Soares da Graça, O embaixador Aires de Sá e Melo, Vol. IX, pp. 254-159.

O EMBAIXADOR

AIRES DE SÁ E MELO

FIGURA de grande relevo na sua época, o Embaixador Aires de Sá e Melo não é, como muitos outros filhos da sua região igualmente ilustres, por ali conhecido, nada se tendo feito nos tempos modernos, que me conste, para lhe perpetuar o nome. Contudo, bem antiga é a tradição que nos aponta aquele filho de Anadia e os seus remotos ascendentes, como dos principais impulsionadores do progressivo desenvolvimento desta terra, que foi seu berço; ali nasceu Aires de Sá e Melo em 1715, realizando-se o seu baptizado na igreja paroquial da freguesia da Moita a 7 de Junho do referido ano. Foi celebrante o Prior de Avelãs de Cima, Sebastião Pereira de Miranda, da Casa da Graciosa, figurando como padrinho o Bispo de Coimbra, D. António de Vasconcelos e Sousa(1). No decurso da sua vida, e através de documentação da época, várias vezes surpreendemos Aires de Sá e Melo na Bairrada, o que nos permite concluir que aquele estadista se comprazia em trocar de vez em quando o bulício da vida palaciana que levava por dever dos seus cargos, pelas amenidades e remanso tranquilo do seu torrão natal; e assim, não só deparamos com ele, algumas vezes e ainda criança, apadrinhando em baptizados que tiveram lugar nas igrejas de Arcos e da Moita(2) como mais tarde o vemos também a servir de padrinho no baptizado de um irmão do célebre escultor Machado de / 255 / Castro, realizado na igreja de Tamengos a 18 de Agosto de 1755, e em que foi oficiante Frei André de Melo, ao tempo Prior do Convento de Tomar, em Coimbra(3).

Entre aquelas épocas medeia a data de 1747, ano em que Aires de Sá e Melo mandou colocar na igreja de Arcos os formosos azulejos representando passos da vida de Cristo, que enriquecem as paredes da capela-mor daquele templo, e pelo seu valor artístico merecem uma visita; e isso ele fez, como reza uma inscrição lá inserta − «POR DEVOSAM Q TEM AO S.S. SACRAMENTO).(4)

Tudo indica que, passados os anos da sua infância por terras de Anadia, ali voltava com certa frequência depois de a ter deixado por circunstâncias impostas pela sua vida oficial. É de lá que o vemos ir a Coimbra, nos fins do século XVIII, de visita ao Marquês de Pombal, como ele Secretário de Estado, quando aquele Ministro ali se encontrava, de mandado régio, a visitar e a reformar a Universidade.

Num volume manuscrito, do último quartel do século XVIII(5) que me foi dado examinar há tempos, encontrei / 256 / a confirmação de que Anadia se destacou em importância de entre as demais terras da Bairrada «por rezam dos ilustres homens que hoje e sempre deram alma às terras q habitaram fazendo-as como cortes», e lá se aponta a família de Aires de Sá e Melo como principal obreira dos progressos da terra: justa e verídica opinião esta do desconhecido e curioso autor, que, fiel a um culto bairrista bem pouco igualado em nossos dias, devota e pacientemente conseguiu juntar e reunir tantos elementos interessantes a respeito de pessoas e coisas da região bairradina, os quais, pela sua importância − grande, sob qualquer aspecto que os encaremos − há muito mereciam um estudo desenvolvido, onde, entre tantos e variados assuntos de interesse regional, se apresentassem às gerações presentes as figuras dos que foram notáveis da terra e que, em muitos casos, deixaram lição de altos exemplos: se alguém um dia tentar fazer essa obra, aqui ficam estas ligeiras notas; e na galeria de figuras regionais que há anos venho organizando, eu coloco hoje a daquele ilustre anadiense, recordando a passagem pela Bairrada do homem que, no dizer de um seu biógrafo, foi «Fidalgo na verdade de bôa virtude muito aparentado e bem instruido» e além disso Embaixador de Portugal na corte de Castela, enviado extraordinário a Nápoles em missão diplomática e Secretário de Estado nos reinados de D. José e D. Maria I.

*

Como nos aparece em Anadia a família de Aires de Sá e Melo? Esta terra, por doação régia, pertencia nos meados do século XVI à Universidade de Coimbra, que ali mantinha jurisdição cível e crime, menos nos casos de furto, forca e morte(6). Eram propriedade daquele instituto de ensino vários casais da terra, e, apartado destes havia ali «o corpo de uma quintã cõ hũa torre sala e camaras sobradadas cõ suas logeas terreas per baixo e estrebarias e adegua e celeiro e no Meio hũ patim tudo bem repairado e corregido de dentro e de fóra e tem mais de corredor hũs chaõs das pertenças da dita quinta e uma mata de carvalhos que se chama deveza da quinta. E junto da dita deveza está um chaõ que rompeo Joaõ de Sá pai do inquilino Aires de Sá».

Este prazo, trazia o Licenciado Aires de Sá em três vidas e ficou ao Doutor Aires Gomes de Sá, seu filho; dá-nos esta informação o precioso Livro da Fazenda da Universidade, / 257 / [VoI. IX - N.º 35 - 1913] já citado, e por aqui vemos já quais os laços que prendiam, naquela época remota, a família de Aires de Sá e Melo à terra de Anadia. Deixa-se adivinhar o cuidado que seus avoengos tiveram com o amanho das terras que ali eram tomadas de aforamento e foram transmitindo de geração para geração, até quase a nossos dias. Já não existe hoje a casa apalaçada onde viram a luz do dia várias gerações da família de Aires de Sá e Melo, e que ficava junto da quinta à qual dava uma nota bem marca da de aristocrático realce: dessa moradia solarenga nada existe hoje que possa ver-se, e na propriedade que lhe ficava anexa existe presenteménte o posto vitivinícola.

Foi a mencionada quintã cabeça do prazo de Anadia, cujo senhorio estava na posse de D. Isabel Correia, mulher de Aires Gomes, e cuja filha, D. Mecia Gomes Correia, veio a casar com João Rodrigues de Sá, que foi o primeiro senhor do conhecido Prazo do Curval, e capitão de alguma gente nas guerras de D. Afonso V com Castela, Provedor da Misericórdia de Coimbra, o qual veio a falecer no ano de 1517, ficando dele um único filho − Aires de Sá Souto Maior, que herdou de sua mãe aquele referido prazo de Anadia. Aires de Sá Souto Maior uniu-se em casamento com D. Leonor Juzarte e foi de ambos filho Aires Gomes de Sá, Cavaleiro da Ordem de Cristo e Desembargador da Relação do Porto, que desposou D. Catarina de Melo(7). Houve deste casamento a Aires de Sá e Melo, que casou por sua vez com D. Isabel de Melo(8) e de quem foi filho um outro Aires de Sá e Melo, casado com D. Isabel de Eça, de quem ficou numerosa prole, contando-se de entre esta a Lourenço Aires de Sá e Melo, por quem se continuou o ramo da família que ficou em Anadia(9). Lourenço Aires de Sá e Melo, casou três vezes: a primeira em Lisboa, não ficando descendência deste matrimónio; a segunda, no ano de 1696, / 258 / em Anadia, com uma filha de Diogo de Mendonça' Côrte-Real, de quem houve filhos que morreram novos(10). E foi do seu terceiro casamento com D. Maria Inês de Sá e Meneses, de Condeixa(11), que ficou sucessão a continuar a família, sendo o primogénito Aires de Sá e Melo, que, como já ficou dito atrás, nasceu em Anadia no ano de 1715. Digamos quem foram seus irmãos, que formaram honrosa pléiade, da qual a maioria seguiu o caminho da vida religiosa; foram eles D. Joana de Sá(12), que com outra irmã professaram nos conventos de Aveiro e Semide; Frei Sebastião de Sá, Freire de Avis, de cuja Ordem foi Prior-mor, além de Monsenhor da Patriarcal(13); Frei Lourenço de Sá, frade bernardo(14); Frei João de Sá. que foi frade crúzio(15); e Manuel de Sá, que morreu novo(16).

Voltemos atrás, para dizer mais alguma coisa sobre Aires de Sá e Melo. reatando o que já dele ficou referido.

O livro de registo de casamentos da Sé de Coimbra, do ano de 1735, dá-nos conta do casamento de Aires de Sá e Melo com D. Sebastiana Inês de Melo, realizado na capela particular da Casa da Várzea, a 27 de Março daquele ano(17). / 259 /

Deste primeiro matrimónio houve duas filhas − D. Sebastiana Inês de Sá e Melo e D. Maria de Sá e Melo, que, a exemplo de suas tias, entraram em religião, professando ambas no convento de Jesus, da cidade de Aveiro, e ambas foram «exemplares em virtude».

Aires de Sá e Melo contraiu segundo casamento a 2 de Agosto de 1752 com sua prima D. Mariana Antónia de Sá e Meneses, filha de Manuel de Sá Pereira e D. Mariana Plácida de Meneses, havendo deste casamento, os filhos seguintes:

João Rodrigues de Sá, que continuou a descendência desta ilustre família, e que nasceu em Condeixa no ano de 1754(18).

Além deste filho, houve do casamento de Aires de Sá e Melo com D. Mariana Antónia, a D. Maria das Neves, que faleceu solteira, e ainda outros filhos que morreram crianças.

A Rainha D. Maria I concedeu, no ano de 1786, o título de Visconde de Anadia ao primogénito de Aires de Sá e Melo, com o senhorio da vila, tendo em vista os bons serviços por este prestados na sua longa e brilhante carreira oficial, como Embaixador na corte de Madrid e Secretário de Estado nos Negócios da Guerra; mais tarde, em 1809, foi ,o mesmo agraciado com o título de Conde: era ainda o prestígio do pai a reflectir-se na pessoa do 'filho. Porque João Rodrigues de Sá faleceu sem descendência, a representação da casa passou a seu tio materno José António de Sá Pereira, que foi o segundo Conde de Anadia.

Da moradia senhorial dos antigos donatários de Anadia nada existe hoje que os recorde; entretanto, justo é lembrar a família que deu outrora notável incremento aos progressos da terra.

SOARES DA GRAÇA

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(1) «Aires − Aos sete dias do mês de Junho de mil e setecentos e quinze Baptizou Sebastiam P.ª de Miranda com L.ca Prior de S. Pedro de Avelans de Sima a Ayres filho de Lourenço Ayres e de sua mulher D. Maria da vila d'Anadia foram padrinhos o Ill.mo S.or Bispo deste Bispado Antonio de Vasconcellos e Souza assistio por este Joam de Saa de Condeixa e madrinha D. Brites de Saa em Ruivens Arcebispado de Braga assisti o por ela seo filho Fr.co Correa O P.e Cura Antonio Rodrigues» Registo Paroquial da Moita, Baptizados, 1715..

(2) Figura como padrinho logo em 1720 e volta a sê-lo, de uma filha de Paulo da Costa, de Anadia, em 7-11-1723. 

(3) − Vide «Machado de Castro em Aguim», por SOARES. DA GRAÇA ed.

(4) A inscrição completa diz: «Esta obra de azulejo mandou fazer o S.r Aires de Sá e Melo no anno de 1747 por devosam q tem ao S.S. Sacramento». Ao Ex.mo Presidente da Câmara Municipal de Anadia agradecemos a fotogafia do painel que ilustra esta página.

(5) De autor desconhecido, mas merecedor de toda a credibilidade, pela certeza de outros factos. indicados, e devidamente averiguada.

(6) ROCHA MADAHIL, Livro da Fazenda e rendas da Universidade de Coimbra de 1570. Coimbra, 1940.

(7) Uma sua filha, de nome Leonor, foi baptizada na igreja da Moita, em 5 de Janeiro de 1572.

(8) Aparece, bem como seu marido, apadrinhando em baptizados na igreja de Arcos no ano de 1612. Um outro filho de Aires de Sá e Melo, Fernão de Sá, faleceu em Anadia a 23 de Julho de 1674, e ali morreu também seu pai a 27 de Março do ano de 1678. 

(9) Foram irmãos de Lourenço Aires de Sá e Melo: Fernão Osório de Almeida, que não tomou estado; Matias de Sá e Melo, que foi clérigo e era Prior de S. Martinho de Celorico da Beira no ano de 1696; Francisco de Sá, sem geração; D. Brites Teresa de Melo, que casou com Manuel Correia de Lacerda, filho de Gonçalo Correia de Lacerda e D. Branca Aranha de Barbosa, de S. Pedro de Enfias (Viseu). Este casamento celebrou-se em Anadia a 23 de Março de 1687; D. Joana, que morreu nova, e D. Maria d'Eça, que foi freira no Convento de Semide.  

(10) Neste casamento, que teve lugar em 3 de Abril daquele ano, na ermida de S. Sebastião de Anadia, representou a noiva − D. Francisca Joana de Mendonça − Matias de Sá e Melo, estando também presentes Cristóvão de Sá e Melo e João de Sá Pereira.

(11) Filha de Manuel de Sá Pereira e D. Mariana Plácida da Mendonça.

(12) Foi baptizada na igreja da Moita em 5-9-1717 por D. Frei Luís de Almada, Prior-mor de Avis. Foi padrinho João de Sá Pereira e figurou como madrinha Nossa Senhora das Neves, do Pinheiro. Nasceu em Anadia a 21-8-1717.

(13) Baptizado também na igreja paroquial da Moita no dia 3 de Outubro de 1718, pelo Prior de Avelãs de Cima, Sebastião Pereira de Miranda, da Casa da Graciosa. Teve também como padrinhos João de Sá Pereira e Nossa Senhora das Neves.

(14) Baptizado na Moita em 26-XI-1722, sendo padrinho Francisco Correia, residente no Porto, e madrinha N.ª Senhora das Neves.

(15) Nasceu em 9-IX-1724. Baptizado na Moita: foram padrinhos Calixto Rangel, de Coimbra, e N.ª Senhora das Neves.

(16) Nasceu a 18-XII-1726. O seu baptizado teve lugar na capela de S. Sebastião de Anadia, celebrando Frei Sebastião de Santo António, frade de Santo Eloi. Padrinhos, Manuel de Sá Pereira e Nossa S.ª das Neves.  

(17) Reza assim o assento do seu casamento: «Anadia − Ayres de Saã e Mello. Q.ta da Varzia de S.ta Clara. D. Sebastiana Ignes de Mello. Aos vinte e sete dias do mes de Março de miI setecentos e trinta e cinco anos se receberam matrimonialm.te em minha presença e das test.as abaixo declaradas Ayres de Saã e Mello f.º leg.º de Lourenço Ayres da Anadia e de D. Maria Ignes de Saã, e D. Sebastiana Ignes de Mello Menezes Souto Maior filha legitima de Ant.º Luiz de Mello e de D. Izabel M.ª Pr.ª m.res na q.ta de Varzia de Santa Clara desta freg.ª e se receberão na capella da m.ma q.ta com licença do m.to R.do Dr. Provisor e a dita contrahente D. Sebastiana Ignes de Mello se fez representar por procurador que foi o Ill-mo Manuel de Sá Pereira, tio do contrahente Aires de Sá e Mello Test.as Dr. José da Silva Pereira Joaõ de Sá Pereira e Joaõ de Sequeira desta freg.ª

(18) − É do teor seguinte o seu registo de baptismo: A 8 de Dezembro de 1754 foi batisado João filho de Aires de Sá e Mello natural da vila d'Anadia e de D, Mariana Antonia de Sá Menezes de Condeixa. Neto paterno de Lourenço Aires de Sá e Melo da sua quinta do Cazainho e de D. Maria Inês de Sá de Condeixa-a-Nova − Neto materno de Manuel de Sá Pereira e de D. Mariana Placida de Menezes. Padrinhos Sebastião de Carvalho Secretario de Estado de Sua Magestade Fidelissima, tocando por ele seu irmão Monsenhor Paulo de Carvalho e D. Violante Tereza, mulher de José de Mello da Gracioza por quem tocou com procuração José de Sá Menezes, de Condeixa.

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