DUMA pequena pasta de
velhos papeis impressos aveirenses (programas de festas e de regatas,
prospectos de eleições, proclamações políticas do Governo Civil e
da Câmara, poesias, recortes de jornais, etc.) que amorosamente conservo tal como a recebi de quem todos
esses acontecimentos
viveu e com eles vibrou, acompanhando a vida da cidade, berço de nossos
maiores, extraio para o Arquivo uma curiosa folha avulsa, datada de 3 de
Abril de 1870, e assinada por sessenta nomes, que previamente se
declaram «alumnos do Lyceu Nacional de Aveiro».
É uma saudação dirigida a D. Miguel de Bragança, filho de D. Miguel I,
que então contaria doze anos apenas, a propósito do 39.º aniversário de
sua Mãe, D. Adelaide Sofia(1).
Falecido D. Miguel I em 1866 (14 de Novembro), era a seu filho, Miguel
também(2), que os estudantes legitimistas de Aveiro
se dirigiam, saudando-o como a única pessoa que, no dizer da mocidade
académica, signatária, podia «salvar Portugal do abysmo em que estava
prestes a cair».
Apesar do arrojo e do calor das afirmações, a saudação talvez não valha
mais do que qualquer outra saudação ou manifestação académica, produto,
as mais das vezes, de exaltação de momento, do natural inconformismo
académico de todos os tempos, e até, não raro, consequência de
especulação política de encobertos agentes instigadores. Uma vez ou
outra, no entanto, sinceridade juvenil, nobre e espontânea.
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A tudo isso tem assistido quem pelos bancos das escolas passou, e a
ninguém, de resto, o caso surpreende. Ontem, como hoje.
Como, porém, no caso presente se tratava de definir uma posição de
responsabilidade política, de certa transcendência, visto entrar em jogo
a melindrosa questão dinástica, natural é que os entusiastas e corajosos
académicos o não fizessem sem conhecimento das famílias respectivas.
E assim, as sessenta assinaturas da folha avulsa dar-nos-iam a conhecer
outras tantas famílias legitimistas da época, a maior parte das quais de
Aveiro ou da região, o que não é inteiramente destituído de interesse
histórico. Por esta razão − se porventura o é − e pela curiosidade do
impresso, que deve ser de primeira raridade, se arquiva neste nosso
repositório, absolutamente eclético, de notícias de todos os tempos.
Aos nossos leitores deixamos a identificação dos signatários e seus
actuais representantes, o que para nós, afastados de Aveiro há muitos
anos, apresentaria hoje por vezes certa dificuldade; quer-nos porém
parecer − e isso não nos surpreende absolutamente nada − que nenhum dos
moços legitimistas de 1870, pelo menos os que ainda pudemos conhecer − e
alguns foram eles − se manteve fiel, na vida prática, à ideologia política tão calorosamente enunciada e enaltecida na folha impressa que
a seguir fielmente transcrevemos.
Não é impossível que exista ainda, felizmente, algum dos signatários de
1870; o destinatário é que não pertence já ao número dos vivos:
representa-o hoje, como é sabido, seu filho D. DUARTE NUNO Fernando
Maria Miguel Gabriel Rafael Francisco Xavier Raimundo António, que
nasceu a 23 de Setembro de 1907, e reúne em si todas as linhas da descendência da Casa de Bragança,
dando fim à divisão dinástica, que tão desfavoravelmente se repercutiu
na sociedade portuguesa.
«FELICITAÇÃO
DIRIGIDA AO SENHOR
DOM MIGUEL MARIA DE BRAGANÇA E BOURBON,
POR OCCASIÃO DO ANNIVERSARIO NATALlCIO DE SUA EXCELSA MÃE
A SENHORA
DONA ADELAIDE SOPHIA DE BRAGANÇA.
______________________
Nós abaixo assignados, alumnos do Lyceu Nacional de Aveiro, vimos hoje
cheios de jubilo felicitar-vos pelo augusto anniversario natalicio de
VOSSA EXCELSA MÃE.
Não podiamos deixar passar em silencio, este glorioso dia tão cheio de
esperanças, para aquelles em que corre nas veias
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o sangue dos valorosos combatentes da Cruz de Maroços (sic) e de Souto
Redondo.
Apesar de não nos ser avisado o anniversario natalicio de VOSSA EXCELSA
MÃE pelas demonstrações de regosijo publico, não deixámos de o saber
porque uma auspiciosa esperança, que se nutre em nossos corações, de um
dia podermos felicitar-vos dentro dos muros de nossa querida Patria nos
adverte, que é hoje o trigesimo nono anniversario da Senhora Dona
Adelaide Sophia de Bragança, VOSSA EXCELSA MÃE.
Esperamos em Deus que ha de permittir, que este dia, em que se fundam
nossas esperanças e futuro de nossa querida Patria se não ha de demorar
muito.
Porque se assim não succedesse, esta Nação que outr'ora fez tremer todo
o mundo, seria em breve riscada do mappa das Nações.
Presentemente todas as vistas se dirigem para vós, porque todos conhecem
que só Vós sois a unica pessoa que pode salvar Portugal do abysmo em que
está prestes a cair.
Todos nós fazemos preces ao Altissimo para que permitta que em breve
possais desenrolar no solo portuguez a bandeira das Quinas, essa
bandeira pura e sem mancha, que sempre foi victoriosa e nunca vencida.
Pedimos que se digne apresentar a VOSSA
EXCELSA MÃE, em testemunho de fidelidade e homenagem as nossas humildes
felicitações.
Aveiro 3 de Abril de 1870.
João Augusto Marques Gomes.
Francisco Marques de Lemos.
Eugenio Ferreira
da Encarnação.
Albano Augusto Xavier de
Macedo.
Manuel Marques Vieira de
Carvalho.
Joaquim Nogueira da Silva
Junior.
Antonio Alves Mariz.
Domingos Gonçalves Gamellas.
Manuel Rodrigues de Sá.
Avelino Dias de Figueiredo.
Emigdio Eduardo Pereira.
Raphael Gonçalves
Andril.
Constantino dos Santos Silva.
Joaquim Antonio Fernandes.
Claudino
Domingues da Graça.
|
Thomaz Fernandes Gomes de
Pinho.
Antonio Ferreira dos Santos.
João Antonio Simões.
José Tavares da Silva Rebello.
Antonio Vieira da Silva Maia.
José Nunes
Antão.
Antonio Soares d'Almeida.
José Nunes da Silva.
José Marques d'Almeida Rebello.
Luiz d'Oliveira Miranda Rocha.
Calisto Luiz de Abreu.
Domingos dos Santos Gamellas.
Antonio Tavares de Pinho.
Guilherme X.
Pereira Simões.
Bernardino Adolfo da Silva Martins. |
/ 229 /
Antonio dos Santos Ferreira.
José Maria Alpoim de Cerqueira Borges.
João Pinto Balas.
Francisco d'Almeida Brito.
João da Silva Gomes.
José Antonio Pires de Rezende.
José Maria Moreira Junior.
Manuel Tavares de Veiga.
José Rodrigues de
Mello Junior.
José Luiz Monteiro.
José Gomes Moreira de Pinho.
José dos Santos Silva.
Joaquim da Silva
Nunes.
Joaquim Manuel da Fonseca
Guerra.
Manuel dos Santos Gamellas. |
Manuel Ferreira de Carvalho.
Manuel Marques de Lemos
Junior.
Zeferino Cesar de Sousa Monteiro.
José Antonio Soares de Mello.
Anselmo Dias da Costa.
Joaquim Antonio
Rebello.
Eugenio Pinheiro Nobre.
Julio Martins de Seabra.
José Fernandes d'Almeida.
Francisco Manuel Christo.
José Bernardo da Silva.
Alfredo Rangel de Quadros.
Antonio Rodrigues
Gomes.
Jorge Manuel Lobo Pimentel.
Francisco Alexandre Lobo
Pimentel.» |
Em várias ocasiões a academia aveirense veio a público com manifestos e
proclamações; possuímos muitas dessas folhas, onde sucessivamente se
reflectem todas as ideologias políticas, a bem dizer. Legitimista,
porém, não conhecemos outra além
da que acima se reproduz.
A. G. DA ROCHA MADAHIL |