F. Ferreira Neves, Os incêndios dos edifícios do Governo Civil de Aveiro, Vol. VIII, pp. 283-286.

OS INCÊNDIOS DOS EDIFÍCIOS

DO GOVERNO CIVIL DE AVEIRO

EM Aveiro, o velho palácio dos Tavares, senhores de Mira, e dos dízimos do pescado da vila de Aveiro, estava situado junto à Ribeira, entre a antiga rua da Alfândega e a rua dos Tavares.

Por morte de Manuel de Sousa Tavares, passou o palácio e restantes bens para a Coroa.

O rei D. José deu o palácio dos Tavares para Paço Episcopal da Diocese de Aveiro, que acabava de criar.

Extinta esta diocese, foi o Paço Episcopal ocupado pelo primeiro Governo civil de Aveiro, inaugurado em 25 de Setembro de 1835 com o seguinte pessoal:(1)

Governador civil − José Joaquim Lopes de Lima, depois governador da Índia.

Secretário geral − Manuel Joaquim Fernandes Tomás; primeiro oficial − Elias Elói de Abreu Tavares; segundos oficiais − João Pedro Ribeiro e Manuel António Loureiro de Mesquita.

Amanuenses: José António de Resende, Bento Augusto de Morais Sarmento, António Manuel da Cruz Rebelo.

Amanuense impressor − José António Torres; porteiro − Francisco José Soares.

No Paço Episcopal foram instaladas não somente as repartições do Governo Civil, mas também as da fazenda pública, hoje finanças.

Porém, na madrugada do dia 20 de Julho de 1864 um violento incêndio destruiu o velho edifício do Governo Civil, e a maior parte do arquivo das repartições públicas nele instaladas, e ainda documentação da extinta diocese de Aveiro. / 284 /

Os prejuízos foram grandes, quer para o Estado quer para os particulares, com o desaparecimento de muitíssimos documentos.

O Governo Civil passou então em 20 de Julho daquele ano para o rés-do-chão do edifício do Liceu Nacional de Aveiro, inaugurado em 15 de Fevereiro de 1860, e construído por influência do ilustre aveirense José Estêvão Coelho de Magalhães, e em virtude da portaria de 5 de Março de 1855.

Palácio dos Viscondes de Almeidinha em Aveiro, em cujo local foi construído o edifício do Governo Civil.

No dia 24 de Junho de 1871, outro violento incêndio devorou o belo e antigo paço do visconde de Almeidinha, situado no Terreiro, em Aveiro, próximo do extinto convento das Carmelitas.

A Junta Geral do Distrito comprou então por 500.000 reis as ruínas deste paço, bem como uma capela que lhe pertencia e se ligava a ele por um arco sobre a rua da Sé.(2)

Em 3 de Setembro de 1888 começou a demolição das ruínas do paço, para no local ser construído um grande edifício destinado a todas as repartições públicas distritais, excepto as das obras públicas que deviam ficar em edifício próprio, mas que afinal não ficaram. A nova obra foi orçada em vinte e oito contos de reis.

A construção foi demorada, mas sólida, e o edifício, com trinta e cinco metros de frente e doze de largura, e três pavimentos, ficou majestoso dentro do estilo a que foi subordinado.

Inaugurou-se o edifício em 1901, e nele ficaram instaladas as repartições do Governo Civil, Junta Geral do Distrito, Auditoria administrativa, Fazenda ou Finanças, Obras Públicas, e Direcção Hidráulica do Mondego. / 285 /

Recentemente lá foram também instaladas a Direcção Escolar e o Tribunal do Trabalho.

Mas a fatalidade espreitava o grandioso edifício e os serviços públicos neles instalados. No dia 17 de Outubro do corrente ano, pelas oito horas da noite, noite serena e amena, irrompem fortes labaredas pelo telhado.

Edifício do Governo Civil de Aveiro.

Por motivo ainda hoje desconhecido, havia-se declarado incêndio no sótão, onde estavam guardados inúmeros documentos do arquivo do Governo Civil. O fogo toma proporções assustadoras. Passado pouco tempo desmorona-se o telhado com imenso fragor. O incêndio propaga-se ao segundo andar do edifício, mas diminui de intensidade.

Acodem os bombeiros da cidade e outros de fora. É porém escassa a água para eles poderem dominar o incêndio. E este vagarosamente passou ao primeiro andar. Tudo ia sendo devorado pelo monstro.

Populares e militares colaboravam na salvação dos arquivos e dos mobiliários. Milhares de pessoas, em frente do edifício em chamas, contemplavam compungidas o incêndio que ia destruindo o melhor edifício de Aveiro, e os documentos nele guardados.

O fogo passa então ao primeiro andar. Já tinham decorrido horas. O esforço dos heróicos bombeiros era quase ineficaz em / 286 / virtude da grande extensão do incêndio, da falta de água e insuficiência do material. Todo o primeiro andar foi também pasto das chamas.

O fogo continuou até de madrugada do dia seguinte, domingo. Extinguiu-se então, mas o rescaldo prolongou-se durante todo este dia. Do edifício apenas se salvaram as paredes e o rés do chão. Felizmente salvaram-se os arquivos das diversas repartições, com excepção dos da repartição de Obras Públicas e da Direcção Hidráulica do Mondego que arderam totalmente, por estarem no segundo andar.

Estado em que ficou o edifício do Governo Civil depois do recente incêndio.

Lamentamos profundamente que Aveiro tenha sido privado do seu melhor edifício público, e de documentos cuja perda é irreparável; mas tomemos este gravíssimo acontecimento como lição para dotarmos os edifícios e arquivos públicos com os necessários meios de defesa contra incêndio.

Aveiro, 31 de Outubro de 1942.

FRANCISCO FERREIRA NEVES

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(1) − O Governo Civil foi instalado no Paço Episcopal, assim como a Repartição de Fazenda, em 1846. Em 1835, era ainda habitado pelo terceiro Bispo. − A primeira casa onde esteve foi a que hoje pertence à família Rebocho, na Rua Direita; a segunda, a casa que pertenceu ao Dr. Monteiro, também na Rua Direita, hoje demolida; a terceira foi a casa de José Maria Branco de Melo, na Rua de José Estêvão, hoje reconstruída pelos herdeiros do Visconde / 329 / de Valdemouro; a quarta, a casa que depois pertenceu a António Taveira, no Alboi; a quinta, o Paço Episcopal; a sexta, o Liceu, após o incêndio do Paço. Do Liceu foi para o edifício próprio, e hoje encontra-se na casa que ocupa o terreno onde esteve a casa de José Maria Branco de Melo, hoje dos herdeiros do Visconde de Valdemouro. (Veja o n.º 23 do Arquivo, pág. 199). [Nota de JOSÉ FERREIRA DE SOUSA]

(2) − A capela, que era um dos Passos da procissão de Passos, estava incluída no edifício, no rés-do-chão, lado Norte. Ficava por baixo do arco, mas nada de comum tinha com ele: o arco servia apenas para ligar o edifício com o outro, onde actualmente se vê o Colégio de N. Senhora de Fátima. Das Repartições instaladas no edifício, não estava a Direcção Hidráulica do Mondego, mas a 1.ª Secção (Bacia do Vouga) daquela Direcção. [Nota de JOSÉ FERREIRA DE SOUSA]

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