A. G. da Rocha Madahil, Estação luso-romana do Cabeço do Vouga. I terraço subjacente à ermida do Espírito Santo ou da Vitória, Vol. VII, pp. 313-369.

ESTAÇÃO LUSO-ROMANA

DO CABEÇO DO VOUGA

I

TERRAÇO SUBJACENTE À ERMIDA DO ESPÍRITO SANTO OU DA VITÓRIA

◄◄◄ − Continuação da página  258

CONTINUANDO a resenha bibliográfica do que de maior importância para a arqueologia local se tem escrito desde GASPAR BARREIROS, que vínhamos seguindo, cumpre registar, em 1875, o quinto volume do conhecido Portugal Antigo e Moderno, de PINHO LEAL, de cuja história do Marnel extraímos os seguintes períodos, deixando o que em volumes anteriores escrevera de Águeda, Emínio e Talábriga.

...«No tempo do conde D. Henrique, e de seu filho, D. Affonso Henriques, era a villa do Marnel a mais notavel d' estes sitios.

Deduz-se isto, de uma doação feita á egreja de Santo Izidoro de Eixo, em 1095, pelo famulo de Deos, Zoleima Gonçalves − pro tolerantia Fratrum, et Monachorum, qui ibidem habitantes fuerint, et Vita Sancta perseveraverint. (Doc. de Lorvão.)

N'esta doação se declara que a egreja de Eixo ficava − subtus Civitatis Marnelæ, discurrente rivulo Vouga, territorio Colimbriæ

(Eixo fica effectivamente abaixo do Marnel, 12 kilometros ao O.)»

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...«Teve a villa do Marnel, ou Lamas, por donatarios, grandes personagens, e o monte do Marnel era regalengo (reguengo − ou da coroa) como se vê nas Inquirições de D. Affonso lI, L. 2, pag. 120 − col 1.ª, § 1.º, na Torre do Tombo. / 314 /

Em 1384, D. João I doou a villa do Marnel, e outras, a Gonçalo Vasques Guedes (Mon. Lus., part. 5.ª, pag. 174, tom. 8.º, cap. 23.).

Em 1759, pertencia aos duques de Aveiro, (Pegas, tom. 2.º; pag. 672 e 739) sendo então confiscada para a corôa, como tudo quanto pertencia a esta desgraçada familia.

A velha ponte do Marnel é antiquissima. Era a villa do Marnel acastellada, segundo se vê da doação que Pero Paes e sua mulher, Gelvira Nunes, fizeram aos monges e clerigos do mosteiro de Lorvão, em 1121, da sua vilIa do Pinheiro (hoje aldeia da freguezia de S. João de Loure.) − Diz a doação − et in confinitate Castelli Marnelis, inter fluvium Vougam, et montem qui dicitur Meiçom-frio (Doc. de Lorvão, transcripto por Viterbo na palavra − Cidade, 3.ª, a pag. 191.)

Era pois o monte do Marnel, com o seu castello, um ponto militar, no principio da nossa monarchia; e aqui, segundo a tradição e varias memorias, têem havido, desde remotas eras, cêrcos e batalhas.»...

De 1877 é O Distrito de Aveiro, do historiador aveirense JOÃO AUGUSTO MARQUES GOMES, que, seguindo PINHO LEAL, identifica Emínio com Águeda, declarando inadmissível a pretensão de HÜBNER a favor de Coimbra (pág. 35).

Do lugar do Vouga, regista ele a tradição de aí ter existido

...«a cidade romana denominada Vacca. O padre Carvalho da Costa affirma que n'este sitio se encontravam seguros vestigios de tal povoação, como eram tijolos antiquissimos e alicerces de soberbos edificios. Presentemente nada existe. E a boa critica faz ver que aquelIa antiga cidade era onde hoje é Vizeu e não Vouga.» (Págs. 52-53).

Da freguesia da Branca, que adiante veremos interessar aos problemas locais, diz MARQUES GOMES a propósito da serra de S. Julião (ou S. Gião):

...«No alto da serra, ha ainda vestigios salientes de uma atalaia, que, ao que parece, occupava toda a circumferencia do plaino, na extensão d'uns trezentos metros de comprido, de norte a sul, e cento e vinte de largo, divisando-se ainda parte da valIa, ou cava exterior, e da linha do parapeito em toda a valIa. Do lado do nascente, por detrás da serra, ha uma sahida e estrada larga pela encosta do monte abaixo, com muros ou cortinas lateraes de pedra e terraço.» (Pág. 69). / 315 /

Pelo que respeita a Talábriga, enuncia dest'arte MARQUES GOMES a sua opinião:

«É um problema historico a fundação e o local da antiga cidade de Talabrica. Ao certo sabe-se apenas que foi fundada pelos celtas, que no tempo dos Romanos era uma das 36 cidades tributarias da Lusitania pertencente ao conventus juridicus do Vouga(1).

E é quasi provavel que o seu local coincida com o do moderno logar de Cacia, sobranceiro ao Vouga(2)

Com boas razões argumenta em 1879, na revista Portugal Pitoresco, FILIPE SIMÕES, inquirindo Se Coimbra foi povoação romana e que nome teve, e concluindo pela sua identificação com Emínio.

Em 1884, BORGES DE FIGUEIREDO, que havia lançado no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa uma série de estudos subordinados ao título geral de Oppida Restituta, publica o seu notável trabalho histórico-arqueológico sobre Emínio. A cidade romana de entre Conímbriga e Talábriga fica solidamente identificada com Coimbra, embora só em 1888 viesse a ser encontrada, numa casa ao fundo da Couraça dos Apóstolos, a inscrição epigráfica que definitivamente afastou as objecções mais renitentes àquela identificação.

Esse estudo de BORGES DE FIGUEIREDO tem sempre de ser tomado em consideração por quem pretenda conhecer o debate entre Águeda e Coimbra a propósito da sucessão ao título da velha Emínio; os defensores da tese de Águeda alegavam estas razões:

«1.ª Que a tradição o diz;

2.ª Que o ltinerário de Antonino está errado; que é um documento indigno de crédito, por isso que todos os códices onde se encontram divergem;

3.ª Que Ptolomeu marca a Eminio tais graus de latitude e longitude que lhe assinalam uma posição muito perto de Águeda;

4.ª Que Plínio, o naturalista, distingue o rio Emínio do rio Munda, e Emínio cidade, de Coimbra;

5.ª Que, tendo sido coevas as duas dioceses de Conímbriga e Emínio, ficariam muito próximas as duas sés.» / 316 /

BORGES DE FIGUEIREDO opõe às razões invocadas argumentação absolutamente concludente; pela sua grande extensão a não transcrevemos aqui, e ainda porque ao Cabeço do Vouga, que em especial nos interessa, dedicou o mesmo historiador estudo independente, no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa (5.ª série, N.º 6 − 1881), beneficiando não só da investigação anterior como dos progressos de método crítico da época; a separata desse interessantíssimo trabalho, geralmente ignorado, constitui peça bibliográfica distrital de grande raridade, razão pela qual o transcrevemos na íntegra:

«Vacua
(Cabeço de Vouga)

I

Informa o fidedigno Gaspar Barreiros que n'um codice da Historia Natural de Plinio se encontra a menção d'um oppidum lusitano denominado Vacca. Exprime-se do modo seguinte o notavel archeologo: «em hum archetypo Toletano stá scripto da maneira q dixe. s. flumen Vacca, oppidum Vacca, oppidum Talabrica, etc. A qual liçam Fernando Pintiano cõmendador de SaIamanca cita nas suas castigações Plinianas»(3).

Parece ser aquelle o unico codice da obra de Plinio, em que se encontra noticia do oppidum Vacca, pois não vi ainda nas variantes de edição alguma, por mais completa, apontada esta particularidade: e isto póde levar a concluir o serem aquellas palavras uma intercalação de copista. Desprezar, porém, sem exame, aquella versão do alludido codice, simplesmente por ser unica, é grave erro de quem olha as cousas superficialmente e não tem aptidão para os estudos archeologicos. Demais, outros escriptores antigos mencionaram a povoação de que se trata, como se verá, e a sua posição é facil de determinar.

Antes de proseguir, direi que a verdadeira fórma do nome é Vacua, e não Vacca nem Vagia, como se encontra em exemplares de Plinio e nos restantes auctores latinos. Aquella verdadeira fórma, designando o rio (Oùαxoúα(4)), é comprovada pela que apparece nos documentos medievos, do IX ao XII seculo, Vauga, e Voaga(5), d'onde a fórma moderna Vouga. O termo parece de origem celta, como / 317 / nota o meu amigo Adolpho Coelho(6), devendo com elle comparar-se nomes analogos, que se têem lido em inscripções e que se encontram na obra de Cesar.

Posto isto, e advertindo que apenas nas transcripções empregarei a fórma incorrecta, vou apontar quaes as noticias que nos restam assim ácerca da povoação como do rio seu homonymo.

II

N'um pequeno tratado cosmographico, que não tem merecido grandes attenções, e que por muito tempo foi attribuido a Aethico, vem mencionaào um oppidum Vacca.

Lê-se na apontada obra: «occeanus occidentalis habet famosa oppida: Bracara, Lacusa, Augusta, Vacca, Celtiberia, Caesarea Augusta, Tarracona...»(7). É evidente quanta corrupção ha n'este texto. Entendo todavia que não offerece dificuldades a sua reconstituição. Parece á primeira vista que o auctor attribue ao oceano occidental as sete cidades que ficam transcriptas; mas não é, não póde de modo algum ser, essa a intelligencia verdadeira d'aquella passagem. Creio que a interpretação racional d'ella é do seguinte modo: «occeanus occidentalis habet famosa oppida: Bracara, Lucus Augusti, Vacca; Celtiberia [habet famosa oppida:] Caesarea Augusta, Tarracona...». Isto não só porque de maneira nenhuma caberia referir ao oceano occidental as duas ultimas povoações que pertenciam á Celtiberia, e por conseguinte ao mar interior, senão tambem porque a palavra Celtiberia não tem caracter de nome de povoação, sabendo-se muito pelo contrario que ella designava uma região do oriente da peninsula. A duvida que resta é sobre a situação do terceiro oppidum do oceano occidental. Era a mesma cidade mencionada no codice pliniano de Toledo, ou era uma povoação dos Vacceus? Não me parece que se possa defender a segunda hypothese, porque, comquanto n'esse caso o oppidum estivesse na bacia de um rio tributario do oceano Atlantico, ficaria muito no interior para dever contar-se entre as cidades occidentaes como Bracara e Lucus Augusti. Não caberia tambem mencional-a, a ella só, como cidade dos Vacceus, quando se não fallava de Palancia, a principal das povoações d'aquelle povo(8). Além disso, a homonymia chama para / 318 / a margem do rio Vacua a povoação, e não ha a mais leve duvida de que este rio é o que hoje se chama Vouga. A falta de ordem geographica na menção das tres cidades occidentaes não deve tambem servir de argumento em contrario; porque o auctor seguiria quanto a ellas a ordem da importancia das terras, e sabe-se effectivamente que Bracara era mais importante que Lucus Augusti, cabendo só depois d'esta o fallar de Vacua. É, pois, de rasão o considerar identicos o oppidum de Plinio e o da cosmographia anonyma.

Um escriptor hespanhol do seculo V, Paulo Orosio, traz o nome de Baccia attribuido a uma cidade da Lusitania, ao fallar das luctas dos corajosos habitantes d'esta região com os romanos. Diz o escriptor christão: «lgitur Fabius consul contra Lusitanos & Viriatum dimicans Bacciam oppidum, quod Viriatus obsidebat...»(9). Esta povoação é sem duvida a mesma de que tenho fallado. Em primeiro logar, o nome Baccia aproxima-se muito e naturalmente da fórma Vagia que vimos achar-se em Plinio, sendo desnecessario apontar as razões que determinam esta identificação. Em segundo logar os successos de que Orosio se
occupa n'aquelle ponto da sua historia tiveram por theatro o occidente da peninsula.

Quanto ao rio Vacua, são em maior numero as noticias. Além de Plinio e de Strabão, como já vimos, faz d'elle menção Ptolemeu, Oùαxoúα ποτ έχδ(10), collocando-o entre o Mondego e o Douro; e falIa d'elle Marciano Heracleota: 'Aπò δέ Movδα πòταμοũ έχδoλάς στάδίοί τπ, στάδίοί σοέ.(11).

Depois d'estes, em plena idade media, ÉDRISI, descrevendo o territorio portuguez comprehendido no quarto clima, conforme a divisão que adoptára, gaba muito o paiz em termos precisos, e diz: «Le Nahr-Boudhou est une rivière considérable qui porte de grosses et de petites embarcations. La marée y remonte à la distance de plusieurs milles. De là à l'embouchure du Douira (le Duero), 15 milles.(12) Ora a distancia entre as fozes do Vouga e do Douro orça pela indicada pelo geographo arabe, e sobretudo não ha entre o Mondego e o Douro outro rio além d'aquelle, a que se possam applicar as particularidades que menciona. O Vouga é navegavel por espaço de 42 kilometros(13), que correspondem a 28 milhas antigas. / 319 /

III

A situação de Vacua, segundo Gaspar Barreiras, é a «Ponte de Vouga. s. Põte de Vacca, nam por causa do rio senam por causa do nome do logar, como dizemos Põte do Arcebispo ou Ponte d'Alcantara.»(14) Conforme diz Carvalho da Costa: «He tradição, que no cabeço de Vouga esteve antigamente huma Cidade, chamada Vacca, & ainda hoje se acham tijolos, & pedras lavradas, & outros vestigios de edificios. Nelle está agora hũa Ermida do Espirito Santo.»(15).

Não se pôde, em verdade, afastar o antigo oppidum da actual villa de Vouga, considerando ter existido no monte da ermida do Espirito Santo, ou Cabeço de Vouga, a cavalleiro d'esta terra. Restos da antiga povoação por um lado, por outro o proprio nome, confirmam a identificação: Vouga, Vauga metatese de Vagua (Vacua); com que se deve comparar a fórma popular auga por agua(16), anáuga por anágua, éuga por égua, léuga por légua, réuga em vez de régua(17), etc.

Se Vouga durante algum tempo mereceu o cognome de famosa ou ao menos o de notavel, cedo perdeu o esplendor. Foi porventura estação do itinerario entre Eminio e Lancobriga; mas em breve foi supplantada e substituida pela sua vizinha Talabriga, que se engrandeceu facilmente, e com rasão, pela sua mais vantajosa posição á beira-mar, o que lhe proporcionava o desenvolvimento da industria e do commercio; a industria da pesca e do sal, o comercio d'estes dois productos e de outros que recebia e armazenava.»

Cronologicamente, para se ajuizar da forma como os estudos sobre o Cabeço do Vouga, e a região, evolucionaram, importa referir o volume XII do já mencionado dicionário Portugal Antigo e Moderno; é de 1890, e, conquanto fosse publicado sob o nome de PINHO LEAL, cujo trabalho rematava alfabeticamente, «foi elaborado pelo P. PEDRO AUGUSTO FERREIRA»(18). Do seu extenso e importante artigo sobre o rio Vouga e a povoação do mesmo nome fixaremos o seguinte:

...«o Marnel foi povoação acastellada e muito importante no sec. XI, pois em um documento de Lorvão se lhe / 320 / dá o titulo de cidade − e em outro de villa; note-se porem que outr'ora estes termos não tinham a significação hodierna.

Por vezes as cidades − inclusivamente o Porto e Lisboa se denominavam villas − em quanto que Ceia, Gouveia da Beira Baixa e outras vilIas se denominavam cidades.

Note-se também que Lamas e Marnel são quase sinónimos, − pateira, lamaçal, terreno alagadiço − e outrora empregaram-se indistintamente, pelo que hoje mal podemos saber quando os velhos documentos falavam da povoação de Lamas, propriamente dita, − ou da de Marnel.»

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...«A cidade romana − VACCA − Na opinião de varios auctores, a vilIa de Vouga foi a antiga cidade romana Vacca; outros a situam em Viseu; outros perto de Miranda do Douro, − e outros junto dos Pireneus?!...(19)

É pois muito nebuloso este topico e não sabemos quando se fará luz que dissipe completamente as trevas em que jaz.

O dr. Manoel Botelho Ribeiro Pereira, notavel escriptor e antiquario visiense,(20) pugnando pro domo sua, tractou a questão como ninguem até hoje, sustentando que Viseu é a legitima representante da cidade romana Vacca. Não transcrevemos aquelIe topico dos seus Dialogos, porque é muito extenso e só elIe daria talvez 2 fasciculos! Ardendo em zelo pelas glorias da sua terra natal, insurge-se contra os que sustentam opinião opposta, nomeadamente contra o distinctissimo geographo Gaspar Barreiros, tambem filho de Viseu e seu parente,(21) por dizer que a séde de Vacca foi a villa de Vouga; mas o sabio conego Berardo, tambem visense,(22) despresa a opinião dos que situam Vacca tanto em Viseu, como. na villa de Vouga e mostra-se disposto a crer que elIa esteve junto dos Pirineus.(23)

D. Jeronymo Contador d'Argote falIa muito dos povos vacceos, como povos muito importantes, repetidas vezes mencionados por Strabão, Ptolomeu e Plínio, sendo todos concordes em dizer que elIes demoravam junto das nascentes do Douro, aproximadamente desde Zamora até Freixo de Espada á Cinta.

Argote diz que os vacceos confinavam com os astures, tendo por linha divisoria o rio Esla.

Strabão no livro 3.º pag. 152 e 162 diz o mesmo e são d'elIe estas palavras: «...inde vetones et vaccei, per quos / 321 / Durius labitur, ad Contiam urbem vacceorum transitum faciens.».

Em vulgar: «ali começa a região dos vetones e vacceos, por entre os quaes segue o Douro até Concia, (Miranda do Douro) cidade dos vacceos

Tambem eram cidades d'elles as seguintes:

Intercacia, distante 15 legoas d'Astorga, no caminho de Valhadolid, perto de Cauca e de Palença;(24)

Sentica, hoje talvez Zamora;

Sarabris hoje talvez Toro;

Pincia, hoje Valhadolid;

Rauda, hoje talvez Aranda, no caminho de Astorga para Saragoça, por Cantabria.

Elles confinavam com os arevacos e astures, ou asturianos.

Demoravam pois nas margens e nascentes do Douro, não do Vouga.

V. Memorias d'Argote, tomo 1.º pag. 150, 160, 198, 442, 443, 444, 446, 447, 451 e 452.

É isto o que diz e prova muito bem o sabio academico Argote; mas é tambem de grande peso a opinião de Gaspar Barreiros: − que a cidade Vacca esteve junto da ponte da Vouga, − opinião que seguiu e sustentou com muita erudição em um dos seus artigos Oppida restituta o sr. Antonio Cardoso Borges de Figueiredo, no Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa (5.ª seríe, n.º 6 − 1885) da qual é bibliothecario,

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Respeitamos muito a opinião do sr. Borges de Figueiredo e não queremos impugnàl-a; suppomos porem que não disse a ultima palavra sobre o assumpto;

1.º − porque o mesmo sr. Figueiredo mostrou repugnanria em acceitar a lição de um codice de Plinio differente da lição de todos os outros codices do mencionado geographo;

2.º − Porque o mesmo sr. Figueiredo diz que não tem merecido grandes attenções o pequeno tractado cosmographico anonymo, attribuido a Aetico;

3.º − Porque temos difficuldade em crer que a Baugia de Paulo Orosio fosse o pretendido oppidum Vacca da villa de Vouga.

4.º − Porque até hoje (que nós saibamos) ninguem ali encontrou cippos ou lapides com inscripções, muralhas, torres, estatuas, ou quaesquer outros vestigios da famosa / 322 / cidade romana. Apenas o padre Carvalho(?) indica umas bagatellas.

5.º − Porque a posição geographica e estrategica da villa e monte do Vouga é relativa á estrada que atravessa ali a ponte, mas essa estrada, como geralmente se diz, foi feita pelos mouros em substituição da velha estrada romana que seguia pelo littoral, muito mais ao poente. Logo a dicta cidade no tempo dos romanos era uma cidade sertaneja: não podia ser estação ou castro do roteiro de Antonino − nem n'elle se encontra como tal nas rectificações de Parthy e Pinder.

6.º − Porque os vacceos, como dizem o dr. Manoel Botelho Ribeiro e outros, tomaram o nome da famosa cidade romana Vacca, − e elles demoravam muito longe do Vouga, como já dissemos supra e diz tambem o sabia Fr. Felippe de la Gandra nas Armas y Triumphos de Gallicia:

«Os vaceos, hoje campesinos, tinham por capital Pallencia e soffreram tambem cruel assedio durante a guerra de Numancia.

Palencia era já então cidade importante e tanto que, apesar do cerco, os romanos commandados por Luculo tiveram de retirar, sendo perseguidos pelos palentinos até ás margens do Douro.

Passados 2 annos foi Palencia outra vez sitiada por Marco Emilio Lepido consul, e outra vez os romanos tiveram de levantar o cerco.»

Op. cit. supra, pag. 19 e 20.

O sr. Borges de Figueiredo podia tambem citar em favor da sua opinião o Mappa de Abrahão Ortelio que S. ex.ª na Memoria sobre Eminium citára com muito louvor pouco antes,(25) pois no dicto Mappa se encontra o pretendido oppidum, junto da villa de Vouga; mas teria tambem pouca força tal argumento, porque, segundo diz Argote, fallando do Juliobriga, cidade romana congenere, Ortelio... não tem auctoridade em materia tão antiga.(26)

E que vemos nós no dicto Mappa?

Situa bem Conimbrica, hoje Condeixa Velha, − e Eminium, a Coimbra actual, mas foi muito infeliz em outros pontos. Situa, por exemplo, Bracara Augusta em Barcellos, na margem direita do Cavado; o Lima no seu local proprio, entre o Minho e o Cavado, − e o Forum Limicorum, / 323 / [Vol. VII - N.º 28 - 1941] (Ponte de Lima) aproximadamente em Santa Martha de Penaguião, no districto de Villa Real de Traz os Montes; Lameca (Lamego) na margem direita do Douro, ao poente de Baião e não longe da foz do Tamega; dá o rio Vouga como affluente do Agueda e põe a famosa Vacca a jusante da confluencia dos dois rios, na margem direita do Vouga, etc. etc.

Tambem o sr. B. de Figueiredo podia citar o Mappa Breve da Lusitania Antiga do Padre Francisco do Nascimento Silveira, auctor do Côro das Musas, etc. pois no § XLII da Taboa III, pag. 239, diz textualmente:

«Vacea. Foi cidade antiga da Lusitania, e existia em hum sitio alto, e forte por natureza, entre as pontes do Vouga e Marnel, porque ali se vem vestigios de muros antigos, e signaes de huma magestosa grandeza... − julga-se, que destruida Vacca, se deo ás suas ruinas o nome de Marnel, que conserva até o presente...»

Apoia-se em Fr. Bernardo de Brito, que na Monarchia Lusit. Parte II,1. V, cap. 1.º fl. 2, V. diz efectivamente quasi o mesmo e dá uma inscripção encontrada por elle(?! ...) no valle de Ossella em o muro de um campo, a qual, se não é fantasia do auctor, parece resolver o problema!...

A dicta inscripção, n.º 278, do Portugaliae inscriptiones, é a seguinte:

IMP. CAES. D. AVG. INTER
DIV. REL. COHOR. PRAESlD.
VACE. OCCEL. LANCO. CALEN
AEM. LEG. X. FRETENS
ElUS. NVM. SPECTACVLA
ET LVD. GLADlAT. E. V.ª
VRBES LVSIT. L. A.
EXP. ET. HECATOMB. D. D.(27)

Em vulgar: «As capitanias da legião decima, chamada Fretense, que estavam de presidio em Vouga (Vacca) em Ossella, na Feira, no Porto, e em Aguéda,(28) por voto particular / 324 / celebrarão spectaculos, e jogos de gladiadores á divindade do imperador César Augusto, contado já no numero dos Deoses, e as cidades da Lusitania acima nomedas fizerão os gastos d'estas festas, e celebrarão Hecatombas com grande liberalidade.»

Em seguida faz muito judiciosas considerações sobre a dicta lapide e aponta outra que achou entre Albergaria Velha e o Pinheiro (da Bem posta?) no monte denominado Castello de S. Gião, onde viu restos de muros e fortificações e uma pedra, na qual apenas (diz elle) pôde ler o seguinte:

  : : : : COS. VI : : : :
: : : : P. IN. P. F: : : :
  : : : : VAC. XII. P. M.

Suppõe ser fragmento de um marco milliar, onde esteve o nome de um imperador que foi consul seis vezes e que teve o poder tribunicio nove vezes. Tambem lhe davam os titulos de piedoso e afortunado, accrescentando que d'ali à cidade de Vacca (presidio romano, como diz a outra inscripção) havia à distancia de doze mil passos, «os quaes se achão ao justo nas 3 legoas que ha de hua parte á outra» − diz o mesmo Fr. Bernardo de Brito, continuando a fazer muito sensatas considerações sobre as duas lapides, até o fim do mencionado capitulo.

Lamentamos profundamente o desprestigio de tão illustrado auctor. Se tivesse a auctoridade de Herculano ou de João Pedro Ribeiro, estava morta a questão, mas infelizmente demanda grande desconto o que diz Fr. Bernardo de Brito!...(29)

O assumpto é nebuloso e vasto e não podemos dar-lhe mais desenvolvimento em um simples topico. Terminaremos dizendo que, assim como houve na peninsula differentes cidades romanas com o mesmo nome, talvez houvesse também com o mesmo nome de Vacca differentes cidades em pontos distantes.»

Em 1907 regista O Arqueólogo Português (vol. XII, pág. 36 e segs.) um facto que viria a ter a mais decidida importância nos estudos arqueológicos de toda a região do Vouga: o aparecimento, / 325 / na freguesia de Estorãos, a duas léguas de Ponte do Lima, duma ara celtibérica da época romana onde se lê, em inscrição votiva:

«Camala Arqui filia Talabrigensis Genio Tiauranceaico votum solvit libens merito».

A epigrafe é objecto de desenvolvido comentário por parte de FELIX ALVES PEREIRA, arqueólogo cujo nome é hoje inseparável dos estudos sobre antiguidades romanas locais, mercê doutra comunicação, na mesma revista, a que adiante faremos igualmente referência.

Escrevendo da ara de Estorãos, nota FELlX ALVES PEREIRA, de interesse para o presente caso:

«...Temos pois, em região de Grovios, nova lapide com onomastico pessoal de tronco celtico; uma observação porem devo fazer: é que não eram oriundos d'essa região os dedicantes nella residentes, senão da Lusitania.

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De Talabriga, se dizia a dedicante de Estorãos. No ltinerario de Antonino ha menção de um oppidum assim denominado. Quem lhe chama oppidum é Plínio, texto mais antigo que o Itinerario (Nat. Hist., IX, XXXV). Tambem chama oppidum a Conimbriga e bem sabemos a que condições estrategicas correspondem as ruinas de Condeixa-a-Velha e de todos os outros oppida.

Alem d'isto, o elemento briga é considerado celtico e significa: «altura, castello» (Alt-Celt. Sprachschatz, A. Holder, s. v. briga). Isto demonstra que Talabriga deverá ser povoação de origem preromana e situada numa eminencia, acaso provida de cintura de muralhas ou equivalente sistema de defesa. A Talabriga do ltinerario, na via romana Lisboa-Braga, não está ainda identificada. Suppôs-se que seria Aveiro ou junto d'esta cidade. O que porém acabo de dizer é sufficiente, creio eu, para enfraquecer esta opinião; as ruinas de Talabriga não terão de encontrar-se em terrenos planos sem cabeços apropriados, como são as cercanias de Aveiro.

É plausivel acreditar que a patria do dedicante da ara de Estorãos seja a Talabriga do ltinerario, como a mais proxima e conhecida do logar habitado por Camala.

Æminium está hoje provado, por uma inscrição romana, ser a actual Coimbra (A. Filipe Simões, ob. cit. pp. 24 sgs., e Borges de Figueiredo, «Oppida Restituta» in Bol. da Soc. de Geographia n.º 2, 1884 e Rev. Arch. e Hst.. II, 66 e lnscr. Hisp. Lat., suppI. n.º 5239). / 326 /

Talabriga distanciava-se 18 milhas para o sul aproximadamente de Lancobriga (sic no Itinerario) e 31, na mesma orientação, de Calem, que corresponde a uma cidade marginal do Douro, perto da foz deste (Religiões da Lusitania, II, 29,n.º 7).

Langobriga seria, no pensar do Sr. Dr. Leite de Vasconcellos (Relig. da Lusit., II, 34) a povoação de Longroiva, entre Marialva e Freixo de Numão, no concelho de Meda.

Langobriga, computada a milha romana em 1:481 metros(30), dista 26:658 m. de Talabriga e 19:253 m. de Calem. A situação d'aquella Longroiva não corresponde á distancia marcada no Itinerario com respeito a Gaia; em linha recta, seriam 169 Kilometros para leste. Havia pois mais que uma Langobriga, reconhecendo-se que aquelle vocabulo deve ser etymo de Longroiva.

Só de Æminium e de Calem do Itinerario, por serem pontos incontroversos, principalmente o primeiro, é que podemos partir para verificar a situação de Talabriga. E á identificação d'esta cidade com Aveiro ou arredores obstam, alem do que já expus, as medições do Itinerario e outros considerandos, que mais categoricamente desenvolvo em especial artigo, que fica no prelo.

Depois de registada a conclusão a que chego, embora conclusão de gabinete, restará pesquisar in loco as ruinas ou os vestigios que possam confirmar ou enjeitar o alvitre apresentado. Ora segundo as medições do Itinerario, que, nesta parte, concordam com a realidade, como demonstrarei, Talabriga distava 59,240 Km ou XL mpm. de Eminio, para norte; este afastamento não se concilia com o de Aveiro, mas obriga a colocar o velho oppido ao norte de Vouga e não muito longe de Albergaria-a-Velha.

Plinio (Nat. Hist., IV, XXXV) dá-nos Talabriga como cidade dos Turduli veteres, situada entre o Tejo e o Douro, na região do Vouga e do Mondego. Alem d'este escritor antigo, tambem Ptolemeu e Appiano referem Talabriga. Aquele inclue-a na lista das cidades dos lusitanos (Cf. Ptolemaei Geographia, ed. de Car. Müller, I, 137).

Este narra um episodio da campanha de Decimo J. Bruto passado com esta cidade, uma das menos resignadas, a principio, ao dominio romano (Appiani Alex. Rom. Hist. q. s. Didot, 1840).

Parece que na Hispania não era uma só a povoação com este nome, o que aliás succedia, como acabo de mostrar, / 327 /  com Langobriga e, alem d'estes, com outros nomes. Hübner chega a dizer que, talvez em nenhuma outra região como na peninsula iberica, se encontrem repetidos tres e quatro vezes os mesmos nomes de rios, montes, povos e oppidos (Mon. Ling. Iber., p. IC)(31). Ainda succede o mesmo.»

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Esta nova inscripção votiva veio: ... b) − dar-nos pela primeira vez, em monumento lapidar autentico, uma referencia ao oppido preromano Talabriga, conhecido pela literatura antiga e pelo ltinerario». (Pags. 41-43 e 51)

Do mesmo ano de 1907 e do mesmo volume do Arqueólogo Português é o outro estudo a que acima FELIX ALVES PEREIRA faz referência e que intitulou Situação conjectural de Talábriga.

É um trabalho notável, que versa «o problema da trajectória exacta da via romana entre Aeminium e Calem, da qual não se conhecem mílliários decisivos e suficientes, especialmente da sua passagem por Talábriga».

FELlX ALVES PEREIRA, para enunciar o problema e para lhe buscar solução, utiliza métodos geométricos cujo rigor se não coaduna com as irregularidades do trajecto duma estrada antiga, necessariamente sinuosa em consequência da sua adaptação ao terreno; servindo-se dum mapa da região e tomando a distância assinalada no ltinerario, atribuído a ANTONINO, entre Cale e Talábriga, faz centro em Gaia e descreve um arco de círculo estabelecendo a «linha zona de Talábriga»; baseado ainda no ltinerario, toma a distância de Eminium a Talábriga e, fixando-se em Coimbra, descreve segundo arco de círculo que intercepta o primeiro; na zona de confluência (arredores de Salreu e de Albergaria-a-Nova) se deverá pois, segundo ele, procurar a jazida de Talábriga: é a área provável da sua situação.

Avisadamente, porém, e logo de início, ALVES PEREIRA concorda em que o problema, «de modo definitivo, não se resolverá senão com a verificação in loco de vestigios arqueológicos incontestáveis.» / 328 /

Assim é, de facto; isso não impede, porém, que na Situação conjectural de Talábriga existam elementos de interesse incontestável para o problema do Cabeço do Vouga que presentemente nos ocupa; são esses os que, a seguir, transcrevemos; em primeiro lugar, ALVES PEREIRA transcreve a passagem de PLÍNIO muito nossa conhecida, para logo discordar da situação do Vouga ao norte de Talábriga, comentando a sequência estabelecida por aquele autor:

...«a) rio Vouga:
   b) cidade de Talabrica;
   c) cidade e rio Aeminio (Coimbra);
   d) e as cidades de Conimbrica (Condeixa);
   e) Collippo (Leiria) e
   f) Eburobricio (Obidos, vejam-se Relig. da Lusit., II, 31).


Se não for certo, como não me parece, que Vouga é ao norte de Talabriga e este oppido ao sul do mesmo rio, pelo menos conclui-se que Talabriga vizinha de um lado ou outro aquele estuário » (Pág. 9 da separata ).

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Relacionando os marcos miliários conhecidos na época (fragmento da Mealhada, com a marcação M.XII; outro de Coimbra, registando M.IIII, omite o de Ul, que hoje se guarda no átrio dos Paços do Concelho de Oliveira de Azeméis e que diz TIB. CAESAR. DIVI AVG. | FILIVS. AVGVSTVS I PONTIFEX. MAXVM | TRIB. POTESTAT. XXV | XII) escreve ainda ALVES PEREIRA:

...«3.º Um pretenso milliario descrito por Fr. Bernardo de Brito na Monarchia Lusitana, II, V. p. 3. Este vicio de origem obriga-me a pôr ainda de parte este monumento como comprobativo da directriz; Hübner fulmina-o com a sua desconfiança (Corpus, II, 55 a) dizendo que Brito queria demonstrar com elle a existencia de Vacua. Não lhe darei porém eu maior valor que o proprio monge, que, como por prevenção, confessa que as letras da pedra eram «mal distinctas e muy quebradas». Assim a sua interpretação deve desinteressar-nos, visto que não ha meio de contraprovar a leitura de Fr. Bernardo de Brito, duvidosa para elle proprio. Para este, a lapide era porém um padrão de estrada, o que pouco vale por entretanto para nós; mas provinha do Castello de S. Gião, ao que parece, castro rico em ruinas de muros, etc. Isto, cuja importancia só modernamente se aprecia, é que não se inventa e dá visos de que com effeito alguma coisa lá pudera ter apparecido. Mas Brito, com o dizer que a lapide era padrão de estrada, contrariava sem o advertir a propria crença de que a via romana seguia pela / 329 / beiramar e Talabriga era em Aveiro. (Mon. Lusit. id., p. 130). Não obstante, ponha-se de parte a exactidão da epigraphe do supposto, mas rehabilitavel, milliario do castro de S. Gião, e fique, provisoriamente, apenas um facto − o achado de um padrão de via romana num castro das margens do Caima.» (Pág. 10).

Feita a demonstração geométrica a que acima nos referimos, nota o arqueólogo que estamos seguindo:

...«Esta primeira phase da minha demonstração, porém, já torna incompativel a actual situação de Aveiro com vestigios de Talabriga. E mais do que isto; vem levantar um equivoco de Plinio, que parece suppôr aquelle oppido ao sul do Vouga; se assim fosse, não seria possivel encontrar o ponto de reunião do caminho que descia de Cale a encontrar Lancobriga aos 19 kilometros e se prolongava na direcção do sul até mais 26 kilometros, onde devia beijar a Talabriga do Itinerario sem encontrar a de Plinio(32). O hiato resultante fica, parece-me, fechado e annullado, desviando Talabriga de Aveiro e aproximando-a de Albergaria, ao norte do Vouga; isto é, a hipothese que proponho é a que se concilia em todos os pontos com o Itinerario.» (Págs. 13-14).

...«Agueda está tambem perto de um Crasto (Pinho Leal).

Nas margens do Vouga, naquelle logar onde subsiste ainda a ponte medieval (Pinho Leal), encontra-se na aldeia de Vouga um morro que foi castro (Brito e P.e Carvalho, II, 161); explica Francisco do Nascimento da Silveira (Mappa breve da Lusitania), p. 239) que Vacca existia em sitio forte por natureza, entre as pontes de Vouga e Marnel, porque alli se vêem vestigios de muros antigos e sinaes de uma majestosa grandeza; existem ainda tijolos, cantarias, muralhas em Lamas de Vouga (Arch. Port., V, 50 e VII, 191)(33), e havia ahi a civitas Marnele (Port. Mon. Hist., «Diplom. et Chart.», n.º 819), ruja origem deve ter sido outro castro. / 330 /

Na carta geodesica vê-se, junto ao rio, um Castello (IIl). Isto é ainda do concelho de Agueda.

Na freguesia de Serem, tambem concelho de Agueda, outra civitas (Viterbo, s. v. Cidade); ha lá sitios elevados a norte e a sul (Cfr. M. Gomes).

Na freguesia da Branca ha um logar de Cristellos (M. Gomes e Arch. Port., II, 313).

Na serra de S. Julião, mesma freguesia, onde passa a estrada real, diz o Sr. M. Gomes que ha ruinas de muralhas e fossos; acreditava-se (Arch. Port., loc. cit.) que ahi era a antiga Langobria (sic). Não sei se é precisamente o mesmo local a que Brito (Mon. Lusit., II, V, p. 3) chama castello de S. Gião, onde havia ruinas de muros e elle encontrou o tal padrão suspeito e onde presume Lancobriga, não na Feira, diz, mas entre Albergaria e Bemposta, defronte de Pinheiro.

Significativa confusão! Aquelle logar de Cristello vem na carta geodesica entre Estarreja e a estrada real.

Na freguesia de Ul ha outro castro (aldeia do crasto), de que porém não conheço o ubi. Tem uma cintura de muralha de pedra solta ou cousa que o valha. (Pinho Leal, s. v. Ul).» (págs. 16-18).

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«Relançando novamente o olhar ao mappa, poder-se-há notar que a zona attribuivel á situação de Talabriga não está erma de castros, antes nella se dão varias circunstancias que não posso deixar de aproveitar para a minha these conjectural.

Branca é uma freguesia cuja sede fica na margem direita de Caima e que é cortada pela estrada real; ha nella um logar de Cristellos, que só pelo topónimo demonstra a existencia de um castro ou oppido. Mas alem d'este, infere-se do Sr. Marques Gomes, de Fr. Bernardo de Brito (loc. cit.) e d-O Arch. Porto (II, 313, «Mem. Parochiaes») que ha um local sito na serra de S. Julião, atravessado pela estrada real e que Brito mais claramente chama castello de S. Gião (castello por castro), no qual, segundo aquelles tres testemunhos, ha ruinas de muralhas e fossos, que o Sr. M. Gomes presume serem ruinas de uma atalaia e que o parocho das Memorias tambem capitula de vestigios romanos, acrescentando muito singularmente (note-se bem o que isto pode significar) que ahi esteve... Langobria (sic). Foi aqui que Brito diz ter encontrado a tal pedra de letras mal distinctas de que não affiança a leitura, mas que lhe pareceu padrão de estrada.

E aqui tem cabimento o que já atrás deixo dito, para absolver de fraude consciente a noticia archivada em Fr. Bernardo de Brito.

Parece-me pois ser neste aro, se não neste mesmo / 331 / ponto, que se deverá procurar o jazigo, não de Langobriga, mas da nossa Talabriga, e é precisamente a estas immediações que o compasso me levou ao medir sobre a carta a primeira secção da via romana de Coimbra a Gaia.

Não desconheço quanto de problematico isto tem antes de serem perguntados pelo archeologo os logares, as ruinas, os vestigios e os montes e as vozes da região, mas nem por isso o meu espirito deixa de ficar demonstrado, até o possivel, que as cinzas de Talabriga nunca podem estar guardadas em Aveiro. As coincidencias que acabo de notar, não são bases frivolas.

Só pois a inspecção directa do terreno, nas immediações da Branca, poderá concorrer para confirmar ou destruir a minha conjectura.

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As pontes de Vouga e Marnel são indicios bem importantes da frequencia das viagens através d'esta parte da região, afastada da costa baixa e paludosa. São decerto obras da idade media, dos mouros, diz Pinho Leal (s. v. Marnel e Vouga). Mas os indicios pre-romanos e romanos soletram-se nessas ruinas de muralhas, pedras lavradas, vestigios de edificios e toponymia, que os cabeços de Vouga e Marnel nos conservam, segundo descrevem Brito, Pinho Leal e os parochos do sec. XVIII nos extractos publicados pelo Archeologo Português.» (págs. 20-22)

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...« O que Barreiros conta relativamente a Cacia, encontra-se repercutido num local situado muito mais acima sobre o Vouga. No sec. XVIlI corria que em eras passadas ainda os navios subiam aquelle estuario até a antiga cidade de Vacua, onde depois foi a villa de Vouga e agora mero cabeço de Vouga (Arch. Port., VII, 191), que aliás tende a desapparecer, como desappareceu a de Marnel pelo impaludismo (Pinho Leal, Port. Ant. e Mod., S. V. Vouga).» (pág. 34).

Para remate destas transcrições do substancial estudado arqueólogo FELIX ALVES PEREIRA, que procurámos reduzir ao mínimo, daremos ainda esta página literariamente perfeita (embora historicamente falsa em quanto conclui sobre a nossa região, como adiante veremos), pois tem servido de cansado tema, dedilhado em todos os tons, à literatura, local pretensamente científica, até mesmo a propósito do Cabeça do Vouga:

...«De Talabriga temos uma das paginas da sua historia escrita por um autor do meio do sec. II d . C., Appiano de Alexandria.

É certamente este um caso particular, mas não deverá deixar de ser considerado como uma amostra de dramas / 332 / analogos que succederam com os oppidos lusitanos, no embate das cohortes romanas.

Talabriga, escreve Appiano, era uma das cidades (da Lusitania) que mais frequentemente se revoltava. Esta falta de resignação, este, direi eu, germen de patriotismo ou melhor de municipalismo, não podia tranquilizar Decimo Junio Bruto, que julgou que o caso era de reclamar a sua presença no local da cidade. Partiu com numerosa gente, e ao seu apparecimento responderam os irrequietos Talabrigenses com supplicas e o seu incondicional abandono á discrição do conquistador. Então J. Bruto foi energico e insaciavel, mas ao mesmo tempo teve um lanço inesperado de generosidade. Quis fazer-lhes sentir primeiro a dureza cruel do seu braço de guerreiro, e para isso impôs-lhe a immediata entrega dos transfugas das hostes d'elle, certamente alliados dos romanos, a dos prisioneiros, a de todo o armamento e ainda por cima exigiu refens. Depois chegou a ordenar-lhes que abandonassem a cidade com suas mulheres e filhos. Parece que o prestigio militar de J. Bruto não valia menos que seu tino de politico e conquistador. Os Talabrigenses aprontaram-se para obedecer alli mesmo. Mas o capitão romano queria compôr lhes um quadro que lhes impressionasse perduravelmente a imaginação. E ia espreitar o effeito produzido.

Desdobrou em circulo as suas tropas e, agglomerando dentro a chusma dos habitantes humilhados, arengou-lhes. Fez-lhes perceber que não receava a sua turbulencia indomita, porque quantas vezes desertassem, outras tantas elle viria combatê-los e reduzi-los com a necessaria firmeza. Incutido assim o receio e a convicção de que no momento adequado, J. Bruto cairia sobre elles com toda a energia, o general romano quebrantou a sua ira, satisfeito com estas objurgatorias. Mas não sem que lhes tornasse os cavallos, os mantimentos, os dinheiros da cidade com todo o outro material publico(34). Isto era claramente deixá-los na impotencia e até na penuria. E por fim J. Bruto, contra tudo quanto os Talabrigenses podiam já esperar (Praeter spem), restituiu-lhes a cidade para nella continuarem a habitar. Isto passava-se já meado do sec. II, antes de Christo (138a. C.).

Feito isto, o conquistador regressou a Roma.

Esta pagina da conquista da Lusitania é tanto mais importante quanto é, com igual individuação, a unica que nos resta de historia escrita dos oppidos lusitanos, e, embora narre um só episodio da guerra da conquista, não deixa de ser elucidativa. / 333 /

Quando li este trecho de Appiano (Appiani Alexandrini Rom. Historiarum quae supersunt . Parisiis . F. Didot. MDCCCXL), confesso que senti amargura por não podermos ainda ir conversar na região do Vouga com as ruinas da cidade, onde estes successos crueis se desfiaram, e segredar ás cinzas d'aquelle abrasado patriotismo que o mesmo sentimento, que chammejou nesses lusitanos insoffridos, ainda se não arrefentára com o soprar sobre ellas de vinte vezes cem invernos, e em mais de um dia, já da nossa existencia nacional, elle se tem ateado em protestos bem tumidos de calor.

Talabriga continuou a existir e refazer-se, atravessando a epoca imperatoria, como nos attesta: I.º, a data a que pertence a ara de Estorãos, sec . IlI-IV; 2.º, a sua inscripção no Itinerario (sec . IV). » (Págs. 35-36).

No Ensaio de inventario dos Castros portugueses por F. TAVARES DE PROENÇA (J.or), de 1908, já no distrito de Aveiro se recenseiam 6 castros (os n.os 54, 134, 284, 412, 414, 436); destes, é um o da Branca e outro o de Lamas do Vouga.

A bibliografia do castro de Lamas do Vouga já acima a demos, extraída do Arqueólogo Português; também no mesmo admirável repositório colheu TAVARES DE PROENÇA o registo do castro da Branca, conhecido como tal desde o século XVIII; a esse registo se refere ALVES PEREIRA, como vimos, e, para melhor esclarecimento dos problemas arqueológicos locais, e bem assim para se saber como, por quem, e quando foram registados, para aqui o transcrevemos também:

...«Ha tradiçam antigua que nesta Serra (de S. Julião) no tempo dos Mouros estava situada huma cidade a que chamavam Langobria, e ainda agora se vem (sic) no alto da serra alguns vestigios, donde se tiraram as pedras das muralhas(35)»... (Arq. Português, II, 313)

Em 1909 registam os Anaes do Município de Oliveira de Azemeis, entre muita notícia de valor arqueológico para o distrito, o marco miliário de Ul, a que já acima nos referimos; / 334 / determina a milha XII da estrada, faltando porém a indicação donde começava a contagem, isto é, se de Langóbriga ou de . Talábriga:

,..«O milliario é do tempo do imperador Tiberio Claudio Nero, augusto como todos os successores, pontifice supremo, filho do divino Augusto; e foi levantado na orla da estrada, entre 27 de junho do anno 23 da nossa éra e igual dia do anno 24.

Addite-se, por fim, que elle constitue o primeiro documento authentico, a primaria prova material de que a via militar descia de Cale para Aeminium, cortando pelo interior a servir os numerosos castros da região; e não se encostava toda ao littoral para visitar Aveiro, como se pretendia. Assim, tambem a velha hypothese da identificação de Aveiro com Talabriga, tão grata a muitos dos nossos antigos chorographos, recebe um rude golpe, quiçá mortal.

O precioso cylindro granitico, de grandes dimensões, não podia ter vindo de muito longe para os alicerces da desapparecida igreja ulense. Era, pois, por alli, na encosta do desmantellado castro, que rompia a estrada romana a demandar a gloriosa Talabriga, perdida e esquecida hoje n'um insondado mysterio.» (Págs. 350-351).

É já de nossos dias a restante bibliografia a citar, seleccionada de harmonia com o plano que estabelecemos para o estudo da estação luso-romana do Cabeço do Vouga.

Em 1922, dedicando à Bacia do Vouga um estudo geográfico modelar, o Sr. Dr. AMORIM GIRÃO, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, mostra como não é inconciliável a tradição secularmente mantida de que Talábriga era cidade romana da foz do Vouga, e a localização que os recentes estudos tendem a determinar-lhe no interior, longe da costa; a foz do Vouga ao tempo da dominação romana não coincidia com a actual, e esse facto, que a geologia e a documentação histórica permitem estabelecer com absoluta segurança, é fundamental para todas as identificações arqueológicas locais; a linha da costa ficou irrecusavelmente estabelecida no referido estudo, de que registamos os períodos seguintes:

...« Não se conseguiu ainda determinar com segurança onde ficava situada esta cidade (Talábriga), sendo contudo verosímil, em face de um bem deduzido estudo(36), que devia localizar-se não em Aveiro, Cacia ou Esgueira, como escritores antigos, modernos e mesmo até contemporâneos / 335 / teem pretendido, mas sim bastante mais para o interior: o que de forma alguma exclue, em nosso entender, a idea tão arreigada de que ficava junto da foz do Vouga, não onde ela hoje está, mas onde estava ainda ao tempo da dominação romana. É esta diversidade de aspecto topográfico entre a região do Baixo-Vouga na época actual e o que era na época proto-histórica que deve harmonizar, segundo cremos, a opinião unânime dos antigos escritores de que Talabriga ficava junto da foz desse rio, e a contagem das milhas na estrada romana e considerações derivadas da natureza do terreno, que se opõem fundamentalmente a que ela ficasse situada em Aveiro ou nas suas imediações. A notável povoação da antiga Lusitânia devia, com efeito, ficar mais no interior, perto do braço marinho onde o Vouga desaguava e, onde desaguavam também, independentemente dele, o Agueda e o Cértoma, braço marinho que as aluviões dos três rios posteriormente haviam de fazer desaparecer.

Então, ainda Aveiro e muitas povoações vizinhas da ria não existiam, e a ria não existia também, muito embora estivessem já em actividade as causas que contribuíram para a sua formação, e talvez mesmo a-pesar-de o cordão litoral estar já em parte construído, pois doutra sorte não teriam os escritores coévos passado em silêncio aquele singular acidente, em que a Natureza prodigaliza ao homem os mais variados recursos.» (Pags. 60-61).

Também o escritor Sr. Dr. ALBERTO SOUTO, que em 1923 contraditara a opinião justificada na Bacia do Vouga, acima referida, acerca da época da formação da Ria, manifestando, de preferência, concordar com o engenheiro ARAÚJO E SILVA que atribuiu à mesma a idade de 25 séculos (Origens da Ria de Aveiro, pág. 119)(37) e dizendo que «a formação da Ria na sua fase presente, deve ser obra anterior à dominação romana» (Págs.119-120)(38) − opinião que, a justificar-se, influiria nas conclusões a tirar de toda a arqueologia dos arredores de / 336 / Aveiro − refere-se, no opúsculo intitulado A Estação Arqueológica de Cacia, I, Primeiras palavras* Primeiras impressões, publicado em 1930, ao Cabeço do Vouga; aqui se transcrevem igualmente essas referencias, no mesmo intento de deixar reunido quanto apresente algum interesse para o estudo daquela estação arqueológica:

...«Falou Plinio no oppidum Talabriga.

Existiu tambem, segundo outra versão do mesmo classico, o oppidum Vacca.

Houve tambem a civitas Marnele.

E todos estes tres povoados demoraram pelas proximidades do rio Vouga.

Podemos admitir que Marnele e Vacca (Vacua, Vagia) tenham sido nos sitios do Marnel e Vouga, entre cujas povoações fica o historico cabeço regado pelo sangue dos combatentes de 1828, onde são evidentes os traços romanos e os restos de uma povoação de altura, bem providos de meios de defeza, e onde o exame do terreno não deixa duvidas da sua antiguidade.

Sem necessidade de excavações ali encontrei eu o classico poço e ali recolhi tegulas e tejolos de molde romano, um pondus e mós manuarias de que houve, segundo o meu inquerito, enorme quantidade.

O Itinerario de Antonino Pio menciona Talabriga que ficava não longe da foz do Vouga sobre a estrada romana que ia de Aeminium para Calem.

Ora segundo o abalisado e notavel estudo do sr. dr. Felix Alvares (sic) Pereira, sobre a Situação conjectural de Talabriga, a velha e heroica cidade da Lusitania, não podia ter existido na margem esquerda do Vouga.» (Pág. 13).

Em 1927, no jornal aveirense "O Debate" de 5 de Maio, iniciou o Sr. DR. FERREIRA NEVES uma série de artigos a propósito da ara de Estorãos, que FÉLIX ALVES PEREIRA estudara vinte anos antes, como acima vimos. Notando, muito justamente, não ter lido nem ouvido até à data «nenhuma referencia a tal monumento feita por qualquer aveirense quando sobre Aveiro ou Talábriga têm escrito», conclui que o mesmo era deles desconhecido. Descreve-o então e historia-o, e, admitindo que a talabrigense referida na inscrição pudesse ter sido originária da região de Aveiro, propõe que no Museu desta cidade se recolha um decalque e uma fotografia da ara.

Em carta de 19 de Abril de 1929, que tive presente, conta o Sr. DR. ANTÓNIO DE PINHO E MELO ao Sr. DR. FERREIRA NEVES como seu pai, proprietário de terrenos no Cabeço do Vouga, neles mandara semear pinhal, tendo os trabalhadores, por essa / 337 / ocasião, entulhado o velho poço lá existente, que a lenda ou tradição afirmava ser a entrada para um refúgio que atravessava o leito do Vouga indo desembocar para os lados de Carvalhal.

Nas operações então feitas para o arroteamento do terreno foram encontradas algumas moedas romanas, que o Sr. DR. PINHO E MELO conserva, descrevendo, na referida carta, uma delas em que muito distintamente se vê o conhecido símbolo alusivo à fundação de Roma − a loba amamentando Rómulo e Remo.

E acrescenta:

...«A poente de Pedaçães e na encosta que desce para o Marnel junto à sua confluência com o Vouga, ainda existem ruínas da povoação antiga.

Ali foram encontradas algumas pedras aparelhadas, enormes, a tal ponto que era custoso a um carro de bois transportar uma por cada vez, e tijolos que a ignorância dos lavradores fez destruir. Consegui apenas dois deles, que não tinham qualquer inscrição, mas perfeitos relevos, altos, e que leguei ao museu de Coimbra.

Ainda hoje se encontram e por lá existem, mós de granito, pequenas, e que deviam servir para os escravos moerem o trigo manualmente.»

Mantendo a cronologia que temos seguido tanto quanto nos tem sido possível, cumpre registar a série de artigos escritos no jornal "Correio do Vouga" pelo Sr. Tenente-coronel A. STRECHT DE VASCONCELOS, de 3 de Março de 1934 a 26 de Maio seguinte, donde extraímos os períodos seguintes, suficientes ao nosso problema:

...«Para averiguarmos a situação exacta de Talábriga, temos que considerar o que dela se diz nos textos e o que dela consta no Itinerário.

Segundo êste, Talábriga ficava a 18 milhas de Lancóbriga, que corresponde muito aproximadamente ao Castelo da Feira e a 40 milhas de Aemínio ou Coímbra.

Se medirmos na Carta de 1/850.000, por exemplo, a distância entre Feira e Coimbra, notamos que é de 0,095 m. o que representa uma distância real de 80,675 Km. As 58 milhas de 1472,5 m., que segundo o itinerário separam estes dois pontos e valem 84,405 Km, o que é natural, pois a distância pela estrada ha-de ser fatalmente superior à distância em linha recta.

Talábriga, devendo ficar a 18 milhas no sul da Feira, deve encontrar-se a cêrca de 18K,1472m,5 ou seja a cêrca de 26K,505 para o sul.

Se seguirmos na Carta Itinerária a estrada que liga a Feira com o procurado logar de Talábriga, perto da estrada / 338 / nacional Porto-Lisboa, verificamos que coincide sensivelmente com Lamas do Vouga.

De Lamas do Vouga a Coimbra, medem-se na Carta de 1/850.000 0,06 m, equivalentes a 51,00 Km; as 40 milhas que segundo o itinerário separavam Talábriga de Aemínio valem 57,900 Km. Tem pois uma diferença de cêrca de 7 kilometros entre as duas medidas: mas se considerarmos que este trôço de estrada àlêm de dever ser superior à distância em linha recta é muito sinuoso, temos que concordar que as distâncias coincidem e que é entre o Agueda e o Marnel que havemos de situar a celebrada Talabriga.»

Comentando, a seguir, o conhecido texto de PLÍNIO, diz o mesmo escritor:

...«A palavra pessures deve estar estropiada; pelo que me parece que o texto dizia: A Durio incipit Lusitania; Turduli Veteres, pessune eris Vacca oppidum Talabriga, ad Mundam. Isto é, os Turdulos habitam desde o logar onde no rio Vouga se está submergindo (pessum eris) o oppidum Talabriga.

Esta interpretação leva-nos a colocar Talábriga, não só no rio Vouga, mas em logar onde se estava erguendo, subvertendo nas suas águas ou nas suas areias, a mesma povoação e logares adjacentes.

Ora em Lamas (entre o Agueda e rio Marnel, ha duas pontes que estão já tão assoriadas, que se passa navegando sôbre elas, e tendo em consideração o que se deu com a ponte de Coimbra, que já é a terceira sobreposta, não repugna acreditar que, neste logar, ou próximo dele se tenha submergido no terreno uma antiga povoação, que se encontrava à margem, ou era atravessada pela estrada romana.

Alem disso, o logar de confluência de dois rios foi sempre o escolhido pelos (sic) para edificarem as suas domus, citanias ou condados, preferindo os picos ou cabêços dos montes a que os cursos de água faziam defêsa natural. A quando da invasão romana foram desalojados destas posições e obrigados a estabelecerem-se nos vales. Ora, perto do Marnel, ha no Cabêço do Vouga, vestígios de uma antiga povoação que, ou foi arrazada pelos romanos, como aconteceu à Feira, ou edificada pelos romanos para seu cómodo e defêsa, em logar do que se estava submergindo no fundo do vale.»

Tenta, por fim, várias etimologias de Talábriga, e conclui o seu estudo escrevendo:

...«De modo que, por mais voltas que dermos à palavra, ela se traduz sempre ou por povoação, logar ou fortaleza / 339 / [Vol. VII - N.º 28 - 1941] de Lamas, ou, abismada, submersa nas Lamas, Paul ou Marnel.

Ora esta coincidencia de distância aos pontos mais proximos do itinerário conjugada com a propriedade do toponimo em relação às caracteristicas do logar, parecem-me suficientemente persuasivas e fundamentaveis de Conclusão que a célebre Talabriga se encontra enterrada nas areias do Marnel; sendo por isso que se não encontram vestigios dela, como de muitas outras povoações que identicamente teem sofrido.»

Estudando as Estradas romanas no distrito de Aveiro, o Rev. Abade JOÃO DOMlNGUES AREDE, em 1937, emite a opinião de que é pelo leito da velha Estrada Real «que se deve fazer a contagem das milhas para a localização da Langóbriga e Talábriga», devendo esta «estanciar bastante ao norte do Vouga, por alturas da Branca», de harmonia com a conclusão a que chegara já FÉLIX ALVES PEREIRA.

A localização de Talábriga na margem esquerda do Vouga, baseada no conhecido texto de PLÍNIO, é pelo Rev. AREDE considerada

...«Sedutora hipótese, que encaixava à maravilha Talábriga na estação arqueológica do Cabeço do Vouga, a «civitas Mamelæ) do Portug. Mon. Hist. perto da antiga estrada e velhíssima ponte, para cuja fábrica ou reconstrução contribuiu D. Sancho Pires, Bispo do Porto, como já fica referido, e Langóbriga, arrastada por Talábriga, desceria para o «castelo» ou castro de Lações, sonho obsidiante do velho abade de Oliveira de Azeméis − Dr. Oliveira Ferreira.

Mas de Lações (paróquia de Azeméis) a Gaia vai o dôbro da distância, que no ltinerario separa Langóbriga de Cale, e do Marnel a Coimbra deve apurar-se menos 10 milhas que as contadas por Antonino entre Emínio e Talábriga.» (Arq. do Dist. de Aveiro, voI. IV, pág. 30).

Demonstrando o extremo cuidado que a utilização dos velhos textos exige e como, afinal, se torna necessário refazer inteiramente o processo histórico destes problemas, tem aqui justo cabimento o pequeno, mas altamente elucidativo, artigo do Sr. P.e MIGUEL DE OLIVEIRA no Arquivo do Distrito de Aveiro (Vol. IV, págs. 117 a 120) subordinado ao título de Talábriga.

Transcrevendo e traduzindo o famoso texto de APlANO ALEXANDRINO, invocado sempre que a literatura local pretende exaltar o civismo aveirense, entroncando-o na rebeldia com que / 340 / as populações indígenas resistiam à dominação romana, esclarece o Sr. P.e MIGUEL DE OLIVEIRA:

...«APlANO fala das guerrilhas que se formaram na Lusitânia depois da morte de Viriato e conta como Roma enviou contra elas o cônsul Décimo Júnio Bruto. Descritas as campanhas da Lusitânia, entre o Tejo e o Douro (cap: 71), narra o que se passou ao norte deste rio:

72. Depois, atravessado o rio Douro, tendo passeado as suas armas por muitos lugares distantes e recebido grande número de reféns de todos os que se rendiam, Bruto encaminhou-se para o rio chamado do Esquecimento(39) e foi o primeiro dos Romanos a transpô-lo.

Avançando dali para outro rio, o Minho(40), como os Brácaros lhe roubassem os 'mantimentos que consigo transportava, marchou contra os Brácaros.

São estes um povo belicosíssimo, e até levavam consigo a combater as mulheres armadas, e todos lutavam com tal intrepidez, que preferiam arrostar a morte a volver costas ou soltar um grito de cobardia. Mais ainda: algumas das mulheres que foram apanhadas matavam-se por suas mãos, outras assassinavam os próprios filhos e julgavam preferível a morte à servidão.

Alguns ópidos vieram, todavia, a submeter-se ao poder de Bruto e, embora se rebelassem pouco depois, foram por ele inteiramente dominados;

73. Foi o ópido de Talábriga um dos que mais vezes se rebelaram. Vindo lá, como os habitantes lhe implorassem clemência e oferecessem submissão, Bruto começou por mandar que lhe entregassem, além dos refens, os Romanos trânsfugas, os cativos e todas as armas: depois ordenou que saíssem da cidade com as mulheres e os filhos. Apenas eles se dispuseram a cumprir essa ordem, cercou-os de tropas e dirigiu-lhes um discurso em que os advertiu de que as suas rebeliões só poderiam reacender a guerra e cada vez mais violenta. Tendo-lhes assim incutido temor e a ideia de mais séria revindita, descarregou no entanto a sua ira nestas objurgatórias. Tirou-lhes os cavalos, os mantimentos, os dinheiros públicos e os restantes apetrechos, mas deixou-lhes para moradia o ópido com que já não contavam. Depois de tantos feitos, Bruto regressou a Roma.»

. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

«Bastava o texto de APlANO para concluirmos que a sua Talábriga era um ópido dos Brácaros. O capítulo 73 / 341 / é uma é uma continuação do anterior, cuja acção decorre no Alto Minho. Se nessa região aparece a relíquia arqueológica da piedade de uma talabrigense,(41) mais um motivo para não procurarmos em outra parte essa Talábriga, não era, aliás, muito natural, que nesses tempos se expatriasse para as margens do Lima uma família pertencente a um ópido do Vouga.

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(1) Plínio, Nat. Hist., liv. IV, cap. XXI. − Jeronymo Soares Barbosa, Epit. da Hist. da Lusit., cap. VI, pág. 165.

(2) Romey, Hist. de Hesp., tom. IV, pág. 195. − Duarte Nunes de Leão, Descrip. do Reino de Port. − Memórias de Aveiro, pág. 27. 

(3) − G. BARREIROS, Chorog., p. 51.

(4) STRAB., III, 3, 4.

(5) Port: Mon. Hist., Dipl. et Chart., doc. XII de 897.  

(6) ADOLFO COELHO, Sur la forme de quelques noms géographiques de la péninsule lbérique, Mélanges Graux, 1882.

(7) Cosmographia olim Aethici dicta, ed. Riese, Heilbronnae, 1878, p. 80.

(8) APPIAN. VI, 74. 

(9) OROSIO, His., v, 2.  

(10) PTOL., II, 6.

(11) MARC. HERACL., II, 13. É praticamente impossível reproduzir com rigor o texto em grego. Todavia, procurámos grafá-lo da maneira mais aproximada da versão correcta.

(12) EDRISI, Geogr., tr. par P. AMEDÉE JAUBERT, V, I.

(13) G. A. PERY, Geogr. e est. ger. de Portugal, p. 10. Obs.

(14) G. BARREIROS, op. cit., p. 50 v.

(15) CARVALHO, Chorog. port., lI, p. 161.

(16) ADOLFO COELHO, op. cit.  

(17) Obs. pess..

(18) − MARTINHO DA FONSECA, Aditamentos ao Dicionário Bibliográfico Português de Inocência Francisco da Silva, Coimbra, 1927,pág. 81.

(19)V. Viseu, tomo II, pag. 1690 (tit. Cava de Viriato) col. 2.ª  e segg. − nomeadamente pag. 1693 (nota) 1695, 1714 e 1715.

(20)V. Viseu, tomo II.º pag. 1805, cal. 1.ª.  

(21)V. Viseu, tomo II.º pag. 1803, col. 3.ª.   

(22)V. Viseu, tomo II.º pag. 1815, cal. 2.ª e segg.   

(23)V. Viseu, tomo II.º pag. 1715, col. 1.ª.  

(24)Pallencia, hoje Pallença, foi tambem cidade dos vacceos no tempo de Plinio, mas no tempo da Hespanha primitiva pertencia aos arevacos. Memorias d'Argote, tomo 1.º pag. 76 e 43.   

(25) − V. Oppida restituta no Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa, 7.ª serie, n.º 2 − 1884.  

(26)Mem. de Braga, tomo 1.º, pag. 392, n.º 643, − e pag. 394, n.º 645..   

(27)«Esta mesma inscripção, forjada ou descoberta por Fr. Bemardo de Brito, foi aproveitada pelo seu contemporaneo e correligionario Manoel de Faria e Sousa na Europa Portugueza, tomo I.º pag. 250, sem dizer como houve tal preciosidade, pois adoptou o systema de não se incommodar com citações, caminhando ávante estribado na auctoridade propria.

Fr. Bernardo de Brito era mais modesto, porque ordinariamente se apegava ao bordão do seu Laimundo.

À mesma inscripção se referiu tambem posteriormente Jeronymo Soares Barbosa no Epitome da Hist Lusit. cap. 6.º »  

(28)«Fr. Bernardo de Brito traduzia Eminium por Agueda, mas está hoje demonstrado que Eminium é a Coimbra actual, em virtude de uma inscripção encontrada em Coimbra recentemente, a qual se refere a Eminium como situada ali. V. Coimbra n'este diccion. e no supplemento.» .

(29)«V. Viseu, tomo IIº pag. 1570, col. 1.ª − e 1682, col. 1.ª tambem.»

(30) «Veja-se Dict. des antiq. grecq. el. rom., por Saglio & Daremberg, s. v. Milliarium. A milha exacta era 1481,50 metros.».

(31) «Esta repetição do onomástico local pode explicar-se, ou porque alguns nomes tenham sido outrora apelativos, ou porque as migrações os tenham transportado de uns a outros lugares; em todo o caso indicam que a mesma língua estava espalhada por largo espaço.
       Quanto a Talábriga, já referi que o segundo elemento é céltico; o primeiro não o é. Entre as trinta palavras que trazem o componente briga, só três, na opinião de Glück, é que parecem ter também a raiz céltica, e são − Nemetobriga, Nertobriga, Segobriga.
       As outras raízes são mais semelhantes ás ibéricas (Mon. Ling. lber., p. XCVIII).
      Sendo assim a duplicação das Talabrigas, devia dar-se depois de assim constituída a palavra debaixo da influencia da civilização céltica, e portanto também na área respectiva.»

32 «Nada mais possivel do que um erro de informação de Plinio. Mas, poderia tambem haver aqui uma confusão entre a Talabriga do roteiro romano e a Vacua, de que parece existirem ruinas no Cabeço do Vouga (Cit. Oppida restituta, 1885). Mas o Itinerario omitte-a, o que é apenas argumento negativo. Ainda se poderia dar o caso de Vacua não ser mansio do caminho romano. Havia um codice do Plinio que nomeava Talabriga e Vacca e uma cosmographia antiga que refere Vacca (sic) e não Talabriga, que aliás deveria ter conhecido pelos AA.  Jorge Cardoso, no Agiologio, lI, 65, quer que Vacua tenha sido em Viseu. Peor!».

(33) «O parocho de Segadães (1758) informava que a antiga cidade de Vacca (sic) fora assolada pelos mouros.»...

(34) «...pecuniis publicis, rum reliquo publico apparatu, ademtis. Isto dá bem a entender que havia uma perfeita organização politica, e nella se estribava a organização de uma defeza militar contra a invasão romana.»

(35) Em nota ao parágrafo seguinte, que não interessa ao nosso ponto de vista, pois trata da mina do Palhal, diz-se ainda: «No Dicc. Geog., II, 278 vem mencionado como existente nesta freguesia o lugar de Cristello, que deve ser talvez uma forma derivada de Crastello, de Crasto ou Castro. No ms. aparece a forma Crestello Cfr. O Arch. Port, I, 3, Castrs »...

(36) «Sr. Dr. F. ALVES PEREIRA, Geografia proto-histórica da Lusitânia. − Situação conjectural de Talábriga (Arqueólogo Português, XII, p. 129 e segs.»

(37) A pág. 122 amplia, mesmo, aquee cálculo, sendo de parecer que «temos ainda muita liberdade para atribuirmos tres dezenas de seculos á Ria de Aveiro».

(38) «a conclusão da antiguidade duma Ria remontando á época pre-romana, é inteiramente logica e legitima» (op. cit., pág. 125). «As razões de Viterbo levam-nos a concluir que a Ria tinha no tempo dos mouros ou dos romanos (sic) uma configuração tal que já eram possiveis as obstruções da sua comunicação com o mar e as inundações desastrosas que posteriormente se observaram. Sendo assim, a Ria tem uma antiguidade que excede a admitida pelos escritores que a consideram posterior á fundação da Monarquia portuguesa.» (op. cit., pág. 154).

(39) «Léthen no texto grego ao lado; trata-se do rio Lima.»

(40) «Nimios no texto grego; os críticos propõem a emenda para Miniou.»

(41) O autor refere-se à ara de Estorãos e ao comentário de FÉLIX ALVES PEREIRA, notando, muito judiciosamente, que «parece, todavia, um pouco estranho que o erudito investigador se lembrasse de consultar APlANO a propósito de uma ara encontrada na região do Lima e não visse que o texto do historiador o encaminhava igualmente para lá.»

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