F. Ferreira Neves, Uma carta de José Estêvão sobre a passagem da via férrea em Aveiro, Vol. VIII, pp. 99-101

UMA CARTA DE JOSÉ ESTÊVÃO

SOBRE A PASSAGEM DA VIA

FÉRREA EM AVEIRO

É sabido o interesse que José Estêvão Coelho de Magalhães manifestou para que o caminho de ferro de Lisboa ao Porto passasse por A veiro, sua terra natal.

Como prova dos esforços que ele fez para que Aveiro viesse a usufruir das vantagens da via férrea então em estudo, vamos publicar o rascunho de uma carta sua.

O texto deste documento foi ditado por José Estêvão, mas o rascunho encontra-se emendado por sua própria mão. Não está, porém, assinado. O documento definitivo deve ter sido depois remetido a um destinatário cujo nome não consta do tal documento.

O rascunho manteve-se até há poucos meses na posse dos descendentes de José Estêvão, residentes actualmente na Maia, concelho do Porto, e por eles foi agora oferecido à Câmara
Municipal de Aveiro.

Havia quem quisesse que a via férrea passasse por Águeda e não por Aveiro: Venceu José Estêvão.

O caminho de ferro veio afinal a passar por esta cidade.

Em 18 de Julho de 1863 atravessou pela primeira vez a ponte de Esgueira uma locomotiva vinda do norte até Aveiro. A parte do caminho de ferro desde esta cidade até Taveiro só foi inaugurada em 10 de Abril de 1864, em virtude da demora na conclusão do aterro do vale do Côjo.

Vejamos o teor do documento a que me estou referindo, e que por mim foi copiado.

Aveiro, 31 de Janeiro de 1942.

FRANCISCO FERREIRA NEVES


/ 100 /

«Amigo

Aveiro 11 de Setr.º de 1860

Escrevi-lhe para o Porto a pedido d'um visitante da exposição que não lh' entregou a carta. N'ella o convidava a vir por aqui na volta, para ver com os seus olhos as coisas d'esta localid.e attenentes ao seu Ministerio.

A barra sobretudo merece ser observada por quantos podem concorrer para a melhorar. Esta obra para mim nem é igreijinha politica, nem preocupação da terra natal. Enteressa grandemente á economia geral do Estado, olhe que para o Norte não há pórtos senão seis mezes.

Leia o que lhe vou escrever umas poucas de vezes. A porção de sal que no momento em que lhe escrevo custa no Porto 16:000 rs, esta-se vendendo em Aveiro por 3:000 rs. E estes dois mercados distão 10 legoas!

Ha de custar aparecer mesmo em paiz semi-civilisado uma monstruosidade commercial d'esta ordem.

Se não há communicação: se se não entra na barra do Porto: se a estrada serve unicam.e para correr a malla-posta, até aonde as cheias não a embargão, como tem succedido ultimam.e estes dias em Agueda!

Estou cahido na questão do caminho de ferro, e esse é o objecto principal da minha carta.

Sei que a Comp.ª já apresentou o traçado d'estes sitios, e q. propõe a linha d'Aveiro. Não podia propor outro sem prejudicar os interesses da exploração e sem fazer uma obra má e uma acção iniqua.

Conto com as suas promessas para não consentir que mesquinharias politicas que a meu respeito são puramente gratuitas, consiguão d'accôrdo com más vontades, filhas d'outros motivos e oriundas d'outras procedências, desviar do seu traçado natural a linha ferrea, sem outro fim que não seja o de me contrariar e de fazer pagar a esta terra o peccado de me ter dado o nascim.to

Todas as precauções são poucas contra as pequenas malevolencias num paiz tão dado a ellas, como é o nosso e por isso recorro á sua desinteressada amizade para que não só se recuze a auctorizar com seu nome uma injustiça para estes povos e uma affronta para mim, mas antes se faça nosso patrono.

É escusado dizer-lhe que q.to m'escrever é para nós ambos, e q. tenho fé viva que é da sua pessoa q. hei de receber as instruções necessárias para levar ao cabo este negocio em que estou todo todo (sic) empenhado. Diga-me com brevidade a qual dos membros do conselho foi distribuido / 101 / o exame do traçado do cam.º de ferro na p.te respect.ª a esta localid.e, e se posso contar com um parecer desapaixonado n'um assumpto q. de sua natureza é alheio a paixões.

Appareceu por estes contornos uma opposição de certos homens á passagem do cam.º de ferro por Aveiro. Quer saber q. motivos decediram estes cavalhr.os? Custa a crer, mas é verd.e

Compraram uns pinhaes n'uma certa direcção, e querem levar por ella o cam.º de ferro p.ª ganharem na madeira! Tenho d'isto bastantes provas, e da m.ma estofa são pela maior p.te as razões dos opponentes a q. a linha ferrea passe por Aveiro.

Espero, repito, uma carta sua, e descanço na sua amiz.e e imparcialid.e a tal ponto que sem seu conselho e direcção não sollicito de mais ninguem a minha causa,

Seu am.º »

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