FIGURA de grande
relevo na
sua época, o Embaixador Aires de Sá e Melo não é, como muitos outros filhos
da sua região igualmente ilustres, por ali conhecido,
nada se tendo feito nos tempos modernos, que me conste, para lhe perpetuar o nome.
Contudo, bem antiga é a tradição que nos aponta aquele filho de Anadia e os seus
remotos ascendentes, como dos principais impulsionadores do progressivo desenvolvimento desta terra, que foi seu berço; ali nasceu Aires de Sá
e Melo em 1715, realizando-se
o seu baptizado na igreja paroquial da freguesia da Moita
a 7 de Junho do referido ano. Foi celebrante o Prior de
Avelãs de Cima, Sebastião Pereira de Miranda, da Casa da Graciosa,
figurando como padrinho o Bispo de Coimbra,
D. António de Vasconcelos e Sousa(1). No decurso da sua
vida, e através de documentação da época, várias vezes surpreendemos Aires de Sá e
Melo na Bairrada, o que nos permite concluir que aquele estadista se comprazia em trocar de vez em quando o bulício da vida palaciana que levava
por dever dos seus cargos, pelas amenidades e remanso tranquilo do seu torrão natal; e assim, não só deparamos com
ele, algumas vezes e ainda criança, apadrinhando em baptizados que
tiveram lugar nas igrejas de Arcos e da Moita(2)
como mais tarde o vemos também a servir de padrinho no
baptizado de um irmão do célebre escultor Machado de
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255 /
Castro, realizado na igreja de Tamengos a 18 de Agosto de 1755, e em
que foi oficiante Frei André de Melo, ao tempo Prior
do Convento de Tomar, em Coimbra(3).
Entre aquelas épocas medeia a data de 1747, ano em que Aires de Sá e
Melo mandou colocar na igreja de Arcos os
formosos azulejos
representando passos da vida de Cristo, que enriquecem
as paredes da capela-mor daquele templo, e pelo seu valor artístico
merecem uma visita;
e isso ele fez, como reza uma inscrição lá inserta − «POR DEVOSAM Q TEM AO
S.S. SACRAMENTO).(4)
Tudo indica que, passados os anos da sua infância por terras de Anadia, ali voltava com
certa frequência depois de a ter deixado por circunstâncias impostas pela sua vida oficial. É de lá que o
vemos ir a Coimbra, nos fins do século XVIII,
de visita ao Marquês de Pombal, como ele Secretário
de Estado, quando aquele Ministro ali se encontrava, de mandado
régio, a visitar e a reformar a Universidade.
Num volume manuscrito, do
último quartel do século XVIII(5) que me foi dado examinar há tempos, encontrei
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a confirmação de que Anadia se destacou em importância de entre as
demais terras da Bairrada «por rezam dos ilustres homens que hoje e
sempre deram alma às terras q habitaram fazendo-as como cortes», e lá se
aponta a família de Aires de Sá e Melo como principal obreira dos
progressos da terra: justa e verídica opinião esta do desconhecido e
curioso autor, que, fiel a um culto bairrista bem pouco igualado em
nossos
dias, devota e pacientemente conseguiu juntar e reunir tantos
elementos interessantes a respeito de pessoas e coisas da região bairradina, os quais, pela sua importância
− grande, sob qualquer
aspecto que os encaremos − há muito mereciam
um estudo desenvolvido, onde, entre tantos e variados assuntos de interesse regional, se apresentassem às gerações
presentes as figuras dos que foram notáveis da terra e que,
em muitos casos, deixaram lição de altos exemplos: se alguém
um dia tentar fazer essa obra, aqui ficam estas ligeiras notas; e na
galeria de figuras regionais que há anos venho organizando, eu coloco
hoje a daquele ilustre anadiense, recordando a passagem pela Bairrada
do homem que, no dizer de um seu biógrafo, foi «Fidalgo na verdade de bôa virtude muito aparentado e bem instruido» e além disso Embaixador de
Portugal na corte de Castela, enviado extraordinário a
Nápoles em missão diplomática e Secretário de Estado nos reinados de D.
José e D. Maria I.
*
Como nos aparece em Anadia a família de Aires de Sá
e Melo? Esta terra, por doação régia, pertencia nos meados do século
XVI à Universidade de Coimbra, que ali mantinha jurisdição cível e crime, menos nos casos de furto, forca
e morte(6). Eram propriedade daquele instituto de ensino vários casais
da terra, e, apartado destes havia ali «o corpo de uma quintã cõ hũa
torre sala e camaras sobradadas cõ suas logeas terreas per baixo e
estrebarias e adegua e celeiro e no Meio hũ patim tudo bem repairado e corregido de dentro e de fóra e
tem mais de corredor hũs chaõs das pertenças da dita quinta e uma mata
de carvalhos que se chama deveza da quinta. E junto da dita deveza está
um chaõ que rompeo
Joaõ de Sá pai do inquilino Aires de Sá».
Este prazo, trazia o Licenciado Aires de Sá em três vidas
e ficou ao Doutor Aires Gomes de Sá, seu filho; dá-nos esta
informação o precioso Livro da Fazenda da Universidade,
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257 /
[VoI. IX -
N.º 35 - 1913]
já citado, e por aqui vemos já quais os laços que prendiam,
naquela época remota, a família de Aires de Sá e Melo à terra de Anadia.
Deixa-se adivinhar o cuidado que seus avoengos tiveram com o amanho das
terras que ali eram tomadas de aforamento e foram transmitindo de
geração para geração, até quase a nossos dias. Já não existe hoje a casa
apalaçada onde viram a luz do dia várias gerações da família de Aires
de Sá e Melo, e que ficava junto da quinta à qual dava uma nota bem
marca da de aristocrático realce: dessa moradia solarenga nada existe hoje
que possa ver-se, e na propriedade que lhe ficava anexa existe
presenteménte o posto vitivinícola.
Foi a mencionada quintã cabeça do prazo de Anadia, cujo senhorio estava
na posse de D. Isabel Correia, mulher de Aires Gomes, e cuja filha, D. Mecia Gomes Correia, veio
a casar com João Rodrigues de Sá, que foi o primeiro senhor
do conhecido Prazo do Curval, e capitão de alguma gente nas guerras de
D. Afonso V com Castela, Provedor da Misericórdia de Coimbra, o qual
veio a falecer no ano de 1517, ficando dele um único filho − Aires de Sá
Souto Maior, que herdou de sua mãe aquele referido prazo de Anadia.
Aires de Sá Souto Maior uniu-se em casamento com D. Leonor Juzarte e
foi de ambos filho Aires Gomes de Sá, Cavaleiro da Ordem de Cristo e
Desembargador da Relação do Porto, que desposou D. Catarina de
Melo(7).
Houve deste casamento a Aires de Sá e Melo, que casou por sua vez com
D. Isabel de Melo(8) e de quem foi filho um
outro Aires de Sá e Melo,
casado com D. Isabel de Eça, de quem ficou numerosa prole, contando-se
de entre esta a Lourenço Aires de Sá e Melo, por quem se continuou o
ramo da família que ficou em Anadia(9). Lourenço Aires de Sá e
Melo,
casou três vezes: a primeira em Lisboa, não ficando descendência deste
matrimónio; a segunda, no ano de 1696,
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em Anadia, com uma filha de Diogo de Mendonça' Côrte-Real, de quem houve filhos que
morreram novos(10). E foi
do seu terceiro casamento com D. Maria Inês de Sá e Meneses, de
Condeixa(11), que ficou sucessão a continuar
a família, sendo o primogénito Aires de Sá e Melo, que,
como já ficou dito atrás, nasceu em Anadia no ano de 1715. Digamos quem
foram seus irmãos, que formaram honrosa pléiade, da qual a maioria seguiu
o caminho da vida religiosa; foram eles D. Joana de Sá(12), que com outra irmã professaram
nos conventos de Aveiro e Semide; Frei Sebastião de Sá, Freire de
Avis, de cuja Ordem foi Prior-mor,
além de Monsenhor da Patriarcal(13); Frei
Lourenço de Sá,
frade bernardo(14); Frei João de Sá. que foi frade crúzio(15);
e Manuel de Sá, que morreu novo(16).
Voltemos atrás, para dizer mais alguma coisa sobre Aires de Sá e
Melo.
reatando o que já dele ficou referido.
O livro de registo de casamentos da Sé de Coimbra,
do ano de 1735, dá-nos conta do casamento de Aires de Sá
e Melo com D. Sebastiana Inês de Melo, realizado na capela
particular da Casa da Várzea, a 27 de Março daquele ano(17).
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259 /
Deste primeiro matrimónio houve duas filhas
− D. Sebastiana Inês de Sá e Melo e D. Maria de Sá e Melo, que, a exemplo de suas tias, entraram em
religião, professando ambas no convento de Jesus, da cidade de Aveiro, e
ambas foram «exemplares em virtude».
Aires de Sá e Melo contraiu segundo casamento a 2 de Agosto de 1752 com
sua prima D. Mariana Antónia de Sá e Meneses, filha de Manuel de Sá
Pereira e D. Mariana Plácida de Meneses, havendo deste casamento, os
filhos seguintes:
João Rodrigues de Sá, que continuou a descendência desta ilustre família,
e que nasceu em Condeixa no ano de 1754(18).
Além deste filho, houve do casamento de Aires de Sá e
Melo com D.
Mariana Antónia, a D. Maria das Neves, que faleceu solteira, e ainda
outros filhos que morreram crianças.
A Rainha D. Maria I concedeu, no
ano de 1786, o título de Visconde de Anadia ao primogénito de Aires de
Sá e Melo, com o senhorio da vila, tendo em vista os bons serviços
por este prestados na sua longa e brilhante carreira oficial, como
Embaixador na corte de Madrid e Secretário de Estado nos Negócios da
Guerra; mais tarde, em 1809, foi
,o mesmo agraciado com o título de Conde: era ainda o prestígio do pai a reflectir-se na pessoa do 'filho. Porque João Rodrigues
de Sá faleceu sem descendência, a representação da casa passou a seu tio
materno José António de Sá Pereira, que foi o segundo Conde de Anadia.
Da moradia senhorial dos antigos donatários de Anadia nada existe hoje
que os recorde; entretanto, justo é lembrar a família que deu outrora
notável incremento aos progressos da terra.
SOARES DA GRAÇA |
(1)
−
«Aires − Aos sete dias do mês de Junho de mil e setecentos e quinze
Baptizou Sebastiam P.ª de Miranda com L.ca Prior de S. Pedro de Avelans
de Sima a Ayres filho de Lourenço Ayres e de sua mulher D. Maria da vila
d'Anadia foram padrinhos o Ill.mo S.or Bispo deste Bispado Antonio de
Vasconcellos e Souza assistio por este Joam de Saa de Condeixa e
madrinha D. Brites de Saa em Ruivens Arcebispado de Braga assisti o por
ela seo filho Fr.co Correa O P.e Cura Antonio Rodrigues» Registo
Paroquial da Moita, Baptizados, 1715..
(2)
−
Figura como padrinho logo em 1720 e
volta a sê-lo, de uma filha de Paulo da Costa, de Anadia, em 7-11-1723.
(3)
− Vide «Machado de Castro em Aguim», por SOARES. DA GRAÇA ed.
(4)
−
A inscrição completa diz: «Esta obra de azulejo mandou fazer
o S.r Aires de Sá e Melo no anno de 1747 por devosam q tem ao S.S. Sacramento». Ao
Ex.mo Presidente da Câmara Municipal de Anadia
agradecemos a fotogafia do painel que ilustra esta página.
(5)
−
De autor desconhecido, mas merecedor
de toda a credibilidade, pela
certeza de outros factos. indicados, e devidamente averiguada.
(6)
−
ROCHA MADAHIL, Livro da Fazenda e rendas
da Universidade de
Coimbra de 1570. Coimbra, 1940.
(7)
−
Uma sua filha, de nome Leonor, foi
baptizada na igreja da Moita,
em 5 de Janeiro de 1572.
(8)
−
Aparece, bem como seu marido,
apadrinhando em baptizados na
igreja de Arcos no ano de 1612.
Um outro filho de Aires de Sá e Melo, Fernão de Sá, faleceu em Anadia a
23 de Julho de 1674, e ali morreu também seu pai a 27 de Março do ano
de 1678.
(9)
−
Foram irmãos de Lourenço Aires de Sá e
Melo: Fernão Osório de
Almeida, que não tomou estado; Matias de Sá e Melo, que foi clérigo e
era Prior de S. Martinho de Celorico da Beira no ano de 1696; Francisco de Sá, sem geração; D. Brites Teresa de
Melo, que casou com Manuel
Correia de Lacerda, filho de Gonçalo Correia de Lacerda e D. Branca
Aranha de Barbosa, de S. Pedro de Enfias (Viseu). Este casamento
celebrou-se em Anadia a 23 de Março de 1687; D. Joana, que morreu nova,
e D. Maria d'Eça, que foi freira no Convento de Semide.
(10)
−
Neste casamento, que teve lugar em 3
de Abril daquele ano, na ermida de S. Sebastião de Anadia, representou a noiva
− D. Francisca Joana de Mendonça − Matias de Sá e Melo, estando também presentes
Cristóvão
de Sá e Melo e João de Sá Pereira.
(11)
−
Filha de Manuel de Sá Pereira e D. Mariana Plácida da Mendonça.
(12)
−
Foi baptizada na igreja da Moita em
5-9-1717 por D. Frei Luís
de Almada, Prior-mor de Avis. Foi padrinho João de Sá Pereira e figurou
como madrinha Nossa Senhora das Neves, do Pinheiro. Nasceu em Anadia a
21-8-1717.
(13)
−
Baptizado também na igreja paroquial
da Moita no dia 3 de Outubro
de 1718, pelo Prior de Avelãs de Cima, Sebastião Pereira de Miranda, da
Casa da Graciosa. Teve também como padrinhos João de Sá Pereira e Nossa
Senhora das Neves.
(14)
−
Baptizado na Moita em 26-XI-1722, sendo padrinho Francisco
Correia, residente no Porto, e madrinha N.ª Senhora das Neves.
(15)
−
Nasceu em 9-IX-1724. Baptizado na Moita: foram padrinhos Calixto
Rangel, de Coimbra, e N.ª Senhora das Neves.
(16)
−
Nasceu a 18-XII-1726. O seu baptizado teve lugar na capela de S.
Sebastião de Anadia, celebrando Frei Sebastião de Santo António, frade
de Santo Eloi. Padrinhos, Manuel de Sá Pereira e Nossa S.ª das Neves.
(17)
−
Reza assim o assento do seu casamento:
«Anadia − Ayres de Saã e
Mello. Q.ta da Varzia de S.ta Clara. D. Sebastiana Ignes de Mello. Aos
vinte e sete dias do mes de Março de miI setecentos e trinta e cinco
anos se receberam matrimonialm.te em minha presença e das
test.as abaixo
declaradas Ayres de Saã e Mello f.º leg.º de Lourenço Ayres da Anadia
e de D. Maria Ignes de Saã, e D. Sebastiana Ignes de Mello Menezes Souto
Maior filha legitima de Ant.º Luiz de Mello e de D. Izabel M.ª Pr.ª m.res na
q.ta de Varzia de Santa Clara desta freg.ª e se receberão na
capella da m.ma q.ta com licença do m.to
R.do Dr. Provisor e a dita
contrahente D. Sebastiana Ignes de Mello se fez representar por
procurador que foi o Ill-mo Manuel de Sá Pereira, tio do contrahente Aires de Sá e
Mello
Test.as Dr. José da Silva Pereira Joaõ de Sá Pereira e Joaõ de
Sequeira desta freg.ª
(18)
− É do teor
seguinte o seu registo de baptismo: A 8 de Dezembro de 1754 foi batisado João filho de Aires de Sá e Mello
natural da vila d'Anadia e de D, Mariana Antonia de Sá Menezes de Condeixa. Neto paterno de Lourenço Aires de Sá e
Melo da sua quinta do
Cazainho e de D. Maria Inês de Sá de Condeixa-a-Nova − Neto materno de
Manuel de Sá Pereira e de D. Mariana Placida de Menezes. Padrinhos
Sebastião de Carvalho Secretario de Estado de Sua Magestade
Fidelissima, tocando por ele seu irmão Monsenhor Paulo de Carvalho e D.
Violante Tereza, mulher de José de Mello da Gracioza por quem tocou
com procuração José de Sá Menezes, de Condeixa.
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