Joaquim Soares de Sousa Baptista, A previsão do tempo na região da Ribeira do Vouga, Vol. VI, pp. 221-223.

A PREVISÃO DO TEMPO

NA REGIÃO DA RIBEIRA DO VOUGA

MOVIDA tão somente pelo instinto, procurou a vida animal (e porque não também a vegetal?), desde seu aparecimento na Terra, libertar-se dos nefastos efeitos do intemperismo, e daí a grande variedade de actos praticados pelos representantes de suas numerosíssimas espécies − quer impressionados por fenómenos quase vizinhos, quer por aqueles que largamente antecedem as mudanças do tempo −, cuja finalidade se molda na busca de seguro abrigo onde acolher-se antes que surja o temporal, o nevão ou a borrasca. Todavia, se ainda assim é com os seres inferiores, no homem, com o fortalecer da inteligência, o acto instintivo cedeu caminho às conquistas da observação, tesouro acrescido ano a ano com os esclarecimentos recolhidos pelas inumeráveis gerações que passaram no Mundo e hoje concretizados em modo de expressivos rifões que ao agricultor marcam a melhor directriz à sua actividade nos amanhos do solo, para maior produtividade das plantas de seus cuidados, e colheita e guarda dos respectivos frutos. E à pesquisa de novos sinais que lhe permitam melhor alicerçar a previsão do tempo, o homem da terra, sobretudo pelas horas do aparecer e mergulhar do sol, continuamente volve sua atenção.

É certo que a Ciência meteorológica nega toda a possibilidade da predição dos fenómenos atmosféricos a largo termo. De tal parecer não partilha, entretanto, o camponês, que teima em dar à colheita da observação o valor que a frequência das realidades impõe. E dia virá, talvez, em que a mesma Ciência encontrará o fundamento por que alguns daqueles fenómenos, ocorridos em determinados dias, vêm a repetir-se com certo método durante definido período.

Como é natural, cada região conta ditados meteorológicos que são produto das particularidades do seu clima, e com estes / 222 / e os de maior generalização se constituiu, pelo andar dos anos, o quadro dos mais vulgarizados na respectiva área. Entre os comuns, por esta aba serrana em que habitamos, mais amiúde se ouvem os seguintes:

Vento que à meia-noite do Natal soprar
em todo o ano no tempo virá a mandar.

É crença arreigada em muitos lavradores que o vento fluente à meia-noite do Natal fortemente virá a preponderar na meteorologia durante o ano que vai suceder-lhe. Assim, se correr vento do quadrante Sul, é para eles certo que será o ano chuvoso; e seco e frio, se do quadrante Norte. Com o primeiro, não haverá grandes geadas, e, por isso mesmo, mal correrá ao trigo; com o segundo, castigarão estas e podem as vinhas queimar-se, mas àquele cereal ensejarão as melhores possibilidades.

Não admira, em tal maneira, que haja lavrador cuidadoso que ao passar da referida meia-noite se levante para observar de que lado fica o vento.

Afigura-se-nos aqui manifesta a influência do solstício decembral, não sendo de menos valiosa consideração a passagem do estival. E, senão, recordemos um pouco coisas bem recentes:

Bastante choveu pelo S. João do ano transacto e farto foi o ano em milho de sequeiro, porque a este não faltaram umas chuvazitas de quando em quando; e o míldio trabalhou à vontade... Pelo Natal também fortemente choveu, seguindo-se-lhe três dias de nordeste; ora, no decorrer do primeiro semestre do ano andante, bem pouco mais tivemos que a invernia e o maléfico soprar daquele. E, com o chuvoso Natal, miserável colheita de trigo e a fortuna dos fabricantes de sulfato...

Se chover em dia de Santa Inês,
choverá todo o mês.

Passa o dia desta Santa a 21 de Janeiro, e diz o adágio que chovendo neste dia, em todos os meses do ano alguma chuva haverá, sendo, pois, de bom prognóstico para a lavoura.

Ruivas para Viseu,
aviso teu...

Estamos na região da Ribeira do Vouga, e a leste nos demora a cidade de Viseu. Semelhantes ruivas são, de tal sorte, mais caracterizadamente vistas ao nascer do sol. Ora, ruivas matinais fortemente coloridas representam sempre acentuado pronúncia de que a chuva não tardará. Daí, o aviso que valem para o lavrador e o necessitado de viajar.

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Se vires ruivas para o mar,
sela o cavalo e põe-te a andar.

Denotam estas ruivas o inverso daquelas. Significam firmeza de tempo, que ao viandante − pedestre ou cavaleiro − permite fazer caminho sem os percalços da invernia, e ao lavrador incute ânimo e tranquilidade espiritual para prosseguir em sua fama.

Com lua nova trovejada,
trinta dias será molhada.

O povo o acredita, porque, salvas bem poucas excepções, assim acontece. Na verdade, se troveja pela lua nova, mais ou menos o fenómeno se repetirá, acompanhado por maior ou menor precipitação pluvial, até que volte o nosso satélite àquela fase.

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Os ditados a que vimos de referir-nos, raramente se ouvem como foram grafados, cada pessoa que os repete o fazendo a seu modo, principalmente quanto ao primeiro. Reunindo partes e excluindo repetições, parece-nos com fidelidade havermos posto em relevo os conceitos respectivos.

JOAQUIM SOARES DE SOUSA BAPTISTA

 

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