se adensa; horas em que se evolam os sonhos,
desaparecem as aspirações, e todas as ambições se submergem; horas em
que o relógio da sala toca sempre os mesmos compassos do mesmo minuete,
que já não despertam nem evocações do passado, nem promessas do futuro;
horas crepusculares, horas de vago pensar em que o passado se vê através
de vidros esfumados, mas em que verei sempre brilhar no céu, e com
intensa luz, uma fúlgida estrela, perpetuamente cintilante: a recordação
desta festa inolvidável, extrema-unção afectiva dos meus conterrâneos e
amigos.»
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Eis a simples e singela homenagem do
Arquivo ao ilustre médico, sábio
e artista, politico e diplomata, que nas horas vagas também soube enfileirar ao lado dos mais ilustres cultores da crítica literária, e
que em todas as manifestações do seu talento foi e será sempre apontado
como lídima
glória desta região da beira-mar.
26 de Dezembro de 1945
JOSÉ PEREIRA TAVARES
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