Mário Ramos, Doações e privilégios das Terras de Santa Maria, Vol. X, pp. 213-220.

DOAÇÕES E PRIVILÉGIOS

DAS TERRAS DE SANTA MARIA

PASSOU-NOS pela mão um livro manuscrito, em cuja lombada se lê: FORAL DO CONCELHO DA VILLA DE OLIVEIRA DE AZEMEIS.

Despertou-nos curiosidade, e nele fomos encontrar, compiladas, todas as doações e privilégios que tinha a casa dos Condes da Feira, donde foi desmembrado este concelho de Oliveira de Azeméis, recebendo a sua sede a categoria de vila em 5 de Janeiro de 1779. São desse livro as notícias que se seguem.

Encadernado em carneira, com dois ferros, um deles partido, tem nas duas faces uma cercadura dourada, cordão de pérolas ou pontos entrelaçados em espiral com outro de pequenas flores ou folhas; no centro, de ambos os lados, as armas nacionais − o escudo real sobre uma esfera armilar encimada pela coroa, e tudo cercado com ramos de carvalho. O emblema é desproporcionado, pois mede vinte e oito milímetros, quando o formato do livro é de 0,345 x 0,22.

Indica-se no livro que era destinado ao registo, por certidão, do foral da vila da Feira, para regulamento do concelho de Oliveira de Azeméis. O termo de abertura foi lavrado em 22 de Outubro de 1824 pelo corregedor da comarca, Francisco de Sales de Barbosa e Lemos.

A pág. 2 está um requerimento do juiz de fora do Geral, Sisas, Crime e Órfãos, de Oliveira, ao corregedor, para que legalizasse o livro e mandasse passar certidão do foral. Datada de 25 de Março de 1826, (foI. 3) está uma declaração do Procurador do Conselho, Apolinário José Godinho, informando o Juiz de Fora de que não conseguiu ainda obter na Feira a certidão pedida «por varias escuzas, e de Longas», mas que lhe consta haver uma certidão em poder do escrivão do Tombo da vila (Oliveira) pelo que pede que por essa mande passar a outra de que necessita. Segue-se a transcrição, de certidão passada por António Vaz da Fonseca, / 214 / «Escrivão do Tombo em esta villa...» e logo a seguir o foral, que tem 238 artigos, seguidos da pena, o que tudo ocupa o livro até foI. 57. Este foral já foi publicado nesta revista (Vol. V).

A fl. 57 v. está um requerimento do procurador do concelho, Manuel José Godinho, em 15 de Janeiro de 1827, ao juiz de fora e do tombo; para se lhe passar certidão das doações feitas pelos Reis à casa dos Condes da Feira (que ao tempo era do Infantado) para se conhecerem os privilégios.

São essas doações que seguem, com alvarás e decretos, e que vão até fl. 110 do livro, que daí em diante ficou em branco.

Encontra-se primeiro uma carta de confirmação de D. Filipe III, dada em Lisboa em 15 de Junho de 1630, a D. Joana Forjaz Pereira, filha única do Conde da Feira, D. João Forjaz Pereira, e mulher do Conde D. Manuel Forjaz Pereira Pimentel. Dessa carta constam as anteriores confirmações ou doações, que são as seguintes:


de Filipe lI, à mesma D. Joana, dada em Lisboa em 17 de Out.º de 1620;

de Filipe II ao pai daquela senhora, D. João Pereira, dada em Lisboa, em 26 de Janeiro de 1605;

de Filipe I ao Conde D. João Pereira, em Lisboa, 16 de Fevereiro de 1596 (D. João teve um irmão, D. Diogo Pereira, que faleceu sem filho varão);

de D. João III a D. Manuel Pereira, em Lisboa, 11 de Fevereiro de 1522, e de Évora em 10 de Maio de 1535;

de D. Manuel I a D. Manuel Pereira, em 16 de Abril de 1511, Lisboa, e do mesmo rei a D. Diogo Pereira, de Montemor-o-Novo, 10 de Março de 1496;

de D. João II ao mesmo D. Diogo, Lisboa 7 de Dezembro de 1486;

de D. Afonso V a Rui Pereira e a Fernão Pereira, respectivamente de Santarém, 21 de Dezembro de 1467, e Évora, 6 de Abril de 1453;

de D. João I a João Álvares Pereira (ou João Álvares, filho de Álvaro Pereira que foi Marechal), do Porto, 19 de Agosto de 1386 (era de 1424);

Por esta carta, morrendo João Álvares sem filhos ou netos lídimos, passariam os bens a Beatriz Pereira, e falecendo esta sem filhos, a Leonor Pereira, ambas filhas de Álvaro Pereira.

Na confirmação de D. Afonso V referem-se os lugares:

«outorgamos lhas e confirmamos lhas por morte do dito seu Padre todas as ditas terras e lugares & terras / 215 / de Sancta Maria da Feira, com seus julgados e termos de Cabanões, do Ovar, e da terra de Cambra com seus julgados e termos, e da terra de Refojos com seus julgados e termos assim e pela guiza que as houve e possuhio o Conde Dom João Affonço Tello que as teve d'EI rey Dom Fernando, que as houve e possuhio Alvaro Pereira d'EI rey Dom João Meu Avô.»

Entre as citadas confirmações está o traslado da doação de D. Fernando (mandado apresentar por D. João III) doando o rei

«em sembra com a Rainha Dona Leonor Minha mulher e com outorgamento da Infanta Dona Beatriz Minha filha.»

a D. João Afonso Telo, Conde de Barcelos, das terras de Santa Maria da Feira, Cabanões, Ovar e Cambra, com seus julgados e termos, jurisdições crime e cível, «salvo as Appellações e Correição maior». É de 27 de Janeiro de 1383 (era 1421) «Dante em os Paços que foram de Rui Garcia do Cazal em rio maior».

Os termos da primitiva doação foram restringidos pelas citadas cartas de D. João III, ficando na de 1535 excluída a jurisdição na terra de Refojos, que pertencia já à jurisdição do Porto.

Em 1540, o Conde da Feira, com a Condessa sua mulher, D. Francisca Henriques, venderam a Manuel Cirne, feitor de El-rei em Flandres, a mesma terra de Refojos, o que foi confirmado por carta de 2 de Janeiro desse ano.

No alvará da doação a D. João Forjaz Pereira, por morte de seu irmão D. Diogo, diz-se que ele, tendo já prestado serviços na Índia, vai nesse ano para as Ilhas como «Cappitão Mor da Armada»; é datado de Lisboa, 22 de Julho de 1595.

*

Segue-se no livro (fl. 73 v.) uma carta de Coutadas, de D. Sebastião, a D. Diogo Forjaz Pereira. Nas terras do Conde que tinham esse privilégio «não podião em ellas pessoa alguma matar. Porcos montezes nem Viados monteando nem balheteando nem com Armadilhas nem Lebres nem Coelhos... nem pescarem...» / 216 /

o que já fora concedido ao pai do Conde, D. Manuel Pereira, e ao avô.

A multa para quem matasse porcos ou veados era de 500 reis de cadeia por cabeça.

Quanto aos coelhos ficava coutado apenas «uma Legoa na terra da dita Villa d'Ovar a saber da Agoa doce direito á Levada nova, e do Outeiro da dita Levada ao Outeiro dos servos, e do outeiro dos Servos direito ao Carregal, e dahi ao Longo da Praia do Covello athe Thejoza que parte com as camboas de Mós.» Multa, a mesma.

Quanto a lebres − «outra Legoa na terra de Santa Maria a saber de Albergaria a fonte da Fusca assim como parte com Nadais, e da outra parte com Samfins, e Escapães nas quais confrontações ha meia Legoa, e a outra meia Legoa da cruz de São João athe vizo maior, e dahi direito ao Carvalho de Espargo que parte com Nossa Senhora de Campos, e dahi a São Domingos de Passo da Feira». A mesma multa.

Para pesca couta-Ihe

«um pedaço da Ribeira do Caima que é em terra de Cambra desde a Ponte de Padrastos athe Bustello... e outro pedaço da Ribeira que vai pela Feira a saber dos mohinhos da Lavandeira athe a ponte de Balteiro, e outro pedaço do dito rio do Assude novo athe a Caza de João dos Santos.»

Não se podia pescar «com redes covos nem com outra Armadilha sem licença do dito Conde» sob pena de 200 reis de cadeia.

Metade das penas era para o couteiro, outra metade para o «Conselho».

O Conde podia nomear 3 couteiros «cazados de boa fama», que prestavam juramento perante as câmaras dos ditos lugares.

Dada em Lisboa em 25 de Agosto de 1561, em nome de D. Sebastião.

Por outra em nome da «Rainha», de 21 de Janeiro de 1564, é dada, com um couteiro em Ovar, nova

«coutada de Perdizes meia Legoa de traz ao redor do Castello da sua Villa da Feira», não se podendo caçar «com Perdigão redez nem com outra armadilha», sob pena de perder o perdigão e armadilhas e pagar de cada vez 500 reis de cadeia.

/ 217 /

Foram as coutadas confirmadas por alvará de Filipe II, de Lisboa, 17 de Novembro de 1617, e carta de 6 de Junho do mesmo ano, a D. Maria de Gusmão, condessa, tutora e administradora da condessa D. Joana Forjaz Pereira e Meneses, sua filha.

Segue-se a carta de coutada concedida por D. Manuel, em 23 de Janeiro de 1504, de Lisboa, onde, quanto a pesca, se reservava

«o rio da Feira de Sãofins athe as cazas de João dos Santos e Cambra athe Bustello: e de São João da Madeira da Ponte do Valle athe a ponte do Avenal, e dahi Nadaes, Nadaes athe Crestuma, e o de Paramos athe a lagoa desMoris: e assim Queremos que sejao coutadas de Coelhos aquellas que soião ser: a saber a Dalem do Rio do Corrello como d'aquem, e da Lagoa seca direito ao Mar com os Covôes d'Areia athe a lagoa desmoris de entre o Rio da Lagoa seca e o Mar athe a Lagoa d'Esmoriz: e assy as Lebres d'Areia, e Perdizes de Sancta Maria direito a Lever, e de Lever ao Carrega! e do Carregal a Villarinho e dahi direito a Degarei.»

Pena, 500 reis e mais 20 dias de cadeia, extensiva a quem agasalhasse ou encobrisse os culpados, podendo haver 4 guardas de coutada em cada terra e prescrevendo a pena dos encobridores passados dois meses.

*

A casa dos Condes da Feira vagou para a Coroa por morte do Conde D. Fernando Forjaz Pereira, pelo que D, João V fez dela doação a seu irmão o infante D. Francisco, por carta dada em Lisboa em 10 de Fevereiro de 1708, embora declarando-se ali estivesse em litígio essa casa. D. Francisco passou procuração ao Provedor da Comarca de Esgueira, para tomar por ele posse, em Lisboa, em 3 de Maio de 1708, posse que foi tomada em 18 de Maio nas casas da câmara da Vila da Feira, com grande assistência.

Constam do auto de posse:

Da Vila da Feira −

João Martins Pereira, juiz ordinário substituindo Diogo Moreira de Vasconcelos; vereadores, João Coelho, Baltasar Pereira Rosário e J osé Fernandes; / 218 / procurador do concelho, Manuel de Bastos e João de Oliveira Magalhães, os quais nesse ano serviam de juiz e oficiais da câmara; António de Aguiar Soares, juiz dos direitos reais do condado; Sebastião Leitão Coelho, escrivão dos mesmos; Manuel de Azevedo da Costa, juiz dos órfãos; Manuel de Azevedo Aranha, escrivão; Damião Rodrigues de Freitas, meirinho da correição; João Lopes Correia, André da Silva e Manuel Rodrigues Mascarenhas, tabeliães; António Simões, escrivão das sisas; António Gomes Leite, escrivão da almotaçaria; Manuel de Almeida Cabral, inquiridor; José Correia Pereira, alcaide; Marcos de Oliveira, seu escrivão da vara;

Pela vila e concelho de Macieira de Cambra −

Pascoal do Couto e Francisco Aires, juízes ordinários; António Ferreira, João de Almeida Cabral e Manuel de Figueiredo de Melo, vereadores; Manuel Gomes, procurador do concelho; Diogo Pinto de Magalhães e António Borges de Almeida, tabeliães; Manuel Tavares, escrivão das sisas; Manuel Pereira de Castro, alcaide; faltaram, por impedimentos, Manuel Soares Homem, juiz dos órfãos, e seu escrivão António de Magalhães;


Por Ovar −

Gaspar Antunes Lage, juiz ordinário e dos órfãos; Francisco Gomes e Gabriel Rodrigues, vereadores; João Rodrigues Gorita, procurador; Francisco Barbosa de Sá, escrivão da câmara e almotaçaria; Ventura de Oliveira, tabelião; Gabriel de Sequeira, escrivão das sisas, e Francisco Dias Rebelo, alcaide;

Por Pereira Jusã −

Diogo Soares da Silva, juiz ordinário e dos órfãos; Manuel Rebêlo' e Diogo de Mendo.nça, vereadores; João Francisco, procurador; João Vaz Correia, escrivão da câmara, almotaçaria, órfãos, judicial e notas; faltou o alcaide Amara Valente, por impedido;

Pelo Couto de Cortegaça −

Manuel Gonçalves o Aroja, juiz do cível, órfãos e ahnotaçaria; Manuel Pinto, procurador do concelho; / 219 /

Pelo Couto de Cucujães −

António Dias, juiz ordinário, do cível, órfãos e almotaçaria; e António Francisco, procurador do mesmo Couto;

Pelo Couto de Landim −

Manuel Fernandes, juiz ordinário, do cível, órfãos e almotaçaria; e Domingos Fernandes, procurador;

Pelo Couto de Crestuma −

João Lopes, Juiz ordinário, do cível, órfãos e almotaçaria; e Domingos João, procurador;

Pelo concelho da Castanheira −

Manuel Duarte e Pedro Marques, juízes ordinários e dos órfãos; Manuel de Faria e Domingos Simões Pereira, vereadores; António de Arguilla de Vasconcelos, escrivão da câmara, órfãos, almotaçaria judicial e notas;

Mais −

Domingos Dias dos Reis e Vasconcelos, sargento-mor, servindo de capitão-mor no Condado; Manuel da Silva Grilo, capitão da Vila da Feira; João de Azevedo da Costa, João Machado da Silva, Francisco Jorge Aires, João Lopes Correia, Luís Vaz da Fonseca, António Gomes Loureiro, Manuel de São Tiago Pereira, João Pereira da Graça, João Antão Pereira, Manuel de Sousa Pedrosa, Bernardo Ferreira de Carvalho, capitães da Feira; João de Sousa, Baltasar Pereira Rosário, Manuel Cardoso, Domingos Francisco. da Silva, Luís de Matos, Manuel Moreira, Manuel dos Santos, Gregório Álvares da Rocha, António Rodrigues Bucho, Paulo de Pinho e António de Almeida, alferes da Feira; De Ovar, o capitão Francisco Barbosa da Cunha e os seus oficiais; Manuel Gomes, capitão de Pereira Jusã; o capitão de Cortegaça e o seu alferes André da Silva; de Cambra os capitães António Borges de Almeida, André Homem Soares, Nicolau Fernandes da Rocha, Domingos Jorge da Costa e os seus oficiais; Pela nobreza: Fernão Leite de Andrade, Francisco Guedes de Queiroz, Dionísio Pereira Soares, Doutor António de Almeida Brandão, António Soares da Costa, morgado do Gafanhão, Manuel Soares Coelho, Salvador / 220 / da Rocha Tavares, Francisco Soares de Albergaria, João Barbosa Freire, Diogo Leite Cabral, estes quatro de Ovar, e muito mais nobres e povo, alguns constando das assinaturas subsequentes,

Os mais documentos que se seguem no livro são privilégios, ou sua confirmação, à Casa de Bragança, jurisdição, . nomeação de funcionários, dinheiros, etc. Indicamo-los também:

Confirmação de D. Afonso VI, de 1 de Agosto de 1662 a D. Pedro, seu irmão; Doação de Filipe III, de Lisboa, 3 de Agosto de 1627, confirmada por sucessão em 10 de Maio de 1639; de D. João I a D. Nuno Álvares Pereira, no Porto em 10 de Fevereiro, era de 1425; de Filipe I a D. Teodósio, de 15 de Maio de 1592, Lisboa; de D. Afonso V, dada em Lisboa em 28 de Julho de 1454, confirmada por Filipe III em Madrid, em 1 de Julho de 1638; Carta de ordem (?) da Rainha D. Luísa, de 27 de Fevereiro de 1658, ao juiz e vereadores de Caminha; Ordem do Desembargo do Paço, de D. João, em 7 de Junho de 1725, ao juiz de fora de Valença; Carta da Junta do Infantado, de 19 de Junho de 1725, ao juiz de fora de Valença, a respeito de S. Pedro da Torre; Provisão de 22 de Setembro de 1727, ao ouvidor de Valença, a respeito de Valadares; Decreto de 24 de Maio de 1688; Alvará de 20 de Abril de 1662; Acórdão da Relação do Porto de 8 de Janeiro de 1702; Provisão de 31 de Outubro de 1708; outra de 17 de Outubro e outra de 19 de Dezembro do mesmo ano; Ordem da Mesa do Infantado, de 21 de Agosto de 1711 (declara-se que os sobejos das sisas se destinavam às obras das pontes do Vouga e MarneI); Provisão de 16 de Outubro de 1711; Alvará de 23 de Julho de 1656, para Bragança e Vila Real; Carta de confirmação, de Madrid, de 31 de Maio de 1638; Decreto de 21 de Maio de 1750.

Oliveira de Azeméis, Julho 1944.

MÁRIO RAMOS

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