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        CONTINUANDO a resenha 
        bibliográfica do que de maior
        importância para a arqueologia local se tem escrito
        desde GASPAR BARREIROS, que vínhamos seguindo, cumpre registar, em 1875, o quinto volume do conhecido
        Portugal Antigo e Moderno, de PINHO LEAL, de cuja história do 
        Marnel extraímos os seguintes períodos, deixando o que em
        volumes anteriores escrevera de Águeda, Emínio e Talábriga. 
        ...«No tempo do conde D. Henrique, e de seu filho,
        D. Affonso Henriques, era a villa do Marnel a mais notavel d' estes 
        sitios. 
        Deduz-se isto, de uma doação feita á egreja de Santo
        Izidoro de Eixo, em 1095, pelo famulo de Deos, Zoleima Gonçalves 
        − pro tolerantia Fratrum, et Monachorum, qui
        ibidem habitantes fuerint, et Vita Sancta perseveraverint.
        (Doc. de Lorvão.) 
        N'esta doação se declara que a egreja de Eixo ficava 
        − subtus Civitatis Marnelæ, discurrente rivulo Vouga, territorio 
        Colimbriæ  
        (Eixo fica effectivamente abaixo do 
        Marnel, 12 kilometros ao O.)» 
        ............................................................................................................................................ 
        ...«Teve a villa do Marnel, ou Lamas, por donatarios,
        grandes personagens, e o monte do Marnel era regalengo
        (reguengo − ou da coroa) como se vê nas Inquirições de
        D. Affonso lI, L. 2, pag. 120 − col 1.ª, § 1.º, na Torre
        do Tombo. 
        
        /
        314 / 
        Em 1384, D. João I doou a villa do 
        Marnel, e outras, a
        Gonçalo Vasques Guedes (Mon. Lus., part. 5.ª, pag. 174,
        tom. 8.º, cap. 23.). 
        Em 1759, pertencia aos duques de Aveiro, (Pegas,
        tom. 2.º; pag. 672 e 739) sendo então confiscada para a
        corôa, como tudo quanto pertencia a esta desgraçada familia. 
        A velha ponte do Marnel é antiquissima. Era a villa
        do Marnel acastellada, segundo se vê da doação que Pero
        Paes e sua mulher, Gelvira Nunes, fizeram aos monges e clerigos do mosteiro de Lorvão, em 
        1121, da sua vilIa do Pinheiro (hoje aldeia da freguezia de S. João de Loure.) 
        − Diz a doação − et in confinitate Castelli Marnelis, inter fluvium Vougam, et montem qui dicitur Meiçom-frio (Doc. de
        Lorvão, transcripto por Viterbo na palavra − Cidade, 3.ª,
        a pag. 191.) 
        Era pois o monte do Marnel, com o seu castello, um
        ponto militar, no principio  da nossa monarchia; e aqui,
        segundo a tradição e varias memorias, têem havido, desde
        remotas eras, cêrcos e batalhas.»... 
        De 1877 é O Distrito de Aveiro, do historiador aveirense
        JOÃO AUGUSTO MARQUES GOMES, que, seguindo PINHO LEAL, identifica Emínio com 
        Águeda, declarando inadmissível a pretensão
        de HÜBNER a favor de Coimbra (pág. 35). 
        Do lugar do Vouga, regista 
        ele a tradição de aí ter existido 
        ...«a cidade romana denominada Vacca. O padre
        Carvalho da Costa affirma que n'este sitio se encontravam
        seguros vestigios de tal povoação, como eram tijolos antiquissimos e alicerces de soberbos edificios. Presentemente
        nada existe. E a boa critica faz ver que aquelIa antiga
        cidade era onde hoje é Vizeu e não Vouga.» (Págs. 52-53). 
        Da freguesia da Branca, que 
        adiante veremos interessar
        aos problemas locais, diz MARQUES GOMES a propósito da serra
        de S. Julião (ou S. Gião): 
        ...«No alto da serra, ha ainda vestigios salientes de
        uma atalaia, que, ao que parece, occupava toda a circumferencia do plaino, na extensão d'uns trezentos metros de
        comprido, de norte a sul, e cento e vinte de largo, divisando-se ainda 
        parte da valIa, ou cava exterior, e da linha do parapeito em toda a 
        valIa. Do lado do nascente, por detrás
        da serra, ha uma sahida e estrada larga pela encosta do
        monte abaixo, com muros ou cortinas lateraes de pedra e
        terraço.» (Pág. 69). 
        
        /
        315 / 
        Pelo que respeita a Talábriga, enuncia dest'arte MARQUES
        GOMES a sua opinião: 
        «É um problema historico a fundação e o local da
        antiga cidade de Talabrica. Ao certo sabe-se apenas que
        foi fundada pelos celtas, que no tempo dos Romanos 
        era
        uma das 36 cidades tributarias da Lusitania pertencente ao conventus 
        juridicus do Vouga(1). 
        E é quasi provavel
        que o seu local coincida com o do
        moderno logar de Cacia, sobranceiro ao Vouga(2).» 
        Com boas razões argumenta em 1879, na revista 
        Portugal
        Pitoresco, FILIPE SIMÕES, inquirindo Se Coimbra foi povoação romana e 
        que nome teve, e concluindo pela sua identificação
        com Emínio. 
        Em 1884, BORGES DE FIGUEIREDO, que havia lançado no Boletim da Sociedade 
        de Geografia de Lisboa uma série de estudos subordinados ao título geral 
        de Oppida Restituta, publica o seu notável trabalho 
        histórico-arqueológico sobre Emínio. A cidade romana de entre Conímbriga 
        e Talábriga fica solidamente identificada com Coimbra, embora só em 1888 
        viesse a ser encontrada, numa casa ao fundo da Couraça dos Apóstolos, a 
        inscrição
        epigráfica que definitivamente afastou as objecções mais renitentes àquela identificação. 
        Esse estudo de BORGES DE FIGUEIREDO tem sempre de ser tomado em 
        consideração por quem pretenda conhecer o debate entre Águeda e Coimbra 
        a propósito da sucessão ao título da velha Emínio; os defensores da 
        tese de Águeda alegavam estas razões: 
        «1.ª Que a tradição o diz; 
        2.ª Que o ltinerário de Antonino está errado; que é
        um documento indigno de crédito, por isso que todos os
        códices onde se encontram divergem; 
        3.ª Que Ptolomeu marca a Eminio tais graus de latitude e longitude que lhe assinalam uma posição muito
        perto de Águeda; 
        4.ª Que Plínio, o naturalista, distingue o rio Emínio
        do rio Munda, e Emínio cidade, de Coimbra; 
        5.ª Que, tendo sido coevas as duas dioceses de Conímbriga e Emínio, ficariam 
        muito próximas as duas sés.» 
        
        / 316 / 
        BORGES DE FIGUEIREDO opõe às razões invocadas argumentação absolutamente 
        concludente; pela sua grande extensão a não transcrevemos aqui, e ainda 
        porque ao Cabeço do Vouga, que em especial nos interessa, dedicou o 
        mesmo historiador estudo independente, no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa (5.ª série, 
        N.º 6 − 1881), beneficiando não só da 
        investigação anterior como dos progressos de método crítico da época; a 
        separata desse interessantíssimo trabalho, geralmente ignorado, 
        constitui peça bibliográfica distrital de grande raridade, razão pela 
        qual o transcrevemos na íntegra: 
        «Vacua(Cabeço de Vouga)
 
        I 
        Informa o fidedigno Gaspar Barreiros que n'um codice 
        da Historia Natural de Plinio se encontra a menção d'um oppidum lusitano denominado 
        Vacca. 
        Exprime-se do modo seguinte o notavel archeologo: «em hum archetypo 
        Toletano stá scripto da maneira q dixe. s. flumen Vacca, oppidum Vacca, 
        oppidum Talabrica, etc. A qual liçam Fernando Pintiano cõmendador de 
        SaIamanca cita nas suas castigações Plinianas»(3). 
        Parece ser aquelle o unico codice da obra de Plinio, em que se encontra 
        noticia do oppidum Vacca, pois não vi ainda nas variantes de edição 
        alguma, por mais completa, apontada esta particularidade: e isto póde 
        levar a concluir o serem aquellas palavras uma intercalação de copista. 
        Desprezar, porém, sem exame, aquella versão do alludido codice, 
        simplesmente por ser unica, é grave erro de quem olha as cousas 
        superficialmente e não tem aptidão para os estudos archeologicos. 
        Demais, outros escriptores antigos mencionaram a povoação de que se 
        trata, como se verá, e a sua posição é facil de determinar. 
        Antes de proseguir, direi que a verdadeira fórma do nome é Vacua, e não 
        Vacca nem Vagia, como se encontra em exemplares de Plinio e 
        nos 
        restantes auctores latinos. Aquella verdadeira fórma, designando o rio (Oùαxoúα(4)), 
        é comprovada pela que apparece nos documentos medievos, do IX ao XII 
        seculo, Vauga, e Voaga(5), d'onde a fórma
        moderna Vouga. O termo parece 
        de origem celta, como 
        
        / 317 /
        nota o meu amigo Adolpho Coelho(6), devendo com elle
        comparar-se nomes analogos, que se têem lido em inscripções e que se encontram na obra de Cesar. 
        Posto isto, e advertindo que apenas nas transcripções
        empregarei a fórma incorrecta, vou apontar quaes as noticias que nos restam assim ácerca da povoação como do
        rio seu homonymo. 
        II 
        N'um pequeno tratado cosmographico, que não tem
        merecido grandes attenções, e que por muito tempo foi attribuido a 
        Aethico, vem mencionaào um oppidum Vacca. 
        Lê-se na apontada obra: «occeanus occidentalis habet famosa 
        oppida: 
        Bracara, Lacusa, Augusta, Vacca, Celtiberia,
        Caesarea Augusta, Tarracona...»(7). 
        É evidente quanta
        corrupção ha n'este texto. Entendo todavia que não offerece dificuldades a sua reconstituição. Parece á primeira vista que o 
        auctor attribue ao oceano occidental as sete
        cidades que ficam transcriptas; mas não é, não póde de
        modo algum ser, essa a intelligencia verdadeira d'aquella
        passagem. Creio que a interpretação racional d'ella é do seguinte modo: 
        «occeanus occidentalis habet famosa oppida:
        Bracara, Lucus Augusti, Vacca; Celtiberia [habet famosa oppida:] 
        Caesarea Augusta, Tarracona...». Isto não só porque de maneira nenhuma 
        caberia referir ao oceano occidental as duas ultimas povoações que 
        pertenciam á Celtiberia, e por conseguinte ao mar interior, senão tambem 
        porque a palavra Celtiberia não tem caracter de nome
        de povoação, sabendo-se muito pelo contrario que ella
        designava uma região do oriente da peninsula. A duvida que resta é sobre 
        a situação do terceiro oppidum do oceano occidental. Era a mesma cidade 
        mencionada no codice pliniano de Toledo, ou era uma povoação dos Vacceus? Não
        me parece que se possa defender a segunda hypothese, porque, comquanto 
        n'esse caso o oppidum estivesse na bacia de um rio tributario do oceano 
        Atlantico, ficaria muito no interior para dever contar-se entre as 
        cidades occidentaes como Bracara e Lucus Augusti. Não caberia tambem 
        mencional-a, a ella só, como cidade dos Vacceus, quando se não fallava 
        de Palancia, a principal das povoações d'aquelle povo(8). Além disso, a homonymia chama para 
        
        /
        318 /
        a margem do rio Vacua a povoação, e não ha a mais leve
        duvida de que este rio é o que hoje se chama Vouga.
        A falta de ordem geographica na menção das tres cidades occidentaes não 
        deve tambem servir de argumento em contrario; porque o auctor seguiria 
        quanto a ellas a ordem da
        importancia das terras, e sabe-se effectivamente que Bracara
        era mais importante que Lucus Augusti, cabendo só depois
        d'esta o fallar de Vacua. É, pois, de rasão o considerar identicos o oppidum de Plinio 
        e o da cosmographia anonyma. 
        Um escriptor hespanhol do seculo 
        V, Paulo Orosio,
        traz o nome de Baccia attribuido a uma cidade da Lusitania, ao fallar 
        das luctas dos corajosos habitantes d'esta
        região com os romanos. Diz o escriptor christão: «lgitur
        Fabius consul contra Lusitanos & Viriatum dimicans Bacciam 
        oppidum, quod Viriatus obsidebat...»(9). Esta povoação é
        sem duvida a mesma de que tenho fallado. Em primeiro
        logar, o nome Baccia aproxima-se muito e naturalmente da
        fórma Vagia que vimos achar-se em Plinio, sendo desnecessario apontar as razões que determinam esta identificação. Em segundo logar os successos de que Orosio seoccupa n'aquelle ponto da sua historia tiveram por theatro
        o occidente da peninsula.
 
        Quanto ao rio Vacua, são em maior numero as noticias.
        Além de Plinio e de Strabão, como já vimos, faz d'elle
        menção Ptolemeu,  Oùαxoúα ποτ έχδ(10), collocando-o entre o
        Mondego e o Douro; e falIa d'elle Marciano Heracleota: 
        'Aπò δέ Movδα πòταμοũ έχδoλάς στάδίοί τπ, στάδίοί σοέ.(11). 
        Depois d'estes, em plena idade media, 
        ÉDRISI, descrevendo o territorio portuguez comprehendido no quarto
        clima, conforme a divisão que adoptára, gaba muito o paiz
        em termos precisos, e diz: «Le Nahr-Boudhou est une
        rivière considérable qui porte de grosses et de petites embarcations. La 
        marée y remonte à la distance de plusieurs milles. De là à l'embouchure 
        du Douira (le Duero), 15 milles.(12) Ora a distancia entre as fozes do Vouga
        e do Douro orça pela indicada pelo geographo arabe, e
        sobretudo não ha entre o Mondego e o Douro outro rio
        além d'aquelle, a que se possam applicar as particularidades que menciona. O Vouga é navegavel por espaço de
        42 kilometros(13), que correspondem a 28 milhas antigas. 
        
        / 319 /  
        III 
        A situação de Vacua, segundo Gaspar Barreiras, é a «Ponte de Vouga. s. 
        Põte de Vacca, nam por causa do rio senam por causa do nome do logar, 
        como dizemos Põte do Arcebispo ou Ponte d'Alcantara.»(14) Conforme diz 
        Carvalho da Costa: «He tradição, que no cabeço de Vouga esteve 
        antigamente huma Cidade, chamada Vacca, & ainda hoje se acham tijolos, & 
        pedras lavradas, & outros vestigios de edificios. Nelle está agora hũa 
        Ermida do Espirito Santo.»(15). 
        Não se pôde, em verdade, afastar o antigo oppidum da actual villa de 
        Vouga, considerando ter existido no monte da ermida do Espirito Santo, 
        ou Cabeço de Vouga,
        a cavalleiro d'esta terra. Restos da antiga povoação por um lado, por 
        outro o proprio nome, confirmam a identificação: Vouga, Vauga metatese
        de Vagua (Vacua); com que se deve comparar a 
        fórma popular auga por agua(16), anáuga por
        anágua, éuga por égua, 
        léuga por légua, réuga em vez de régua(17), etc. 
        Se Vouga durante algum tempo mereceu o cognome de famosa ou ao menos o 
        de notavel, cedo perdeu o esplendor. Foi porventura estação do 
        itinerario entre Eminio e Lancobriga; mas em breve foi supplantada e 
        substituida pela sua vizinha Talabriga, que se engrandeceu
        facilmente, e com rasão, pela sua mais vantajosa posição á beira-mar, o 
        que lhe proporcionava o desenvolvimento da industria e do commercio; a 
        industria da pesca e do sal, o comercio d'estes dois productos e de 
        outros que recebia e armazenava.» 
        Cronologicamente, para se ajuizar da forma como os estudos sobre o 
        Cabeço do Vouga, e a região, evolucionaram, importa referir o volume XII 
        do já mencionado dicionário Portugal Antigo e Moderno; é de 1890, e, 
        conquanto fosse publicado sob o nome de PINHO LEAL, cujo trabalho 
        rematava alfabeticamente, «foi elaborado pelo P. PEDRO AUGUSTO 
        FERREIRA»(18). Do seu extenso e importante artigo sobre o rio Vouga e a 
        povoação do mesmo nome fixaremos o seguinte: 
        ...«o Marnel foi povoação acastellada 
        e muito importante no sec. XI, 
        pois em um documento de Lorvão se lhe 
        
        /
        320 /
        dá o titulo de cidade − e em outro de villa; note-se porem que outr'ora 
        estes termos não tinham a significação hodierna. 
        Por vezes as cidades − inclusivamente o Porto e Lisboa se denominavam
        villas − em quanto que Ceia, Gouveia da Beira Baixa e outras 
        vilIas se denominavam cidades. 
        Note-se também que Lamas e Marnel são 
        quase sinónimos, − pateira, 
        lamaçal, terreno alagadiço − e outrora empregaram-se indistintamente, 
        pelo que hoje mal podemos saber quando os velhos documentos falavam da povoação de Lamas, 
        propriamente dita, − ou da de Marnel.» 
        
        ........................................................................................................................... 
        ...«A cidade 
        romana − VACCA − Na opinião de varios
        auctores, a vilIa de Vouga foi a antiga cidade romana Vacca; outros a 
        situam em Viseu; outros perto de Miranda do Douro, − e outros junto 
        dos Pireneus?!...(19) 
        É pois muito nebuloso este topico e não sabemos quando
        se fará luz que dissipe completamente as trevas em que jaz. 
        O dr. Manoel Botelho Ribeiro Pereira, notavel escriptor
        e antiquario visiense,(20) pugnando
        pro domo sua, tractou a questão como 
        ninguem até hoje, sustentando que Viseu é a
        legitima representante da cidade romana Vacca. Não transcrevemos aquelIe 
        topico dos seus Dialogos, porque é muito
        extenso e só elIe daria talvez 2 fasciculos! Ardendo em
        zelo pelas glorias da sua terra natal, insurge-se contra os que 
        sustentam opinião opposta, nomeadamente contra o distinctissimo
        geographo Gaspar Barreiros, tambem filho de Viseu e seu parente,(21) por dizer que a
        séde de Vacca foi a villa 
        de Vouga; mas o sabio conego Berardo, tambem
        visense,(22) despresa a opinião dos que situam Vacca tanto 
        em Viseu, 
        como. na villa de Vouga e mostra-se disposto a crer que elIa esteve 
        junto dos Pirineus.(23) 
        D. Jeronymo Contador d'Argote falIa muito dos povos 
        vacceos, como povos 
        muito importantes, repetidas vezes mencionados por Strabão, Ptolomeu e 
        Plínio, sendo todos concordes em dizer que elIes demoravam junto das 
        nascentes do Douro, aproximadamente desde Zamora até Freixo de Espada á 
        Cinta. 
        Argote diz que os vacceos confinavam com os 
        astures,
        tendo por linha divisoria o rio Esla. 
        Strabão no livro 3.º pag. 152 e 162 diz o mesmo e são
        d'elIe estas palavras: «...inde vetones et vaccei, per quos
        
        / 321 /
        Durius labitur, ad Contiam urbem vacceorum transitum
        faciens.». 
        Em vulgar: «ali começa a região dos 
        vetones e vacceos, por entre os 
        quaes segue o Douro até Concia, (Miranda do Douro) cidade dos vacceos.» 
        Tambem eram cidades d'elles as seguintes: 
        − Intercacia, distante 15 legoas d'Astorga, 
        no caminho
        de Valhadolid, perto de Cauca e de Palença;(24) 
        − Sentica, hoje talvez Zamora; 
        − Sarabris hoje talvez Toro; 
        − Pincia, hoje Valhadolid; 
        − Rauda, hoje talvez 
        Aranda, no caminho de Astorga
        para Saragoça, por Cantabria. 
        Elles confinavam com os arevacos e 
        astures, ou asturianos. 
        Demoravam pois nas margens e nascentes do Douro, 
        não do Vouga. 
        V. Memorias d'Argote, tomo 
        1.º pag. 150, 160, 198, 442, 443, 444, 446, 447, 451 e 452. 
        É isto o que diz e prova muito bem o sabio academico
        Argote; mas é tambem de grande peso a opinião de Gaspar
        Barreiros: − que a cidade Vacca esteve junto da ponte da
        Vouga, − opinião que seguiu e sustentou com muita erudição em um dos 
        seus artigos Oppida restituta o sr. Antonio Cardoso Borges de 
        Figueiredo, no Boletim da Sociedade
        de Geographia de Lisboa (5.ª seríe, n.º 6 − 1885) da qual
        é bibliothecario, 
        
        ........................................................................................................................... 
        Respeitamos muito a opinião do sr. Borges de Figueiredo e não queremos impugnàl-a; suppomos porem que
        não disse a ultima palavra sobre o assumpto; 
        1.º − porque o mesmo sr. Figueiredo mostrou repugnanria em acceitar a 
        lição de um codice de Plinio differente da
        lição de todos os outros codices do mencionado geographo; 
        2.º − Porque o mesmo sr. Figueiredo diz que 
        não tem
        merecido grandes attenções o pequeno tractado cosmographico anonymo, attribuido a Aetico; 
        3.º − Porque temos difficuldade em crer que a 
        Baugia de Paulo Orosio 
        fosse o pretendido oppidum Vacca da villa de Vouga. 
        4.º − Porque até hoje (que nós saibamos) ninguem
        ali encontrou cippos ou lapides com inscripções, muralhas,
        torres, estatuas, ou quaesquer outros vestigios da famosa 
        
        /
        322 /
        cidade romana. Apenas o padre Carvalho(?) indica umas bagatellas. 
        5.º − Porque a posição geographica e estrategica da villa e monte do 
        Vouga é relativa á estrada que atravessa ali a ponte, mas essa estrada, 
        como geralmente se diz, foi
        feita pelos mouros em substituição da velha estrada romana
        que seguia pelo littoral, muito mais ao poente. Logo a
        dicta cidade no tempo dos romanos era uma cidade sertaneja: não podia 
        ser estação ou castro do roteiro de Antonino − nem n'elle se encontra 
        como tal nas rectificações de Parthy e Pinder. 
        6.º − Porque os vacceos, como dizem o dr. Manoel Botelho Ribeiro e 
        outros, tomaram o nome da famosa cidade romana Vacca, − e elles 
        demoravam muito longe do Vouga, como já dissemos supra e diz tambem o 
        sabia Fr. Felippe de la Gandra nas Armas y Triumphos de Gallicia: 
        «Os vaceos, hoje campesinos, tinham por capital
        Pallencia e soffreram 
        tambem cruel assedio durante a guerra de Numancia. 
        Palencia era já então cidade importante e tanto que, apesar do cerco, os 
        romanos commandados por Luculo tiveram de retirar, sendo perseguidos 
        pelos palentinos até ás margens do Douro. 
        Passados 2 annos foi Palencia outra vez sitiada por Marco Emilio Lepido 
        consul, e outra vez os romanos tiveram de levantar o cerco.» 
        Op. cit. supra, pag. 19 e 20. 
        O sr. Borges de Figueiredo podia tambem citar em
        favor da sua opinião o Mappa de Abrahão Ortelio que S. ex.ª
        na Memoria 
        sobre Eminium citára com muito louvor pouco antes,(25) pois no dicto
        Mappa se encontra o pretendido oppidum, junto da villa de Vouga; mas teria tambem
        pouca força tal argumento, porque, segundo diz Argote, fallando do Juliobriga, 
        cidade romana congenere, Ortelio... não tem auctoridade em materia tão 
        antiga.(26) 
        E que vemos nós no dicto Mappa? 
        Situa bem Conimbrica, hoje Condeixa Velha, 
        − e Eminium, a Coimbra actual, mas foi muito infeliz em outros pontos. Situa, 
        por exemplo, Bracara Augusta em Barcellos, na margem direita do Cavado; 
        o Lima no seu local proprio, entre o Minho e o Cavado, − e o Forum 
        Limicorum, 
        / 323 /
        
        [Vol. VII - N.º 28 - 1941]
        (Ponte de Lima) aproximadamente em Santa Martha de Penaguião, no 
        districto de Villa Real de Traz os Montes; Lameca (Lamego) na margem 
        direita do Douro, ao poente
        de Baião e não longe da foz do Tamega; dá o rio Vouga
        como affluente do Agueda e põe a famosa Vacca a jusante da confluencia 
        dos dois rios, na margem direita do Vouga, etc. etc. 
        Tambem o sr. B. de Figueiredo podia citar o 
        Mappa Breve da Lusitania 
        Antiga do Padre Francisco do Nascimento Silveira, auctor do Côro das 
        Musas, etc. pois no § XLII da Taboa III, pag. 239, diz textualmente: 
        «Vacea. Foi cidade antiga da Lusitania, e 
        existia em
        hum sitio alto, e forte por natureza, entre as pontes do Vouga e Marnel, 
        porque ali se vem vestigios de muros antigos, e signaes de huma 
        magestosa grandeza... − julga-se, que destruida Vacca, se deo ás suas 
        ruinas o nome de Marnel, que conserva até o presente...» 
        Apoia-se em Fr. Bernardo de Brito, que na 
        Monarchia Lusit. Parte II,1. 
        V, cap. 1.º fl. 2, V. diz efectivamente quasi o mesmo e dá uma 
        inscripção 
        encontrada por elle(?! ...) no valle de Ossella em o muro de um campo, 
        a qual, se não é fantasia do auctor, parece resolver o problema!... 
        A dicta inscripção, n.º 278, do 
        Portugaliae inscriptiones,
        é a seguinte: 
        IMP. CAES. D. AVG. INTERDIV. REL. COHOR. PRAESlD.
 VACE. OCCEL. LANCO. CALEN
 AEM. LEG. X. FRETENS
 ElUS. NVM. SPECTACVLA
 ET LVD. GLADlAT. E. V.ª
 VRBES LVSIT. L. A.
 EXP. ET. HECATOMB. D. D.(27)
 
        Em vulgar: «As capitanias da legião decima, chamada 
        Fretense, que estavam de presidio em Vouga (Vacca) em Ossella, na Feira, no Porto, e 
        em Aguéda,(28) por voto particular
        
        /
        324 / celebrarão spectaculos, e jogos de gladiadores á divindade do 
        imperador César Augusto, contado já no numero dos Deoses, e as cidades 
        da Lusitania acima
        nomedas fizerão os gastos d'estas festas, e celebrarão Hecatombas com 
        grande liberalidade.» 
        Em seguida faz muito judiciosas considerações sobre a dicta lapide e 
        aponta outra que achou entre Albergaria Velha e o Pinheiro (da Bem 
        posta?) no monte denominado Castello de S. Gião, onde viu restos de 
        muros e fortificações e uma pedra, na qual apenas (diz elle) pôde ler o 
        seguinte: 
         
        : : : : COS. VI
        : : : :: : : : P. IN. P. F: : : :
 : : : : VAC. XII. P. M.
 
        Suppõe ser fragmento de um marco milliar, onde esteve o nome de um 
        imperador que foi consul seis vezes e que teve o poder tribunicio nove 
        vezes. Tambem lhe davam os titulos de piedoso e afortunado, accrescentando que 
        d'ali à cidade de Vacca (presidio romano, como diz a 
        outra inscripção) havia à distancia de doze mil passos, «os quaes se 
        achão ao justo nas 3 legoas que ha de hua parte á outra» − diz o mesmo Fr. Bernardo de Brito, continuando a fazer muito sensatas considerações 
        sobre as duas lapides, até o fim do mencionado capitulo. 
        Lamentamos profundamente o desprestigio de tão illustrado auctor. Se 
        tivesse a auctoridade de Herculano ou de João Pedro Ribeiro, estava 
        morta a questão, mas infelizmente demanda grande desconto o que diz Fr. 
        Bernardo de Brito!...(29) 
        O assumpto é nebuloso e vasto e não podemos dar-lhe mais desenvolvimento 
        em um simples topico. Terminaremos dizendo que, assim como houve na 
        peninsula differentes cidades romanas com o mesmo nome, talvez 
        houvesse também com o mesmo nome de Vacca differentes cidades em pontos 
        distantes.» 
        Em 1907 regista O Arqueólogo Português (vol. XII, pág. 36
        e segs.) um facto que viria a ter a mais decidida importância nos 
        estudos arqueológicos de toda a região do Vouga: o aparecimento, 
        
        /
        325 / na freguesia de Estorãos, 
        a duas léguas de Ponte do Lima, duma ara celtibérica da época romana 
        onde se lê, em inscrição votiva: 
        «Camala Arqui filia Talabrigensis Genio Tiauranceaico votum solvit 
        libens merito». 
        A epigrafe é objecto de desenvolvido comentário por parte
        de FELIX ALVES PEREIRA, arqueólogo cujo nome é hoje inseparável dos 
        estudos sobre antiguidades romanas locais, mercê doutra comunicação, na 
        mesma revista, a que adiante faremos igualmente referência. 
        Escrevendo da ara de Estorãos, nota FELlX ALVES PEREIRA, de interesse 
        para o presente caso: 
        «...Temos pois, em região de Grovios, nova lapide com onomastico pessoal 
        de tronco celtico; uma observação porem devo fazer: é que não eram 
        oriundos d'essa região os dedicantes nella residentes, senão da 
        Lusitania. 
        
        ........................................................................................................................... 
        De Talabriga, se dizia a dedicante de Estorãos. No 
        ltinerario de 
        Antonino ha menção de um oppidum assim denominado. Quem lhe chama 
        oppidum é Plínio, texto
        mais antigo que o Itinerario (Nat. Hist., IX, XXXV). Tambem chama 
        oppidum a Conimbriga e bem sabemos a que condições estrategicas 
        correspondem as ruinas de Condeixa-a-Velha e de todos os outros oppida. 
        Alem d'isto, o elemento briga é considerado celtico e significa: 
        «altura, castello» (Alt-Celt. Sprachschatz, A. Holder,
        s. v. briga). Isto demonstra que Talabriga deverá ser povoação de origem 
        preromana e situada numa eminencia, acaso provida de cintura de 
        muralhas ou equivalente sistema de defesa. A Talabriga do ltinerario, na 
        via romana Lisboa-Braga, não está ainda identificada. Suppôs-se que 
        seria Aveiro ou junto d'esta cidade. O que porém acabo de dizer é 
        sufficiente, creio eu, para enfraquecer esta opinião; as ruinas de Talabriga não terão de encontrar-se em
        terrenos planos sem cabeços apropriados, como são as cercanias de Aveiro. 
        É plausivel acreditar que a patria do dedicante da ara de Estorãos seja 
        a Talabriga do ltinerario, como a mais proxima e conhecida do logar 
        habitado por Camala. 
        Æminium está hoje provado, por uma inscrição romana, ser a actual 
        Coimbra (A. Filipe Simões, ob. cit. pp. 24 sgs., e Borges de Figueiredo, 
        «Oppida Restituta» in Bol. da Soc. de Geographia n.º 2, 1884 e 
        Rev. Arch. e Hst.. II, 66 e lnscr. Hisp. Lat., suppI. n.º 5239).
        
        /
        326 / 
        Talabriga distanciava-se 18 milhas para o sul aproximadamente de 
        Lancobriga (sic no Itinerario) e 31, na mesma orientação, de 
        Calem, que 
        corresponde a uma cidade marginal do Douro, perto da foz deste (Religiões 
        da Lusitania, II, 29,n.º 7). 
        Langobriga seria, no pensar do Sr. Dr. Leite de Vasconcellos (Relig. da 
        Lusit., II, 34) a povoação de Longroiva, entre Marialva e Freixo de Numão, no concelho de Meda. 
        Langobriga, computada a milha romana em 1:481 metros(30), dista 26:658 
        m. de Talabriga e 19:253 m. de Calem. A situação d'aquella Longroiva não 
        corresponde á distancia marcada no Itinerario com respeito a Gaia; em 
        linha recta, seriam 169 Kilometros para leste. Havia pois mais que uma 
        Langobriga, reconhecendo-se que aquelle vocabulo deve ser etymo de 
        Longroiva. 
        Só de Æminium e de 
        Calem do Itinerario, por serem pontos 
        incontroversos, principalmente o primeiro, é que
        podemos partir para verificar a situação de Talabriga. E á
        identificação d'esta cidade com Aveiro ou arredores obstam, alem do que 
        já expus, as medições do Itinerario e outros considerandos, que mais 
        categoricamente desenvolvo em especial artigo, que fica no prelo. 
        Depois de registada a conclusão a que chego, embora  conclusão de 
        gabinete, restará pesquisar in loco as ruinas ou os vestigios que possam confirmar ou enjeitar o alvitre 
        apresentado. Ora segundo as medições do Itinerario, que,
        nesta parte, concordam com a realidade, como demonstrarei, Talabriga distava 59,240 
        Km ou XL mpm. de Eminio, para norte; este 
        afastamento não se concilia com o de Aveiro, mas obriga a colocar o 
        velho oppido ao norte de Vouga e não muito longe de Albergaria-a-Velha. 
        Plinio (Nat. Hist., IV, 
        XXXV) dá-nos Talabriga como cidade dos Turduli 
        veteres, situada entre o Tejo e o Douro,
        na região do Vouga e do Mondego. Alem d'este escritor antigo, tambem 
        Ptolemeu e Appiano referem Talabriga. Aquele inclue-a na lista das 
        cidades dos lusitanos (Cf. Ptolemaei Geographia, ed. de Car. Müller, 
        I, 137). 
        Este narra um episodio da campanha de Decimo J. Bruto passado com esta 
        cidade, uma das menos resignadas, a principio, ao dominio romano (Appiani 
        Alex. Rom. Hist. q. s. Didot, 1840). 
        Parece que na Hispania não era uma só a povoação com este nome, o que 
        aliás succedia, como acabo de mostrar, 
        
        / 327 /  com
        Langobriga e, alem d'estes, com outros nomes.
        Hübner chega a dizer que, talvez em nenhuma outra região
        como na peninsula iberica, se encontrem repetidos tres e
        quatro vezes os mesmos nomes de rios, montes, povos
        e oppidos (Mon. Ling. Iber., p. IC)(31). Ainda succede o
        mesmo.» 
        . . . . . . . . . . . . . . 
        . . . . . . . . . .. . . . . .. . . . . .
        . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . .. . . . . .  
        Esta nova inscripção votiva veio: ... b) − dar-nos pela
        primeira vez, em monumento lapidar autentico, uma referencia ao oppido preromano
        Talabriga, conhecido pela
        literatura antiga e pelo ltinerario». (Pags. 41-43 e 51)
 
        Do mesmo ano de 1907 e do mesmo volume do 
        Arqueólogo
        Português é o outro estudo a que acima FELIX ALVES PEREIRA
        faz referência e que intitulou Situação conjectural de Talábriga. 
        É um trabalho notável, que versa «o problema da trajectória exacta da via romana entre Aeminium e Calem, da qual não se 
        conhecem mílliários decisivos e suficientes, especialmente
        da sua passagem por Talábriga». 
        FELlX ALVES PEREIRA, para enunciar o problema e para lhe
        buscar solução, utiliza métodos geométricos cujo rigor se não
        coaduna com as irregularidades do trajecto duma estrada antiga,
        necessariamente sinuosa em consequência da sua adaptação ao
        terreno; servindo-se dum mapa da região e tomando a distância
        assinalada no ltinerario, atribuído a ANTONINO, entre Cale e Talábriga, faz centro em Gaia e descreve um arco de círculo estabelecendo a «linha zona de Talábriga»; baseado ainda no
        ltinerario, toma a distância de Eminium a Talábriga e, fixando-se
        em Coimbra, descreve segundo arco de círculo que intercepta
        o primeiro; na zona de confluência (arredores de Salreu e de
        Albergaria-a-Nova) se deverá pois, segundo ele, procurar a
        jazida de Talábriga: é a área provável da sua situação. 
        Avisadamente, porém, e logo de início, ALVES PEREIRA concorda em que o problema, «de modo definitivo, não se resolverá senão com a verificação 
        in loco de vestigios arqueológicos 
        incontestáveis.» 
        
        /
        328 / 
        Assim é, de facto; isso não impede, porém, que na 
        Situação 
        conjectural de Talábriga existam elementos de interesse incontestável 
        para o problema do Cabeço do Vouga que presentemente nos ocupa; são 
        esses os que, a seguir, transcrevemos;
        em primeiro lugar, ALVES PEREIRA transcreve a passagem de PLÍNIO muito 
        nossa conhecida, para logo discordar da situação do Vouga ao norte de 
        Talábriga, comentando a sequência estabelecida por aquele autor: 
        ...«a) rio Vouga:b) cidade de Talabrica;
 c) cidade e rio Aeminio (Coimbra);
 d) e as cidades de Conimbrica (Condeixa);
 e) Collippo (Leiria) e
 f) Eburobricio (Obidos, vejam-se Relig. da Lusit.,
        II, 31).
 
        Se não for certo, como não me parece, que Vouga é ao norte de Talabriga 
        e este oppido ao sul do mesmo rio, pelo menos conclui-se que Talabriga 
        vizinha de um lado ou outro aquele estuário » (Pág. 9 da separata ).
 
        
        ....................................................................................................................... 
        Relacionando os marcos miliários conhecidos na época 
        (fragmento da Mealhada, com a marcação M.XII; outro de Coimbra, 
        registando M.IIII, omite o de Ul, que hoje se guarda no átrio dos Paços 
        do Concelho de Oliveira de Azeméis e que diz TIB. CAESAR. DIVI AVG. | FILIVS. AVGVSTVS I PONTIFEX. 
        MAXVM | TRIB. POTESTAT. XXV | XII) escreve 
        ainda ALVES PEREIRA: 
        ...«3.º Um pretenso milliario descrito por Fr. Bernardo de Brito na 
        Monarchia Lusitana, II, V. p. 3. Este vicio de origem obriga-me a pôr 
        ainda de parte este monumento como comprobativo da directriz; Hübner 
        fulmina-o com a sua desconfiança (Corpus, II, 55 a) dizendo que Brito 
        queria demonstrar com elle a existencia de Vacua. Não lhe darei
        porém eu maior valor que o proprio monge, que, como por prevenção, 
        confessa que as letras da pedra eram «mal distinctas e muy quebradas». 
        Assim a sua interpretação deve desinteressar-nos, visto que não ha meio 
        de contraprovar a leitura de Fr. Bernardo de Brito, duvidosa para elle 
        proprio. Para este, a lapide era porém um padrão de estrada, o que 
        pouco vale por entretanto para nós; mas provinha do Castello de S. Gião, 
        ao que parece, castro rico em ruinas de muros, etc. Isto, cuja 
        importancia só modernamente se aprecia, é que não se inventa e dá visos 
        de que com effeito alguma coisa lá pudera ter apparecido. Mas Brito, com 
        o
        dizer que a lapide era padrão de estrada, contrariava sem o advertir a 
        propria crença de que a via romana seguia pela 
        
        / 329 /
        beiramar e Talabriga era em Aveiro. (Mon. Lusit. id., p. 130). Não 
        obstante, ponha-se de parte a exactidão da epigraphe do supposto, mas 
        rehabilitavel, milliario do castro
        de S. Gião, e fique, provisoriamente, apenas um facto − o achado de um 
        padrão de via romana num castro das margens do Caima.» (Pág. 10). 
        Feita a demonstração geométrica a que acima nos referimos, nota o arqueólogo que 
        estamos seguindo: 
        ...«Esta primeira phase da minha demonstração, porém, já torna 
        incompativel a actual situação de Aveiro com vestigios de Talabriga. E 
        mais do que isto; vem levantar um equivoco de Plinio, que parece suppôr 
        aquelle oppido ao sul do Vouga; se assim fosse, não seria possivel 
        encontrar o ponto de reunião do caminho que descia de Cale a encontrar 
        Lancobriga aos 19 kilometros e se prolongava na direcção do sul até 
        mais 26 kilometros, onde devia beijar a
        Talabriga do Itinerario sem encontrar a de Plinio(32). O hiato 
        resultante fica, parece-me, fechado e annullado, desviando Talabriga de 
        Aveiro e aproximando-a de Albergaria, ao norte do Vouga; isto é, a 
        hipothese que proponho é a que
        se concilia em todos os pontos com o Itinerario.» (Págs. 13-14). 
        ...«Agueda está tambem perto de um 
        Crasto (Pinho Leal). 
        Nas margens do Vouga, naquelle logar onde subsiste
        ainda a ponte medieval (Pinho Leal), encontra-se na aldeia de Vouga um 
        morro que foi castro (Brito e P.e Carvalho, II, 161); explica Francisco 
        do Nascimento da Silveira
        (Mappa breve da Lusitania), p. 239) que Vacca existia em sitio forte por 
        natureza, entre as pontes de Vouga e Marnel,
        porque alli se vêem vestigios de muros antigos e sinaes de uma majestosa grandeza; 
        existem ainda tijolos, cantarias, muralhas 
        em Lamas de Vouga (Arch. Port., V, 50 e VII, 191)(33), e havia ahi a 
        civitas Marnele (Port. Mon. Hist., «Diplom.
        et Chart.», n.º 819), ruja origem deve ter sido outro castro. 
        
        / 330 / 
        Na carta geodesica vê-se, junto ao rio, um 
        Castello (IIl).
        Isto é ainda do concelho de Agueda. 
        Na freguesia de Serem, tambem concelho de Agueda, outra 
        civitas 
        (Viterbo, s. v. Cidade); ha lá sitios elevados a norte e a sul (Cfr. M. 
        Gomes). 
        Na freguesia da Branca ha um logar de 
        Cristellos
        (M. Gomes e Arch. Port., II, 313). 
        Na serra de S. Julião, mesma freguesia, 
        onde passa a estrada real, diz o 
        Sr. M. Gomes que ha ruinas de muralhas e fossos; acreditava-se (Arch. 
        Port., loc. cit.) que ahi era a antiga Langobria (sic). Não sei se é 
        precisamente o mesmo local a que Brito (Mon. Lusit., II, V, p. 3) chama
        castello de S. Gião, onde havia ruinas de muros e elle encontrou o tal 
        padrão suspeito e onde presume Lancobriga, não na Feira, diz, mas entre 
        Albergaria e Bemposta, defronte de Pinheiro. 
        Significativa confusão! Aquelle logar de Cristello vem
        na carta geodesica entre Estarreja e a estrada real. 
        Na freguesia de Ul ha outro castro (aldeia do crasto), de que porém não 
        conheço o ubi. Tem uma cintura de muralha de pedra solta ou cousa que o 
        valha. (Pinho Leal, s. v. Ul).» (págs. 16-18). 
        
        ....................................................................................................................... 
        «Relançando novamente o olhar ao mappa, poder-se-há notar que a zona 
        attribuivel á situação de Talabriga não está erma de castros, antes 
        nella se dão varias circunstancias que não posso deixar de aproveitar 
        para a minha these conjectural. 
        Branca é uma freguesia cuja sede fica na margem
        direita de Caima e que é cortada pela estrada real; ha nella um logar de 
        Cristellos, que só pelo topónimo demonstra a existencia de um castro ou 
        oppido. Mas alem d'este, infere-se do Sr. Marques Gomes, de Fr. 
        Bernardo de Brito (loc. cit.) e d-O Arch. Porto (II, 313, «Mem. 
        Parochiaes») que ha um local sito na serra de S. Julião, atravessado 
        pela estrada real e que Brito mais claramente chama castello de S. Gião 
        (castello por castro), no qual, segundo aquelles tres testemunhos, ha 
        ruinas de muralhas e fossos, que o Sr. M. Gomes presume serem ruinas de 
        uma atalaia e que o parocho das Memorias tambem capitula de vestigios
        romanos, acrescentando muito singularmente (note-se bem
        o que isto pode significar) que ahi esteve... Langobria (sic). Foi 
        aqui que Brito diz ter encontrado a tal pedra de letras mal distinctas 
        de que não affiança a leitura, mas que lhe pareceu padrão de estrada. 
        E aqui tem cabimento o que já atrás deixo dito, para absolver de fraude 
        consciente a noticia archivada em Fr. Bernardo de Brito. 
        Parece-me pois ser neste aro, se não neste mesmo 
        
        / 331 /
        ponto, que se deverá procurar o jazigo, não de Langobriga,
        mas da nossa Talabriga, e é precisamente a estas immediações que o 
        compasso me levou ao medir sobre a carta a primeira secção da via romana 
        de Coimbra a Gaia. 
        Não desconheço quanto de problematico isto tem antes de serem 
        perguntados pelo archeologo os logares, as ruinas, os vestigios e os 
        montes e as vozes da região, mas nem por isso o meu espirito deixa de 
        ficar demonstrado, até o possivel, que as cinzas de Talabriga nunca 
        podem estar guardadas em Aveiro. As coincidencias que acabo de notar, 
        não são bases frivolas. 
        Só pois a inspecção directa do terreno, nas immediações da Branca, 
        poderá concorrer para confirmar ou destruir a minha conjectura. 
        
        ....................................................................................................................... 
        As pontes de Vouga e Marnel são indicios bem importantes da frequencia 
        das viagens através d'esta parte da região, afastada da costa baixa e 
        paludosa. São decerto obras da idade media, dos mouros, diz Pinho Leal 
        (s. v. Marnel e Vouga). Mas os indicios pre-romanos e romanos 
        soletram-se nessas ruinas de muralhas, pedras lavradas, vestigios de 
        edificios e toponymia, que os cabeços de Vouga e Marnel nos conservam, 
        segundo descrevem Brito, Pinho Leal e os parochos do sec. XVIII nos 
        extractos publicados pelo Archeologo Português.» (págs. 20-22) 
        
        ....................................................................................................................... 
        ...« O que Barreiros conta 
        relativamente a Cacia, encontra-se repercutido num local situado muito 
        mais acima sobre o Vouga. No sec. XVIlI corria que em eras passadas ainda os navios subiam aquelle 
        estuario até a antiga cidade de Vacua, onde depois foi a villa de Vouga 
        e agora mero cabeço de Vouga (Arch. Port., VII, 191), que aliás tende a desapparecer, como desappareceu a de Marnel pelo impaludismo 
        (Pinho Leal, Port. Ant. e Mod., S. V. Vouga).» (pág. 34). 
        Para remate destas transcrições do substancial estudado arqueólogo FELIX 
        ALVES PEREIRA, que procurámos reduzir ao mínimo, daremos ainda esta 
        página literariamente perfeita (embora historicamente falsa em quanto 
        conclui sobre a nossa região, como adiante veremos), pois tem servido de 
        cansado tema, dedilhado em todos os tons, à literatura, local pretensamente científica, até mesmo a propósito do Cabeça do Vouga: 
        ...«De Talabriga temos uma das paginas da sua historia escrita por um 
        autor do meio do sec. II d . C., Appiano de Alexandria. 
        É certamente este um caso particular, mas não deverá  deixar de ser 
        considerado como uma amostra de dramas 
        
        / 332 /
        analogos que succederam com os oppidos lusitanos, no
        embate das cohortes romanas. 
        Talabriga, escreve Appiano, era uma das cidades (da
        Lusitania) que mais frequentemente se revoltava. Esta falta
        de resignação, este, direi eu, germen de patriotismo ou melhor
        de municipalismo, não podia tranquilizar Decimo Junio Bruto,
        que julgou que o caso era de reclamar a sua presença no local
        da cidade. Partiu com numerosa gente, e ao seu apparecimento responderam os irrequietos Talabrigenses com supplicas e o seu incondicional abandono á discrição do conquistador.
        Então J. Bruto foi energico e insaciavel, mas ao mesmo tempo
        teve um lanço inesperado de generosidade. Quis fazer-lhes
        sentir primeiro a dureza cruel do seu braço de guerreiro, e para isso 
        impôs-lhe a immediata entrega dos transfugas das
        hostes d'elle, certamente alliados dos romanos, a dos prisioneiros, a de todo o armamento e ainda por cima exigiu
        refens. Depois chegou a ordenar-lhes que abandonassem
        a cidade com suas mulheres e filhos. Parece que o prestigio militar de 
        J. Bruto não valia menos que seu tino de politico
        e conquistador. Os Talabrigenses aprontaram-se para obedecer alli mesmo. Mas o capitão romano queria compôr
        lhes um quadro que lhes impressionasse perduravelmente
        a imaginação. E ia espreitar o effeito produzido. 
        Desdobrou em circulo as suas tropas e, agglomerando
        dentro a chusma dos habitantes humilhados, arengou-lhes.
        Fez-lhes perceber que não receava a sua turbulencia indomita, porque quantas vezes desertassem, outras tantas elle
        viria combatê-los e reduzi-los com a necessaria firmeza.
        Incutido assim o receio e a convicção de que no momento
        adequado, J. Bruto cairia sobre elles com toda a energia, o
        general romano quebrantou a sua ira, satisfeito com estas
        objurgatorias. Mas não sem que lhes tornasse os cavallos,
        os mantimentos, os dinheiros da cidade com todo o outro
        material publico(34). Isto era claramente deixá-los na impotencia e até na penuria. E por fim J. Bruto, contra tudo
        quanto os Talabrigenses podiam já esperar (Praeter spem),
        restituiu-lhes a cidade para nella continuarem a habitar.
        Isto passava-se já meado do sec. II, antes de Christo (138a. C.). 
        Feito isto, o conquistador regressou a Roma. 
        Esta pagina da conquista da Lusitania é tanto mais
        importante quanto é, com igual individuação, a unica que
        nos resta de historia escrita dos oppidos lusitanos, e,
        embora narre um só episodio da guerra da conquista, não
        deixa de ser elucidativa. 
        
        / 333 / 
        Quando li este trecho de Appiano (Appiani Alexandrini Rom. Historiarum quae supersunt . Parisiis . F. Didot. 
        MDCCCXL), confesso que senti amargura por não podermos ainda ir 
        conversar na região do Vouga com as ruinas da cidade, onde estes successos crueis se desfiaram, e segredar ás cinzas d'aquelle abrasado 
        patriotismo que o mesmo sentimento, que chammejou nesses lusitanos 
        insoffridos, ainda se não arrefentára com o soprar sobre ellas de vinte 
        vezes cem invernos, e em mais de um dia, já da nossa existencia 
        nacional, elle se tem ateado em protestos bem tumidos de calor. 
        Talabriga continuou a existir e refazer-se, atravessando a epoca 
        imperatoria, como nos attesta: I.º, a data a que pertence a ara de Estorãos, sec . IlI-IV; 2.º, a sua inscripção no Itinerario (sec . IV). » (Págs. 
        35-36). 
        No Ensaio de inventario dos Castros portugueses por
        F. TAVARES DE PROENÇA (J.or), de 1908, já no distrito de Aveiro se 
        recenseiam 6 castros (os n.os 54, 134, 284, 412, 414, 436); destes, é um 
        o da Branca e outro o de Lamas do Vouga. 
        A bibliografia do castro de Lamas do Vouga já acima a demos, extraída 
        do Arqueólogo Português; também no mesmo admirável repositório  colheu TAVARES DE PROENÇA o registo do castro da Branca, conhecido como tal 
        desde o século XVIII; a esse registo se refere ALVES PEREIRA, como 
        vimos, e, para melhor esclarecimento dos problemas arqueológicos locais, 
        e bem assim para se saber como, por quem, e quando foram registados, 
        para aqui o transcrevemos também: 
        ...«Ha tradiçam antigua que nesta Serra (de S. 
        Julião) no tempo dos 
        Mouros estava situada huma cidade a que chamavam Langobria, e ainda 
        agora se vem 
        (sic) no alto da serra alguns vestigios, donde se tiraram as pedras das muralhas(35)»... (Arq. Português, 
        II, 313) 
        Em 1909 registam os Anaes do Município de Oliveira de
        Azemeis, entre muita notícia de valor arqueológico para o distrito, o 
        marco miliário de Ul, a que já acima nos referimos; 
        
        / 334 /
        determina a milha XII da estrada, faltando porém a indicação donde 
        começava a contagem, isto é, se de Langóbriga ou de . Talábriga: 
        ,..«O milliario é do tempo do imperador Tiberio
        Claudio Nero, augusto como todos os successores, pontifice
        supremo, filho do divino Augusto; e foi levantado na orla da estrada, 
        entre 27 de junho do anno 23 da nossa éra e igual dia do anno 24. 
        Addite-se, por fim, que elle constitue o primeiro
        documento authentico, a primaria prova material de que a via militar 
        descia de Cale para Aeminium, cortando pelo
        interior a servir os numerosos castros da região; e não se encostava 
        toda ao littoral para visitar Aveiro, como se pretendia. Assim, tambem 
        a velha hypothese da identificação de Aveiro com Talabriga, tão grata a 
        muitos dos nossos antigos chorographos, recebe um rude golpe, quiçá 
        mortal. 
        O precioso cylindro granitico, de grandes dimensões,
        não podia ter vindo de muito longe para os alicerces da desapparecida 
        igreja ulense. Era, pois, por alli, na encosta do desmantellado castro, 
        que rompia a estrada romana a
        demandar a gloriosa Talabriga, perdida e esquecida hoje n'um insondado 
        mysterio.» (Págs. 350-351). 
        É já de nossos dias a restante bibliografia a citar, 
        seleccionada de harmonia com o plano que estabelecemos para o estudo
        da estação luso-romana do Cabeço do Vouga. 
        Em 1922, dedicando à Bacia do Vouga um estudo geográfico
        modelar, o Sr. Dr. AMORIM GIRÃO, da Faculdade de Letras da Universidade 
        de Coimbra, mostra como não é inconciliável a tradição secularmente 
        mantida de que Talábriga era cidade romana da foz do Vouga, e a 
        localização que os recentes estudos tendem a determinar-lhe no interior, 
        longe da costa; a foz do Vouga ao tempo da dominação romana não 
        coincidia com a actual, e esse facto, que a geologia e a documentação 
        histórica permitem estabelecer com absoluta segurança, é fundamental 
        para todas as identificações arqueológicas locais; a linha da costa 
        ficou irrecusavelmente estabelecida no referido estudo, de que 
        registamos os períodos seguintes: 
        ...« Não se conseguiu ainda determinar com segurança onde ficava 
        situada esta cidade (Talábriga), sendo contudo verosímil, em face de um 
        bem deduzido estudo(36), que devia localizar-se não em Aveiro, Cacia ou 
        Esgueira, como escritores antigos, modernos e mesmo até contemporâneos 
        
        /
        335 /
        teem pretendido, mas sim bastante mais para o interior: o que de forma 
        alguma exclue, em nosso entender, a idea
        tão arreigada de que ficava junto da foz do Vouga, não
        onde ela hoje está, mas onde estava ainda ao tempo da
        dominação romana. É esta diversidade de aspecto topográfico entre a região do Baixo-Vouga na época actual e o
        que era na época proto-histórica que deve harmonizar,
        segundo cremos, a opinião unânime dos antigos escritores de que Talabriga ficava junto da foz desse rio, e a contagem das 
        milhas na estrada romana e considerações
        derivadas da natureza do terreno, que se opõem fundamentalmente a que 
        ela ficasse situada em Aveiro ou nas suas
        imediações. A notável povoação da antiga Lusitânia devia,
        com efeito,  ficar mais no interior, perto do braço marinho onde o Vouga 
        desaguava e, onde  desaguavam também,
        independentemente dele, o Agueda e o Cértoma, braço
        marinho que as aluviões dos três rios posteriormente
        haviam de fazer desaparecer. 
        Então, ainda Aveiro e muitas povoações vizinhas da
        ria não existiam, e a ria não existia também, muito embora
        estivessem já em actividade as causas que contribuíram para
        a sua formação, e talvez mesmo a-pesar-de o cordão litoral
        estar já em parte construído, pois doutra sorte não teriam
        os escritores coévos passado em silêncio aquele singular
        acidente, em que a Natureza prodigaliza ao homem os mais
        variados recursos.» (Pags. 60-61). 
        Também o escritor Sr. Dr. ALBERTO SOUTO, que em 1923
        contraditara a opinião justificada na Bacia do Vouga, acima referida, 
        acerca da época da formação da Ria, manifestando, de
        preferência, concordar com o engenheiro ARAÚJO E SILVA 
        que
        atribuiu à mesma a idade de 25 séculos (Origens da Ria de
        Aveiro, pág. 119)(37) e dizendo que «a formação da Ria na
        sua fase presente, deve ser obra anterior à dominação romana»
        (Págs.119-120)(38) − opinião que, a justificar-se, influiria nas
        conclusões a tirar de toda a arqueologia dos arredores de 
        
        /
        336 /
        Aveiro − refere-se, no opúsculo intitulado A Estação Arqueológica de Cacia, I, Primeiras palavras* Primeiras impressões,
        publicado em 1930, ao Cabeço do Vouga; aqui se transcrevem
        igualmente essas referencias, no mesmo intento de deixar
        reunido quanto apresente algum interesse para o estudo daquela
        estação arqueológica: 
        ...«Falou Plinio no oppidum Talabriga. 
        Existiu tambem, segundo outra versão do mesmo classico, o 
        oppidum Vacca. 
        Houve tambem a civitas Marnele. 
        E todos estes tres povoados demoraram pelas proximidades do rio Vouga. 
        Podemos admitir que Marnele e 
        Vacca (Vacua, Vagia)
        tenham sido nos sitios do Marnel e Vouga, entre cujas
        povoações fica o historico cabeço regado pelo sangue dos combatentes de 
        1828, onde são evidentes os traços romanos e os restos de uma povoação 
        de altura, bem providos de meios de defeza, e onde o exame do terreno 
        não deixa duvidas da sua antiguidade. 
        Sem necessidade de excavações ali encontrei eu o
        classico poço e ali recolhi tegulas e tejolos de molde
        romano, um pondus e mós manuarias de que houve, segundo o meu inquerito, 
        enorme quantidade. 
        O Itinerario de Antonino Pio menciona Talabriga que
        ficava não longe da foz do Vouga sobre a estrada romana que ia de 
        Aeminium para Calem. 
        Ora segundo o abalisado e notavel estudo do sr. dr. Felix
        Alvares (sic) Pereira, sobre a Situação conjectural de Talabriga, a velha e heroica cidade da Lusitania, não podia ter existido na 
        margem esquerda do Vouga.» (Pág. 13). 
        Em 1927, no jornal aveirense 
        "O Debate" de 5 de Maio, iniciou o Sr. DR. FERREIRA NEVES uma série de artigos a propósito
        da ara de Estorãos, que FÉLIX ALVES PEREIRA estudara vinte anos antes, 
        como acima vimos. Notando, muito justamente, não ter
        lido nem ouvido até à data «nenhuma referencia a tal monumento feita por qualquer aveirense quando sobre Aveiro ou Talábriga têm 
        escrito», conclui que o mesmo era deles desconhecido. Descreve-o então e historia-o, e, admitindo que a
        talabrigense referida na inscrição pudesse ter sido originária da
        região de Aveiro, propõe que no Museu desta cidade se recolha um 
        decalque e uma fotografia da ara. 
        Em carta de 19 de Abril de 1929, que tive presente, conta
        o Sr. DR. ANTÓNIO DE PINHO E MELO ao Sr. DR. FERREIRA NEVES como seu 
        pai, proprietário de terrenos no Cabeço do Vouga,
        neles mandara semear pinhal, tendo os trabalhadores, por essa 
        
        /
        337 /
        ocasião, entulhado o velho poço lá existente, que a lenda ou tradição 
        afirmava ser a entrada para um refúgio que atravessava o leito do Vouga 
        indo desembocar para os lados de Carvalhal. 
        Nas operações então feitas para o arroteamento do terreno foram 
        encontradas algumas moedas romanas, que o Sr. DR. PINHO E MELO conserva, 
        descrevendo, na referida carta, uma delas em
        que muito distintamente se vê o conhecido símbolo alusivo à fundação de 
        Roma − a loba amamentando Rómulo e Remo. 
        E acrescenta: 
        ...«A poente de Pedaçães e na encosta que desce para o Marnel junto à 
        sua confluência com o Vouga, ainda existem ruínas da povoação antiga. 
        Ali foram encontradas algumas pedras aparelhadas, enormes, a tal ponto 
        que era custoso a um carro de bois transportar uma por cada vez, e 
        tijolos que a ignorância dos lavradores fez destruir. Consegui apenas 
        dois deles, que não tinham qualquer inscrição, mas perfeitos relevos, 
        altos, e que leguei ao museu de Coimbra. 
        Ainda hoje se encontram e por lá existem, mós de granito, pequenas, e 
        que deviam servir para os escravos moerem o trigo manualmente.» 
        Mantendo a cronologia que temos seguido tanto quanto nos
        tem sido possível, cumpre registar a série de artigos escritos no jornal 
        "Correio do Vouga" pelo Sr. Tenente-coronel A. STRECHT DE VASCONCELOS, de 
        3 de Março de 1934 a 26 de Maio seguinte, donde extraímos os períodos 
        seguintes, suficientes ao nosso problema: 
        ...«Para averiguarmos a situação exacta de Talábriga,
        temos que considerar o que dela se diz nos textos e o que dela consta no 
        Itinerário. 
        Segundo êste, Talábriga ficava a 18 milhas de 
        Lancóbriga, que 
        corresponde muito aproximadamente ao Castelo da Feira e a 40 milhas de 
        Aemínio ou Coímbra. 
        Se medirmos na Carta de 1/850.000, por exemplo, a distância entre Feira 
        e Coimbra, notamos que é de 0,095 m. o que representa uma distância real 
        de 80,675 Km. As 58 milhas de 1472,5 m., que segundo o itinerário separam 
        estes dois pontos e valem 84,405 Km, o que é natural, pois a distância 
        pela estrada ha-de ser fatalmente superior à distância em linha recta. 
        Talábriga, devendo ficar a 18 milhas no sul da Feira, deve encontrar-se 
        a cêrca de 18K,1472m,5 ou seja a cêrca de 26K,505 para o sul. 
        Se seguirmos na Carta Itinerária a estrada que liga a Feira com o 
        procurado logar de Talábriga, perto da estrada 
        
        /
        338 /
        nacional Porto-Lisboa, verificamos que coincide sensivelmente com Lamas 
        do Vouga. 
        De Lamas do Vouga a Coimbra, medem-se na Carta de 1/850.000 
        0,06 m, 
        equivalentes a 51,00 Km; as 40 milhas que segundo o itinerário separavam 
        Talábriga de Aemínio valem 57,900 Km. Tem pois uma diferença de cêrca de 7 
        kilometros entre as duas medidas: mas se considerarmos que este trôço de 
        estrada àlêm de dever ser superior à distância em linha recta é muito 
        sinuoso, temos que concordar que as distâncias coincidem e que é entre o 
        Agueda e o Marnel que havemos de situar a celebrada Talabriga.» 
        Comentando, a seguir, o conhecido texto de PLÍNIO, diz o 
        mesmo escritor: 
        ...«A palavra pessures deve estar estropiada; pelo que me parece que o 
        texto dizia: A Durio incipit Lusitania; Turduli Veteres, pessune eris 
        Vacca oppidum Talabriga, ad Mundam. Isto é, os Turdulos habitam desde o 
        logar onde no rio Vouga se está submergindo (pessum eris) o oppidum 
        Talabriga. 
        Esta interpretação leva-nos a colocar Talábriga, não só no rio Vouga, 
        mas em logar onde se estava erguendo, subvertendo nas suas águas ou nas 
        suas areias, a mesma povoação e logares adjacentes. 
        Ora em Lamas (entre o Agueda e rio Marnel, ha duas pontes que estão já 
        tão assoriadas, que se passa navegando sôbre elas, e tendo em 
        consideração o que se deu com a ponte de Coimbra, que já é a terceira 
        sobreposta, não repugna acreditar que, neste logar, ou próximo dele se 
        tenha submergido no terreno uma  antiga povoação, que se encontrava à 
        margem, ou era atravessada pela estrada romana. 
        Alem disso, o logar de confluência de dois rios foi sempre o escolhido 
        pelos  
        (sic) para edificarem as suas domus, citanias ou condados, 
        preferindo os picos ou cabêços dos montes a que os cursos de água faziam 
        defêsa natural. A quando da invasão romana foram desalojados destas posições e obrigados a estabelecerem-se nos vales. Ora, perto do Marnel, ha no Cabêço do Vouga, vestígios de uma antiga povoação que, ou 
        foi arrazada pelos romanos, como aconteceu à Feira, ou edificada pelos 
        romanos para seu cómodo e defêsa, em logar do que se estava submergindo 
        no fundo do vale.» 
        Tenta, por fim, várias etimologias de  Talábriga, e 
        conclui
        o seu estudo escrevendo: 
        ...«De modo que, por mais voltas que dermos à palavra,
        ela se traduz sempre ou por povoação, logar ou fortaleza 
        
        /
        339 / 
        [Vol. VII - N.º 28 - 1941] 
        de Lamas, ou, abismada, submersa nas Lamas, Paul ou Marnel. 
        Ora esta coincidencia de distância aos pontos mais proximos do 
        itinerário conjugada com a propriedade do toponimo em relação às 
        caracteristicas do logar, parecem-me suficientemente persuasivas e 
        fundamentaveis de Conclusão que a célebre Talabriga se encontra 
        enterrada nas areias do Marnel; sendo por isso que se não encontram 
        vestigios dela, como de muitas outras povoações que identicamente teem 
        sofrido.» 
        Estudando as Estradas romanas no distrito de Aveiro, o
        Rev. Abade JOÃO DOMlNGUES AREDE, em 1937, emite a opinião de que é pelo 
        leito da velha Estrada Real «que se deve fazer a contagem das milhas 
        para a localização da Langóbriga e Talábriga», devendo esta «estanciar bastante ao norte do Vouga, por alturas da Branca», de harmonia com a 
        conclusão a que chegara já FÉLIX ALVES PEREIRA. 
        A localização de Talábriga na margem esquerda do Vouga, baseada no 
        conhecido texto de PLÍNIO, é pelo Rev. AREDE considerada 
        ...«Sedutora hipótese, que encaixava à maravilha Talábriga na estação 
        arqueológica do Cabeço do Vouga, a
        «civitas Mamelæ) do Portug. Mon. Hist. perto da antiga estrada e 
        velhíssima ponte, para cuja fábrica ou reconstrução contribuiu D. 
        Sancho Pires, Bispo do Porto, como já fica referido, e Langóbriga, 
        arrastada por Talábriga, desceria para o «castelo» ou castro de Lações, 
        sonho obsidiante do velho abade de Oliveira de Azeméis − Dr. Oliveira 
        Ferreira. 
        Mas de Lações (paróquia de Azeméis) a Gaia vai o dôbro da distância, que 
        no ltinerario separa Langóbriga de Cale, e do Marnel a Coimbra deve 
        apurar-se menos 10 milhas que as contadas por Antonino entre Emínio e 
        Talábriga.»
        (Arq. do Dist. de Aveiro, voI. IV, pág. 30). 
        Demonstrando o extremo 
        cuidado que a utilização dos velhos textos 
        exige e como, afinal, se torna necessário refazer inteiramente o 
        processo histórico destes problemas, tem aqui justo cabimento o pequeno, 
        mas altamente elucidativo, artigo do Sr. 
        P.e MIGUEL DE OLIVEIRA no Arquivo do Distrito de Aveiro (Vol. IV, 
        págs. 117 a 120) subordinado ao título de Talábriga. 
        Transcrevendo e traduzindo o famoso texto de APlANO
        ALEXANDRINO, invocado sempre que a literatura local pretende exaltar o 
        civismo aveirense, entroncando-o na rebeldia com que 
        
        /
        340 /
        as populações indígenas resistiam à dominação romana, esclarece o Sr. 
        P.e MIGUEL DE OLIVEIRA: 
        ...«APlANO fala das guerrilhas que se formaram na Lusitânia depois da 
        morte de Viriato e conta como Roma enviou contra elas o cônsul Décimo 
        Júnio Bruto. Descritas as campanhas da Lusitânia, entre o Tejo e o Douro 
        (cap: 71), narra o que se passou ao norte deste rio: 
        72. Depois, atravessado o rio Douro, tendo passeado as
        suas armas por muitos lugares distantes e recebido grande número de 
        reféns de todos os que se rendiam, Bruto encaminhou-se para o rio 
        chamado do Esquecimento(39) e foi o primeiro 
        dos Romanos a transpô-lo. 
        
        Avançando dali para outro rio, o Minho(40), como os Brácaros lhe 
        roubassem os 'mantimentos que consigo transportava, marchou contra os 
        Brácaros. 
        
        São estes um povo belicosíssimo, e até levavam consigo a combater as 
        mulheres armadas, e todos lutavam com tal intrepidez, que preferiam 
        arrostar a morte a volver costas ou soltar um grito de cobardia. Mais 
        ainda: algumas das mulheres que foram apanhadas matavam-se por suas 
        mãos, outras assassinavam os próprios filhos e julgavam preferível a morte à 
        servidão. 
        
        Alguns ópidos vieram, todavia, a submeter-se ao poder de Bruto e, 
        embora se rebelassem pouco depois, foram por ele inteiramente dominados; 
        73. Foi o ópido de Talábriga um dos que mais vezes se rebelaram. Vindo 
        lá, como os habitantes lhe implorassem clemência e oferecessem 
        submissão, Bruto começou por mandar que lhe entregassem, além dos 
        refens, os Romanos trânsfugas, os cativos e todas as armas: depois ordenou que saíssem  da 
        cidade com as mulheres e os filhos. Apenas eles se dispuseram a cumprir essa ordem, cercou-os de tropas e dirigiu-lhes um discurso em que os advertiu de que as suas rebeliões só poderiam 
        reacender a guerra e cada vez mais violenta. Tendo-lhes assim incutido 
        temor e a ideia de mais séria revindita, descarregou no entanto a sua ira 
        nestas objurgatórias. Tirou-lhes os cavalos, os mantimentos, os 
        dinheiros públicos e os restantes apetrechos, mas deixou-lhes para 
        moradia o ópido com que já não contavam. Depois de tantos feitos, Bruto 
        regressou a Roma.» 
        . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
        . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
        «Bastava o texto de APlANO para concluirmos que a sua Talábriga era um 
        ópido dos Brácaros. O capítulo 73  
        
        / 341 / é uma
        é uma continuação do anterior, cuja acção decorre no Alto
        Minho. Se nessa região aparece a relíquia arqueológica da
        piedade de uma talabrigense,(41) mais um motivo para não
        procurarmos em outra parte essa Talábriga, não era, aliás,
        muito natural, que nesses tempos se expatriasse para as
        margens do Lima uma família pertencente a um ópido
        do Vouga.  
        
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